Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||||||||
Processo: |
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Relator: | MÁRIO BRANCO COELHO | ||||||||
Descritores: | CONVERSÃO DA INCAPACIDADE TEMPORÁRIA EM PERMANENTE INCAPACIDADE PERMANENTE PRORROGAÇÃO DO PRAZO INCAPACIDADE TEMPORÁRIA | ||||||||
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Data do Acordão: | 04/23/2020 | ||||||||
Votação: | UNANIMIDADE | ||||||||
Texto Integral: | S | ||||||||
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Sumário: |
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora: No Juízo do Trabalho de Portimão, em 09.03.2017 Z... Sucursal em Portugal efectuou participação de acidente de trabalho ocorrido em 08.06.2016 a L..., quando trabalhava sob as ordens e direcção de L..., S.A.. De acordo com a participação inicial da Seguradora, ao sinistrado havia sido concedida alta em 01.03.2017, curado com desvalorização. Realizado exame médico singular, seguiu-se tentativa de conciliação (realizada em 01.03.2018), na qual a Seguradora e a entidade empregadora reconheceram a existência e caracterização do acidente de trabalho, o nexo causal entre este e as lesões, reconhecendo a primeira, ainda, que para si estava transferida a responsabilidade pela produção do evento em função do valor de € 16.651,32, enquanto a segunda assumiu a responsabilidade pela reparação em função do valor de € 286,00, que não estava transferido para a Seguradora. No entanto, a conciliação não se obteve, porquanto o sinistrado não concordou com os períodos, natureza e grau da incapacidade temporária, nem com a natureza e grau da incapacidade permanente atribuída, discordando ainda da data da cura clínica. E nessa sequência, o sinistrado requereu a realização de junta médica, formulando os pertinentes quesitos. Convocada junta médica para 08.06.2018, foi suspensa porquanto o sinistrado comunicou que havia sido operado pelos serviços clínicos da Seguradora e ainda estava a ser seguido pelos mesmos, não tendo obtido alta clínica. Em consequência, foi proferido despacho determinando que a Seguradora informasse o resultado das consultas efectuadas ao sinistrado e a data da alta clínica do mesmo. A Seguradora juntou aos autos diversos requerimentos – em 27.02.2018, em 11.07.2018, em 18.09.2018, em 07.11.2018, em 14.01.2019, em 14.02.2019, em 21.03.2019 e em 31.05.2019 – comunicando a recaída do sinistrado após a alta clínica que lhe havia sido concedida em 01.03.2017 e mencionando o acompanhamento clínico que vinha fazendo, com junção de diversos elementos clínicos e informação acerca das incapacidades temporárias atribuídas. Finalmente, a Seguradora comunicou que havia concedido a alta clínica em 03.06.2019, com desvalorização, juntando boletim de alta e ficha de avaliação de incapacidade. Nessa sequência, foi de novo convocada a junta médica, na qual, por unanimidade, foram respondidos os quesitos formulados pelo sinistrado, descritas as sequelas, declarada a consolidação médico-legal em 03.06.2019 com uma IPP de 21,75%, e fixadas as incapacidades temporárias de acordo com a informação prestada pela Seguradora a fs. 418. De acordo com esta informação – aceite unanimemente pelos peritos médicos – em relação ao período de recaída consta o seguinte: · 11.10.2017 – sem incapacidade; · 25.10.2017 – incapacidade temporária parcial (20%); · 28.11.2017 – incapacidade temporária absoluta; · 23.04.2019 – incapacidade temporária parcial (25%); · 03.06.2019 – alta curado com desvalorização. A sentença decidiu, porém, fixar as incapacidades temporárias nos seguintes períodos: - ITA de 09.06.2016 a 15.02.2017 e de 28.11.2017 a 22.04.2019; - ITP de 30% de 16.02.2017 a 27.02.2017; e, - ITP de 20% de 11.10.2017 a 27.11.2017. Mais decidiu que a incapacidade temporária após a recaída teve a duração de 19 meses e 24 dias, aplicando o disposto no art. 22.