Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||||||
Processo: |
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Relator: | CARLOS BERGUETE COELHO | ||||||
Descritores: | VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO CRIME DE VIOLAÇÃO CONSENTIMENTO VIOLÊNCIA | ||||||
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Data do Acordão: | 12/03/2019 | ||||||
Votação: | UNANIMIDADE | ||||||
Texto Integral: | S | ||||||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||||||
Decisão: | PROVIDO EM PARTE | ||||||
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Sumário: | I - A circunstância de a ofendida não ter denotado reacção mais incisiva não desvirtua, antes corrobora, o medo que sofreu e, com mais acuidade no seu caso, de pessoa com problemas de saúde, tornando-a mais vulnerável, sem que se possa, contrariamente ao que o recorrente pretenderia, configurar algum pretexto para que tivesse denotado eventual consentimento e/ou colaboração. II - O conceito de violência há-de extrair-se dos meios utilizados e da idoneidade destes para lesar a liberdade sexual de outra pessoa, em razão de todas as circunstâncias que se apurem, atinentes, não só à natureza dos meios e como são usados, como também das condições pessoais e concretas em que a vítima seja colocada. III - A violência, enquanto fisicamente expressada, resulta de que o recorrente agarrou e apertou a ofendida, impedindo-a de se soltar, a levou para o quarto, mantendo-a manietada e, mais, a colocou sobre a cama e, depois, a forçou a ajoelhar-se e a manteve agarrada. Além disso, não se pode descurar, no tocante à ofendida, toda a perturbação que esses actos em si desencadeou, o medo que sentiu, dado se encontrar sozinha em casa, ter sido surpreendida como foi, padecer de doença do sistema nervoso, o mesmo é dizer, consentânea com a limitação da sua liberdade e, inevitavelmente, no contexto, fragilizada e vulnerável. | ||||||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora 1. RELATÓRIO Nos autos em referência, de processo comum, com intervenção do tribunal colectivo, que correu termos no Juízo Central Criminal de Setúbal do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, o Ministério Público deduziu acusação contra o arguido CC, imputando-lhe a prática, em autoria material e sob a forma consumada, em concurso real e efectivo, de um crime de violação de domicílio, p. e p. pelo art. 190.º, n.º 1, do Código Penal (CP) e dois crimes de violação, p. e p. pelo art. 164.º, n.º 1, alínea a), do CP. Com base nos factos imputados, Centro Hospital de Setúbal, EPE formulou pedido de indemnização civil contra o arguido, peticionando a condenação deste no pagamento da quantia de €109,91, acrescida de juros à taxa legal desde a data da notificação do pedido até efectivo e integral pagamento. O arguido apresentou contestação, alegando em sua defesa tudo o que em seu favor se viesse a apurar em audiência. Realizado o julgamento, a acusação foi julgada procedente, bem como o pedido de indemnização civil e, em consequência, o arguido foi condenado: - pela prática, em autoria material e sob a forma consumada (arts. 14.º, n.º 1, e 26.º do CP) e em concurso real e efectivo de dois crimes de violação, p. e p. pelo art. 164.º, n.º 1, alínea a), do CP, na pena, por cada um, de 5 anos de prisão e de um crime de violação de domicílio, p. e p. pelo art. 190.º, n.º 1, do CP, na pena de 9 meses de prisão; - em cúmulo jurídico dessas penas, na pena única de 8 (oito) anos de prisão; - a pagar a Centro Hospitalar de Setúbal, EPE a quantia de €109,91, com juros calculados desde a data de notificação do pedido até integral pagamento, à taxa prevista para as obrigações de natureza civil. Inconformado com a decisão, o arguido interpôs recurso, formulando as conclusões: 1º O recorrente não se conforma com a matéria de facto dada como provada nos presentes autos, e assim como também, relativamente à matéria de direito. No que respeita à prova produzida, entende a recorrente que, resultaram provados factos (ponto 1.1 da Fundamentação de Facto), os quais deveriam ter sido dados como não provados pelo Tribunal a quo, nomeadamente os referidos em 5, 6 e 7, dos factos dados como provados. 2º Procedeu-se à transcrição de excertos do depoimento da ofendida ZZ, acta de audiência de discussão e julgamento de 18/02/2019, depoimento com inicio às 10:29:07h e final às 10:59:39h), os quais não se transcrevem nas presentes conclusões, por uma questão de economia processual, remetendo-se assim para o corpo alegatório, tendo-se no entanto, como integralmente reproduzidas nestas conclusões. 3º As transcrições efetuadas de excertos referentes ao depoimento da ofendida, transmitem que o tribunal a quo, não andou bem, ao dar como provados os factos 5, 6 e 7 que constam dos factos dados como provados. Pois, tais excertos transcritos revelam que do depoimento da ofendida resulta versão diferente. 4º Deste modo, no que respeita ao ponto 5 dos factos dados como provados, é a ofendida que refere que “praticamente” foi levada à força para o quarto, é essa a versão verbalizada pela própria, contudo, uma coisa é ser levada à força, até com recurso à violência, outra bem diferente é “praticamente” ser levada à força. 5º Quanto ao ponto 6 dos factos dados como provados, não resulta do depoimento da ofendida que o recorrente a estivesse a segurar, enquanto alegadamente se estava a despir da cintura para baixo, conforme esta relatou. Pelo contrário, a ofendida, afirma ter ficado parada a olhar para o recorrente que se encontraria na sua frente, tendo-lhe inclusivamente perguntado o que este estaria a fazer, sendo bem percetível que esta não estava manietada. 6º Quanto ao ponto 7 dos factos dados como provados, é a própria ofendida no seu depoimento que afirma, que “praticamente” foi obrigada a ter relações com o recorrente. Ora, praticamente ser obrigada, diverge, e em muito de ser obrigada. Pois, a obrigação impõe efetivamente que a pessoa esteja a ser forçada a fazer algo, se está praticamente ser obrigada, existirá necessariamente uma parte que não compreende a obrigação. Ou, se é obrigado a fazer algo, ou não se é. 7º Assim, não se compreendendo como pode o tribunal a quo ter dado como provados os pontos 5, 6 e 7 da Fundamentação de Facto, quando as dúvidas presentes da descrição dos factos trazida pela ofendida. 8º A ofendida refere por várias vezes que teve medo, no entanto, em momento algum disse que o arguido a ameaçou, que lhe tenha proferido palavras ameaçadoras ou agarrado em algum objecto que pudesse denunciar tal ameaça ou perigo, uma faca, por exemplo. Pelo contrário, não há qualquer descrição de violência nos factos relatados pela ofendida, nem tão pouco, é relatada a mínima ameaça. Igualmente, nunca foi referido pela ofendida que o arguido a tenha agredido, que a tenha sequer magoado, nem ameaçado que tal pudesse acontecer. 9º Também em momento algum é referido pela ofendida que tenha gritado, ou pedido socorro, independentemente de ser ou não ouvida, essa parece ser a reação normal de quem se encontra numa situação como a descrita pela ofendida. 10º Bem como, nos vários momentos em que a ofendida relata que o arguido atendia o telefone para alegadamente falar com os colegas, esta poderia ter igualmente gritado e pedido auxilio por forma a que quem estivesse do outro lado da linha a pudesse ajudar ou levar a que tal pessoa questionasse o arguido do que se estava a passar, colocando-lhe eventualmente até pressão, no entanto não o fez. 11º É ainda bem percetível que pelos factos descritos pela ofendida, esta tinha liberdade de movimentos, nomeadamente no momento em que foi buscar o contracetivo, nos momentos em alegadamente o arguido estaria a atender o telefone, bem como quando o arguido alegadamente se terá despido. Em todos esses momentos a ofendida nunca refere que tenha tentado fugir, que tenha tentado dirigir-se à porta para sair da habitação, ou procurar auxilio. 12º Permitimo-nos realçar novamente o facto de a ofendida referir que “praticamente” foi levada à força para o quarto, que “praticamente” foi obrigada a ter relações e que “praticamente” foi obrigada a ir buscar o contracetivo. 13º Não compreendemos, com o devido respeito, como para o Tribunal a quo, tais dúvidas não relevaram para a decisão constante do douto Acórdão proferido, porquanto, tais questões causam dúvida sobre a veracidade dos factos, ou seja, sobre a forma como aconteceram, ou não aconteceram. 14º Assim, entendemos não ter andado bem o tribunal a quo ao decidir, como decidiu, pois as dúvidas trazidas pelo depoimento da ofendida, pois as regras de experiência comum impunham uma decisão diferente, no sentido de terem sido dados como não provados os factos referidos em 5, 6 e 7 dos factos dados como provados. 15º Pelo que, existe um erro notório de apreciação de prova (art.410, nº 2, al. c) do C. P. P.). 16º Neste conspecto, deverá proceder-se à alteração da matéria de facto, nos seguintes termos: 5, 6 e 7- retirados para os factos não provados 18º Foram, pois, ainda violados os princípios da presunção de inocência e seu sub-princípio “in dubio pro reo” inscritos, entre outros normativos, no art. 32º, 2 (1ª parte) CRP. 19º Quanto à matéria de direito: I- O crime de Violação, previsto no artigo 164.º, n.º 1, do CP, é um crime de execução vinculada, i.é., tem de ser cometido por meio de violência, ameaça grave ou acto que coloque a vítima em estado de inconsciência ou de impossibilidade de resistir. II – O agente só comete o crime se, na concretização da execução do acto sexual, ainda que tentado, se debater com a pessoa da vítima, de forma a poder-se falar em “violência”. III – A força física destinada a vencer a resistência da vítima pressupõe que esta manifeste de forma positiva, inequívoca e relevante a sua oposição à prática do acto. IV – A recusa meramente verbal ou a ausência de vontade, de adesão ou de consentimento da ofendida são, por si só, insuficientes para se julgar verificado o crime de Violação. 20º Da discussão anteriormente exposta e referente à matéria de facto se extrai que os factos referentes ao preenchimento do tipo subjectivo (por meio de violência, ameaça grave) não foram devidamente apurados. Logo, no pressuposto da procedência do anterior recurso em matéria de facto, deve o arguido ser absolvido. Tendo o Tribunal efectuado, pois, indevida aplicação da norma do art.164º, nº1 do C.P. 21º Caso assim não se entenda e por mera cautela de patrocínio, no que respeita, à medida concreta das penas, quer as penas parcelares, quer a pena única, estabelecida pelo tribunal a quo, entendemos que esta se mostra desproporcional e exagerada, tendo em conta a sua situação pessoal, devendo, pois serem aplicadas ao recorrente penas próximo dos respetivos limites mínimos, acautelarem quer a prevenção geral, quer a prevenção especial. 22º Tendo o tribunal a quo, aplicado penas parcelares de 5 anos de prisão por cada um dos dois crimes de violação imputados ao recorrente, bem como nove meses de prisão pelo crime de violação de domicílio imputado ao recorrente e determinando uma pena única de oito anos de prisão. 23º No que respeita, à medida concreta das penas, entre outros arestos, foi este tema tratado no Acórdão do STJ de 12 de Outubro de 2016 (Relator: Conselheira Helena Moniz, disponível in http://www.dgsi.pt/jstj.): 24º O qual no sentido de que não pode ser afastada a possibilidade de a pena única se fixar no limite mínimo da moldura penal do concurso, levaria a um apagamento dos restantes crimes, sob pena de clara violação com a letra da lei, porquanto foi o próprio legislador que fez questão de prever essa possibilidade. 25º Ora, o recorrente tem vinte e quatro anos de idade, não tem antecedentes criminais, ou seja não tem carreira de crime, os factos que lhe são imputados remontam a Fevereiro do ano de 2017, não havendo noticia de nenhum crime que lhe seja imputado, para além dos referidos factos. 26º O recorrente está inserido inserção social, laboral e familiarmente, assim, entendemos que a pena única aplicada pelo douto Acórdão aqui em crise, não teve em conta tal circunstancialismo, nem tão pouco a reintegração do recorrente na sociedade. 27º Deste modo, entendemos que mostrarem-se violados o art.º 71, n.º 1, e o art.º40, n.º 1, do C. P. Pelo exposto, entende o recorrente, que a determinação da pena única, em cúmulo jurídico, deve ainda fixar-se no mínimo legal possível e ser suspensa na sua execução, nos termos do art.