Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
133/22.2T8STR.E1
Relator: JOSÉ ANTÓNIO MOITA
Descritores: PRIVAÇÃO DE USO DE IMÓVEL
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
EQUIDADE
Data do Acordão: 05/23/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1 - Não logrando o Apelante demonstrar que o obstáculo (corrente com cadeado), colocado pela Apelada em armazém/garagem situado em terreno propriedade do primeiro o impossibilitou de aceder àquele, bem como de deixar de fruir das utilidades proporcionadas pelo mesmo, inexiste fundamento para condenar a Apelada a pagar ao Apelante indemnização por dano de privação de uso do armazém;
2 - Os danos não patrimoniais consubstanciam danos não susceptíveis de avaliação pecuniária, reportando-se a valores de ordem moral, ideal, ou espiritual.
3 - Tratando-se, por conseguinte, de danos não susceptíveis de avaliação pecuniária não se refletem no património do lesado.
4 - O critério de fixação do montante indemnizatório de tais danos é o da equidade.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 133/22.2T8STR.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Santarém - Juízo Central Cível de Santarém – Juiz 4
Apelantes: (…) e Caixa Geral de Depósitos, S.A.
Apelados: (…) e Caixa Geral de Depósitos, S.A.
***
Sumário do Acórdão
(Da exclusiva responsabilidade do relator – artigo 663.º, n.º 7, do CPC)
(…)
*
Acordam os Juízes na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora no seguinte:
I – Relatório
(…), residente em 53, Route de (…), L-4750 (...), Luxemburgo, propôs a presente ação declarativa condenatória, sob a forma de processo comum, contra:
- (…) – Aluguer e Manutenção de (…) e (…), Lda., com sede na Rua dos (…), Lote 32, Loja C, Urbanização (…), Brejos de Azeitão e
- Caixa Geral de Depósitos, S.A., com sede na Av. João XXI, n.º 63, em Lisboa,
pedindo a condenação solidária das Rés a:
a) restituir-lhe o livre acesso ao prédio identificado no artigo 1.º da petição inicial;
b) pagar-lhe a quantia de € 45.187,16, a título de indemnização por danos patrimoniais;
c) pagar-lhe a quantia de € 5.000,00 a título de indemnização por danos morais;
d) pagar-lhe juros de mora vincendos, calculados à taxa legal desde a citação até efetivo e integral cumprimento.
Para o efeito alegou, em síntese, que no dia 17/05/2017 os funcionários da Ré (…) entraram no seu prédio (descrito na CRP de Santarém sob o n.º …) sem que para tal tivessem sido autorizados, procedendo à danificação e à retirada de vários objetos, tendo mudado a fechadura do armazém, impossibilitando-o desde então de ao mesmo aceder.
A Ré Caixa Geral de Depósitos, SA apresentou contestação em 16/02/2022 aduzindo, em síntese, que havia adquirido outro prédio (descrito na CRP de Santarém sob o n.º …), tendo solicitado uma avaliação a um prestador externo do mesmo, na sequência da qual foi localizado o prédio do Autor, tendo então solicitado a limpeza do prédio, mais negando que no imóvel se encontrassem a maioria dos objetos identificados pelo Autor.
A Ré (…) – Aluguer e Manutenção de (…) e (…), Lda. apresentou contestação em 22/02/2022, alegando, em síntese, que efetuou o trabalho de limpeza do terreno em causa a pedido da (…), cujo chamamento à ação requereu, negando ter danificado a vedação, os portões e o alarme, bem como negou a presença no local da grande maioria dos bens identificados pelo Autor.
Por despacho proferido em 08/06/2022 foi admitida a intervenção acessória de (…) – Gestão e Recuperação de Créditos e Bens, Unipessoal, Lda., que apresentou contestação em 22/09/2022.
Em 12/11/2022 foi proferido despacho saneador, onde se conheceu a exceção de ilegitimidade arguida pela Ré (…) – Aluguer e Manutenção de (…) e (…), Lda., fixou-se o valor da causa, o objeto do litígio, enunciaram-se os temas da prova e designou-se data para realização da audiência final, que teve lugar, no âmbito da qual se efectuou inspeção ao local, tendo sido requerida e admitida a ampliação do pedido em € 5.300,00, incluindo € 2.600,00 de indemnização pela privação do uso referente ao período que decorreu entre abril de 2021 e junho de 2023 e € 2.700,00 pela indemnização relativa ao custo do eixo direcional.
Oportunamente proferiu-se sentença nos autos, que contem o seguinte dispositivo:
“IV. DECISÃO:
Em face do exposto, julgo a ação parcialmente procedente, por parcialmente provada, e consequentemente:
A) Condeno a Ré CGD a pagar ao Autor a quantia de € 13.915,00 (treze mil, novecentos e quinze euros), acrescida de juros à taxa supletiva civil contados desde a data da citação até integral pagamento;
B) Absolvo a Ré CGD do demais peticionado;
C) Absolvo a Ré (…) dos pedidos contra si formulados;
D) Condeno o Autor e a Ré CGD ao pagamento das custas do processo na proporção do respetivo decaimento, que se fixam em 65% para o primeiro e 35% para a segunda.”