º n.º 1 da Lei 98/2009 e convertendo a ITA em IPA, com referência à data de 11.04.2019. A condenação formulada é a seguinte: «a) Julga-se o sinistrado L..., por via do acidente de trabalho de que foi vítima a 08.06.2016, afectado de 09.06.2016 até 15.02.2017 e de 28.11.2017 a 22.04.2019 de uma ITA (incapacidade temporária absoluta), de 16.02.2017 até 27.02.2017 de uma ITP (incapacidade temporária parcial) de 30%, e de 11.10.2017 até 27.11.2017, de uma ITP de 20%; b) Julga-se o sinistrado L..., por via do mesmo acidente de trabalho, afectado a partir de 11.04.2019 de incapacidade permanente absoluta (IPA); c) Condenam-se, em conformidade, as entidades responsáveis “Z...” e “L..., S.A.”, a pagar ao sinistrado, a pensão anual, vitalícia e actualizável de € 13.549,86 (treze mil, quinhentos e quarenta e nove euros e oitenta e seis cêntimos), acrescida do montante de € 1.693,73 (mil, seiscentos e noventa e três euros e setenta e três cêntimos) pelo dependente a cargo, até ao limite da retribuição, devida desde 11.04.2019, sendo da responsabilidade da entidade seguradora o valor de € 14.986,19 (catorze mil, novecentos e oitenta e seis euros e dezanove cêntimos) e da responsabilidade da entidade empregadora o valor de € 257,40 (duzentos e cinquenta e sete euros e quarenta cêntimos); d) Condena-se, ainda, a responsável “Z...” a pagar ao sinistrado, a quantia de € 5.752,08 (cinco mil, setecentos e cinquenta e dois euros e oito cêntimos), a ser paga de uma só vez, a título de subsídio de elevada incapacidade permanente; e) São devidos juros de mora sobre as prestações pecuniárias em atraso, à taxa anual de 4%. f) Mais se condena, a responsável empregadora “L..., S.A.” a pagar ao sinistrado as quantias de € 427,63 (quatrocentos e vinte e sete euros e sessenta e três cêntimos), € 1,97 (um euro e noventa e sete cêntimos) e € 5,97 (cinco euros e noventa e sete cêntimos) a título de indemnizações pelas incapacidades temporárias absoluta (752 dias) e parcial (12 dias a 30% e 48 dias a 20%) a que o sinistrado esteve sujeito, acrescidas de juros contados sobre cada importância diária desde o dia respectivo em que é devida; Fixa-se o valor da acção em € 200.268,34 (duzentos mil, duzentos e sessenta e oito euros e trinta e quatro cêntimos).» Esta é a sentença sob recurso da Seguradora, que formula as seguintes conclusões: A. A Recorrente não se conforma com a decisão proferida nos autos que: (…) B. Na douta sentença recorrida foram fixadas ao sinistrado as seguintes incapacidades temporárias: - Incapacidade temporária absoluta (ITA) de 09.06.2016 a 15.02.2017 e de 28.11.2017 a 22.04.2019; - Incapacidade temporária parcial (ITP) de 30% de 16.02.2017 a 27.02.2017; e - Incapacidade temporária parcial (ITP) de 20% de 11.10.2017 a 27.11.2017. C. Como está sobejamente documentado nos autos, aliás em conformidade com o exame médico singular de fls. 74 e com o Auto de Junta Médica de fls. 439, o sinistrado teve alta em 01 de Março de 2017 e recaiu em 11 de Outubro de 2017. D. A partir de 11 de Outubro de 2017 o sinistrado voltou a estar em situação de incapacidade temporária para o trabalho até que voltou a ter alta em 03 de Junho de 2019. E. Assim, verificando-se que os novos períodos de incapacidade temporária para o trabalho ocorreram após a atribuição de uma incapacidade permanente, a seguradora entende que não se aplica à situação sub judicio o disposto no Artº 22º nº 1 da Lei nº 98/2009, de 04 de Setembro. F. Porém, caso a meritíssima juiz a quo entendesse que decorridos 18 meses sobre os novos períodos de incapacidade temporária