Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
543/18.0T8OLH-B.E1
Relator: CONCEIÇÃO FERREIRA
Descritores: SUSPENSÃO DE DELIBERAÇÃO SOCIAL
INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL
Data do Acordão: 01/17/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Fora dos casos de ininteligibilidade do pedido ou da causa de pedir em que a lei, perante a atitude do réu decorrente da contestação, prevê a sanação da ineptidão da petição inicial, as demais situações de ineptidão são insanáveis, não cabendo, pois, ao juiz empreender qualquer diligência no sentido da possível sanação, uma vez que não se pode utilizar o convite ao suprimento de irregularidades ou aperfeiçoamento de articulado para suprir aspetos substanciais ou materiais, que conduzem a ineptidão da petição.
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 543/18.0T8OLH-B.E1 (2ª Secção Cível)
ACORDAM OS JUÍZES DA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

(…), (…) e (…), em 31/03/2018, instauraram procedimento cautelar ao abrigo do disposto nos artºs 380º e segs. do CPC, contra Sociedade da Água de (…), S.A., que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Faro (Juízo de Comércio de Olhão - Juiz 2) pedindo que "seja declarada a suspensão das deliberações tomadas na Assembleia Geral de Acionistas da Requerida, realizada em 21/03/2018".
Em 18/07/2018 foi proferida a seguinte decisão:
«Na sua oposição, a requerida pugnou pelo indeferimento liminar do apresentado requerimento inicial ou pela sua absolvição da instância por ineptidão da petição inicial, tendo argumentado nos termos seguintes: "(...) No caso em apreço, os Requerentes lançam mão de um procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais, peticionando que seja «declarada a suspensão das deliberações tomadas na (…) Assembleia Geral de 21/03/2018», À qual apontam vícios que, alegadamente, importarão a sua nulidade ou anulabilidade, embora sem qualquer respaldo legal e factual (...) tanto na Jurisprudência como na Doutrina é pacífico que a procedência da providência cautelar de suspensão de deliberações sociais, depende de dois requisitos que são constitutivos da causa de pedir: «(i) provável contrariedade à lei ou aos estatutos da deliberação (isto é possível invalidade); (ii) certeza ou probabilidade séria de que a execução da deliberação produza dano apreciável.» E se quanto ao primeiro requisito é exigido apenas ao Requerente da providência um juízo de verosimilhança, quanto ao segundo requisito, a exigência legal para procedência da providência passa pela demonstração fáctica de que a providência pode causar dano apreciável, Sendo sempre necessária a alegação de factos concretos que permitam aferir da existência dos prejuízos e da correspondente gravidade. (...) a lei impõe que o Requerente faça prova de que a execução de uma deliberação alegadamente ilegal acarreta uma ofensa intolerável perante a ordem jurídica, de tal modo grave, que deve ser imediatamente suspensa, mesmo antes de ser declarada inválida no processo declarativo normal. (...) para o decretamento da providência é necessário que, além da alegação de um vício que inquine a deliberação (e que se bastará por um juízo de verosimilhança), a existência de uma probabilidade forte da ocorrência de danos iminentes e em medida e extensão que permitam avaliá-lo como apreciável. Danos esses reportáveis à demora na prolação de uma sentença na ação principal. E, uma vez que o artigo 380.º do Código Processo Civil não dispensa a verificação de danos, nem faz presumir a sua existência, é imposto ao Requerente o ónus de alegação e prova de que a suspensão da deliberação constituiu o único meio para impedir a verificação desses danos. Na presente ação os Requerentes não invocam nenhum prejuízo concreto que possa resultar da delonga de uma eventual sentença anulatória, ou tão-pouco na execução da deliberação em causa. Deliberação que aliás já se efetivou, no que à nomeação de um novo membro do Conselho de Administração diz respeito, uma vez que a 28/03/2018, tomou posse o novo membro (...). No seu articulado inicial nenhum facto demonstrativo de um concreto prejuízo vieram os Requerentes invocar, tendo-se bastado com a alegação da ilegalidade da deliberação, Tecendo apenas nos últimos três artigos considerações vagas e genéricas sobre hipotéticos e ficcionados danos que possam advir da deliberação