*
Irresignado com a sentença o Autor apresentou requerimento de recurso do qual constam as seguintes conclusões:
“EM CONCLUSÃO:
• Da matéria de facto:
1. Os depoimentos das testemunhas (…), (…) e (…), conjugados com as declarações de parte do Autor – todos nos excertos supra indicados –, e ainda com o teor dos docs. n.os 5 e 7 juntos pelo Autor por requerimento de 15.06.2023, impõem que se dê como provada a matéria incluída na alínea e) dos factos não provados;
2. Os depoimentos das testemunhas (…) e (…), conjugados com o depoimento de parte do Autor – todos nos excertos supra indicados –, e tendo ainda em consideração a comprovada falsidade de várias das afirmações proferidas em depoimento de parte pelo legal representante da Ré (…) – conforme acima evidenciada –, impõem que se dê como provado o facto contido na alínea c) dos factos não provados;
3. Por extravasarem o âmbito puramente factual e configurarem juízos com carácter conclusivo, as afirmações contidas nas alíneas h) e i) dos factos não provados devem ser excluídas da decisão relativa à matéria de facto;
4. Ainda que assim não se entendesse, as considerações produzidas pela primeira instância em fundamentação da decisão relativa à matéria contida nas alíneas h) e i) dos factos não provados não só partem de pressupostos evidentemente falsos e contraditórios com a restante decisão proferida, como denotam que nenhuma das Rés alguma vez adotou qualquer procedimento no sentido de efetivar a restituição do prédio e do armazém ao seu legítimo proprietário – o que, ademais (e como ficou visto), ficou dado como provado no processo;
5. A afirmação de que o Autor já havia entrado no prédio após a intervenção das Rés, para além de absolutamente falsa, não tem qualquer sustentação probatória nem, sequer, foi produzida por qualquer das Rés nos autos, razão pela qual também não está incluída na decisão relativa à matéria de facto e não pode, como tal, amparar – como amparou – o julgamento do Tribunal;
6. Face ao teor das conclusões precedentes, e atendendo ainda ao depoimento da testemunha (…) – nos excertos supra indicados –, sempre as afirmações constantes das alíneas h) e i) dos factos não provados deverão ser excluídas da mesma decisão;
• Da matéria de Direito:
7. O pressuposto de que o Autor, por sua iniciativa e sem chancela judicial – tanto mais no contexto do diferendo pendente – deveria ter tomado a posse do seu imóvel mediante intimação ou até pelo uso da força constitui um entendimento, para além de antijurídico, completamente enviesado;
8. A atuação por iniciativa própria, designadamente nos termos previstos para a ação direta, encontra-se reservada para casos extremos e excecionais, perante a “impossibilidade de recorrer em tempo útil aos meios coercivos normais, para evitar a inutilização prática desse direito, contanto que o agente não exceda o que for necessário para evitar o prejuízo”;
9. O recurso à tomada de posse pela força no presente caso não só seria de legitimidade muito questionável, como era, em qualquer caso, totalmente desaconselhável, atendendo ao contexto de permanente sindicância judicial a que a situação em apreço foi votada desde a sua ocorrência;
10. O Autor atuou da forma que lhe era exigível num estado de Direito, participando criminalmente da conduta de que foi alvo e aguardando o desenvolvimento dos processos que se sucederam, não podendo ser prejudicado por ter evitado qualquer ação que o pudesse fazer incorrer, a ele próprio, em responsabilidade civil ou até criminal;
11. Com a respetiva atuação, o Autor não visou tirar qualquer proveito das Rés por via da reclamação da compensação ora em apreço, até porque o valor locativo do imóvel na avaliação efetuada pela própria Ré CGD (cfr. doc. n.º 3 junto com a contestação respetiva) é significativamente superior à compensação peticionada nos autos a tal título;
12. O imóvel esteve comprovadamente furtado à fruição do Autor desde a data da intervenção em causa no presente processo (21.05.2017) até à realização da inspeção judicial realizada nos autos (20.06.2023), em grosseira e ostensiva violação do seu direito de propriedade;
13. A pretensão do Autor relativa à compensação do dano de privação de uso não constitui qualquer abuso de direito, sendo que é a conduta das Rés – e, em particular, da Ré CGD – que é (essa sim) atentatória da boa-fé e do mais elementar sentido de justiça;
14. O ónus do restabelecimento da posse do imóvel esbulhado ao seu legítimo proprietário não pode ser atribuído ao próprio Autor, sendo sim uma obrigação de quem violou o direito daquele;
15. A douta decisão em crise, desprezando o direito de propriedade do Autor – qualificado, ademais, como um direito fundamental à luz da Constituição da República Portuguesa –, viola, de forma intolerável, a disposição conjugada dos artigos 483.º, n.º 1, do C.C. e 62.º, n.º 1, da C.R.P., que deveriam ter sido interpretados e aplicados no sentido de reconhecer ao Autor a reclamada pretensão à indemnização por privação de uso, conferindo-lhe essa mesma compensação nos termos e pelo valor oportunamente peticionado.
Nestes termos, requer-se a V. Exas. se dignem admitir e conceder integral provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar a douta decisão em crise, substituindo-a por outra que determine a alteração da decisão relativa à matéria de facto nos termos supra requeridos e, bem assim, julgue totalmente procedentes os pedidos formulados pelo Autor quanto à reparação dos prejuízos a que supra se alude.
Decidindo nesta conformidade será feita JUSTIÇA!”

A Co-Ré Caixa Geral de Depósitos, S.A., também apresentou requerimento de recurso da sentença proferida nos autos, fazendo constar dele conclusões do seguinte teor:
“IV – CONCLUSÕES:
1. O tribunal a quo deveria ter dado resposta diferente à matéria de facto constante dos factos provados 10), 11), 12), 13), 14) e 19).
2. O facto 10) dos factos provados não devia ter sido dado como provado, na medida em que, pese embora, aquando da inspeção ao local (em 20.06.2020) se pudesse constatar que a instalação elétrica se encontrava danificada, a circunstância de o Autor, já após a limpeza do imóvel (ocorrida em 21.05.2017), ter acedido ao interior do armazém, impede que se possa, sem mais, concluir que a Ré (…) é que terá danificado a referida instalação, suscitando, fortes dúvidas quanto a em que momento e porque quem é que a mencionada a instalação poderá ter sido danificada.
3. Quanto ao facto 10) dos factos provados não se encontra estabelecido o nexo de causalidade entre o dano e atuação da Recorrente CGD, resultando mesmo da Sentença (pág. 13) que o imóvel e o armazém, não ficaram inacessíveis a terceiros.
4. Acresce que nenhuma das testemunhas inquiridas referiu ter presenciado ou verificado, no dia dos factos (21.05.2017), a destruição da instalação elétrica (pelo menos as testemunhas … e … estiveram no local, no momento em que a … ainda se encontrava no imóvel).
5. Da prova produzida resulta que apenas foi realizada a limpeza do imóvel, com a retirada das ervas e carregamento dos pneus e outro lixo.
6. O tribunal a quo não deveria ter dado como provado, como fez no mesmo facto 10) dos factos provados, que a reparação da instalação elétrica comporta um custo de € 1.000,00, 00, por falta de prova minimamente sólida nesse sentido.
7. A única testemunha que se pronunciou acerca desta matéria foi o irmão do Autor, (…), que não é eletricista de profissão (no seu depoimento referiu ser eletromecânico), nem referiu ter sido solicitado qualquer orçamento, que pudesse sustentar o valor de € 1.000,00, que apenas aventou como sendo talvez o valor necessário para a referida reparação.
8. Não mencionou se algum eletricista visitou o imóvel para verificar os danos e orçamentar ou apresentar uma estimativa do montante necessário para a reparação e muito menos quando é que terá sido solicitada esta informação e a quem.
9. Esta prova parece-nos francamente insuficiente para o tribunal a quo dar como provado, como fez também no facto 10) dos factos provados, que a reparação da instalação elétrica importará em € 1.000,00.
10. Não se alcança como é que danificação da instalação elétrica se poderia incluir na limpeza do imóvel, ou ocorrer em seu resultado.
11. Não é verossímil que a Ré (…), enquanto prestadora de serviços da Recorrente CGD, danificasse a instalação de elétrica do armazém que estava convicta ser propriedade da Recorrente CGD. Sendo esta outro motivo pelo qual o facto 10) dos factos provados não deveria ter sido dado como provado.
12. Não deveria ter sido dado como provado o facto 11) dos factos provados.
13. Relativamente aos tijolos, pese embora o legal representante da (…), (…), tenha admitido a possibilidade de existirem tijolos espalhados pelo terreno, caso se tratassem de mais de 100 seriam facilmente visualizásseis e o certo é que este referiu que não se apercebeu que existissem, referindo somente que admitia que pudessem estar no meio das ervas e silvas que existiam em abundância no terreno.
14. O próprio Autor, quanto questionado a propósito da existência de tijolos, respondeu apenas “Fora, havia calhas que os senhores também levaram que foi do resto da construção do armazém, e calhas, vigas, alguns tijolos também”.
15. Se existissem no imóvel mais de 100 tijolos, seguramente o Autor teria referido que seriam não alguns, mas um número considerável de tijolos ou muitos tijolos.