esta se converteria em permanente, então, em obediência ao disposto no dito Artigo 22º nº 1 da Lei nº 98/2009, deveria a meritíssima juiz ter determinado que a Junta Médica reavaliasse o grau de incapacidade permanente do sinistrado à data em que se perfizeram esses 18 meses. G. Como se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19-09-2012 no proc. 3605/10.8TTLSB.L1-4, disponível em www.dgsi.pt, “1. Nas situações em que a incapacidade temporária se converte em permanente decorridos 18 (ou 30) meses consecutivos, por força do disposto no art. 42º do DL 143/99, de 30/04, o que se converte é a natureza da incapacidade (de temporária em permanente) e não o grau dessa incapacidade.” H. Como se colhe da fundamentação desse aresto, “(…) se é certo que quanto à natureza a incapacidade se converte (de temporária para permanente) por força do decurso do prazo, o mesmo já não se verifica em relação ao grau de incapacidade: este será o fixado pelo perito médico do tribunal na reavaliação e, não havendo acordo quanto ao mesmo na tentativa de conciliação, e requerida e realizada junta médica, não se vislumbra obstáculo legal a que seja o fixado pelo juiz após aquela. Dito de forma mais directa: o que se converte por força do regime estabelecido no citado artigo 42º é a natureza da incapacidade (que passa de temporária a permanente), mas não o grau dessa incapacidade; este será o fixado pelo perito médico e homologado em tentativa de conciliação ou, posteriormente, no caso do processo prosseguir (como sucedeu nesta acção), o fixado a final pelo juiz.” I. Não pode, por isso, colher, o entendimento expendido pela meritíssima juiz a quo na douta sentença recorrida, segundo o qual “ Não há, no caso, que pedir nova avaliação do sinistrado, atendendo a que, além do perito do Gabinete Médico-Legal e Forense do Barlavento Algarvio do IMLCF, também os peritos que integraram a junta médica tiveram oportunidade de examinar o sinistrado, bem como os elementos clínicos carreados para os autos pela seguradora – e todos foram unânimes no seu veredicto quanto às incapacidades que ao longo desse período de tempo a afectaram. É, pois, desnecessária qualquer reavaliação suplementar.” J. É que dos elementos clínicos carreados para os autos pela seguradora e da resposta aos quesitos VII. e VIII. no Auto de Junta Médica resulta até que a partir de 24-04-2019 o sinistrado passou a ITP de 25% e em 03-06-2019 teve alta com uma I.P.P. de 21,75%, pelo que nada permite à meritíssima juiz concluir que os senhores peritos avaliariam a I.P.P. à data de 11-04-2019 em 100%!! K. Se a meritíssima juiz a quo entendia que havia lugar à aplicação do disposto no nº 1 do Artº 22º da lei nº 98/2009, de 04/09, deveria tê-lo aplicado in totum, ordenando então à Junta Médica que avaliasse o grau de incapacidade permanente do sinistrado à data de 11 de Abril de 2019. L. A douta decisão recorrida, ao julgar o sinistrado afectado de IPA a partir de 11- 04-2019 sem que tal resulte de uma reavaliação da Junta Médica, violou o disposto no Artigo 22º nº 1 da Lei nº 98/2009 de 04/09. M. A douta decisão recorrida deve, pois, ser inteiramente revogada e substituída por outra que julgue não haver in casu lugar à aplicação do disposto no Artº 22º da Lei nº 98/2009 em virtude de o período de incapacidade que decorreu entre 11-10-2017 e 03-06-2019 ter ocorrido após a alta verificada em 01-03-2017 e quando entre essa alta e 10-10-2017 o sinistrado esteve em situação de curado com I.P.P. Ou, se assim se não entender, N. Sempre a douta decisão recorrida deve, igualmente, ser inteiramente revogada, ordenando-se que os autos sejam presentes aos senhores peritos que constituíram a Junta Médica para que estes reavaliem o grau de incapacidade permanente do sinistrado à data de 11 Abril de 2019, proferindo-se posteriormente sentença fixando o grau de IPP e respectivos direitos a ela inerentes após reavaliação da junta médica. Não foi oferecida resposta. Já nesta Relação, o Digno Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido do provimento parcial do recurso. Dispensados os vistos, cumpre-nos decidir. Da fixação dos períodos de incapacidade temporária De acordo com o art. 662.