tomada de nomeação de um membro para o Conselho de Administração, mas não, e nunca, com a delonga que possa existir na prolação de sentença anulatória que proclamam. Confessando aliás os Requerentes não conseguir prever sequer os danos que possam advir para a Requerida, que reputam no entanto como irreversíveis. Ora, não se concebe como podem os Requerentes dizer que não conseguem prever quaisquer danos, apresentando como único malefício da deliberação de nomeação de um novo membro de Administração, a alegada «tomada de poder absoluto pela (…)», Aliando essa alegada fatalidade a um rol de hipotéticos acontecimentos devastadores, desprovidos de prova, fundamento ou sequer ligação com as deliberações tomadas na Assembleia Geral de 21/03/2018 (...) a verdade é que apenas parecem querer impugnar a deliberação de nomeação de um novo Administrador para o Conselho de Administração. Membro esse que desde já se diga, não tem qualquer relação nem pertence a qualquer órgão social da (…), SGPS, SA, da mesma forma que não tem qualquer relação com qualquer outro acionista. Sendo apenas funcionária da aqui Requerida, com competência reconhecida para o desempenho de tais funções (...) nomeadamente por ter conhecimento prático e direto do funcionamento da empresa e por ter tido sempre assento nas reuniões de direção."
Constata-se, na verdade, que em grande parte do seu articulado os ora requerentes reproduzem a argumentação já expendida no âmbito do procedimento cautelar que corre os seus termos no Processo n.º 1339/17.1T80LH deste Juízo de Comércio, Juiz 2, e apenas nos artigos 194.º a 196.º do articulado inicial alegam, ainda assim de forma genérica e vaga, a iminência de um prejuízo para os acionistas da sociedade ora requerida, entre eles os ora requerentes.
No referido Processo n.º 1339/17.1T80LH figuram, como requerentes, (…) e (…) e, como requerida, a Sociedade da Água de (…), S.A..
Prevê o art. 5.º, n.ºs 1 e 2, alínea c), do CPCivil, que às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas; além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz, designadamente, os factos de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.
No referido Processo n.º 1339/17.1T80LH foi ordenada a realização de uma perícia de natureza económico-financeira cujas conclusões maioritárias excluem a situação de desgoverno e evasão fiscal imputada pelas ali requerentes à gestão da indicada sociedade.
Por outro lado, como bem salientou a requerida, no articulado inicial dos presentes autos de suspensão de deliberações sociais, os requerentes não alegaram, de forma concreta e precisa, quais os danos que pretendem evitar com a propositura deste procedimento cautelar.
O procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos: ser o requerente sócio da sociedade que a tomou; ser essa deliberação contrária à lei ou ao pacto social e resultar da sua execução dano apreciável; o primeiro requisito constitui pressuposto da legitimidade activa e os dois restantes são elementos integrantes da causa de pedir; a qualidade de sócio e a ilegalidade da deliberação bastam-se com um mero juízo de verosimilhança, mas, quanto ao "dano apreciável", exige-se, pelo menos, uma probabilidade muito forte da sua verificação; (...) A exigência legal de demonstração de que a execução da providência pode causar "dano apreciável" reclama a alegação de factos concretos que permitam aferir da existência dos prejuízos e da correspondente gravidade; o "dano apreciável" não é toda ou qualquer possibilidade de prejuízo que a deliberação ou a execução em si mesmas comportam, mas sim a possibilidade de prejuízos imputáveis à demora da acção de anulação, pois a providência cautelar visa prevenir o "periculum in mora", ou seja, acautelar a utilidade prática da sentença de anulação da deliberação social contra o risco da duração do respectivo processo; o "dano apreciável" tanto pode referir-se a danos morais, como a danos patrimoniais, sejam eles da sociedade ou dos sócios [acórdão de 08-11-2011 do TRC, Processo n.º 158/10.0T2AVR-A.C2].
A apontada omissão de que padece o apresentado requerimento inicial acarreta a sua ineptidão, com a consequente absolvição da instância da requerida.
Contudo, como se decidiu no acórdão de 15-05-2014 do TRL, Processo n.º 26903/13.4T2SNT.Ll-2, proferido no âmbito de procedimento cautelar, a omissão do convite ao aperfeiçoamento da petição ou requerimento inicial redunda em nulidade processual.