º 50, nº1, do C.P. TERMOS EM QUE: - Deve o Recorrente ser absolvido, e apenas, caso assim não se entenda, deve julgar-se procedente o presente recurso, anulando-se o acórdão recorrido, e substituindo-o por um outro que condene o arguido, em cúmulo jurídico, numa pena única de 5 (cinco) anos de prisão, suspendendo a sua execução por igual período. O recurso foi admitido. O Ministério Público apresentou resposta, concluindo: 1. Sendo o âmbito dos recursos definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso, conforme entendimento constante e pacífico, no recurso interposto e conforme ressalta da leitura das respectivas conclusões. 2. A questão a decidir no que tange à matéria de facto, prende-se com o invocado vício do erro notório na apreciação da prova, pelo que podendo esse Venerando Tribunal reapreciar em termos amplos a prova, nos termos dos artigos 412º, nº3 e 431º, ambos do Código de Processo Penal, atenta a documentação da prova produzida em audiência, ficará todavia o seu poder de cognição delimitado pelas conclusões da motivação do arguido. 3. O arguido questionou os pontos 5., 6. e 7. da factualidade dada como assente, remetendo para excertos do depoimento prestado em audiência pela testemunha ZZ que transcreveu, indicando até os segmentos da gravação no sistema Citius Media Studio. 4. Parece-nos deste modo que o arguido, ao cumprir o ónus previsto no artigo 412º, nºs 3 e 4, do Código de Processo Penal, pretendeu afinal impugnar amplamente a decisão recorrida, nos termos do nº 3 da aludida disposição legal, incorrendo num equívoco, ao misturar vícios decisórios com a impugnação ampla da decisão sobre a matéria de facto. 5. Ora conforme tem sido repetidamente referido, os vícios da decisão, nos quais se integra o ora invocado, terão que resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, como preceitua o artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, não fazendo sentido o apelo a elementos de prova estranhos à decisão, como sucede no caso vertente. São vícios intrínsecos à decisão como peça autónoma. 6. Prefigurando-se o erro notório na apreciação da prova quando o erro é ostensivo, de tal modo evidente, ostensivo, grosseiro, que não passe despercebido ao comum dos observadores, isto é, quando o homem de formação média dele se dá conta. Ou seja, “quando se dá como provado um facto com base em juízos ilógicos, arbitrários ou contraditórios, claramente violadores das regras da experiência comum”. 7. Pretende o arguido que do depoimento da ofendida, não resultou apurada violência ou sequer ameaça grave pelo que o Tribunal, ao concluir em sentido diferente, terá incorrido no vício do erro notório na apreciação da prova, para além de ter violado o princípio da presunção da inocência. Discordamos. Desde logo, porque tal depoimento terá que ser analisado no seu todo, conjugado com os demais meios de prova, não fazendo sentido a invocação de excertos truncados de um segmento do mesmo para fundamentar a sua pretensão, sendo ainda certo que, de acordo com o preceituado no artigo 127º, do Código de Processo Penal, a prova é apreciada segundo as regras de experiência e a livre convicção da entidade competente, salvo quando a lei dispuser diferentemente. 8. E a convicção plasmada no texto do acórdão recorrido, beneficiando o Tribunal das vantagens da imediação e da oralidade, afigura-se-nos mais do que correcta, não se prefigurando qualquer violação da lógica ou da experiência comum. A cópula violenta ou forçada mantida pelo arguido, por duas vezes, resulta do facto de o mesmo, numa primeira ocasião, ter manietado ZZ, agarrando-lhe os braços, exercendo força sobre a mesma, empurrando-a para cima da cama; e na segunda ocasião, fazendo-a ajoelhar, obrigando-a a dobrar-se, agarrando com as mãos a sua cabeça e mantendo-a agarrada, ter-lhe introduzido o pénis na boca. 9. Como se refere no acórdão recorrido, não é necessário que a força usada deva qualificar-se de pesada ou grave, mas será indispensável que se considere idónea a vencer, segundo as concretas circunstâncias do caso, a resistência efectiva ou esperada da vítima. Aliás, não se torna necessária uma resistência efectiva, bastando que devesse contar-se com ela e o uso da violência se destine a vencê-la. 10. No caso vertente, cremos inequivocamente demonstrado pelo depoimento de ZZ, que a actuação do arguido perturbou a sua liberdade de decisão e de acção, desde logo pelo factor surpresa (afinal estava à espera da sobrinha e surge-lhe à porta um desconhecido do sexo masculino). Recorde-se ainda que ZZ padece de invalidez, que a aposentou, por um quadro de epilepsia e doença associada do sistema nervoso, conforme resulta também da fundamentação fáctica do texto decisório, situação que naturalmente a fragiliza, podendo criar na mesma um estado de temor acrescido, tanto mais que na altura estava sozinha em casa, esta sita numa localidade afastada de grandes centros urbanos. A conduta do arguido, manietando-a, agarrando-lhe os braços, exercendo força sobre a mesma, empurrando-a para cima da cama e, mais adiante, fazendo-a ajoelhar, obrigando-a a dobrar-se, agarrando com as mãos a sua cabeça e mantendo-a agarrada é perfeitamente idónea a perturbar a sua liberdade de decisão e de acção. ZZ foi pois colocada pelo arguido, por duas vezes, numa situação de inferioridade física e anímica que a impediu de reagir como queria. 11. Ficou paralisada, sem reacção e cheia de medo, como se menciona em sede de fundamentação fáctica, reacção perfeitamente plausível, considerando as circunstâncias em que foi abordada e a sua fragilidade em termos de saúde, o que a vulnerabiliza e que muito naturalmente pode acarretar algumas limitações na capacidade de acção e de decisão. E é às características da vítima em concreto que temos que nos ater – ao contexto sócio-cultural, eventual desenvoltura, discernimento, grau de elaboração mental, rapidez de decisão, susceptibilidade, maturidade -, para aferir da aptidão da violência ou da gravidade da ameaça prevista no artigo 164º, nº 1, do Código Penal. Percebendo a inevitabilidade do que iria suceder, ainda conseguiu escolher uma saída menos gravosa, menos arriscada: a de arranjar um preservativo, que o arguido utilizou. 12. Salvo melhor opinião, o que ressalta da motivação de recurso, na parte em referência, é a mera discordância da avaliação e valoração da prova feita pelo Tribunal a quo, que valorou de forma diversa da pretendida pelo arguido, a prova produzida em audiência. Mas o mesmo, não incorre, por isso, em qualquer dos vícios aludidos no artigo 410º do Código de Processo Penal, mormente o invocado. 13. Quanto à invocada violação dos princípios da presunção da inocência e o seu sub-princípio do in dubio pro reo, não concretizou o arguido em que consiste a mesma, sendo certo que a versão dos factos por si apresentada não mereceu ao Tribunal qualquer credibilidade, pelas razões que se plasmam a fls. 12, 13 e 15, da douta decisão recorrida e que se prendem com a sua total desconformidade com as regras da experiência comum, contrariando os demais meios de prova (mesmo pericial) e não apenas as declarações de ZZ. Em contrapartida, o depoimento desta revelou-se convincente, credível e isento, explicando as circunstâncias em que ocorreram os factos e a sua dinâmica. 14. Mostra-se assim afastada a presunção da inocência que sobre o arguido recai, a qual actua apenas e somente em caso de dúvida e não para os casos em que se pretende dar à prova diferente interpretação daquela que fez o Tribunal. 15. Perfilhamos na íntegra, os fundamentos invocados pelo Tribunal na fixação da medida das penas parcelares, que aqui damos por reproduzidos, por questão de comodidade, nenhuma censura nos merecendo as mesmas, ajustadas à elevada gravidade da sua conduta, considerando as molduras penais aplicáveis, de 3 a 10 anos, para o crime de violação e até 1 ano ou multa, para o crime de violação de domicílio. Sendo certo até que a integração social, familiar e profissional de que o arguido dispõe, não constituíram factor de protecção contra a prática de tais condutas. 16. De igual modo, também a pena única, fixada em oito anos de prisão, não nos merece qualquer reparo, numa moldura situada entre 5 anos de prisão e 10 anos e 9 meses de prisão, ponderando em conjunto a acentuada gravidade dos factos e a personalidade do arguido. 17. Precludida se mostra deste modo, a possibilidade de suspensão da execução da pena, por carência de um dos seus pressupostos, atento o preceituado no artigo 50º do Código Penal, sempre se dizendo que não vislumbramos fundamento para a mesma, já que do acervo dos factos dados como provados, não é possível formular um juízo de prognose favorável ao arguido, a aconselhar a mesma. 18. Com efeito, não obstante a ausência de antecedentes criminais por parte do arguido, a total ausência de interiorização do desvalor da conduta e de arrependimento nunca poderiam fundamentar a formulação de um juízo de prognose favorável, sendo certo que as elevadas exigências de prevenção geral sempre imporiam uma pena de prisão efectiva, sob pena de ficarem irremediavelmente comprometidas as finalidades de prevenção que a pena deve prosseguir. 19. Termos em que, também neste ponto, deverá improceder o recurso interposto, não se mostrando violados quaisquer preceitos legais, mormente os invocados. Pelo exposto, deve o douto acórdão proferido ser mantido, negando-se provimento ao recurso, como acto de inteira e sã JUSTIÇA. Neste Tribunal da Relação, o Digno Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, fundamentado, no sentido da improcedência do recurso. Observado o disposto no n.º 2 do art. 417.º do Código de Processo Penal (CPP), o arguido nada veio acrescentar. Colhidos os vistos legais e tendo os autos ido à conferência, cumpre apreciar e decidir. 2. FUNDAMENTAÇÃO O objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da motivação, como decorre do art. 412.º, n.º 1, do CPP, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como sejam, as nulidades do acórdão, os vícios da decisão e as nulidades que não se considerem sanadas (arts. 379.º, n.º 1, e 410.º, n.ºs 2 e 3, do CPP), designadamente conforme jurisprudência fixada pelo acórdão do Plenário Secção Criminal STJ n.º 7/95, de 19.10, in D.R. I-A Série de 28.12.1995 e, ainda, entre outros, os acórdãos do STJ: de 25.06.1998, in BMJ n.º 478, pág. 242; de 03.02.1999, in BMJ n.º 484, pág. 271; e de 12.09.2007, no proc. n.º 07P2583, in www.dgsi.pt; Simas Santos/Leal-Henriques, in “Recursos em Processo Penal”, Rei dos Livros, 3.ª edição, pág. 48; e Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, Editorial Verbo, 1994, vol. III, págs. 320/321. Delimitando-o, reside, pois, em analisar: A)- da impugnação da matéria de facto; B)- da consequente absolvição; C) - da redução da medida da pena e suspensão da sua execução. Ao nível da matéria de facto, consta do acórdão recorrido: Matéria de facto provada: Discutida a causa e produzida a prova em audiência de discussão de julgamento resultaram assentes os seguintes factos: 1. No dia 27-02-2017, cerca das 18H00, o arguido CC dirigiu-se à residência da vítima ZZ, sita …em Águas de Moura, batendo à porta; 2. ZZ encontrava-se sozinha em casa e, julgando tratar-se da sua sobrinha, abriu a porta, deparando-se com o arguido CC que se identificou como colaborador da empresa de telecomunicações “NOWO”, tendo aquela afirmado que não estaria interessada, nem teria hipótese de subscrever qualquer serviço daquela Operadora por motivos financeiros; 3. Insistindo o arguido nesse propósito e para que o mesmo pudesse comprovar que ZZ tinha instalado naquela morada os serviços que o arguido lhe pretendia vender, a ofendida convidou-o a entrar para que este pessoalmente o verificasse, dirigindo-se ambos para a sala da habitação, local onde se realizara a instalação. 4. Ali e de imediato, o arguido CC agarrou ZZ pelos braços, encostando o seu corpo ao corpo desta, apertando-a na sua direcção, o que impediu a ofendida de se soltar, não obstante procurar com as suas mãos afastar o corpo do arguido, ao mesmo tempo que o arguido dirigia a sua boca na direcção do rosto da ofendida, para a beijar, contra a vontade desta; 5. De imediato e confrontada com o sucedido, ZZ reagiu indagando o arguido CC sobre o que estava a fazer e dizendo-lhe para a largar e sair de sua casa, o que este ignorou mantendo-a manietada e levando-a para o quarto. 