º n.º 1 do Código de Processo Civil, a Relação pode alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Trata-se de uma evolução em relação ao art. 712.º da anterior lei processual civil, consagrando uma efectiva autonomia decisória dos Tribunais da Relação na reapreciação da matéria de facto, competindo-lhes formar a sua própria convicção, podendo, ainda, renovar os meios de prova e mesmo produzir novos meios de prova, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada em primeira instância. No caso, a primeira instância motivou a decisão quanto aos períodos de incapacidade temporária, inseridos no ponto 1.4 do elenco fáctico, nos seguintes fundamentos: “No que se refere aos períodos de incapacidade temporária, os peritos que integraram a junta médica acolheram os períodos considerados pela entidade seguradora – levando em conta a «recaída» do sinistrado e os períodos de incapacidade temporária atribuídos em consequência da segunda intervenção cirúrgica realizada – fundamentando a sua posição em termos que não são desafiados por nenhum outro elemento de prova (remetendo para os tratamentos prestados, o tipo de lesões sofridas e os períodos de convalescença medicamente expectáveis). Não temos quaisquer outros dados que permitam duvidar, de forma fundamentada, do parecer técnico dos peritos médicos.” A motivação assenta, pois, no laudo pericial e afirma-se que inexistem outros elementos nos autos que permitam divergir desse parecer técnico. Mas se esta é a motivação, não se compreende a divergência em relação ao parecer da perícia colegial, que ao responder aos quesitos VII e VIII oferecidos pelo sinistrado, declara que “as incapacidades temporárias são as referidas a fs. 418 dos autos”, assim remetendo para os períodos de incapacidade temporária indicados pelos serviços clínicos da Seguradora, de onde consta que em 11.10.2017 o sinistrado estava sem incapacidade, passando em 25.10.2017 a incapacidade temporária parcial de 20%, agravada em 28.11.2017 para incapacidade temporária absoluta, que apenas passou a incapacidade temporária parcial de 25% em 23.04.2019, obtendo a alta curado com desvalorização apenas em 03.06.2019. Para além da divergência quanto ao início da incapacidade temporária no período de recaída – que a decisão recorrida antecipa para 11.10.2017, sem que o laudo pericial o confirme – é igualmente ignorado o período de incapacidade temporária parcial de 25% iniciado em 23.04.2019. Os demais elementos clínicos juntos aos autos, nomeadamente os relatórios das consultas médicas que a Seguradora apresentou, revelam que o sinistrado compareceu a consultas em 11.10.2017 e em 17.10.2017, onde apenas se discutiram opções terapêuticas, e apenas na consulta de 24.10.2017 se decidiu solicitar uma RMN e manter o sinistrado em “TP a 20%”, até que na consulta de 27.11.2017 se optou por uma intervenção cirúrgica, que teve lugar a 15.12.2017, não se vislumbrando nos autos qualquer outro elemento clínico que permita concluir que, ao contrário do afirmado pelos peritos médicos, o sinistrado entrou em incapacidade temporária logo a 11.10.2017. Note-se que, tendo os autos prosseguido nos termos do art. 138.º n.