16. Das fotografias juntas aos autos não resulta que existiam no terreno em causa nestes autos mais de 100 tijolos.
17. Relativamente aos pneus, conforme resulta, não só da Contestação da Recorrente e da documentação à mesma junta, nomeadamente os orçamentos para limpeza do imóvel e respetivas fotografias que foram juntos pela Recorrente aos autos, existia um número considerável de pneus espalhados pelo terreno fora do armazém
18. Da prova produzida não resultou que os pneus em causa tivessem qualquer valor comercial.
19. D prova documental junta aos autos (Guia junta com o requerimento da Recorrente CGD, de 15.05.2015, a que coube a Referência 45567998 e das declarações prestadas pelo legal representante da Ré … e pela testemunha …) que foram entregues na empresa (…), Soluções Ambientais, SGR, que se trata de uma empresa que recebe resíduos, que os recicla, transformando-os em matérias-primas e produtos e que não é recebido qualquer valor por quem entrega estes resíduos para tratamento e reciclagem.
20. Dos depoimentos indicados nos artigos 60º a 64º das presentes alegações de recurso, resulta que, além dos pneus que se encontravam no terreno se tratarem de pneus velhos e encontrarem gastos e carecas, o valor de venda dependeria da qualidade das carcaças e do estado em que efetivamente se encontrassem, o que teria que ser analisado pela empresa eventual compradora.
21. Refere a Sentença recorrida que a convicção quanto ao valor unitário de cada pneu adveio da documentação junta pelo Autor em 15.06.2023, designadamente do documento 17 de acordo com numeração do processo eletrónico.
22. Este documento trata-se de um email remetido pela empresa (…) e pronuncia-se acerca do serviço de recauchutagem de pneus e bem assim acerca da possibilidade de venda de carcaças e refere que podem atribuir um preço de venda entre € 30,00 e € 35,00 e que esta diferença de valor depende da qualidade das carcaças.
23. O mesmo email refere igualmente com particular importância para o caso concreto, que o valor indicado para eventual compra se aplicava às carcaças que ainda fosse possível recauchutar e encontrava-se dependente de inspeção a realizar nas instalações da empresa (…).
24. Não são todos e quaisquer pneus que são passíveis de serem vendidos e comprados por empresas como a autora do email acima referido, mas apenas aquelas que ainda se encontrem em condições de serem recauchutados, dependendo ainda de prévia inspeção a realizar pela empresa.
25. Não deveria constar do facto 11) dos factos provados que cada um dos 200 pneus retirados do imóvel pela Ré (…), possuía o valor unitário de € 35,00, vez que não existindo nos autos nenhuma evidência de que os pneus em questão se encontravam em condições de ainda de serem recauchutados e da prova documental e testemunhal produzida, resultar mesmo o contrário, uma vez que foram caracterizados pelas testemunhas acima indicadas como estando velhos, usados, expostos no exterior e, portanto, sujeitos à chuva e ao sol e alguns entre silvas.
26. As condições em que os pneus em questão se encontravam estão evidentes no documento 6 junto com Contestação da Recorrente, do qual a douta Sentença também se socorreu para dar como provada a sua existência e quantidade.
27. A venda de tais pneus e respetivo valor, ficaria ainda e sempre dependente, como é referido no email acima, de prévia inspeção das carcaças nas instalações da empresa (…), não existindo elementos carreados para os autos que permitam sequer indiciar que a avaliação seria positiva e que seriam passíveis de compra, muito menos qual o valor unitário que lhes seria atribuído.
28. Não devia ter sido dado como provado no facto 11) dos factos provados que o valor unitário dos 200 pneus ronda os € 35,00.
29. Os factos 12), 13) e 14) não deveriam constar dos factos provados, por não ter sido feita prova de que no terreno existissem quaisquer valas e fundações, e muito menos que os funcionários da Ré (…) despejaram para tais valas e fundações de areia, pedras, óleos, e plásticos que se encontravam no terreno e garagem do Autor, tendo entupido as valas e fundações e inviabilizando assim a sua utilização e, ainda, que as obras relativas às referidas valas e fundações tinham ainda um valor aproximado de € 875,00 e implicam cerca 25 horas de mão-de-obra.
30. Não foi junta pelo Autor qualquer prova documental como era devida e necessária para demonstração de que teria realizado no terreno obras de construção das referidas valas e fundações.
31. A própria Sentença, a propósito da existência das referidas valas e fundações para alegada construção de uma moradia, refere que “Embora o Tribunal tenha ficado na dúvida quanto ao intuito de construção de uma moradia no prédio (que se encontra registado como um rústico), posto que não só as testemunhas que sobre o tema se pronunciaram (… e …) não foram particularmente assertivas neste conspecto”.
32. Pese embora seja verdade que o legal representante da (…), tenha admitido que as valas em questão pudessem existir e que não seja descabido à luz das regras de experiência comum que num contexto de limpeza do terreno pudessem ter ficado tapadas, a verdade é que este referiu não ter memória da existência de quaisquer valas no terreno dos autos.
33. A Sentença refere que “As características das valas foram provadas por força do depoimento das testemunhas (…) e (…), bem assim o número de horas necessárias para as suas construções”.
34. Do depoimento da testemunha (…), resulta que seriam necessárias 6/7 horas de trabalho e que o custo por hora, seria de cerca de € 40,00, não tendo resulta do que seriam necessárias 25 horas para construção de valas como aquelas que antes da limpeza se encontrariam no terreno dos autos.
35. Quando muito, da prova produzida, acima referida e na qual a Sentença refere ter-se baseado, resultaria que seria necessário o dispêndio de 7 horas para a construção de novas valas e o seu custo importaria em € 344,40 (i.e., 7h x 40 = 280 + IVA) e não em € 875,00, como refere o ponto 14) dos factos provados.
36. A testemunha (…) não soube precisar o número de horas para a construção das valas em questão, nem o valor ou custo que tal implicaria. Questionado sobre o assunto, em suma, referiu “Não sei, isso agora não tenho ideia”.
37. O facto 19) dos factos provados, no qual é referido que “Toda a situação supra descrita causou no Autor um sentimento de revolta, angústia e ansiedade, prolongado por todo o tempo a que já se arrasta a situação”, não deveria ter sido dado como provado.
38. Do depoimento prestado pela testemunha (…), resultou que o Autor não sofreu nenhum sentimento de revolta, angústia e ansiedade, mas que na verdade ficou aborrecido e incomodado com a situação, tendo esta testemunha referido em parte do seu depoimento o seguinte: “Angústia não sei qual será a definição, agora aborrecido, chateado, essas coisas…”.
39. Os aborrecimentos e os incómodos, como resulta da prova produzida que terá sido aquilo que foi sentido pelo Autor, não merecem a tutela do Direito.
40. Ainda que assim não se entendesse, no que não se concede atento o supra exposto, o valor de € 5.000,00 parece-nos manifestamente excessivo, face ao que se mostra em causa e que se circunscreve à entrada, por lapso, da Recorrente CGD no imóvel do Autor, ainda que se mostrassem provados os factos indicados como 10), 11), 12) 13) e 14) dos factos provados – no que também não se concede pelas razões expostas anteriormente.