6. Acto contínuo, o arguido CC despiu as calças de ganga que trajava, ficando nu da cintura para baixo e, enquanto ZZ insistia para que ele a largasse e abandonasse o seu domicílio, aquele agarrou-a e colocou-a sobre a cama, onde esta ficou prostrada de costas; 7. De imediato o arguido CC, despiu-lhe as calças de fato de treino e os bóxeres que a mesma envergava, colocando-se em cima do seu corpo e, usando da sua superioridade física, submeteu ZZ à prática de cópula completa, introduzindo o seu pénis erecto no interior da vagina daquela, que friccionou até ejacular, o que fez fora do corpo da vítima, para cima do édredon que se encontrava colocado sobre a cama; 8. Após, enquanto o arguido CC vestia as calças, ZZ ordenou-lhe que saísse e dirigiu-se à sala julgando tudo ter terminado; 9. No entanto, quando já se encontrava prestes a transpor a porta de entrada da habitação, o arguido CC dirigiu-se novamente à sala onde permanecia ZZ, abriu o fecho das calças e retirou para fora o pénis que introduziu na boca daquela, forçando-a previamente a ficar de joelhos, segurando a cabeça desta que mantinha agarrada pelas sua mãos, enquanto efectuava movimentos de vaivém com o seu órgão sexual, apesar da mesma insistir para que parasse e implorar-lhe que fosse embora. 10. Acto contínuo, ZZ conseguiu empurrar o arguido CC, afastando-o, dizendo-lhe “desaparece da minha frente, já não te posso ver”, acabando este por sair do domicílio da ofendida. 11. Na sequência da prática de sexo oral a que submeteu a ofendida, o arguido não ejaculou. 12. Nessa ocasião, o arguido CC deixou na residência daquela um flyer da empresa “NOWO” com a inscrição “C 9203----”, que manuscreveu previamente e entrou na posse do contacto telefónico da ofendida que a mesma lhe cedera para verificar das condições mais vantajosas para a subscrição dos produtos vendidos pelo arguido. 13. No 28 de Fevereiro de 2017, pelas 12h18m, através do seu telemóvel com o número 9264---, enviou mensagem escrita para o telemóvel de ZZ, com o seguinte teor: “FICA na tua que eu fico na minha não quero confusões fica bem…se quiseres um amigo podemos ser amigos se não quiseres ser minha amiga na boa…hoje vou para Vendas Novas trabalhar agora so vou para aguas de moura sesta feira” repetindo o envio de nova mensagem, pelas 12h19m, com o texto “Fica bem”. 14. No dia 01 de Maio de 2017, pelas 13H40 o Arguido CC, através do seu telemóvel com o número 9264---, enviou uma SMS para o telemóvel de ZZ com o seguinte teor “Olá ZZ tudo bem e o CC da Cabovisão aquele rapaz que teve aí que acabamos por nos envolver na cama. Sei que não devia ter acontecido ate porque tu não querias estou arrependido se pudesse voltar atrás voltava quero te pedir mil desculpas até porque depois ficaste mal desculpa aserio. O que que preciso fazer para me perdoares faço o que tu quiseres pó ara me perdoares não vai voltar a acontecer…curti de ti és uma rapariga simpática…Só quero a tua amizade mais nada…desculpa…depois responde me a esta mensagem pff se não conseguires responder manda colmi que eu te ligo…só quero que sejas minha amiga..a amizade é o mais importante de tudo”. 15. Neste mesmo dia, pelas 14H41 enviou nova SMS com o seguinte teor “Podes atender só quero falar CTG não precisas de ter medo de falar contigo mais nada simplesmente só para falar contigo ao telemóvel só quero o teu perdão. Fala comigo Depois de tudo eu preocupo me CTG porque estavas a passar dificuldades percissas de alguma coisa de dinheiro ou assim eu empresto te para comprares comida se não tiveres depois das me quando tiveres eu preocupo me ctg”. 16. O arguido CC tentou ainda neste mesmo dia telefonar pelo menos por 3 ocasiões a ZZ, não tendo esta atendido tais chamadas. 17. O arguido CC sabia que, ao manter-se no interior da residência de ZZ, o fazia sem autorização e contra a vontade da mesma como lhe foi comunicado, violando, deste modo, a privacidade daquela. 18. O arguido CC ao praticar contra ZZ os factos acima descritos agiu com o propósito firmado de satisfazer os seus instintos libidinosos e manter relações sexuais de cópula vaginal e, posteriormente, de coito oral com aquela, mesmo sabendo e tendo consciência da sua oposição verbal e corporal, ao que foi indiferente. 19. Conseguindo o arguido CC subjugar ZZ à sua vontade, colocando-a na impossibilidade de resistir e fugir, aproveitando-se da sua superioridade física, sabendo que, ao fazê-lo, colocava em causa a liberdade sexual daquela, o que quis e conseguiu. 20. O arguido sabia que as suas descritas condutas eram proibidas e punidas por lei, tendo actuado, em todas as circunstâncias, livre, deliberada e conscientemente. * Factos atinentes à integração do arguido social, familiar e profissional do arguido: 21. O arguido encontra-se actualmente divorciado e reside com os pais, na morada destes. A dissolução do matrimónio em 30.11.2015 deu-se por razões de divergências entre o casal, sendo a ex-mulher também funcionária da NOWO e não tem filhos. 22. Tem 3 irmãos, duas irmãs e um rapaz de 35 anos de idade, que padece de deficiência. 22. Desenvolve em parceria as funções de chefe de equipa para a NOWO, tendo aberto um escritório na localidade do Barreiro, como agente autorizado. 23. À data dos factos desenvolvia funções para a NOWO como gestor comercial, iniciando a sua relação à empresa em 4 de Janeiro de 2017, integrando-se numa equipa de 5 elementos. Atualmente, a sua equipa é composta por 9 elementos, que acompanha na contratação de produtos e serviços e aufere mensalmente entre 1100 a 1200 euros; 24. Frequentou a escola até aos 13/14 anos de idade com reprovações no 2.º ano e 5.º de escolaridade, possuindo o 6.º ano de escolaridade completo. 25. Nos tempos livres e folgas aprecia praia, pescar e praticar kickboxing. 26. Não possui adições a álcool ou drogas. * Factos atinentes ao passado criminal do arguido: 27. O arguido não regista antecedentes criminais. * Factos respeitantes ao pedido de indemnização cível 28. A assistente foi assistida no serviço de urgência do Centro Hospitalar de Setúbal, EPE em 28-12-2017 (deve ler-se 28-02-2017), onde foi sujeita a assistência médica e cuidados de saúde, incluindo análises e procedimentos de diagnóstico, o que implicou um custo no valor global de €109,91. Factos não provados: Com interesse para a decisão da causa não se apuraram os demais factos vertidos na acusação pública, que aqui se consideram por reproduzidos e entre eles, designadamente: a) Sem que nada o fizesse prever, o arguido CC entrou no domicílio de ZZ empurrando-a e fechando a porta da habitação, tendo esta reagido dizendo ao arguido que não o conhecia e para sair da sua casa; b) O arguido CC começasse, de imediato, a apalpar o corpo desta, introduzindo-lhe uma das mãos no interior das calças e apalpando a sua zona vaginal; c) Aquando da saída do domicílio de ZZ, o arguido lhe tivesse dito que voltaria no dia seguinte com protecções. Convicção do Tribunal e exame crítico das provas: Como princípio reitor para a formação da convicção do Tribunal, deve ter-se presente que a reconstituição da verdade dos factos não se elabora a partir de uma consideração individualizada das suficiências ou insuficiências de cada um dos meios de prova produzidos na audiência, mas antes, deve ter por base uma ponderação e valoração global de toda a prova produzida em sede de julgamento. A apreciação livre da prova não pode, no entanto, ser confundida com a apreciação arbitrária da prova nem com a mera dúvida gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova; tem como valorativos a obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio. Trata-se da liberdade de decidir segundo o bom senso e a experiência da vida, temperados pela capacidade crítica de distanciamento e ponderação, ou no dizer de Castanheira Neves, da liberdade para a objetividade. Como salienta Figueiredo Dias [Direito Processual Penal I, 202.] “a liberdade de apreciação da prova é uma liberdade de acordo com um dever - o dever de perseguir a verdade material - de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, reconduzível a critérios objetivos e, portanto, em geral suscetível de motivação e controlo. Uma tal convicção existirá quando e só quando – parece-nos este um critério prático adequado, de que se tem servido a com êxito a jurisprudência anglo-americana – o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável. Não se tratará pois, na «convicção», de uma mera opção «voluntarista» pela certeza de um facto e contra a dúvida, ou operada em virtude da alta verosimilhança ou probabilidade do facto, mas sim de um processo que só se completará quando o tribunal, por uma via racionalizável ao menos a posteriori, tenha logrado afastar qualquer dúvida para a qual pudessem ser dadas razões, por pouco verosímil ou provável que ela se apresentasse.” (Direito Processual Penal, 1ª Ed., 1974, Reimpressão, pp. 204 e ss.). É, por conseguinte, em audiência de julgamento que tal princípio da livre apreciação da prova assume especial relevo, tendo, porém, que ser sempre motivada e fundamentada a forma como foi adquirida certa convicção, impondo-se ao julgador o dever de dar a conhecer o seu suporte racional, o que resulta do art. 374° n.º 2 do Código de Processo Penal e determina que o Tribunal funde a sua convicção com base na análise crítica da prova produzida em audiência de julgamento. Cumpre, assim, explicitar o processo de formação da convicção deste tribunal relativamente à matéria de facto provada e não provada, sendo certo que esta se formou no que respeita à factualidade considerada como demonstrada na apreciação conjugada e de acordo com as regras da experiência comum dos elementos de prova, que elencaremos infra e se apreciarão conjuntamente, adoptando a sistematização do seu oferecimento pela acusação publica, a saber, prova por declarações, por depoimento, pericial e documental. Valeu-se por isso o Tribunal da análise criteriosa que mereceram ao nível da prova documental, o (i) Auto de Apreensão - fls. 80/81 – de vestuário da ofendida – calças de fato de treino e boxers – e de um édredon de cor castanha e laranja, submetido depois a perícia; (ii) a documentação clinica da ofendida, o (iii) Relatório de episódio de urgência - fls.75 a 79 – respeitante à ofendida; o (iv) Relatório de episódio de urgência - fls.88 a 99 – do Hospital de S. Bernardo, elementos que firmaram a nossa convicção sobre a necessidade de assistência à ofendida como pela própria relatado, (v) o Flyer da empresa “NOWO” - fls.115 – recolhido conforme termo de juntada e de acordo com as declarações da ofendida deixado pelo arguido na sua morada, e confirmado pelo arguido ter sido o próprio quem nele manuscreveu o nome CC (manuscrito) e o contacto telefónico 9203---. Valorou ainda o Tribunal, (vii) o print das mensagens constante do telemóvel de ZZ – fls.107 e 127 enviadas do número da NOWO 9264----, em 28 de Fevereiro de 2017 – um dia após a ocorrência dos factos – e 01 de Maio de 2017, (viii) na Informação de serviço fls. 156, no (ix) Ofício da empresa de telecomunicações “NOWO” - fls.166 em que se declara que o número de telefone da NOWO 9264--- esteve atribuído nesta operadora ao arguido desde 30.06.2017 até ao dia 21.02.2018, após ter sido portado de outra Operadora em que apenas o arguido, para ter exercido a portabilidade de número, haveria de ser o seu utilizador, como certificado e aliás, vem mencionado, na identificação da mensagem dirigida à ofendida pelo próprio, em que se identifica como o CC, o rapaz da Cabovisão, que esteve em casa desta e com quem ela se envolveu contra a respectiva vontade. Atendemos ainda, nos meios de prova indicados, à prova por reconhecimento, sendo de relevo o Auto de Reconhecimento Pessoal de fls.178 e 179 – positivo no reconhecimento por parte da ofendida do arguido – que sem dúvidas ou hesitações procedeu à respectiva identificação, mencionando pormenores como um sinal colocado na face ou a barba rala que se detecta na fotografia exibida à ofendida antes do reconhecimento pessoal. A Prova pericial: temos, neste meio de prova, o Relatório da perícia de natureza sexual - fls.37 a 39; o Relatório pericial – criminalística biológica - fls.40 e verso, o Relatório pericial – criminalística biológica - fls.44 a 45, o Exame pericial 344/18 do gabinete de perícia criminalística - fls.182 e 183 e por fim o Relatório pericial – criminalística biológica - fls.197 e verso, de onde resulta o achado:
Bem assim, sob o perspectiva da prova por declarações, o arguido CC as prestou em audiência, o que fez, admitindo que no dia dos factos possa ter estado a trabalhar em Aguas de Moura, que aquela zona era comercialmente muito desejada, mas que nunca esteve na morada da ofendida, pessoa que não conhece, nem sabe da razão que motivou que o tivessem apontado e reconhecido como autor dos factos para o que não tem justificação. Nega em absoluto ter mantido com a ofendida as práticas sexuais descritas na acusação, não podendo por isso ser seu o sémen encontrado nas cuecas desta, para o que não tem justificação. Respondeu a todas as questões colocadas referentes à sua integração pessoal e profissional, sendo com fundamento nas suas palavras que se decidiram os factos elencados de 21) a 26) dos factos provados. No campo da prova testemunhal valoramos as palavras de ZZ, ofendida nos autos. Relatou em tribunal que no dia descrito na acusação se encontrava em casa a aguardar a chegada da sua sobrinha – seriam entre as 17:00 e as 18:00 horas – quando lhe tocaram à campainha. Deparou-se então com um vendedor da NOWO que lhe apresentou serviços para contratar que prontamente declinou, mencionando que era cliente de outra operadora cujos serviços se entravam instalados havia vários anos. A pessoa em questão apresentou-se com o nome de CC. Para que este verificasse que tudo quanto lhe dizia era verdade “Se está com dúvidas, pode ver” convidou-o a entrar em casa, o que este fez, acedendo ao interior da habitação e fechando a porta de entrada. Com a ofendida na sala, local onde se encontravam instalados os serviços, e para onde também se deslocou, o arguido agarrou-a por trás, exercendo força sobre os braços da depoente para que esta não se pudesse soltar e encostou-a à parede, procurando beijá-la. Pediu-lhe a ofendida que a deixasse, perguntando-lhe “o que é que se passa contigo”. Ao mesmo tempo que a mantinha manietada, encaminhava-a para o quarto, divisão que possuía a porta aberta e era visível, e procurava beijá-la. A depoente procurou, em vão, afastá-lo para trás, mas a força que o arguido exercia não permitiu que se soltasse. Disse-lhe então que saísse dali e a largasse, mencionando que tinha namorado, não tendo o arguido feito caso do que lhe pedia, nem dado importância ao relacionamento que a ofendida lhe mencionava. De súbito o arguido despiu-se da cintura para baixo e despiu-a de seguida, lançando-a sob empurrão, para cima da cama. Ficou paralisada sem reacção e cheia de medo. Disse-lhe uma vez mais que saísse, pedido que o arguido não aceitou. Temendo o que mais lhe pudesse acontecer, a ofendida perguntou ao arguido se ele trazia alguma protecção e respondendo-lhe este que não, ainda teve tempo de lhe entregar um preservativo que o arguido colocou. De imediato, o arguido colocou-se por cima da ofendida e mantendo-a agarrada, introduziu o seu pénis erecto no interior da vagina desta, movimentando-o, e veio a ejacular já sem preservativo fora do seu corpo e para cima da cama desta. Colocou-se, em seguida de pé e vestiu-se. A ofendida ordenou-lhe uma vez mais que se “pusesse dali para fora” e desaparecesse. Entretanto, o telefone do arguido tocava, de novo – durante a permanência do arguido na sua residência, o telefone tocou várias vezes, apercebendo-se que seriam chamadas de outros colegas - dizendo este ao seu interlocutor que estava quase despachado e que seriam apenas mais 2 ou 3 minutos. A ofendida passou então para a sala e o arguido dirigiu-se para a entrada da casa, abrindo a porta de saída. Porém, voltou atrás e dirigindo-se novamente à ofendida, fê-la ajoelhar-se, obrigando-a a dobrar-se, agarrou com as mãos na sua cabeça e abrindo a braguilha das calças introduziu o pénis na boca da ofendida, movimentando-o em vaivém. Mantendo a cabeça da mesma agarrada e orientada ao movimento de penetração, sem que viesse a ejacular; a ofendida, porém, conseguiu libertar-se e gritou-lhe que a largasse ordenando-lhe, uma vez mais, que saísse dali, desesperada. O arguido saiu, de imediato, porta fora a correr, e não lhe dirigiu mais palavra. Entretanto, deixou na residência um flyer com o seu nome e contacto, nada lhe tendo referido sobre a possibilidade de lá regressar. Como no decurso da conversa sobre os pacotes da NOWO a ofendida lhe disponibilizou o seu contacto telefónico, na posse deste, no dia seguinte, o arguido enviou-lhe um SMS onde lhe dizia que apenas queria ser seu amigo e ligou-lhe várias vezes, nunca lhe tendo atendido as chamadas que efectuou. Ao Hospital apenas foi no dia seguinte, desorientada que estava sobretudo por padecer de epilepsia e o estado de ansiedade. Entregou depois às autoridades peças do seu vestuário que trajava no dia dos factos e um édredon onde o arguido veio a ejacular. Confirmou ter procedido ao reconhecimento do arguido que fez com sucesso, mencionando que o mesmo apresentava sinais dos rostos que lhe permitiram reconhecê-lo sem dúvidas ou hesitações. Também PM - Inspectora da Polícia Judiciária – melhor id fls. 156 – relatou-nos também as diligências que realizou no inquérito atinentes à localização do arguido e à inquirição de testemunhas, as que foram realizadas pelo seu colega Inspetor AA, confirmando todas as que se encontram documentadas nos autos. Da análise de toda a prova produzida nos autos, mormente do cotejo da que resulta do produto declaratório da ofendida com o exame pericial em que é feita a correspondência entre o ADN do arguido e a mancha deixada nas cuecas trajadas pela ofendida, duvidas não nos restaram sobre a participação do arguido, nos moldes em que apurado ficou, nos factos imputados. Com efeito, o arguido negou, na totalidade, os factos que lhe são imputados na acusação pública, dizendo, de uma forma absolutamente desconexa, pobre e tergiversante, que tudo não passa de uma enorme “mentira”. A negação por ele trazida ao processo, invocando desconhecer a ofendida e deixando por explicar porque o seu ADN é encontrado em peça de vestuário trajada pela própria que, aliás, a entrega prontamente às autoridades, como assim o atesta o auto de apreensão, demonstra um absoluto desprezo sobre as evidencias da prova, sendo que, por outro lado não deixa de admitir a frequência da zona de Aguas de Moura – como aliás o refere na mensagem enviada à ofendida no dia 28 de Fevereiro de 2017, pelas 12h18m, através do seu telemóvel com o número 9264---, que também contra a informação prestada pela operadora que representa, como agente autorizado e que descredibiliza mencionando que a mesma informação padece de falsidade, lhe diz “FICA na tua que eu fico na minha não quero confusões fica bem…se quiseres um amigo podemos ser amigos se não quiseres ser minha amiga na boa…hoje vou para Vendas Novas trabalhar agora so vou para aguas de moura sesta feira” – como também admite a sua letra no flyer que a ofendida entregou às autoridades, explicando em Tribunal que aquele foi o papel deixado pelo arguido na sua morada. As explicações para o que acaba de ser exposto não lograram convencer minimamente o Tribunal, sobretudo quando um conjunto de elementos apontou para uma direcção bem diversa da ensaiada pelo arguido e coincidiu, ao invés, com o essencial da tese factual delineada na acusação pública. Referindo, de partida, a sua situação pessoal – a ofendida padece de invalidez, que a aposentou, por um quadro de epilepsia e doença associada do sistema nervoso - foram, porém, as prestadas declarações feitas de modo espontâneo e coerente, e ainda que claramente produzindo um relato sofrido e amargurado, transportado num sorriso que pela própria foi explicado pelo nervosismo do depoimento que motivou a advertência ao Tribunal do seu estado de saúde, o facto é que ZZ não deixou de relatar os factos descrevendo-os na sua quase integralidade e assim a actuação do arguido desde que consentiu a sua entrada na habitação, para que se certificasse que era cliente de outra operadora, depoimento que veio aos autos de forma isenta objetiva e credível, não sobrevindo qualquer razão ou animosidade em relação ao arguido que suscitasse dúvidas quanto à verdade do que relatou, nem do reconhecimento pessoal que mais tarde veio a realizar. Aliás, no caso em apreço, com as inerentes dificuldades de prova que sempre existem nestas situações, não pode deixar de assumir particular relevo a prova pericial em que no material entregue pela ofendida são encontrados vestígios biológicos do arguido, assim como os factos e as circunstâncias que antecederam e sucederam a prática dos mesmos por serem essenciais para, em conjugação com a restante prova, permitir confirmar, ou não, as declarações da ofendida, uma vez que, como aliás é comum nestes casos, não existem outras testemunhas presenciais. Como de forma esclarecedora se refere no Ac. Relação de Guimarães de 12.4.10 a propósito de crimes sexuais: «…um único testemunho, ainda que da vítima pode ser suficiente para desvirtuar a presunção de inocência desde que ocorram as seguintes notas: a) ausência de incredibilidade subjectiva derivada das relações arguido/vítima ou denunciante que possam conduzir à dedução da existência de um móbil de ressentimento, ou inimizade; b) verosimilhança: o testemunho há-de estar rodeado de certas corroborações periféricas de carácter objectivo que o dotem de aptidão probatória e; c) persistência na incriminação, prolongada no tempo e reiteradamente expressa e exposta sem ambiguidades ou contradições…». Como assim é, diremos que o depoimento de ZZ não revelou qualquer fractura que colocasse ao Tribunal o dilema sobre a ocorrência dos factos, sendo até pela não conformação por ela feita de factos vertidos na acusação que estes foram considerados como não provados, tudo pela forma íntegra e detalhada com que foi prestado e os dados clínicos evidenciam as características específicas e compatíveis com as dinâmicas inerentes a casos desta natureza o que reforça a credibilidade do depoimento da ofendida: o surgimento de um quadro sintomatológico, manifestação de ressonância afectiva e emocional compatível com as situações descritas, o medo pela paralisação de comportamento (do alegado agressor e do que este lhe pudesse fazer, sendo no quadro que vivenciava mantida como solução a utilização de um preservativo que ainda lhe cedeu), o recurso a mecanismos de evitamento e tentativa de esquecimento dos eventos em análise, com a própria a mencionar que só queria esquecer o que lhe aconteceu. A consignar na presente fundamentação o que só a imediação o permite: o raciocínio, as lacunas, as hesitações, a linguagem, o tom de voz, o comportamento, os tempos de resposta, as coincidências e as contradições, o acessório, as circunstâncias, o tempo decorrido, o contexto sócio cultural, a linguagem gestual, a interpretação dos olhares, das pausas da ofendida, tudo foi atendido e ponderado, na apreciação da versão dos factos apresentadas e no convencimento do relato da vitima em detrimento do prestado pelo arguido declarações que se revelaram inverosímeis, infundadas e destituídas de qualquer credibilidade dando desculpas ou explicações que em nada explicam a proporção dos factos., versão que não só é contrariada por toda a demais prova produzida acima explicitada como é inverosímil perante as consequências que estes factos tiveram na vida da depoente e pelo estado psicológico em que esta ficou. A conjugação dos elementos probatórios, acima explicitados, à luz dos princípios da experiência comum e da razoabilidade inerente ao acontecer dos factos com o especial melindre que estas situações sempre envolvem, considerando, desde logo, o depoimento da ofendida que passados quase dois anos continua, com tamanha precisão e detalhe, a esclarecer os factos e a manter a participação que apresentou, o modo como relatou o sucedido com manifesto incómodo e sofrimento, mas de forma segura e sem contradições, a ausência de quaisquer factos ou circunstâncias objectivas que levem a pôr em causa estas declarações, as consequências que estes factos tiveram na vida desta. Tudo a permitir concluir, sem margem para dúvidas, que o arguido praticou os factos que lhe são imputados e inequivocamente da materialidade provada o dolo do arguido, na medida em que claramente resulta dos meios de prova produzidos, como das regras de experiencia de vida, que ao assim actuar o arguido quis e pretendeu satisfazer-se sexualmente com a ofendida revelando um absoluto e total desprezo (diremos mesmo crueldade) pela mesma e não se coibiu de, para atingir esse desiderato, em permanecer na morada desta, mesmo instado por sucessivas vezes, a fazê-lo. As condições sócio-económicas do arguido provaram-se, como o referimos, com base nas suas próprias declarações sendo que a inexistência de antecedentes criminais resultou do Certificado de Registo Criminal colhido em 17 de Janeiro de 2019 e junto aos autos. A prova dos factos respeitantes ao pedido de indemnização civil formulado pela demandante CHS a fls. 227 a 229 assentaram para além da indicada prova documental no documento de fls. 230. * Os factos não provados assim resultaram em razão da absoluta ausência de prova, posto que os mesmos não foram confirmados pela ofendida e num circunstancialismo em que alegadamente estes teriam ocorrido apenas na presença desta e do arguido seria do seu relato que os mesmos haveriam resultar comprovados, ante a negação absoluta dos mesmos pelo arguido. Apreciando: A) - da impugnação da matéria de facto: A modificação da matéria de facto pode verificar-se, segundo o disposto no art. 431.