Assim, importa, previamente, conceder aos requerentes a oportunidade de apresentarem novo requerimento inicial, com suprimento da indicada omissão.
Face ao exposto, convida-se os requerentes a, no prazo de 10 dias, apresentarem novo requerimento inicial, com correção do apontado vício.»
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Inconformadas com esta decisão, veio a ré interpor recurso e apresentar as respetivas alegações, terminando por formular as seguintes conclusões, que se transcrevem:
“1.º Vem a Apelante apresentar recurso do despacho proferido a 18 de julho de 2018, que, pronunciando-se pela exceção de ineptidão da petição inicial dos Requerentes, não absolveu a Requerida da instância, tendo ao invés, convidado os Requerentes a apresentar novo articulado inicial com a correção da referida omissão.
2.º Não pode a Apelante concordar com tal decisão, atentas as circunstâncias fácticas do caso vertente, bem assim como os normativos legais aplicáveis que não foram devidamente interpretados pelo Tribunal a quo.
3.° Senão vejamos, através da presente providência cautelar peticionam os Requerentes a suspensão das deliberações tomadas na Assembleia Geral de 21 de Março de 2018.
4.° A referida providência cautelar de suspensão de deliberações sociais, nos termos do n.º 1 do artigo 380.º do Código de Processo Civil, depende da verificação cumulativa de dois requisitos: a provável contrariedade à lei ou aos estatutos da deliberação e a certeza ou probabilidade séria de que a execução da deliberação produza dano apreciável.
5.° É entendimento jurisprudencial e doutrinal unânime que o preenchimento do segundo requisito depende da demonstração fáctica pelo Requerente, de que «existe uma probabilidade forte da ocorrência de danos iminentes e em medida e extensão que permitam avaliá-lo como apreciável».[1]
6.° E essa alegação e demonstração dos referidos danos que possam emergir da deliberação ou da sua execução, e da demora na obtenção de uma sentença anulatória, cabe à parte que requer a providência cautelar.
7.° A ora Apelante, na sua Oposição, sustentou entre o mais que os Requerentes, na sua Petição Inicial, não alegaram, identificaram ou demonstraram os referidos danos da forma concreta, precisa e concisa como estavam obrigados, ou sequer apontaram um prejuízo iminente decorrente da execução da deliberação, bastando-se com considerações vagas e genéricas em três artigos vazios de factualidade concreta.
8.° Alegando assim a Apelante que, por não terem os Requerentes alegado os danos que pretendem evitar com a providência cautelar – o que constituiu um pressuposto da causa de pedir da ação –, a petição inicial é inepta, nos termos do artigo 186.º, n.º 1 e n.º 2, al. a), do Código de Processo Civil.
9.° E o Tribunal a quo veio dar razão à ora Apelante, concluindo, no despacho de que ora se recorre que: «Constata-se, na verdade, que em grande parte do seu articulado os ora requerentes reproduzem a argumentação já expedida no âmbito do procedimento cautelar que corre os seus termos no Processo n.º 1339/17.1T8OLH deste Juízo do Comercio, Juiz 2, e apenas nos artigos 194.º a 196.º do articulado inicial alegam, ainda assim de forma genérica e vaga, a iminência de um prejuízo para os acionistas da sociedade ora requerida, entre eles os ora requerentes. (...) Prevê o art. 5.º, n.ºs 1 e 2, alínea c), do CPCivil, que às partes cabe alegar factos essenciais que constituem a causa de pedir (…) Por outro lado, como bem salientou a requerida, no articulado inicial dos presentes autos de suspensão de deliberações sociais, os requerentes não alegaram, de forma concreta e precisa, quais os danos que pretendem evitar com a propositura deste procedimento cautelar. (…) A apontada omissão de que padece o apresentado requerimento inicial acarreta a sua ineptidão. com a consequente absolvição da instância da requerida. (...}» (sublinhado e negrito nossos). 10.º Ou seja, o Tribunal a quo julgou válida a alegação de ineptidão apontada pela ora Apelante na sua Oposição, cuja consequência é, sem mais, a absolvição da ali Requerida da Instância.
11.º O que o Tribunal a quo não fez, tendo outrossim, decidido pelo convite aos Requerentes para apresentar novo articulado inicial com correção da referida omissão, o que não se concebe nem se pode aceitar.