41. Em síntese: Atenta a prova documental junta aos autos e a prova testemunhal produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, não deveria a Sentença Recorrida ter dado como provados os factos constantes dos pontos 10),11), 12), 13), 14) e 19) dos factos provados. 42. Face a tudo o exposto, deverá a Sentença ora Recorrida, ser revogada, sendo a Recorrente absolvida do pagamento a que foi condenada ou, pelo menos, substituída por outra que não dê como provado:
 O facto 10) dos factos provados, isto é, que os funcionários da Ré (…) cortaram a instalação elétrica e que a sua reparação terá um custo de € 1.000,00;
 O facto 11) dos factos provados, na medida em que se apropriaram de mais de 100 tijolos, nem que os 200 pneus possuíam um valor unitário de € 35,00;
 Que não dê como provados os factos 12), 13) e 14) dos factos provados, ou seja, que destruíram duas valas e fundações, que tal obra teve o valor aproximado de € 875,00 e que tais obras implicam cerca de 25 horas de mão-de-obra com um custo por hora e que rondava os € 35,00;
 Que não dê como provado o facto 19) dos factos provados, isto é, de que toda a situação causou no Autor um sentimento de revolta, angústia e ansiedade.
Nestes termos e nos demais de Direito que forem doutamente supridos pelo superior critério de V. Exªs. deve o presente Recurso ser considerado procedente, revogando-se a Sentença ora recorrida, sendo a Recorrente absolvida do pagamento a que foi condenada ou que face ao exposto, a substitua por outra que não dê comprovado os factos descritos no ponto 42 das Conclusões acima.
Assim farão Vossas Excelências, Venerandos Juízes Desembargadores, a verdadeira e costumada Justiça!”

A Co-Ré Caixa geral de Depósitos respondeu ao recurso interposto pelo Autor rematando o seu articulado do seguinte modo.
“Nestes termos e nos demais de direito que forem doutamente supridos pelo superior critério de V. Exªs., não deve o recurso interposto pelo Autor ser considerado procedente, mantendo-se na integre a parte objeto de recurso Vossas Excelências farão, assim, como sempre, a costumada JUSTIÇA!”.
Por seu turno, o Autor também respondeu ao recurso interposto pela Co-Ré Caixa Geral de Depósitos, S.A. finalizando a sua peça processual da seguinte forma:
“Nestes termos, nos melhores de direito e com o sempre mui douto suprimento de Vossas Excelências, deverá o recurso interposto ser julgado totalmente improcedente, com as legais consequências.”
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No Tribunal a quo foi proferido em 10/01/2024 despacho que admitiu ambos os recursos independentes como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
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Correram Vistos pelo que cumpre, agora, decidir.
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II - Objecto do Recurso
Nos termos do disposto no artigo 635.º, n.º 4, conjugado com o artigo 639.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recurso, salvo no que respeita à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas ao caso concreto e quando se trate de matérias de conhecimento oficioso que, no âmbito de recurso interposto pela parte vencida, possam ser decididas com base em elementos constantes do processo, pelo que as questões a apreciar e decidir traduzem-se objectivamente no seguinte:
A - Recurso independente do Apelante (…):
1- Impugnação da decisão relativa à matéria de facto;
2- Reapreciação de mérito, dependente do resultado da impugnação da matéria de facto apresentada, incidente sobre danos patrimoniais e sobre dano de privação de uso invocado.

B - Recurso independente da Apelante Caixa Geral de Depósitos, S.A.:
1- Impugnação da decisão relativa à matéria de facto;
2- Reapreciação de mérito, dependente do resultado da impugnação da matéria de facto apresentada, incidente sobre danos patrimoniais e sobre cômputo indemnizatório por danos não patrimoniais.
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III - Fundamentação de Facto
Consta da sentença recorrida o seguinte relativamente à matéria de facto:
“i. FACTOS PROVADOS:
Com relevo para a decisão da causa resultaram provados os seguintes factos:
1) O Autor tem registado o seu favor a aquisição por compra de ½ do prédio rústico sito no Alto dos (…), freguesia de Almoster, concelho de Santarém, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santarém sob o n.º (…) e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo (…), da secção (…).
2) Em tal terreno encontra-se edificado um armazém, onde o Autor guardava diversos bens de que era dono e efetuava a manutenção de veículos pesados de mercadorias utilizados na sua atividade profissional.
3) A CGD havia adquirido, em processo de execução, o prédio rústico denominado (…), Alto dos (…), freguesia de Almoster, Santarém, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santarém sob o n.º (…) e inscrito na matriz sob o artigo (…), da secção (…).
4) Solicitou a avaliação do imóvel e na sequência dessa avaliação foi localizado o imóvel do Autor identificado em 1) como sendo o prédio que a CGD tinha adquirido.
5) A Ré CGD contratou a (…) para proceder à limpeza do imóvel que havia adquirido.
6) Por sua vez, a (…) contratou os serviços da (…) para efetuar tal limpeza.
7) A CGD forneceu à (…) os dados relativos à localização do imóvel, identificando o prédio do Autor mencionado em 1) como sendo o prédio a limpar.
8) Por sua vez, a (…) forneceu à (…) os dados relativos à localização do mesmo prédio através de coordenadas e em visita prévia com um funcionário daquela.
9) No dia 21/05/2017, pelas 08:30 horas, os funcionários da Ré (…) dirigiram-se ao referido prédio, introduziram-se no seu interior com o objetivo de procederam à sua limpeza, sem possuírem autorização por parte dos proprietários do prédio.
10) Cortaram a instalação elétrica existente no interior da garagem, cuja reparação comporta um custo de cerca de € 1.000,00.
11) E apropriando-se dos bens em seguida discriminados, que fizeram transportar num veículo pesado de mercadorias:
- Diversos tijolos (mais de 100 tijolos), cujo valor unitário ronda os € 0,40;
- 200 pneus da marca Michelin, cujo valor unitário é de € 35,00;
12) O Autor havia contratado um serviço para a abertura de duas valas – uma com 50 metros e outra com 30 metros de comprimento – e fundações, serviço esse que, à data dos factos, há muito se encontrava concluído.
13) Os funcionários da (…) despejaram para tais valas e fundações areia, pedras, óleos e plásticos que se encontravam no terreno e na garagem do Autor, tendo entupido as valas e as fundações, inviabilizando a sua utilização.
14) A destruição de duas valas, uma com 50 metros e outra com 30 metros de comprimento, bem como fundações que já se encontravam abertas, obras com um valor aproximado de € 875,00, sendo que tais obras implicam cerca de 25 horas de mão-de-obra, mediante a utilização de uma retroescavadora, cujo custo por hora rondava os € 35,00.
15) O sr. (…), irmão do Autor, dirigiu-se ao prédio em causa e informou o gerente e os funcionários da (…), que lá se encontravam, que tal terreno era pertença do seu irmão e que não tinham autorização para permanecer no mesmo.
16) Não obstante, os funcionários da (…) recusaram-se a sair e continuaram a executar o trabalho para o qual tinham sido contratados.
17) Após a saída dos funcionários da (…) o portão do armazém ficou fechado com uma corrente e um cadeado.
18) As Rés nunca entregaram ao Autor qualquer chave do cadeado que ficou a fechar o armazém.