º do CPP, além do mais, “se a prova tiver sido impugnada nos termos do n.º 3 do artigo 412.º”. Tem-se, aqui, em vista, a impugnação traduzida na reapreciação da prova, de forma ampla, não obstante dentro dos limites decorrentes do ónus de especificação imposto pelos n.ºs 3 e 4 desse art. 412.º, na medida em que, como vem sendo pacificamente entendido, o recurso é mero remédio jurídico, e não novo julgamento com repetição dos meios de prova produzidos em 1.ª instância, para despistar e corrigir erros in judicando ou in procedendo. Segundo Damião da Cunha, in “A Estrutura dos Recursos”, na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 8, Abril-Julho, 1998, págs. 259 e seg., os recursos configuram-se no Código de Processo Penal como um remédio e não como um novo julgamento sobre o objecto do processo (…) Assim, ao recorrente é exigido que apresente os pontos de facto que mereçam a censura de incorrectamente decididos (…) Não basta, porém, que no recurso manifeste a discordância e, bem assim, as provas (…) que não só demonstrem a possível incorrecção decisória, mas também permitam configurar uma alternativa decisória. Ainda, a tal propósito, acompanhando o acórdão do STJ de 10.03.2010, in CJ Acs. STJ ano XVIII, tomo I, pág. 219, Como o Supremo Tribunal de Justiça tem reafirmado o recurso da matéria de facto perante a Relação não é um novo julgamento em que a 2ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1ª instância, como se o julgamento não existisse, tratando-se de um remédio jurídico destinado a colmatar erros de julgamento (…) O objeto do 2º grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto não é a pura e simples repetição das audiências perante a Relação, mas, mais singelamente, a deteção e correção de concretos, pontuais e claramente apontados e fundamentados erros de julgamento (…) A intromissão da Relação no domínio factual cingir-se-á a uma intervenção "cirúrgica", no sentido de delimitada, restrita à indagação, ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo à sua correção, se for caso disso, e apenas na medida do que resultar do filtro da documentação (…) A juzante impor-se-á um último limite que tem a ver com o facto de a reapreciação só poder determinar alteração à matéria de facto assente se o Tribunal da Relação concluir que os elementos de prova impõem uma decisão diversa e não apenas permitam uma outra decisão. Apresentando-se com uma finalidade processualmente específica e justificada, os contornos necessários à impugnação de facto nessa vertente ficaram devidamente explicitados no Acórdão de Fixação de Jurisprudência do STJ n.º 3/2012, de 08.03, in D.R. I Série, n.º 77, de 18.04.2012. No entanto, mesmo quando se considere a impugnação efectuada de forma processualmente válida, isso não equivale necessariamente à modificação da decisão de facto recorrida. Não se bastará, para que venha a proceder, com a pretensão de dar-se como provada determinada versão, com base nas provas produzidas e diferentemente valoradas por quem recorre, já que a censura do tribunal ad quem não incidirá sobre a decisão do tribunal a quo que assente a sua convicção sobre a credibilidade da prova produzida, ou a falta dela, em elementos que relevam dos princípios da imediação e da oralidade, aos quais o tribunal de recurso não tem acesso, sem prejuízo dos limites do princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art. 127.º do CPP. Em concreto, nada impede que a impugnação visada pelo recorrente seja apreciada, dado que se afigura que cumpriu minimamente o ónus de especificação, ao ter indicado os pontos de facto que considera incorrectamente julgados (factos provados em 5, 6 e 7) e a prova que, na sua perspectiva, impõe decisão diversa (declarações da ofendida), aludindo, relativamente à mesma e por referência à respectiva localização no suporte de gravação, a excertos que transcreveu. Por seu lado, se bem que o recorrente também aponte à decisão padecer de erro notório na apreciação da prova, previsto no art. 410.º, n.º2, alínea c), do CPP, fá-lo equiparar à discordância quanto à avaliação da prova a que o Tribunal procedeu e, assim, conforme ao que alega, com suporte naquelas mesmas declarações. Deste modo, nessa vertente, é manifesto que esquece que esse erro, para existir, tem de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, o que significa que, para o efeito, apenas relevam os elementos que a ela sejam intrínsecos e endógenos e, por outro, à luz das máximas da experiência que todo o homem de formação média conhece, como critérios generalizantes e tipificados de inferência factual, índices corrigíveis, critérios que definem conexões de relevância, orientam caminhos de investigação e fornecem probabilidades conclusivas (Castanheira Neves, in “Sumários de Processo Penal”, 1967/68, págs. 42 e segs.). É o erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem de formação média facilmente dele se dá conta (Germano Marques da Silva, ob. cit., vol. III, pág. 326). Haverá que ser interpretado como o facto notório em processo civil (acórdão do STJ de 06.04.1994, in CJ Acs. STJ, ano II, tomo II, pág. 185) Deparar-se-á, pois, quando existam e se revelem distorções de ordem lógica entre os factos provados e não provados, ou que traduza uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, de todo insustentável, e por isso incorrecta, e que, em si mesma, não passe despercebida imediatamente à observação e verificação comum do homem médio (acórdão do STJ de 24.03.2004, no proc. n.º 03P4043, in www.dgsi.pt). Ora, nem sequer o recorrente concretiza em que se traduz, pelo que, no caso, redunda, então, em confundi-lo com a impugnação mais ampliada daquele art. 412.º, sendo que decorre, sem equívoco, que o acórdão não enferma desse alegado vício. Vejamos, pois, quanto ao que interessa no âmbito da referida impugnação, sem perder de vista a motivação operada pelo Tribunal, sendo que se procedeu à audição integral do convocado depoimento da ofendida. Toda a alegação do recorrente vai no sentido de que não teria exercido violência ou ameaça relevantes perante ZZ. Assim, relativamente ao provado em 5 (“De imediato e confrontada com o sucedido, ZZ reagiu indagando o arguido CC sobre o que estava a fazer e dizendo-lhe para a largar e sair de sua casa, o que este ignorou mantendo-a manietada e levando-a para o quarto”), o recorrente invoca que é a ofendida que refere que “praticamente” foi levada à força para o quarto, é essa a versão verbalizada pela própria, contudo, uma coisa é ser levada à força, até com recurso à violência, outra bem diferente é “praticamente” ser levada à força. Tal facto tem de ser compreendido na sequência do anterior, provado em 4 (“Ali e de imediato, o arguido CC agarrou ZZ pelos braços, encostando o seu corpo ao corpo desta, apertando-a na sua direcção, o que impediu a ofendida de se soltar, não obstante procurar com as suas mãos afastar o corpo do arguido, ao mesmo tempo que o arguido dirigia a sua boca na direcção do rosto da ofendida, para a beijar, contra a vontade desta”), uma vez que já, então, na sala da habitação e de imediato, a agarrou e a apertou, impedindo-a de soltar-se e, assim, como se consignou no facto impugnado, veio a mantê-la manietada e levou-a para o quarto, não obstante a reacção da ofendida aí reflectida. Nesta circunstância, o facto em apreço está em sintonia com o declarado pela ofendida, sendo que esta esclareceu, aliás, que o recorrente executou esses actos com força, ou seja, conforme transcrito ao recurso, a agarrar-me com força e, se como sucedeu, ainda declarou que, encontrando-se a porta do quarto aberta, praticamente levou-me mesmo à força, não se descortina fundamento válido para infirmar a sua credibilidade. Aliás, o recorrente não mais do que tenta usar a expressão “praticamente” para dela retirar o sentido de expressar alguma reserva ou dúvida quanto ao declarado, desde logo querendo destacar esse aspecto da globalidade do depoimento, descurando, pois, que a avaliação da prova tem de nortear-se por ponderação conjunta dos meios produzidos e examinados em audiência. E também, lamentavelmente, querendo fazer esquecer que a ofendida, ao longo do seu depoimento, utilizou aquela expressão por várias vezes, sendo que logo no início disse praticamente não tenho testemunhas, estava sozinha em casa e, assim, manifestando que a usava como sintoma de um sublinhar do que em concreto e em particular dizia, mediante, pois, uma certa deficiência de expressão e com uso reiterado. Mas, no entanto, isso não serve ao desiderato pretendido pelo recorrente, além do mais, ainda, tendo em conta a delicadeza do assunto de que a ofendida falava e a circunstância de ser pessoa, conforme se referiu na motivação decisória, que “padece de invalidez, por um quadro de epilepsia e doença associada do sistema nervoso”, aspectos que confluem para alguma dificuldade expressiva. Quanto ao facto provado em 6 (“Acto contínuo, o arguido CC despiu as calças de ganga que trajava, ficando nu da cintura para baixo e, enquanto ZZ insistia para que ele a largasse e abandonasse o seu domicílio, aquele agarrou-a e colocou-a sobre a cama, onde esta ficou prostrada de costas”), invoca que não resulta do depoimento da ofendida que o recorrente a estivesse a segurar, enquanto alegadamente se estava a despir da cintura para baixo … Tanto mais que a ofendida, afirma ter ficado parada a olhar para o recorrente que se encontraria na sua frente, tendo-lhe inclusivamente perguntado o que este estaria a fazer, sendo bem percetível que esta não estava manietada. Ora, resulta do fundamentado pelo Tribunal que a ofendida referiu que “De súbito o arguido despiu-se da cintura para baixo e despiu-a de seguida, lançando-a sob empurrão, para cima da cama. Ficou paralisada sem reacção e cheia de medo”, o que está em sintonia com que se constatou agora ouvir, bem como com que ficou vertido nesse facto, não surpreendendo, à luz das regras da experiência, o que se concluiu, em atenção, por um lado, à dinâmica própria do tipo de actos levados a cabo pelo recorrente e, por outro, ao choque provocado na ofendida, como esta declarou também. Transpareceu do depoimento que esses actos se seguiram uns aos outros e com a inevitável rapidez de movimentos, sem que a circunstância de que, por momentos, a ofendida não estivesse agarrada, influa, afinal, como contendendo com a acção do recorrente de, depois de a ter conduzido como descrito para o quarto, aqui a lançou, empurrando-a, para cima da cama. E ainda não é de somenos que a ofendida tivesse declarado que fiquei parada, sem reacção e estava cheia de medo, o que não surpreende no contexto do que vivenciava, mas não, certamente, dado que não resultou da análise global do depoimento, com o preconizado sentido, visado pelo recorrente, de que não estivesse perturbada na sua decisão e acção, por deixar de estar, por breve momento, a ser agarrada. Aliás, nem mesmo tal se pode retirar do facto em questão, já que decorreu, sim, que foi empurrada, ficou prostrada de costas e, ainda, foi o recorrente quem a despiu, como veio a ficar consignado no facto de seguida a analisar, identicamente impugnado. Acerca deste facto, isto é, o facto provado em 7 (“De imediato o arguido CC, despiu-lhe as calças de fato de treino e os bóxeres que a mesma envergava, colocando-se em cima do seu corpo e, usando da sua superioridade física, submeteu ZZ à prática de cópula completa, introduzindo o seu pénis erecto no interior da vagina daquela, que friccionou até ejacular, o que fez fora do corpo da vítima, para cima do édredon que se encontrava colocado sobre a cama”), mais uma vez, o recorrente, apela àquela forma como a ofendida se terá exprimido, aludindo ao termo “praticamente”, quando referiu fui praticamente obrigada a fazer isso, reportando-se à cópula em apreço. E sem razão. Com efeito, embora a ofendida ainda tivesse tido oportunidade de suscitar o uso de preservativo, este aspecto surge, de acordo com a experiência, com o intuito, como