12.º Porquanto, é entendimento jurisprudencial unânime que «não é de convidar à correção da petição inicial (nos termos do art. 590°, nºs 2, al. b), 3 e 4, do nCPC) quando a petição seja inepta nos termos do art. 186° do mesmo diploma, uma vez que só um articulado que não padeça dos vícios mencionados neste último preceito pode ser objeto desse convite à correção (...).» (sublinhado nosso) – conforme se pode ler no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 18 de Outubro de 2016 disponível em www.dgsi.pt.
13.º Ou seja, o convite ao aperfeiçoamento apenas pode ter lugar para insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria alegada, mas já não, e nunca, quando exista a ausência total do facto que integra a causa de pedir, como é o caso vertente, onde apenas existe uma indicação vaga e genérica dos mesmos – como pode igualmente ler-se no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 21 de Junho de 2011 já citado nas motivações de recurso.
14.º Porque no caso concreto, os Requerentes não lograram sequer invocar um prejuízo concreto, resultante da delonga da eventual sentença anulatória, ou tão-pouco na execução da deliberação em causa.
15º Pelo que o Tribunal não podia notificar os Requerentes para virem aperfeiçoar o seu articulado, considerando a inexistência total de alegação quanto aos pressupostos de que depende a providência cautelar – sob pena de «estar a assessorar uma parte, e, quiçá e mais grave, poder alertá-la para a necessidade de despoletar atividade tendente à consecução e obtenção dos requisitos legais anteriormente ainda não, ou não totalmente, preenchidos, e, assim, violando concludentemente os mencionados princípios do dispositivo e, principalmente, da igualdade de armas» (sublinhado e negrito nossos) – conforme pode ler-se no acórdão supra referido.
16.º E, no caso vertente, foi assim violado o principio do dispositivo, enformador do Processo Civil no ordenamento jurídico Português, uma vez que, conforme é entendimento de JOSÉ LEBRE DE FREITAS[2] «o referido princípio é a tradução processual do princípio constitucional do direito à propriedade e da autonomia da vontade, cabendo às partes fixar o exato limite da intervenção estadual, alegando, por sua exclusiva iniciativa, os factos e indicando os meios de prova, de forma a delimitar o seu objeto» (sublinhado nosso).
17.º Porque cabendo aos Requerentes a alegação dos factos integradores da sua causa de pedir, e os mesmos inexistindo completamente nos autos (não se tratando de uma mera imprecisão ou insuficiência), não podia o Tribunal a quo ter convidado à junção de novo articulado.
18.º Ou seja, não é admissível que, na ausência de quaisquer factos que concretizem o requisito do «dano apreciável», pressuposto integrador da causa de pedir – tendo o Tribunal julgado procedente e válida a alegação da Apelante de ineptidão da petição inicial, venha convidar os ali Requerentes a apresentar novo articulado.
19º Porque é indiscutível que a ineptidão da petição inicial, resultando na nulidade de todo o processo, é uma exceção dilatória de conhecimento oficioso do Tribunal, dando lugar à absolvição da instância da Requerida, ora Apelante, nos termos conjugados dos artigos 186.º, n.º 1 e n.º 2, alínea a), 571.º, n.º 2, artigo 576.º, n.º 2, artigo 577.º, alínea b) e artigo 578.º, todos do Código de Processo Civil. 20º Ou seja, interpretou erradamente o Tribunal a quo o disposto no artigo 590.º, números 2, 3 e 4, do Código de Processo Civil, que não pode aplicar-se ao caso vertente por tudo quanto supra se expôs, uma vez que estamos perante a ausência total de factos integradores da causa de pedir, que conduzem a uma exceção dilatória insuprível, que obsta ao conhecimento do mérito da causa.
21º Assim, deveria o Tribunal a quo ter, no despacho de que ora se recorre, e atenta a decisão que recaiu sobre a ineptidão da petição inicial, absolvido a Requerida da Instância, nos termos do disposto no artigo 576.º, número 2, do Código Processo Civil, o que não fez.
22.º O Despacho está assim em clara violação do disposto nos artigos 5.º, 186.º, n.º 1 e n.º 2, alínea a), 571.º, n.º 2, artigo 576.º, n.º 2, artigo 577.º, alínea b), artigo 578.º e artigo 590.º, todos do Código de Processo Civil”.
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Foram apresentadas contra-alegações por parte dos requerentes nas quais pugnam pela manutenção da decisão impugnada.