19) Toda a situação supra descrita causou no Autor um sentimento de revolta, angústia e ansiedade, prolongado por todo o tempo a que já se arrasta a situação.
ii. FACTOS NÃO PROVADOS:
Não se provou:
a. Que para possibilitar a sua introdução no interior do prédio do Autor, os funcionários da (…) tenham destruído a vedação que o circundava.
b. Que aquando do trabalho de limpeza os funcionários da (…) tivessem arrombado os portões, destruindo a fechadura de acesso ao portão frontal.
c. Que o terreno dispusesse de um sistema de alarme, que tivesse sido destruído.
d. Que o autor pretendesse construir no terreno uma moradia, tendo já o projeto aprovado.
e. Que no momento da limpeza do prédio tivessem sido retirados os seguintes bens:
- uma betoneira, no valor total de € 359,78;
- um semi-reboque carregado com brita, que foi derramada ao chão;
- uma máquina de soldar bifásica gás;
- duas máquinas de soldar trifásicas;
- um compressor de marca (…), de 500 litros;
- uma máquina de lavar veículos pesados de mercadorias, de marca Wurth;
- um eixo direcional de reboque de veículo pesado de mercadorias, de marca EcoPlus;
- 8 vigas;
- 25 telhas;
- 10 calhas.
f. Que o preço de cerca de 100 tijolos seja de € 1.441,36.
g. Que a (…) tenha procedido à mudança da fechadura existente no portão de acesso à garagem.
h. Que o autor desde 21/05/2017 não consegue aceder à garagem.
i. Que as Rés tenham inviabilizado a utilização do armazém ao Autor desde o dia 21/05/2017.
j. Que a situação ocorrida tenha obrigado o autor a deslocar-se a Portugal diversas vezes, pelo menos nos períodos entre 07/03/2019 e 10/03/2019 e entre 04/11/2019 e 17/11/2019.
k. Que por causa da situação ocorrida o autor tenha faltado ao trabalho durante vários dias, com uma perda de rendimento nunca inferior a € 1.350,00.
l. Que a CGD tenha solicitado a avaliação do imóvel a um prestador externo.
m. Que a CGD tenha retirado as correntes fechadas com cadeado que ficaram a vedar o acesso ao terreno e ao armazém após tomar consciência de que aquele não era o prédio que havia adquirido.”
*
IV- Fundamentação de Direito
A-1 e B-1 Impugnação da decisão relativa à matéria de facto
Abordaremos de seguida a questão relativa a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, comum a ambos os recursos independentes interpostos para este Tribunal Superior
Resulta do artigo 640.º do CPC, que se debruça sobre o aludido ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, o seguinte:
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b), do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. […]”.
A este propósito sustenta o Conselheiro António Abrantes Geraldes (“Recursos no Novo Código de Processo Civil“, Almedina, 5ª ed., págs. 168-169), que a rejeição total ou parcial respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve ser feita nas seguintes situações:
“a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (artigos 635.º, n.º 4 e 641.º, n.º 2, alínea b));
b) Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (artigo 640.º, n.º 1, alínea a));
c) Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.);
d) Falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação, esclarecendo, ainda, que a apreciação do cumprimento de qualquer uma das exigências legais quanto ao ónus de prova prevenidas no mencionado n.º 1 e 2, alínea a) do artigo 640.º do CPC, deve ser feita “à luz de um critério de rigor”.
Resulta do artigo 662.º do CPC, o seguinte:
1 - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Refere a propósito deste normativo o Conselheiro António Abrantes Geraldes (obra acima identificada, pág. 287), que:
“O actual artigo 662.º representa uma clara evolução no sentido que já antes se anunciava […], através dos nºs 1 e 2, alíneas a) e b) fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do principio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia”.
Diz-nos também sobre este preceito o Conselheiro Fernando Pereira Rodrigues (“Noções Fundamentais de Processo Civil”, Almedina, 2ª edição atualizada, 2019, págs. 463-464), o seguinte:
“A redação do preceito [662.º, n.º 1] não parece ter sido muito feliz quando manda tomar em consideração os “factos assentes” para proferir decisão diversa, que só pode ser daqueles mesmos factos considerados assentes, porque o que está em causa é modificar a decisão em matéria de facto proferida pela primeira instância. […]
A leitura que se sugere como mais adequada do preceito, salvaguardada melhor opinião, é que ele pretende dizer que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, “confrontados” com a prova produzida ou com um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Nesta sede importa ainda recordar o teor dos n.ºs 4 e 5 do artigo 607.º do CPC, relativo à “Sentença”, que se traduz no seguinte:
4 - Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência”.
5 - O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes”.
Argumentam, a este propósito, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (“Código de Processo Civil Anotado”, Volume 2º, Almedina, 4ª edição, 2019, pág. 709), o seguinte:
“O principio da livre apreciação da prova situa-se na linha lógica dos princípios da imediação, oralidade e concentração[…]: é porque há imediação, oralidade e concentração que ao julgador cabe, depois da prova produzida, tirar as suas conclusões, em conformidade com as impressões recém-colhidas e com a convicção que, através delas, se foi gerando no seu espírito, de acordo com as máximas de experiências aplicáveis”.
Assim, a prova submetida à livre apreciação do julgador não significa prova sujeita ao livre arbítrio do mesmo, como, aliás, bem se depreende da leitura do nº 4- do supra referido artigo 607.º do CPC, que na sua primeira parte impõe ao juiz que analise “criticamente” as provas, indique as “ilações tiradas dos factos instrumentais” e especifique os “demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção”.
Neste domínio referem, outrossim, António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe de Sousa (“Código de Processo Civil Anotado, Vol. I”, Almedina, 2ª edição, 2020, pág. 745), o seguinte:
“O juiz deve, pois, expor a análise crítica das provas que foram produzidas, quer quando se trate de prova vinculada, em que a margem de liberdade é inexistente, quer quando se trate de provas submetidas à sua livre apreciação, envolvendo os motivos que o determinaram a formular o juízo probatório relativamente aos factos considerados provados e não provados”.
Aqui chegados urge baixar ao caso concreto:
- Impugnação da decisão relativa à matéria de facto apresentada pelo Apelante (…):
O Apelante pretende impugnar alguns pontos de facto, concretamente o teor das alíneas c), e), h) e i) que integram o sub-segmento dos factos considerados como não provados na sentença recorrida, pretendendo que a matéria factual constante das alíneas c) e e) seja dada como provada, invocando como meios probatórios, (aptos na sua visão a sustentar a diversa solução por si defendida), declarações de parte, depoimentos de testemunhas e documentos juntos aos autos, que concretizou, pretendendo, outrossim, a exclusão da decisão relativa à matéria de facto do teor das alíneas h) e i), insurgindo-se ainda contra a motivação expressa na sentença recorrida relativamente a estas duas últimas alíneas, estribando-se em excertos do depoimento prestado em audiência final por uma testemunha (…).
Na resposta ao recurso a Apelada Caixa Geral de Depósitos, S.A. (doravante apenas CGD, S.A.), pugna pela improcedência da impugnação apresentada pelo Apelante (…).