transparece do que declarou, de pelo menos se proteger, não infirmando, de forma alguma, a relevância dos actos a que disse ter sido sujeita, contra a sua vontade e à força. Por seu lado, não tem sentido, o recorrente, alegar que a ofendida não tivesse sido agredida ou ameaçada de modo importante, bem como não tivesse gritado e pedido auxílio quando aquele atendia o telefone, como declarou ter acontecido por várias vezes, uma vez que descura o que fez, em detrimento de suposta exigência de diferente reacção da ofendida, como se a atitude desta não se tivesse manifestado em clara oposição e em sintonia com a inequívoca perturbação que sobre si foi exercida. A motivação da convicção do Tribunal dá conta, e bem, da credibilidade conferida às declarações da ofendida, com pormenor bastante relativamente ao que efectivamente depôs e sublinhando, além do mais, que “não revelou qualquer fractura que colocasse ao Tribunal o dilema sobre a ocorrência dos factos, sendo até pela não conformação por ela feita de factos vertidos na acusação que estes foram considerados como não provados, tudo pela forma íntegra e detalhada com que foi prestado e os dados clínicos evidenciam as características específicas e compatíveis com as dinâmicas inerentes a casos desta natureza o que reforça a credibilidade …: o surgimento de um quadro sintomatológico, manifestação de ressonância afectiva e emocional compatível com as situações descritas, o medo pela paralisação de comportamento (do alegado agressor e do que este lhe pudesse fazer, sendo no quadro que vivenciava mantida como solução a utilização de um preservativo que ainda lhe cedeu), o recurso a mecanismos de evitamento e tentativa de esquecimento dos eventos em análise, com a própria a mencionar que só queria esquecer o que lhe aconteceu”. Colocando a tónica na ausência de actos susceptíveis de sujeição forçada da ofendida, em nada o depoimento desta consente essa perspectiva, seja no âmbito dos factos impugnados, seja no dos restantes atinentes à objectiva actuação do recorrente. Dir-se-á, pois, com cabimento, que a circunstância de a ofendida não ter denotado reacção mais incisiva não desvirtua, antes corrobora, o medo que sofreu e, com mais acuidade no seu caso, de pessoa com problemas de saúde, tornando-a mais vulnerável, sem que se possa, contrariamente ao que o recorrente pretenderia, configurar algum pretexto para que tivesse denotado eventual consentimento e/ou colaboração. O tribunal a quo assentou a sua convicção de forma consentânea com as regras de valoração da prova, respeitando os limites impostos pelo art. 127.º do CPP, sem violar a presunção da inocência (art. 32.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa), uma vez que a culpabilidade do recorrente ficou plenamente demonstrada, estribada em avaliação fundamentada em critérios da lógica e da experiência. Não surpreende que, em grande parte, a prova tivesse assentado nas declarações da ofendida, na medida em que especial intimidade e reserva estão inequivocamente conexionadas com o tipo de actos praticados, consabidamente sem a presença de testemunhas, como no caso. E o depoimento foi ainda sopesado com a restante prova produzida e examinada, relativamente à qual nem sequer o recorrente se reporta. Deste modo, se como aqui se deve concluir, essas declarações merecem credibilidade e não enfermam de incongruências ou contradições, limitadas a transparecer, pela sua postura, a realidade do acontecer, não se vê onde detectar razão para não as aceitar ou para aceitá-las apenas em parte. A análise do Tribunal revela-se plenamente objectiva e não é passível de censura. Na verdade, segundo Germano Marques da Silva, ob. cit., Editorial Verbo, 1993, vol. II, pág. 111, A livre valoração da prova não deve (…) ser entendida como uma operação puramente subjectiva pela qual se chega a uma conclusão unicamente por meio de impressões ou conjecturas de difícil ou impossível objectivação, mas valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita objectivar a apreciação, requisito necessário para uma efectiva motivação da decisão. Se assim é, consubstanciando-se a liberdade de apreciação numa liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada «verdade material» - de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral, susceptível de motivação e de controlo (…) capaz de impor-se aos outros (Figueiredo Dias, in “Direito Processual Penal”, Coimbra Editora, 1974, págs. 202/205), cuja fundamentação decorre, em concreto, perfeitamente sustentada, os argumentos carreados pelo recorrente não impõem, de forma alguma, quanto aos factos que impugna, outra decisão. Por isso, também, a eventual aplicação do princípio in dubio pro reo, corolário da presunção da inocência, não cabe trazer à colação. A matéria de facto tem, pois, de subsistir, dando-se por assente. B) - da consequente absolvição: A absolvição do recorrente está afastada, uma vez que a matéria de facto que suportou a sua condenação se mantém. Ainda assim, o recorrente, cingindo-se à parte em que foi condenado por crimes de violação, p. e p. pelo art. 164.º do CP, e no implícito sentido da necessidade de serem cometidos através dos meios ali previstos, convoca o sumário do acórdão do Ac. TRP de 13 de Abril de 2011 (Relatora: Desembargadora Eduarda Lobo, disponível in http://www.dgsi.pt/jtrp.): - O crime de Violação, previsto no artigo 164.º, n.º 1, do CP, é um crime de execução vinculada, i.é., tem de ser cometido por meio de violência, ameaça grave ou acto que coloque a vítima em estado de inconsciência ou de impossibilidade de resistir. II – O agente só comete o crime se, na concretização da execução do acto sexual, ainda que tentado, se debater com a pessoa da vítima, de forma a poder-se falar em “violência”. III – A força física destinada a vencer a resistência da vítima pressupõe que esta manifeste de forma positiva, inequívoca e relevante a sua oposição à prática do acto. IV – A recusa meramente verbal ou a ausência de vontade, de adesão ou de consentimento da ofendida são, por si só, insuficientes para se julgar verificado o crime de Violação. Por isso, apesar de suportar a preconizada absolvição, como refere, no pressuposto da procedência do recurso em matéria de facto, sucintos esclarecimentos aqui se trazem. Desde já, por pertinentes, as considerações gerais acerca do conceito de violência que o citado acórdão reflecte: «Não tem sido inteiramente pacífico, na doutrina, o conceito de “violência”. Assim, para o Professor Figueiredo Dias (In Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, pág. 453/454), “não basta nunca à integração do tipo objectivo de ilícito (…) que o agente tenha constrangido a vítima a sofrer ou a praticar ”acto de violação, “isto é, que este acto tenha tido lugar sem ou contra a vontade da vítima (contrariamente a uma jurisprudência muito difundida dos nossos tribunais tanto a propósito da violação como do atentado ao pudor com violência, que considerava existir “sempre” violência quando o acto tivesse sido praticado contra ou sem a vontade da(o) ofendida(o) − sic. Ac.R. Coimbra de 17-2-93, CJ I-1993-70 − ou sempre que o consentimento não tivesse sido “livre” − sic. Ac.R. Porto de 6-3-91, CJ 2-1991-287. Actos sexuais súbitos e inesperados praticados sem ou contra a vontade da vítima, mas aos quais não preexistiu a utilização de um daqueles meios de coacção, não integram o tipo objectivo de ilícito”. E acrescenta este ilustre mestre que “meio típico de coacção é pois, antes de tudo, a violência, existindo esta quando se aplica a força física (como vis absoluta ou como vis compulsiva), destinada a vencer uma resistência oferecida ou esperada”. Em sentido não inteiramente coincidente, refere o Juiz Sénio Alves (In Crimes Sexuais, Notas e Comentários aos artigos 163.º a 179.º do Código Penal, Livraria Almedina, Coimbra – 1995, pág.32 e ss.) que, na falta de referência expressa do artigo 164.º, n.º 1, à violência física, parece ser de concluir que tanto a violência física como a moral, se determinaram a cópula, são elementos constitutivos do tipo de violação. «É que a violência moral (consistente, v.g., no perigo de um mal maior para a vítima ou sua família) pode determinar a cópula e, a não ser que se reconduzissem factos deste tipo à noção de “ameaça grave” (com as dificuldades inerentes à determinação do que é “grave” e à respectiva prova), ela ficaria impune. (…) A “grave ameaça” é algo diferente, de um ponto de vista qualitativo. Consiste, penso, no colocar a vítima perante a iminência da verificação da violência (física ou moral) provocando-lhe um tal temor que a determine à cópula». Contrariamente ao que anteriormente defendia, o Juiz Mouraz Lopes (In Os Crimes Contra a Liberdade e Autodeterminação Sexual no Código Penal, 4.ª edição, Coimbra Editora, 2008, pág. 49 e ss.), considera que após a reforma de 2007 “o legislador nacional optou por criminalizar, nos casos de coação sexual e na violação, apenas as situações de atentados à liberdade sexual que atentam gravemente contra a liberdade da vontade do sujeito, através de coacção grave ou violência e não os casos de prática de actos sexuais de relevo apenas praticados sem o consentimento da vítima maior de idade – Figueiredo Dias, nas Actas da Comissão Revisora, na discussão do tipo de crime de coacção sexual, expressamente refere que «não basta a simples falta de consentimento, sendo preciso, por exemplo, a violência ou ameaça grave»”. Também a jurisprudência se vem pronunciando nesse sentido, citando-se a título exemplificativo o Ac. do STJ de 25.11.1992 (Relatado pelo Cons. Sá Nogueira e disponível em www.dgsi.pt) nos termos do qual “A violência, quando a mesma é exigida para a verificação do crime de violação, e também no de atentado ao pudor, não pode ser dirigida contra as coisas, mas sim contra as pessoas, e tem de se traduzir na prática de actos que tenham como resultado o constranger a vítima a suportar uma conduta que não quer, numa construção da figura em que o constrangimento corresponde a um ter de suportar uma determinada actuação, contra a vontade e sem possibilidade do exercício de uma reacção com recurso aos meios normais de defesa contra tal». E sobre isso, o tribunal recorrido também explicitou designadamente: São elementos do tipo: i) - O constrangimento da vítima a sofrer ou praticar, consigo ou com outrem, um ou mais actos sexuais de especial relevo: cópula, coito anal, coito oral, introdução vaginal ou anal de partes do corpo. ii) - Por meio de violência, ameaça grave ou depois de, para esse fim, a ter tornado inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir (tratando-se, pois, de crime de execução vinculada). iii) - O dolo genérico, ou seja, o conhecimento e vontade de praticar o facto, abrangendo não só a vontade de levar a cabo esse ato sexual, mas também o conhecimento de que o realiza contra a vontade da vítima. É ainda necessário que a coacção ou constrangimento tenha ocorrido através da utilização de um meio típico de coacção: da violência, da ameaça grave ou de o agente ter tornado a vítima inconsciente ou a ter colocado na impossibilidade de resistir. A conduta típica traduz-se num ato de coacção, neste caso de cópula, podendo ainda ser coito anal, oral ou introdução vaginal ou anal de partes do corpo. Para se falar de coacção, especializada através da sua finalidade, tem que preexistir uma relação de causa efeito, ou seja que o meio de coacção tenha por objectivo a prática do acto sexual. Como violência deverá ser considerada apenas o uso da força física (a chamada vis absoluta ou vis compulsiva), destinada a vencer uma resistência oferecida ou esperada. Porém, não é necessário que a força usada deva qualificar-se de pesada ou grave, mas será indispensável que se considere idónea a vencer, segundo as concretas circunstâncias do caso, a resistência efectiva ou esperada da vítima. Aliás, não se torna necessária uma resistência efectiva, bastando que devesse contar-se com ela e o uso da violência se destine a vencê-la. E quanto ao concreto em análise, consignou: Dos meios acima citados como forma de integrar o crime o arguido serviu-se da violência física para alcançar os seus objectivos; Agarrou ZZ pelos braços, encostou o seu corpo ao corpo desta, apertando-a na sua direcção, o que impediu a ofendida de se soltar, não obstante procurar com as suas mãos afastar o corpo do arguido, ao mesmo tempo que o arguido dirigia a sua boca na direcção do rosto da ofendida, para a beijar, contra a vontade desta; O seu comportamento representa claramente os atos de violência