º 2 do Código de Processo do Trabalho para realização de junta médica, a prova a realizar é essencialmente pericial, tanto mais que estão em apreciação factos para os quais são necessários conhecimentos especiais, nomeadamente de carácter médico, que os julgadores não possuem. Porém, “apesar de a resposta do perito assentar, por via de regra, em conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, é ao tribunal, de harmonia com o prudente critério dos juízes, que se reconhece o poder de decidir sobre a realidade do facto a que a perícia se refere. Parte-se do princípio de que aos juízes não é inacessível controlo do raciocínio que conduz o perito à formulação do seu lado e de que lhes é de igual modo possível optar por um dos laudos ou afastar-se mesmo de todos eles, no caso frequente de divergência entre os peritos».[1] Porém, cabendo ao juiz decidir a matéria de facto de acordo com a sua livre convicção, deverá sempre motivá-la, exercendo um juízo crítico conforme à sua experiência, prudência e bom senso, podendo até divergir do laudo pericial, desde que o faça fundamentadamente, havendo a notar que quando “todas as questões pertinentes foram objecto de apreciação e pronúncia pelos senhores (peritos médicos), merecendo respostas unânimes e devidamente fundamentadas, só pode desviar-se desse parecer técnico desde que constate algo que evidencie um erro manifesto, isto é, em situações excepcionais, por exemplo, no enquadramento legal da situação face à TNI, ou na desconsideração de um determinado elemento relevante.”[2] E se assim é, afirmando a decisão recorrida que fundava a decisão quanto aos períodos de incapacidade temporária exclusivamente no laudo dos peritos médicos, não podia deles divergir, fixando esses períodos em termos diversos dos atribuídos pela junta médica, pelo que esta parte da matéria de facto deve necessariamente ser alterada, ao abrigo dos poderes concedidos pelo art. 662.º n.º 1 do Código de Processo Civil. De igual modo, tendo a junta médica concluído que as sequelas se consolidaram em 03.06.2019, com o sinistrado afectado de uma IPP de 21,75%, inexistindo igualmente nos autos qualquer outro elemento que permita divergir dessa conclusão, deve tal facto ser lançado no respectivo elenco, tanto mais que se mostra relevante para definir as prestações legais a que o sinistrado tem direito. Em consequência, a matéria de facto fixa-se nos seguintes termos: 1. O sinistrado L... nasceu no dia 25.08.1965. 2. No dia 08.06.2016, quando exercia as suas tarefas profissionais de supervisor de bares, ao serviço de “L..., S.A.”, sofreu traumatismo do joelho direito devido a queda. 3. Desse traumatismo resultaram para o sinistrado gonalgia, amiotrofia de 5 cm da coxa direita e limitação articular dos movimentos a 110º. 4. Desse acidente resultaram para o sinistrado as seguintes incapacidades temporárias: · De 09.06.2016 a 15.02.2017 – incapacidade temporária absoluta; · De 16.02.2017 a 27.02.2017 – incapacidade temporária parcial de 30%; · De 25.10.2017 a 27.11.2017 – incapacidade temporária parcial de 20%; · De 28.11.2017 a 22.04.2019 – incapacidade temporária absoluta; · De 23.04.2019 a 03.06.2019 – incapacidade temporária parcial de 25%. 5. À data do acidente, o autor exercia a actividade profissional de supervisor de bares, ao serviço de “L..., S.A.”, auferindo a retribuição anual de € 16.937,32 [(€ 1.189,38 × 14) + (€ 26,00 × 11)]. 6. À data do acidente a responsabilidade por acidentes de trabalho encontrava-se transferida para a “Z...”, por “L..., S.A.”, apenas pelo valor da retribuição anual de € 16.651,32 (€ 1.189,38 × 14). 7. A entidade seguradora pagou ao sinistrado as indemnizações devidas pelos períodos de incapacidade temporária até 03.06.2019, calculadas em função do valor pelo qual se encontrava transferida a responsabilidade infortunística. 