Recordemos o teor dos ditos pontos de facto:
“c. Que o terreno dispusesse de um sistema de alarme, que tivesse sido destruído.
e. Que no momento da limpeza do prédio tivessem sido retirados os seguintes bens:
- uma betoneira, no valor total de € 359,78;
- um semi-reboque carregado com brita, que foi derramada ao chão;
- uma máquina de soldar bifásica gás;
- duas máquinas de soldar trifásicas;
- um compressor de marca (…), de 500 litros;
- uma máquina de lavar veículos pesados de mercadorias, de marca Wurth;
- um eixo direcional de reboque de veículo pesado de mercadorias, de marca EcoPlus;
- 8 vigas;
- 25 telhas;
- 10 calhas”.
h. Que o Autor desde 21/05/2017 não consegue aceder à garagem.
i. Que as Rés tenham inviabilizado a utilização do armazém ao Autor desde o dia 21/05/2017.”
Desde já urge reconhecer no tocante aos factos contidos nas alíneas c) e e) que o Apelante logrou cumprir satisfatoriamente o ónus de impugnação previsto nas alíneas a) a c) do n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 do artigo 640.º do CPC, pelo que se analisará infra do bem ou mal fundado da respectiva impugnação.
Já no tocante às alíneas h) e i) verifica-se do exposto na motivação recursiva e sintetizado nas conclusões recursivas que o Apelante apenas pretende que as “afirmações” contidas naquelas sejam excluídas da decisão de facto, ou seja pretende que se considerem as mesmas como não escritas por “extravasarem o âmbito puramente factual e configurarem juízos com carácter conclusivo”, não pugnando sequer por solução diversa assente na demonstração do respectivo teor.
Ora, pretender que se exclua do acervo de factos não provados matéria sem defender a sua inclusão nos factos dados como provados é irrelevante pois o Tribunal não poderá em qualquer caso sustentar a solução que venha a tomar nos ditos factos dados como não provados.
Acresce, a nosso ver, que a redacção conferida aos mesmos pontos de facto nem sequer consubstancia juízos meramente conclusivos, opinativos ou especulativos, donde, a ter sido defendida concreta e inequivocamente a sua demonstração seria perfeitamente possível, caso procedesse a impugnação dos mesmos, vir a enquadrá-los no sub-segmento dos factos considerados como provados.
Por outro lado, pretender-se ainda a retirada do sub-segmento dos factos dados como não provados da matéria discriminada nas ditas alíneas h) e i) por não se concordar com a motivação expressa quanto a tais factos na sentença recorrida, sem se defender solução diversa para tais pontos de facto, ou seja a demonstração ou verificação do conteúdo dos mesmos, mais não revela que irresignação e inconformismo com o raciocínio seguido a tal propósito na sentença recorrida.
Improcede, pelas razões expostas, a impugnação no tocante à matéria contida nas als. h) e i) do sub-segmento dos factos considerados como não provados na sentença recorrida.
Passando agora para a análise da impugnação dirigida à matéria contida na alínea c) dos factos dados como não provados percebemos que o Apelante indicou como meios probatórios, em abono da diversa solução que defende, o depoimento de parte prestado por si mesmo, bem como os depoimentos prestados pelas testemunhas (…) e (…), tendo selecionado e identificado com rigor as concretas passagens que no seu entendimento infirmam a solução conferida pelo Tribunal a quo.
Recordemos o que ficou expresso na sentença recorrida em sede de motivação a propósito este facto:
“Além dos depoimentos das testemunhas (…) e (…), que globalmente não foram credíveis, conforme já exposto supra, mais nenhuma testemunha referiu a existência de qualquer sistema de alarme. Mesmo que ali existisse um sistema de alarme, e disso não nos convencemos, nenhuma prova existiu da sua concreta danificação, tendo o legal representante da Ré (…) negado tal circunstância, donde a não prova do facto”.
Estamos no domínio da prova não vinculada sujeita ao critério da livre apreciação do julgador, segundo a prudente convicção do mesmo, temperada por regras de experiência comum.
O depoimento das testemunhas (…) e (…) foi considerado credível na sentença recorrida relativamente a pontuais circunstâncias de facto também discutidas, por controvertidas, nos autos, o que não invalida que no tocante à matéria de facto ora em reapreciação tivesse necessária e igualmente que o ser, mais a mais porque naquelas outras situações os ditos depoimentos foram concatenados e sempre confirmados por outros meios probatórios.
Importa não esquecer, como bem se assinala em sede de sentença recorrida, na motivação o laço familiar estreito existente entre a testemunha … e o Apelante … (são irmãos).
Por outro lado, como se sabe e decorre da nossa lei civil e processual civil (cfr. artigo 352.º do Código Civil e 466.º do CPC), as declarações de parte só relevam como confissão relativamente ao reconhecimento de factos que sejam desfavoráveis ao declarante e favoreçam a parte contrária, o que não sucede designadamente no que tange à diversa solução pretendida pelo Apelante quanto ao facto ora em reapreciação uma vez que de acordo com a tese que defende na presente causa é do seu inteiro interesse e como tal favorável a si e desfavorável à Apelada a demonstração de que o sistema de alarme existia no terreno e que foi destruído.
Em tudo o demais, que não possa valer como confissão, as ditas declarações de parte ficam sujeitas à livre apreciação do Tribunal de acordo com o disposto expressamente no n.º 3 do artigo 466.º do CPC.
Porém, importa reter que tem sido entendimento maioritário, a nível doutrinário e jurisprudencial, que a prova a realizar por meio de declarações de parte (naquilo que escape à confissão), deve ser acompanhada de outros(s), meio(s) probatório(s) relevante que ajude(m) a confirmar o declarado pela Parte, o que se percebe perfeitamente pois a posição do declarante de parte no processo não é a de testemunha, mas sim de alguém interessado num determinado desfecho do processo.
Dito isto e ouvido o depoimento de parte e os das testemunhas (…) e (…), através da ferramenta informática citius media player, no tocante à matéria em apreciação prestados em audiência final conclui-se que nem o Apelante, nem as testemunhas (…) e (…), presenciaram a entrada no prédio pelas 08h30m do dia 21/05/2017 dos funcionários da Ré (…), tendo o primeiro deles a chegar ao local sido a testemunha (…) referindo que se apercebeu de que algo se estava a passar quando se encontrava em sua casa, sita a cerca de 800 metros do local de entrada no prédio do Apelante, através de um mecanismo que lhe permite recepcionar em casa o sinal de alerta emitido por um sistema de alarme colocado no portão de entrada do prédio em apreço, o que não deixamos de estranhar visto não ser ele o proprietário do dito prédio.
De resto, mesmo a admitir a ligação directa da testemunha (…) a esse sistema de alarme, certo é que a testemunha em apreço se limitou, na passagem da gravação do respectivo depoimento selecionada pelo Apelante, a conjecturar sobre a destruição do dito sistema por parte dos funcionários da (…) visto não ter assistido pessoalmente à produção de tal suposto dano ou estrago.
Quanto à testemunha (…), a qual chegou ao local do prédio do irmão posteriormente à testemunha (…), tendo sido alertada por este último, disse na passagem da gravação áudio selecionada na motivação recursória, que “eles”, referindo-se aos funcionários da (…), “arrancaram o sistema de alarme e levaram os cabos” tendo aquele ficado danificado.
Certo é, porém, que esta testemunha também não presenciou a produção do suposto dano no sistema de alarme pelos funcionários da (…).
Já o Apelante no respectivo depoimento de parte refere na passagem do registo áudio selecionada no recurso que o “alarme ficou estragado” sem lograr imputar directa e expressamente a produção do suposto dano a agentes concretos, sendo certo que, tal como sucedeu com as testemunhas (…) e (…), tão pouco presenciou ou assistiu ao cometimento de tais estragos sobre o sistema de alarme.