conducentes à prática do ilícito, que a norma prevê. Porém, tal violência não se bastou, posto que de imediato e confrontada com o sucedido, ZZ reagiu indagando o arguido CC sobre o que estava a fazer e dizendo-lhe para a largar e sair de sua casa, o que este ignorou mantendo-a manietada e levando-a para o quarto, divisão onde, e em contínuo, o arguido CC despiu as calças de ganga que trajava, ficando nu da cintura para baixo e, enquanto ZZ insistia para que ele a largasse e abandonasse o seu domicílio, Não atendendo ao que a mesma lhe pedia, aquele agarrou-a e colocou-a sobre a cama, onde esta ficou prostrada de costas, mantendo com ela as relações de cópula completa, que se vieram a apurar, com ejaculação fora do corpo da vítima. Vestido, abriu o fecho das calças que trajava e retirou para fora pela braguilha o seu pénis, que introduziu na boca daquela, forçando-a previamente a ficar de joelhos e segurando a cabeça desta, que mantinha agarrada pelas suas mãos, efectuou movimentos de vaivém, apesar da mesma insistir para que parasse e implorar-lhe que fosse embora, sem contudo chegar a ejacular. O conceito de violência há-de, pois, extrair-se dos meios utilizados e da idoneidade destes para lesar a liberdade sexual de outra pessoa, em razão de todas as circunstâncias que se apurem, atinentes, não só à natureza dos meios e como são usados, como também das condições pessoais e concretas em que a vítima seja colocada. Nesta perspectiva, o enquadramento dos factos como integrando crimes de violação afigura-se correcto. A violência, enquanto fisicamente expressada, resulta de que o recorrente agarrou e apertou a ofendida, impedindo-a de se soltar, a levou para o quarto, mantendo-a manietada e, mais, a colocou sobre a cama e, depois, a forçou a ajoelhar-se e a manteve agarrada. Além disso, não se pode descurar, no tocante à ofendida, como decorre do que se fundamentou, toda a perturbação que esses actos em si desencadeou, o medo que sentiu, dado se encontrar sozinha, ter sido surpreendida como foi, padecer de doença do sistema nervoso, o mesmo é dizer, consentânea com a limitação da sua liberdade e, inevitavelmente, no contexto, fragilizada e vulnerável. De forma alguma se descortina que as reservas suscitadas pelo recorrente tenham a mínima virtualidade de infirmar o que se explicitou e o que se concluiu para o condenar. C)- da redução da medida da pena e suspensão da sua execução: Ao nível da medida concreta das penas, quer as parcelares, quer a única, o recorrente considera-as desproporcionais e exageradas, segundo refere, tendo em conta a sua situação pessoal, alegando que tem vinte e quatro anos de idade, não tem antecedentes criminais, ou seja não tem carreira de crime, os factos que lhe são imputados remontam a Fevereiro do ano de 2017, não havendo notícia de nenhum crime que lhe seja imputado, para além dos referidos factos. Preconiza que sejam reduzidas para medidas próximas dos limites mínimos e, no tocante à pena única, alega que não se teve em conta que está inserido pessoal e profissionalmente, nem tão pouco a reintegração na sociedade, entendendo que deva fixar-se no mínimo legal possível e ser suspensa na execução. * Resulta do acórdão neste âmbito: Feito pela forma descrita o enquadramento jurídico-penal da conduta do arguido, importa determinar a natureza e a medida das penas a aplicar. O crime de violação, p. e p. pelo art. 164.º, n.º 1, al. a) do Código Penal é punido com pena de prisão de 3 a 10 anos. O crime de violação de domicílio, previsto e punido pelo artigo 190.º, n.º 1 do Código Penal é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa. Cumpre, apreciar qual a medida concreta das penas a aplicar ao arguido. Face ao princípio da subsidiariedade da intervenção penal, o princípio primacial é o de preferência pelas reacções criminais não detentivas face às detentivas, de onde resulta que só será de aplicar uma pena privativa quando a pena de multa se revelar inadequada ou insuficiente à prevenção. Desde já se dirá que o ilícito imputado ao arguido contido no supra citado art. 190.º do Código Penal permitem a aplicação de pena de multa ou de prisão, caso a escolha da penalidade não detentiva não se revele a acertada, de harmonia com os fins das penas. Assim, de acordo com o critério estatuído no artigo 70.º do Código Penal, sendo aplicável, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal deve dar preferência à segunda (multa como alternativa à pena de prisão, “a forma por excelência de previsão da pena pecuniária”, na expressão de Figueiredo Dias, loc. cit. §137, pág. 124), sempre que esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, ou seja, a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. Perante duas penas principais previstas em alternativa, a primeira operação consistirá na escolha, em determinar qual das duas espécies de penas a eleger no caso concreto, após o que competirá proceder à determinação da medida concreta da espécie de pena já escolhida. No caso presente, e porque se crê que tendo em conta que a prática deste ilícito serviu claramente para possibilitar a prática de crimes de extrema gravidade – os de violação, este punido apenas com pena de prisão – consideramos que apenas a pena de prisão realiza de forma adequada as finalidades da punição, não esquecendo que na larga maioria das situações, como a que nos ocupa, a execução da pena de prisão é exigida por razões de prevenção, por se mostrar necessário que só a execução da prisão permite dar resposta às exigências de prevenção. * Há que ter em conta o critério da adequação e suficiência, atento o bem jurídico protegido, uma das finalidades a que alude o artigo 40.º do Código Penal e atentas as razões de prevenção geral que se impõem nestes casos não é excessivo a opção recair na pena privativa, tendo em conta as necessidades de assegurar a paz comunitária, que se reflete essencialmente nos ilícitos com a natureza dos praticados pelo arguido. Na determinação da pena concreta aplicável, devemos recorrer aos critérios fornecidos pelos artigos 40.º e 71.º do Código Penal. O artigo 40.º do Código Penal determina qual a finalidade das penas, estipulando que, em caso algum, a medida da pena deverá ultrapassar a medida da culpa concreta do agente, funcionando esta como limite máximo da medida da pena a aplicar, prevendo, ainda, que as penas têm como finalidade a protecção de bens jurídicos (prevenção geral) e a reintegração do agente na sociedade (prevenção especial). Nesses termos, a operação a efectuar na determinação da pena consiste na construção de uma moldura legal de prevenção geral de integração (em obediência à ideia de que o fim da punição reside na defesa dos bens jurídicos e das legítimas expectativas da comunidade com vista ao restabelecimento da paz jurídica) cujo limite mínimo é dado pela defesa do ordenamento jurídico, o ponto abaixo do qual não é socialmente admissível a fixação da pena sem pôr em causa a sua função de tutelar bens jurídicos. Por outro lado, a culpa dar-nos-á o limite máximo inultrapassável das exigências de prevenção – a culpa surge como fundamento da pena e não como finalidade. Dentro dessa moldura de prevenção geral de integração, a medida concreta da pena é determinada em função das particulares e concretas exigências de prevenção especial visando promover a reintegração social do agente. Na determinação da medida concreta da pena, deverão ser consideradas todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal convocado, deponham quer a favor quer contra o agente (cf. art. 71.º, n.º 2 do Código Penal). Aferindo das circunstâncias do art.71º do Código Penal face à factualidade apurada importa salientar: A conduta do arguido pautou-se por um grau de ilicitude assaz elevado, já que a sua actividade delituosa se repetiu e a violação consumou-se é certo, como todas as violações, de uma forma grave, com penetração vaginal seguida de coito oral. O arguido agiu com dolo directo que atingiu grande intensidade, não se tendo movido pelos pedidos da ofendida para que a largasse e deixasse em paz, antes continuando e persistindo na sua conduta. O grau de lesão, intenso, dos bens jurídicos violados, sendo que os factos ocorreram com violação do reduto de privacidade da vítima – o seu domicilio; A culpa atingiu elevado grau, sendo extremamente censurável a conduta do arguido, pois este aproveitando-se da sua qualidade de vendedor da NOWO e mediante a oferta de pacotes com condições mais vantajosas acedeu ao interior da residência da ofendida, possibilitando dessa forma a consumação do propósito de manter relações sexuais com ela, necessariamente, aqui para gozo próprio e com total desrespeito pela vontade de ZZ, não se bastando, com a primeira das situações, mas renovando a sua lascívia ao manter com ela coito oral, a que a sujeitou, o que revela uma personalidade de má índole. Quanto às motivações do crime, o arguido agiu com o propósito de satisfazer os seus desejos sexuais, de uma maneira soez, indigna de um bom cidadão. Em seu abono há que considerar o facto de o arguido não possuir averbada condenação criminal e bem assim as suas condições pessoais apuradas, de ocupação laboral e segundo por si relatado, a integração familiar e social; Em seu desabono, claro e evidente que o arguido não revelou capacidade critica dos factos, ademais, negando-os e mostrando que lhes atribuiu nenhum valor, mostrando falta de empatia para com a vitima – que pasme-se, até gostaria de ver em Tribunal – só a não viu e assistiu ao seu testemunho porque injustificadamente faltou à primeira sessão de audiência – como grassa a falta de autocrítica quando confrontado com a existência do seu ADN em peça de vestuário da vitima, explicação que não sabe conceder. Por outro lado, e a relevar a gravidade dos factos que geram alarme e insegurança coletivas esperando os cidadãos dos tribunais a quem confiam a defesa dos seus interesses uma intervenção firme e oportuna na aplicação da lei, vale para dizer que são prementes as exigências de prevenção geral, sendo ao nível da prevenção especial de ressaltar que o arguido de uma forma mais acentuada, carece de educação para o direito, de emenda, só imposta por via da pena, como resulta da falta de assunção dos factos e compreensão da danosidade do seu comportamento. Por isso, no caso concreto, as razões de prevenção geral, mostram-se elevadas, sendo necessário que a pena a aplicar permita contribuir para um restabelecimento do sentimento de segurança e tranquilidade, tendo em conta, a natureza dos crimes em apreço e a necessidade de defesa da sociedade perante este tipo de criminalidade, que regista atualmente um aumento significativo, sendo enorme o alarme social que provoca, exigências de prevenção geral de pendor elevadíssimo, reclamando que os tribunais não se alheiem do grave problema social que existe no País com a violência sexual. * Ponderando tudo o que anteriormente se referiu, o Tribunal considera adequadas as penas as seguintes penas a aplicar ao arguido: Não procedendo a qualquer diferenciação nas que vai encontrar para o crime de violação, posto que a relação de cópula sendo quiçá mais invasiva que a de coito oral e perpetrada com actos que traduzem maior violência – em que o recurso à força física se faz com tradução no acto de manietar, agarrar e empurrar – a renovação da resolução concita a conclusão que o arguido persistiu e renovou a resolução criminosa, o que há-de tender em seu desfavor. E assim: Pela prática de cada um dos crimes de violação imputados, p. e p. pelo art. 164.º, n.º 1, al. a) do Código Penal, a pena de prisão de 5 anos de prisão. Pela prática de um crime de violação de domicílio, previsto e punido pelo artigo 190.º, n.º1 do Código Penal, a pena de 9 meses de prisão, que não se substitui mormente por multa pelas razões consignadas na escolha da pena, que se renovam, penas que para além de refletir a medida da culpa do arguido, mostram-se adequadas a lograr a socialização ou advertência individual e promovem na comunidade a segurança ou inocuização. * Da pena única Nos termos do art. 77.º, n.