8. Em 08.06.2016 o sinistrado tinha como pessoas a cargo um filho: L..., nascido a 27.11.1997, o qual, no ano lectivo 2017/2018 frequentava o 3º ano do curso de ortoprotesia na Universidade do Algarve. 9. As sequelas consolidaram-se em 03.06.2019, com o sinistrado afectado de uma IPP de 21,75%, APLICANDO O DIREITO Da conversão da incapacidade temporária em permanente A decisão recorrida, entendendo que em 11.04.2019 se atingiam 18 meses consecutivos de incapacidade temporária, converteu a ITA em IPA, de acordo com a interpretação que efectuou do art. 22.º n.º 1 da Lei 98/2009, de 4 de Setembro (LAT), sem que para o efeito tenha expressamente solicitado aos peritos médicos a reavaliação do grau de incapacidade do sinistrado – assumiu não apenas que a natureza da incapacidade se convertia de temporária em permanente, como ainda que a incapacidade se convertia automaticamente em igual grau. De igual modo, a decisão recorrida ignorou os sucessivos requerimentos juntos aos autos pela Seguradora, pela qual esta foi informando dos tratamentos clínicos que vinha prestando ao sinistrado e da alta que lhe veio a conceder – de resto a expressa solicitação do Tribunal, que aquando da suspensão da junta médica convocada para 08.06.2018, verificando que o sinistrado estava em recaída e a ser acompanhado pelos serviços clínicos da Seguradora, determinou que a Seguradora informasse o resultado das consultas efectuadas ao sinistrado e a data da alta clínica do mesmo. Pois bem, é preciso atender que o art. 22.º n.º 1 da LAT admite a conversão da natureza da incapacidade (de temporária para permanente), mas não determina que o grau de uma seja idêntico ao da outra. Como expressamente determina a norma, o grau de incapacidade deverá ser reavaliado pelo perito médico do tribunal, que determina qual o grau de incapacidade permanente que passou a afectar o sinistrado. Como correctamente se escreveu no Acórdão desta Relação de Évora de 14.02.2012[3] – no que foi posteriormente acompanhado pelo Acórdão da Relação de Lisboa de 19.09.2012[4] – discutindo norma idêntica do art. 42.º n.º 1 do DL 143/99, de 30 de Abril, a exigência do perito médico do tribunal reavaliar o grau de incapacidade “significa que se é certo que quanto à natureza da incapacidade (de temporária para permanente) se converte por força do decurso do prazo, o mesmo já não se verifica em relação ao grau de incapacidade: este será o fixado pelo perito médico do tribunal na reavaliação e, não havendo acordo quanto ao mesmo na tentativa de conciliação, e requerida e realizada junta médica, não se vislumbra obstáculo legal a que seja o fixado pelo juiz após aquela. Dito de forma mais directa: o que se converte por força do regime estabelecido o citado artigo 42.º é a natureza da incapacidade (que passa de temporária a permanente), mas não o grau dessa incapacidade; este será agora o fixado pelo perito médico e homologado em tentativa de conciliação ou, posteriormente, no caso de o processo prosseguir, o fixado a final pelo juiz.” Consequentemente, a decisão recorrida não podia assumir que, estando o sinistrado em situação de ITA no dia 11.04.2019, em que supostamente teria atingido 18 meses consecutivos de incapacidade temporária – o que é incorrecto, pois esse prazo atingiu-se a 25.04.2019 – tal corresponderia necessariamente a uma IPA. Para além do sinistrado estar naquela data já nas fases finais do seu longo tratamento, concluindo-se que a incapacidade temporária se converteu em permanente, deveria o tribunal recorrido iniciar as diligências impostas pelo art. 22.º n.