Na conformidade exposta pensamos que o julgamento feito pelo Tribunal a quo no tocante ao facto em reapreciação não merece censura improcedendo a impugnação relativa à matéria de facto igualmente no tocante à alínea c) do sub-segmento da sentença recorrida respeitante aos factos não provados.
Prosseguindo na análise da impugnação da decisão relativa à matéria de facto feita pelo Apelante impõe-se reanalisar a decisão conferida pelo Tribunal recorrido à alínea e) do sub-segmento dos factos considerados como não provados
O Apelante indicou como meios probatórios, em abono da diversa solução que defende, o depoimento de parte prestado por si mesmo, conjugado com os depoimentos prestados pelas testemunhas (…), (…) e (…) e o teor dos documentos que numerou como nºs 5 e 7 juntos com o requerimento que apresentou em 15/06/2023, tendo selecionado e identificado com rigor as concretas passagens que no seu entendimento infirmam a solução conferida pelo Tribunal a quo.
Recordemos o que ficou expresso na sentença recorrida em sede de motivação a propósito deste facto:
“Doutra banda, o Tribunal não se conseguiu convencer que aquando da limpeza no armazém e no terreno também estivessem os bens identificados no facto não provado e). Tal dúvida inultrapassável faz com que estes factos sejam julgados em desfavor da parte que tinha o ónus de os provar, no caso o Autor.
Vejamos.
É verdade que tendo o Tribunal acreditado, como acreditou, que o armazém inserido no prédio do Autor era utilizado por este para guardar diversos bens, bem como para efetuar a manutenção de veículos automóveis pesados utilizados na sua atividade profissional, poderia ser crível que ali se encontrassem algumas das várias máquinas identificadas pelo Autor na sua petição inicial e que se encontram descritas no ponto e) dos factos não provados. Porém, assim não se entende que seja. E porquê?
- foram juntos aos autos dois orçamentos que foram obtidos pela CGD para limpeza do prédio (doc. 5 e 6 com a contestação da CGD), documentos cuja idoneidade foi confirmada pelas testemunhas (…) e (…), ambos trabalhadores da CGD, que depuseram de modo escorreito e, na sua essência, credível. Um desses orçamentos, o da (…), tem fotos anexas, fotos que comprovadamente são do local, o que se verificou na inspeção efetuada ao mesmo no dia 20/06/2023. Em nenhuma dessas fotos se visualiza qualquer máquina das referidas pelo Autor. Compulsado o teor dos orçamentos, constata-se que em nenhum dos dois se refere a existência de qualquer máquina, referindo-se, não obstante, e designadamente no orçamento de (…), Lda., a vários outros objetos: “limpeza do interior do imóvel através da remoção para vazadouro autorizado de resíduos da oficina tais como pneus, óleos, embalagens vazias, madeira, entre outros. Retiragem de uma viatura para centro de abate de automóveis em fim de vida. Retiragem de pneus de viaturas que se encontram no exterior para centro de tratamento de resíduos autorizado”, assim como o da (…), embora menos descritivo, “recolha e encaminhamento a destino final adequado de resíduos de entulho, pneus, mistura de resíduos urbanos e equiparados, resíduos biodegradáveis existentes no armazém (…) Procederemos ainda à limpeza interior do armazém com reboque de veículo para via pública”. Ora, ambos os orçamentos referem a viatura que a testemunha (…) reconheceu ser sua, porém, nenhum deles refere a existência de qualquer das máquinas reclamadas pelo Autor.
- A prova testemunhal produzida neste conspecto também não logrou convencer. A corroborar a versão do Autor, ou seja, a de que aquelas máquinas lá estavam no dia da limpeza tivemos o sr. (…) e o sr. (…), a cuja razão de ciência já nos reportámos supra. A testemunha (…) referiu que na semana que antecedeu a dia da limpeza tinha entrado dentro do armazém e estava tudo bem e que ali passava todos os dias, o que não é credível se tivermos em conta que foram elaborados dois orçamentos, que implicaram deslocação ao local, uma delas, pelo menos, confirmada expressamente em audiência pelas testemunhas (…) e (…). Terá, aliás, sido neste momento que foi colocada a corrente com cadeado a vedar o acesso ao armazém. Esta visita terá ocorrido vários meses antes da limpeza, como as referidas testemunhas mencionaram e é verosímil de acordo com as regras da experiência. Acresce que esta testemunha, que esteve presente em todas as sessões de julgamento, prestou um depoimento globalmente considerado pouco credível, sabendo quase tudo o que lhe era perguntado, respondendo a perguntas muito específicas como os preços da grande maioria dos bens, também soube logo dizer a data dos factos, quando a mesma ocorreu em maio de 2017, há cerca de 6 anos atrás. Já a testemunha (…) é irmão do Autor e referiu que no dia da limpeza viu as máquinas já carregadas no camião, porém, certo é que nem no auto da GNR junto com a petição inicial, nem no depoimento do militar da GNR que acorreu ao local, a testemunha (…), foi mencionada a existência de qualquer dessas máquinas, apenas recordando ter visto pneus.
- Além do já referido detetaram-se diversas divergências nos depoimentos destas duas testemunhas (a testemunha … e a testemunha …) em confronto com as declarações de parte prestadas pelo Autor, designadamente em relação ao local onde as máquinas habitualmente estavam e mesmo quanto às suas características ou proveniência, veja-se por exemplo: o Autor disse que comprou o compressor e até juntou uma declaração do suposto vendedor para tentar comprová-lo (documento junto em 15/06/2023), já a seu irmão, (…), disse que o compressor foi importado (45:35-45-58); quanto ao local habitual das máquinas dentro do armazém atente-se no que a este respeito disse por um lado o Autor e por outro a testemunha (…), incongruentes entre si, o mesmo sucedendo quanto à cor de algumas máquinas.
- A testemunha (…), que referiu ter efetuado trabalhos no armazém, não soube recordar que máquinas existiam no armazém.
- Não pode também deixar de se atentar nas características do documento junto pelo Autor em 15/06/2023 para comprovar que adquiriu algumas das máquinas, uma declaração datada de 10/08/2011, onde se descrevem exatamente os bens e os valores constantes da petição inicial. Será crível que as máquinas tivessem todas sido adquiridas na mesma data? A assim não ter sido qual a necessidade/utilidade de se passar uma declaração em 2011? Não nos convencemos, pois, da veracidade de tal documento.
- mesmo a ser verdade que as máquinas foram adquiridas pelo Autor e que em algum momento estiveram no armazém dos autos, nada garante que no dia da limpeza ainda lá estivessem.
Todos os referidos aspetos serviram para criar uma séria e inultrapassável dúvida quanto à presença dos vários bens que o Autor alegou estarem no imóvel na data da limpeza.”
Ouvido o depoimento de parte e os depoimentos das três testemunhas mencionadas pelo Apelante, (…), (…) e (…), designadamente as passagens de registo áudio indicadas no recurso, assim como o teor dos documentos identificados pelo Apelante, não podemos adoptar a versão sustentada pelo Apelante.
Pelo contrário!