º 1, do Código Penal se o agente tiver praticado vários crimes é condenado numa única pena, e na determinação da medida são considerados os factos e a personalidade do agente. Nos termos do nº 2 desta disposição legal, o limite máximo corresponde à soma das penas concretamente aplicada e o mínimo a mais elevada das penas aplicadas. Haverá assim que aplicar ao arguido uma única pena, sendo que o limite mínimo corresponderá ao da pena máxima aplicada, ou seja, 5 anos de prisão e o máximo o correspondente à soma das penas, ou seja, 10 anos e 9 meses de prisão, pelo que, ponderando, em conjunto, os factos - que revestem acentuada gravidade- e a personalidade do arguido revelada nos factos - tendo por certo que socialmente são muito elevadas as exigências que se colocam relativamente aos crimes contra as pessoas (liberdade sexual), considerando-se o quantum das penas concretas, a natureza dos factos penalmente valorados como ilícitos e dolosos praticados pelo arguido e a sua personalidade em conexão com a globalidade dos factos, as circunstâncias em que os mesmos ocorreram, desta forma e justamente tendo presentes os sobreditos critérios, entende o Tribunal Coletivo que a pena de prisão deve ser fixada em 8 (oito) anos de prisão, sendo o factor de compressão utilizado na determinação da pena no ponto médio da pena, em razão de todas as apontadas circunstâncias. * Analisando: Ora, como refere Hans Heinrich Jescheck, in “Tratado de Derecho Penal, Parte General”, II, pág. 1194, o ponto de partida da determinação judicial das penas é a determinação dos seus fins, pois, só partindo dos fins das penas, claramente definidos, se pode julgar que factos são importantes e como se devem valorar no caso concreto para a fixação da pena. Segundo Fernanda Palma, in “As Alterações Reformadoras da Parte Geral do Código Penal na Revisão de 1995: Desmantelamento, Reforço e Paralisia da Sociedade Punitiva” em “Jornadas sobre a Revisão do Código Penal”, AAFDL, 1998, pp.25-51, e in “Casos e Materiais de Direito Penal”, Almedina, 2000, pp. 31-51 (32/33), a protecção de bens jurídicos implica a utilização da pena para dissuadir a prática de crimes pelos cidadãos (prevenção geral negativa), incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes e aprofundar a consciência dos valores jurídicos por parte dos cidadãos (prevenção geral positiva). A protecção de bens jurídicos significa ainda prevenção especial como dissuasão do próprio delinquente potencial. Por outro lado, a reintegração do agente significa a prevenção especial na escolha da pena ou na execução da pena. E, finalmente, a retribuição não é exigida necessariamente pela protecção de bens jurídicos. A pena como censura da vontade ou da decisão contrária ao direito pode ser desnecessária, segundo critérios preventivos especiais, ou ineficaz para a realização da prevenção geral. Por respeito à salvaguarda da dignidade humana, a medida da culpa constitui limite inultrapassável da medida da pena e, como já aludia Claus Roxin, in “Derecho Penal, Parte General”, tomo I, tradução da 2.ª edição alemã e notas por Diego-Manuel – Luzón Peña, Miguel Diaz y Garcia Conlledo e Javier de Vicente Remesal, Civitas, págs. 99/100, a pena não pode ultrapassar na sua duração a medida da culpabilidade mesmo que interesses de tratamento, de segurança ou de intimidação relevem como desenlace uma detenção mais prolongada (…) não pode ultrapassar a medida da culpabilidade, mas pode não alcançá-la sempre que isso seja permitido pelo fim preventivo. Nele radica uma diferença decisiva frente à teoria da retribuição, mas que reclama em todo o caso que a dita pena àquela corresponda, com independência de toda a necessidade preventiva. Ainda, segundo Figueiredo Dias, na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 3, 2º a 4º, Abril-Dezembro de 1993, págs. 186/187, o modelo de determinação da medida da pena consagrado no CP vigente comete à culpa a função (única, mas nem por isso menos decisiva) de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena; à prevenção geral (de integração) a função de fornecer uma moldura de prevenção, cujo limite máximo é dado pela medida óptima de tutela dos bens jurídicos – dentro do que é consentido pela culpa – e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico; e à prevenção especial a função de encontrar o “quantum” exacto de pena, dentro da referida moldura de prevenção, que melhor sirva as exigências de socialização (ou, em casos particulares, de advertência ou de segurança) do delinquente. Esta (a medida da pena) deve, em toda a extensão possível, evitar a quebra da inserção social do agente e servir a sua reintegração na comunidade, só deste modo e por esta via se alcançando uma eficácia óptima de protecção dos bens jurídicos, sendo que culpa e prevenção são (…) os dois termos do binómio com auxílio do qual há-de ser construído o modelo da medida da pena (em sentido estrito ou de determinação concreta da pena) - o mesmo Autor, in “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, Editorial Notícias, 1993, págs. 231 e 214. Esse juízo de culpa, que na realidade constitui o suporte axiológico-normativo da punição, reconduz-se a um juízo de valor e apreciação, que enuncia o que as coisas valem aos olhos da consciência e o que deve ser do ponto de vista da sua validade lógica, da ética ou do direito (acórdão do STJ de 10.04.1996, in CJ Acs. STJ ano IV, tomo II, pág. 168), isto é, à censura dum certo facto típico à pessoa do seu agente, entendida como censura ético-jurídica dirigida a um sujeito por não ter agido de modo diverso (Eduardo Correia, in “Direito Criminal”, Almedina, 1971, vol. I, págs. 315 e seg.). A confiança da comunidade na validade das normas, se não pode ceder em limites que lhe retirem sentido na ponderação e concordância prática das finalidades e exigências em presença, não poderá, do mesmo modo, constituir parâmetro que impeça a realização das finalidades de política criminal que justificam e conformam o regime penal. Essa validade é afirmada pela aplicação das penas adequadas, que traduza a interiorização e o respeito pelo sistema de valores fundamentais reconhecidamente aceites e, por isso, penalmente tutelados; mas, do mesmo modo, a comunidade deve sentir e compreender as opções de política criminal que se realizam através da formulação e aplicação do direito penal. Devendo qualquer pena ter, quanto possível, um sentido pedagógico e ressocializador, a finalidade primordial de restabelecer a confiança colectiva na validade da norma violada, abalada pela prática do crime e, em última análise, na comunidade, não pode ser descurada. As circunstâncias ponderadas no acórdão apresentam-se adequadamente explicitadas, sustentando, por um lado, a inegável necessidade geral da tutela dos bens jurídicos postergados, sobretudo quanto aos crimes de violação, mormente atenta a respectiva natureza pessoal, e de importância inequivocamente reconhecida, relativamente ao que a comunidade é claramente sensível e exige resposta consentânea à intrínseca gravidade desses actos. Inevitavelmente, também as suas consequências, a vários níveis, são aspectos que importa não menosprezar. Não obstante o recorrente denotasse, à data dos factos, alguma inserção social e não tivesse sido anteriormente condenado, tais circunstâncias não infirmam, nem atenuam, as prementes exigências de prevenção que se fazem sentir, sendo que, além de que o grau da ilicitude é elevado e o dolo é directo, o aproveitamento da situação de vulnerabilidade da vítima é manifesto, tanto mais após o convite a que entrasse na habitação e a implícita confiança de que o objectivo desse convite não fosse excedido, o que não favorece minimamente, bem pelo contrário, a valoração da sua personalidade, reflectida também em que não assumiu de modo algum a prática dos factos e não revela adequada interiorização não obstante a gravidade do que fez. O seu grau de culpa, sopesados todos os factores disponíveis, é efectivamente elevado, tal como o Tribunal fundamentou, não se podendo afirmar que não teve em atenção o que, no caso, relevava para o efeito da determinação das penas. Os objectivos de integração positiva e de socialização não sobrelevam de modo a que se imponha que as penas parcelares devam ser reduzidas, quando confrontadas as reservas que a natureza dos seus actos e as características da sua personalidade propiciam. Não se mostram, pois, violados os alegados arts. 71.º, n.º 1, e 40.º, n.º 1, do CP, já que sempre caberá ao julgador margem de apreciação que a imediação do julgamento melhor consente desde que respeitados os legais critérios, como aqui sucede. Passando à questão da pena única, que foi fixada sensivelmente na média dos limites legais, é sabido que, neste âmbito, decorrendo da existência de concurso de crimes, o legislador adoptou o modelo de pena conjunta, em resultado de uma avaliação conjunta dos factos e da personalidade do agente (art. 77.º, n.º 1, do CP). Caracteriza-se por (i) não prescindir da determinação da medida concreta das penas parcelares, sendo a partir delas que se constrói a moldura penal do concurso e (ii) a medida da pena do concurso no caso concreto é determinada dentro da moldura penal abstracta, entre um mínimo e um máximo, com a mesma liberdade com que se determina a unicidade de pena – culpa e prevenção, relacionadas com a gravidade do ilícito global em conjugação com a personalidade unitária revelada pelo agente, e não por adição das penas parcelares (ou de uma dada porção ou fracção delas), só sendo de agravar a pena no caso de se concluir pela radicação da multiplicidade delituosa na personalidade daquele, em termos de constituir uma tendência ou carreira criminosa (Conselheiro Rodrigues da Costa, “O Cúmulo Jurídico na Doutrina e na Jurisprudência do STJ”, in www.stj.pt/estudos jurídicos). Deste modo, dando acolhimento a um princípio de combinação, abandona-se a perspectiva atomística da determinação das penas parcelares para passar a uma visão de conjunto, descortinando a gravidade global do facto referida à personalidade do agente. Atende aos factores de determinação da medida da pena (art. 71.º do CP), mas reportando-os a uma imagem global, que a pena conjunta irá reflectir na medida encontrada. Conforme Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime” cit., págs. 291/292, Tudo deve passar-se (…) como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade - unitária - do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização). Nessa determinação concreta da pena conjunta, importante é, pois, a averiguação sobre se ocorre, ou não, ligação ou conexão entre os factos em concurso, da existência, ou não, de qualquer relação entre uns e outros, da natureza ou tipo de relação entre os factos, do número, da natureza e da gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, ponderados com a personalidade do agente referenciada aos factos, para uma visão unitária do conjunto dos mesmos. O Tribunal reportou-se, e bem, a que “os factos - que revestem acentuada gravidade - e a personalidade do arguido revelada nos factos - tendo por certo que socialmente são muito elevadas as exigências que se colocam relativamente aos crimes contra as pessoas (liberdade sexual), considerando-se o quantum das penas concretas, a natureza dos factos penalmente valorados como ilícitos e dolosos praticados pelo arguido e a sua personalidade em conexão com a globalidade dos factos, as circunstâncias em que os mesmos ocorreram, desta forma e justamente tendo presentes os sobreditos critérios. Todavia, afigura-se, sem embargo da gravidade dos crimes, que estes ocorreram todos na mesma data e em idêntica ocasião, versando a mesma vítima, permitindo que o juízo global não se apresente com a dimensão que a medida aplicada refletiu. Se bem que, note-se, a cominação da pena que o Tribunal fixou se tivesse apoiado no que se deixou, acertadamente, consignado, entende-se que melhor ponderação e equilíbrio justificará alguma redução nessa medida, atendendo a que os crimes de violação, percepcionada a realidade do acontecer, quase se não autonomizam, circunstância que acaba por dever ser ponderada para a adequada análise da referida imagem global. Fixa-se, então, em 7 anos de prisão, por se reputar mais proporcional e justa. Assim, inviabilizada está a pretendida suspensão da sua execução, uma vez que não se verifica o pressuposto formal de que a medida, para esse efeito, não excedesse os cinco anos de prisão (art. 50.º, n.º 1, do CP). 3. DECISÃO Em face do exposto, decide-se: - conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido e, em consequência, - revogar o acórdão na parte em que o condenou na pena única de 8 anos de prisão e, em substituição, determinar que a pena única passa a ser de 7 (sete) anos de prisão; - no mais, manter o acórdão. Sem custas, atento o decaimento apenas parcial (cfr. art. 513.º, n.º 1, do CPP). Processado e revisto pelo relator. 03.Dezembro.2019 ______________________ (Carlos Jorge Berguete) _____________________ (João Gomes de Sousa) |