º 1 do LAT e solicitar ao perito médico a reavaliação do grau de incapacidade permanente à data da conversão. Note-se que a incapacidade temporária é fixada por período de tempo limitado e de acordo com as necessidades de tratamento do sinistrado, podendo ser parcial ou absoluta, enquanto a incapacidade permanente pode ser parcial, absoluta para o trabalho habitual ou absoluta para todo e qualquer trabalho (art. 19.º n.ºs 2 e 3 da LAT), originando prestações destinadas a compensar o sinistrado pela perda ou redução permanente da sua capacidade de trabalho ou de ganho (art. 48.º n.º 2 da LAT). Por outro lado, a alta é concedida no final do tratamento do sinistrado, quer por este se encontrar curado ou em condições de trabalhar quer por qualquer outro motivo, sendo a alta clínica a situação em que a lesão desapareceu totalmente ou se apresenta como insusceptível de modificação com terapêutica adequada (art. 35.º n.ºs 2 e 3 da LAT). Deste modo, a incapacidade temporária e a incapacidade permanente servem objectivos diversos, e daí que o art. 22.º n.º 1 da LAT não estabeleça a equivalência entre o grau de incapacidade temporária e o grau de incapacidade permanente em caso de conversão pelo decurso do prazo de 18 meses consecutivos. Era exigível, pois, que o tribunal recorrido solicitasse ao seu perito médico a reavaliação do grau de incapacidade do sinistrado, diligência esta que não ocorreu. Outra questão importa ainda ponderar nos autos. A Seguradora – cumprindo, de resto, determinação do tribunal recorrido – foi juntando periodicamente informações relativas à recaída do sinistrado e ao acompanhamento clínico que vinha fazendo, juntando diversos elementos clínicos e informando acerca das incapacidades temporárias atribuídas, o que fez através de requerimentos de 27.02.2018 (ainda antes da tentativa de conciliação, ocorrida a 01.03.2018), de 11.07.2018, de 18.09.2018, de 07.11.2018, de 14.01.2019, de 14.02.2019, de 21.03.2019 e de 31.05.2019, até que em 04.06.2019 informou da alta clínica. Tais requerimentos, descrevendo pormenorizadamente os tratamentos que estavam a ser prestados ao sinistrado e os períodos de incapacidade temporária concedidos, podiam e deviam ter sido considerados como pedidos tácitos de prorrogação do prazo, para os fins do art. 22.º n.º 2 da LAT. Note-se que a declaração tácita deduz-se de factos que, com toda a probabilidade, a revelam – art. 217.º n.º 1 do Código Civil – e é constituída por um “comportamento do qual se deduza com toda a probabilidade a expressão ou a comunicação de algo, embora esse comportamento não tenha sido finalisticamente dirigido à expressão ou à comunicação daquele conteúdo”, e que “tal comportamento declarativo pode estar contido ou ser integrado por comunicações escritas, verbais ou por quaisquer actos significativos de uma manifestação de vontade, incorporem ou não uma outra declaração expressa.”[5] In casu, informando a Seguradora periodicamente do acompanhamento clínico que vinha prestando ao sinistrado e do plano terapêutico prescrito, que exigia tempo – entre Outubro de 2017 e Maio de 2019, o sinistrado compareceu a 23 consultas médicas, com uma frequência quase mensal, foi sujeito a uma intervenção cirúrgica em 15.12.2017 e cumpriu depois um longo plano de fisioterapia e hidroterapia – deveria concluir-se não apenas que estava a ser prestado o tratamento clínico necessário, como ainda que esse tratamento exigia um prazo mais alongado que o de 18 meses, importando assim a sua prorrogação, pelo que tais requerimentos, embora não “finalisticamente dirigidos à expressão ou à comunicação daquele conteúdo”, deveriam ter sido apreciados para os fins do art. 22.º n.º 2 da LAT. Note-se que esta norma visa, tão só, evitar delongas excessivas na atribuição das pensões e demais direitos aos sinistrados, em consequência da dilação dos tratamentos que lhes estejam a ser prestados enquanto vítimas de acidente de trabalho.