Cumpre apreciar e decidir.

O objeto do recurso é delimitado pelas suas conclusões, não podendo o tribunal superior conhecer de questões que aí não constem, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento é oficioso.

Tendo por alicerce as conclusões, a questão a apreciar prende-se em saber se bem andou a Mª Juíza do Tribunal “a quo”, quando conclui que não foram alegados de forma concreta e precisa quaisquer danos e que a apontada omissão de que padece o requerimento inicial acarreta a sua ineptidão, com a consequente absolvição da instância da requerida, mas, não obstante, concedeu aos requerentes a oportunidade de apresentarem novo requerimento inicial, com suprimento da indicada omissão.

Conhecendo.
Entende a recorrente que cabendo aos requerentes a alegação dos factos integradores da sua causa de pedir, e os mesmos inexistindo completamente nos autos (não se tratando de uma mera imprecisão ou insuficiência), não podia o Tribunal “a quo” ter convidado à apresentação de novo articulado.
Apreciando a questão suscitada, convirá dizer que, nos termos do artº 380º do CPC., se alguma associação ou sociedade, seja qual for a sua espécie, tomar deliberações contrárias à lei, aos estatutos ou ao contrato, qualquer sócio pode requerer, no prazo de 10 dias, que a execução dessas deliberações seja suspensa, justificando a qualidade de sócio e mostrando que essa execução pode causar dano apreciável.
O deferimento da providência cautelar de suspensão de deliberação social depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos:
a) o requerente tem que ser sócio da sociedade que a tomou;
b) a deliberação tem que ser contrária à lei ou ao pacto social;
c) há-de resultar da deliberação dano apreciável.
O dano apreciável é o dano significativo que pode resultar da execução da deliberação social e que impõe a alegação de factos concretos que permitam aferir da existência dos prejuízos e da correspondente gravidade.
O ónus de alegação e prova dos factos integrantes do dano apreciável que possa ser causado pela execução da deliberação cabe ao requerente do procedimento cautelar (cfr. artº 342º, nº 1, do CC.).
A este propósito escreve Abrantes Geraldes (Temas da Reforma do Processo Civil, Almedina, Vol. IV, 2ª edição, 92) [que esta expressão “dano apreciável”, integra um conceito indeterminado, carecido de densificação através da alegação e prova de factos de onde possa extrair-se que a execução do deliberado no seio da pessoa coletiva acarretará um prejuízo significativo, de importância relevante, muito longe dos danos irrisórios ou insignificantes, embora sem se confundir com as situações de irrecuperabilidade ou de grave danosidade.]
O requisito “dano apreciável”, a que alude a referida disposição legal é o dano significativo que pode resultar da execução da deliberação social ilegal, que a própria providência visa conjurar reconhecendo o “periculum in mora” na obtenção de uma decisão através da ação judicial de oposição a uma determinada deliberação.
Ou seja, “mesmo que se entenda que é suficiente o juízo de probabilidade ou de verosimilhança na apreciação do requisito do dano apreciável (no sentido de se exigir uma probabilidade muito forte de dano, o certo é que não se prescinde em hipótese alguma da exigência de alegação (cujo ónus recai sobre o requerente) de factos concretos que permitam aferir da existência desse dano” (cfr. Alberto dos Reis, CPC Anotado, I, 677 e Lebre de Freitas, CPC Anotado, volume 2º, 3ª Edição, 111; Ac. do STJ de 20/05/97 in BMJ 467, 529; Ac. do STJ de 16/03/99, no proc.99A103, disponível in www.dgsi.pt).
A exigência legal de demonstração de que a execução da providência pode causar dano apreciável reclama a alegação de factos concretos que permitam aferir da existência dos prejuízos e da correspondente gravidade. O tribunal deve exigir, a respeito desse requisito a certeza ou pelo menos uma probabilidade muito forte e séria de que a execução da deliberação poderá causar dano apreciável – (cfr. Ac. do STJ de 04/05/2000, no proc.00B337, in www.dgsi.pt. e Ac. do STJ, de 05/12/2000, CJ STJ, VIII, 30, pág. 154).
Ora, no caso presente, competindo a alegação desses dados objetivos aos requerentes, enquanto factos integradores da causa de pedir (artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil), o que verificamos é que aqueles não exerceram eficazmente esse ónus; ou seja, não alegaram, como lhes competia, repetimos, qualquer facto objetivo que incorpore o referido tipo de danos ou mesmo a eminência da ocorrência dos mesmos.
A petição inicial dos requerentes é omissa quanto ao pressuposto que integra a causa de pedir, levando assim à sua ineptidão.