[6] Mas o necessário equilíbrio na interpretação da norma, não significa que os tratamentos dos sinistrados devam ser apressados, pois tal pode resultar em prejuízo para a sua recuperação. Por vezes as situações clínicas são complexas e não se compadecem com prazos pré-estabelecidos, e daí que a lei admita que o prazo de 18 meses deva ser prorrogado, mediante a simples verificação de estar a ser prestado o tratamento clínico necessário, a requerimento da entidade responsável e ou do próprio sinistrado, até um limite de 30 meses, após o qual a incapacidade temporária se converterá necessariamente em permanente. Ponderando, pois, que foi comunicado, de forma regular e diligente, o tratamento clínico que estava a ser prestado ao sinistrado e que o plano terapêutico aplicado exigia o seu prolongamento para além dos 18 meses após a recaída, não podia a decisão recorrida converter a incapacidade temporária em permanente, nos moldes em que o fez, pelo que deve esta ser revogada, operando-se a condenação das entidades responsáveis de acordo com a incapacidade parcial permanente fixada em junta médica (21,75%), e desde o dia seguinte à alta, nos precisos termos que resultam dos arts. 48.º n.º 3 al. c), 50.º n.º 2 e 75.º n.º 1 da LAT. Tem assim o sinistrado direito ao capital de remição da pensão anual vitalícia de € 2.578,71, com referência ao dia 04.06.2019, da qual estará a cargo da Seguradora o montante de € 2.535,16, e a cargo da entidade patronal os restantes € 43,55. Pagará a entidade patronal, ainda, a quantia de € 445,55[7], relativa às incapacidades temporárias a seu cargo. DECISÃO Destarte, concede-se provimento ao recurso, revoga-se a decisão recorrida e reduz-se a condenação aos seguintes termos: a) a Z... pagará ao sinistrado L..., com efeitos a partir de 04.06.2019, o capital de remição correspondente à pensão anual de € 2.535,16, acrescida de juros de mora, à taxa do art. 559.º n.º 1 do Código Civil, desde aquela data e até integral pagamento; b) a entidade empregadora L..., S.A., pagará ao sinistrado, com efeitos a partir da mesma data, o capital de remição correspondente à pensão anual de € 43,55, e ainda a quantia de € 445,55, a título de incapacidades temporárias ainda em falta, acrescendo a ambos os valores juros de mora, à mesma taxa e contados pelo mesmo modo. O valor da acção fixa-se em (€ 2.578,71 x 12,732) + € 445,55 = € 33.277,69. Custas na primeira instância pela Seguradora e entidade empregadora na proporção do decaimento. As do recurso pelo sinistrado, pois não se encontra na situação prevista no art. 4.º n.º 1 al. h) do RCP. Évora, 23 de Abril de 2020 Mário Branco Coelho (relator) Paula do Paço Emília Ramos Costa _______________________________________________ [1] Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 2.ª ed., 1985, pág. 583. [2] Palavras do Acórdão da Relação do Porto de 07.10.2019 (Proc. 11684/17.0T8PRT.P1), publicado em www.dgsi.pt. No mesmo sentido, o Acórdão da Relação de Lisboa de 06.07.2017 (Proc. 4361/10.5TTLSB.L1-4), publicado na mesma página. [3] Proc. 297/09.0TTPTM.E1, relatado por João Luís Nunes e publicado em www.dgsi.pt. [4] Proc. 3605/10.8TTLSB.L1-4, relatado por Ferreira Marques e publicado no mesmo local. [5] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24.05.2007 (Proc. 07A988), publicado no mesmo local. [6] Carlos Alegre, in Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, 2.ª ed., pág. 225. [7] Calcularam-se, em relação à parte da retribuição não transferida de € 286,00, um total de 763 dias de ITA (um ano a 70% e os restante a 75%), acrescendo 12 dias de ITP a 30%, 34 dias de ITP a 20% e 42 dias de ITP a 25%. |