Resta saber se os requerentes deviam ter sido convidados a apresentarem novo requerimento inicial, com suprimento da indicada omissão.
Conforme se salientou no Ac. da R.G. de 29/09/2016, no processo 7949/15.4T8VNF-A.G1, disponível em www.dgsi.pt:
“… é hoje inequívoco que, findos os articulados, o juiz deve, ou seja, está obrigado, a providenciar pelo suprimento de exceções dilatórias e a convidar ao aperfeiçoamento dos articulados quanto à matéria de facto. Tal como deve determinar a junção de documentos com vista a permitir a apreciação de exceções dilatórias ou o conhecimento, no todo ou em parte, do mérito da causa no despacho saneador. É o que decorre do disposto no artigo 590.º, nºs 2, als. a) a c), 3 e 4, do Código de Processo Civil.
No entanto, tal como no regime processual civil anterior, o aperfeiçoamento dos articulados só deve constituir remédio para os casos em que os factos principais da causa, ou seja, os que integram a causa de pedir e as exceções, sejam escassos ou não se encontrem suficientemente concretizados. Não já, por regra, quanto aos factos instrumentais, uma vez que estes se destinam a servir de suporte à demonstração dos primeiros.
Nessas hipóteses, estaremos perante situações de verdadeira ineptidão da petição inicial ou nulidade da exceção, e não perante insuficiência de alegação no sentido indicado. É mais do que isso. É, no fundo, uma absoluta ausência de alegação factual.
Não sendo alegado qualquer facto integrador do dano já referido, não deve haver lugar a qualquer despacho de aperfeiçoamento da petição inicial.”
A omissão da alegação dos factos integradores do requisito do dano apreciável não pode ser suprida através do convite ao aperfeiçoamento, já que esta apenas tem lugar quando se trate de suprir insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, e não em situações de total omissão dos factos constitutivos da pretensão – (cfr. Ac. do TRP de 05/05/2009, no proc. 444/08.0TYVNG-A.P1).
No procedimento cautelar de suspensão das deliberações sociais, o requerente tem de alegar e provar o requisito do “dano apreciável”. Este requisito tem de ser densificado e consubstanciado no requerimento inicial através da alegação de factos concretos, precisos e concisos, atinentes ao montante dos danos.
Se tal não acontecer, o vício, mais do que deficiência, acarreta ineptidão, estando vedado ao Juiz, ou, pelo menos, não lhe é exigível, a prolação de despacho de aperfeiçoamento para a regularização e suprimento da falta (cfr. Ac. do TRC de 21/06/2011, no proc. 111/11.7TJCBR.C1).
Também no Ac. do TRC, proferido em 18/10/2016, no proc. 203848/14, se decidiu: “Se o julgador entende que existe ineptidão não tem de a mandar aperfeiçoar mas sim julgá-la e determinar a absolvição da instância porque, se a petição é inepta não pode ser salva com qualquer aperfeiçoamento, que só está previsto para as deficiências e não para as ineptidões”.
Em suma como também este coletivo já salientou num acórdão de 24/05/2018 no processo 714/17.6TBOLH.E1, será assim de concluir que «fora dos casos de ininteligibilidade do pedido ou da causa de pedir em que a lei, perante a atitude do réu decorrente da contestação, prevê a sanação da ineptidão da petição inicial, as demais situações de ineptidão são insanáveis, não cabendo, pois, ao juiz empreender qualquer diligência no sentido da possível sanação, uma vez que não se pode utilizar o convite ao suprimento de irregularidades ou aperfeiçoamento de articulado para suprir aspetos substanciais ou materiais, que conduzem a ineptidão da petição (v. Ac. do STJ de 04/08/2008 no processo 08S937, disponível em www.dgsi.pt; Ac. do TRP de 28/10/2015 no processo 3686/13.2T2OVTR-A.P1 referenciado in https://blogippc.blogspot.pt/2015/12/jurisprudencia-249.html)» conforme também já se se concluiu no Ac. do TRE de 17/11/2016 no processo 575/15.0TBPTM.E1, disponível em www.dgsi.pt.
Nestes termos, há que censurar a decisão impugnada, proferida pelo Julgador “a quo”, donde impõe-se julgar procedente o recurso e revogar a decisão recorrida.

DECISÃO
Pelo exposto, decide-se julgar procedente a apelação e, consequentemente, revogar a decisão recorrida, absolvendo-se a recorrente da instância.

Custas pelos apelados.

Évora, 17 de Janeiro de 2019

Maria da Conceição Ferreira

Rui Manuel Duarte Amorim Machado e Moura

Maria Eduarda de Mira Branquinho Canas Mendes

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[1] - Moitinho de Almeida, em Anulação e Suspensão de Deliberações Sociais, Coimbra Editora, p.146
[2] - José Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, 2.a ed., Coimbra, Coimbra Editora, p. 136.