Com efeito, da concatenação de todos esses elementos probatórios afigura-se-nos perfeitamente acertada a convicção expressa pelo Tribunal a quo, nada havendo a discordar dela, sendo certo que, como se verifica à saciedade do que supra transcrevemos, consubstanciou-se num trabalho aturado de exposição e análise crítica e comparativa dos vários meios de prova que trouxe à colação, elaborado com assinalável correcção, coerência e clareza e perfeitamente compatível com a previsão dos n.ºs 4 e 5 do artigo 607.º do CPC.
Isto dito e sem necessidade de mais considerações julgamos igualmente improcedente a impugnação dirigida pelo Apelante contra a alínea e) do sub-segmento da sentença recorrida atinente aos factos considerados como não provados.
Do exposto resulta a total improcedência da impugnação apresentada pelo Apelante contra a decisão relativa à matéria de facto discriminada na sentença recorrida.
- Impugnação da decisão relativa à matéria de facto apresentada pela Apelante Caixa Geral de Depósitos, S.A..
A Apelante CGD, S.A. pretende impugnar alguns factos, concretamente o teor dos pontos 10) a 14) e 19), que integram o sub-segmento dos factos considerados como provados na sentença recorrida, pretendendo que a matéria factual dos mesmos seja considerada totalmente, ou, pelo menos, parcialmente, como não provada, tendo indicado relativamente a cada um dos factos impugnados os meios probatórios, assentes em prova testemunhal, que entende infirmarem a decisão tomada pelo Tribunal a quo, transcrevendo no corpo das alegações os excertos de depoimentos considerados como relevantes para sustentar a sua versão, razão pela qual se aceita terem sido satisfatoriamente cumpridos os ónus primário e secundário previstos nas alíneas do n.º 1 e, bem assim, na alínea a) do n.º 2 do artigo 640.º do CPC.
Na respectiva resposta ao recurso da Apelante CGD, S.A., o Apelado (…) pugnou pela total improcedência da impugnação relativa à matéria de facto apresentada pela primeira.
Recordemos o teor dos pontos de facto atacados nesta impugnação:
“10) Cortaram a instalação elétrica existente no interior da garagem, cuja reparação comporta um custo de cerca de € 1.000,00.
11) E apropriando-se dos bens em seguida discriminados, que fizeram transportar num veículo pesado de mercadorias:
- Diversos tijolos (mais de 100 tijolos), cujo valor unitário ronda os € 0,40;
- 200 pneus da marca Michelin, cujo valor unitário é de € 35,00;
12) O Autor havia contratado um serviço para a abertura de duas valas – uma com 50 metros e outra com 30 metros de comprimento – e fundações, serviço esse que, à data dos factos, há muito se encontrava concluído.
13) Os funcionários da (…) despejaram para tais valas e fundações areia, pedras, óleos e plásticos que se encontravam no terreno e na garagem do Autor, tendo entupido as valas e as fundações, inviabilizando a sua utilização.
14) A destruição de duas valas, uma com 50 metros e outra com 30 metros de comprimento, bem como fundações que já se encontravam abertas, obras com um valor aproximado de € 875,00, sendo que tais obras implicam cerca de 25 horas de mão-de-obra, mediante a utilização de uma retroescavadora, cujo custo por hora rondava os € 35,00.
19) Toda a situação supra descrita causou no Autor um sentimento de revolta, angústia e ansiedade, prolongado por todo o tempo a que já se arrasta a situação”.
Desde logo convêm sublinhar que continuamos a mover-nos no domínio da prova não vinculada sujeita ao critério da livre apreciação do julgador, segundo a prudente convicção do mesmo, temperada por regras de experiência comum, pelo que as referências normativas e doutrinárias que deixámos expressas supra, inclusive sobre a relevância de depoimentos de parte mostram-se inteiramente aplicáveis neste momento.
Assim, verificamos que no tocante ao facto contido no ponto 10) a Apelante pretende infirmá-lo através de uma pequena referência feita pelo legal representante da Co-Ré (…) em sede de depoimento de parte e, no tocante ao custo “de cerca de € 1.000,00”, através de um excerto do depoimento da testemunha (…), irmão do Apelado (…), procurando evidenciar ser o mesmo evasivo e infundamentado quanto a esse aspecto concreto.
Relembremos de que forma fundamentou o Tribunal a quo a sua convicção quanto a este ponto de facto:
“A prova do corte da instalação eléctrica do armazém aquando da limpeza do terreno adveio da conjugação das fotografias juntas com a petição inicial, designadamente fotografias 4-5 e 4-6, com a inspeção ao local, veja-se as fotografias 10, 11, 13 e 16 na ata de dia 20/06/2023.”
Na verdade, examinando as fotografias mencionadas juntas com a petição inicial e colhidas em 20/06/2023 aquando da realização da inspeção ao local percebemos que em qualquer desses dois momentos temporais se constatam danos na instalação eléctrica existente no interior do armazém.
Porém, como afirma a Apelante CGD, S.A., através de tais fotografias não é possível só por si estabelecer um adequado nexo de causalidade entre tal dano e alguma acção levada a cabo por aquela, ou pela Co-Ré (…).
Por um lado, porque qualquer uma das Rés em apreço impugnou na respectiva contestação a matéria invocada no artigo 25º da petição inicial, no qual se mencionou (alínea c)), os estragos e custo de reparação previsto relativamente à instalação eléctrica existente no interior da garagem.
Por outro lado, porque tendo a incursão realizada no terreno por parte da Co-Ré (…) ocorrido em 21/05/2017 o certo é que a petição inicial apenas entrou em juízo em 14/01/2022, nada tendo sido alegado na mesma relativamente à data em que foi feito o registo fotográfico que demonstra os estragos na instalação eléctrica, nem decorrendo aquela mencionada nas ditas fotos (4-5 e 4-6), juntas com a petição inicial, sabendo-se, outrossim, que o registo fotográfico posteriormente efectuado, que complementa a acta de audiência final de 20/06/2023 teve lugar nessa mesma data em resultado da inspecção ao local então efectuada.
Importa ainda dizer que apesar de ter sido alegado na petição inicial um custo de reparação de € 1.000,00, precisamente na alínea a) do já mencionado artigo 25º da petição inicial, tal facto foi impugnado expressamente pelas Rés, não tendo sido encaminhado para os autos qualquer documento (maxime orçamento), demonstrativo do custo alegado ou de outro.
Com efeito e disso nos dá nota a própria Apelante CGD, S.A. (pois quanto ao custo de reparação da instalação eléctrica nada se extrai da motivação constante da sentença recorrida), apenas a testemunha (…) se pronunciou de forma meramente especulativa e opinativa, sem qualquer sustentáculo credível.
Do exposto, cremos que dos registos fotográficos carreados aos autos mencionados na motivação apenas se pode extrair que a instalação eléctrica existente no interior da garagem se mostra danificada pelo que se decide alterar a redacção do ponto 10) do sub-segmento dos factos considerados como provados na sentença recorrida para o seguinte:
“10) A instalação eléctrica existente no interior da garagem encontra-se cortada necessitando de reparação”.
Do mesmo passo, adita-se ao sub-segmento dos factos considerados como não provados da sentença recorrida uma alínea n. com o seguinte teor:
n. Que tenham sido funcionários da (…) que cortaram a instalação eléctrica a que alude o ponto 10) dos factos provados e que a respectiva reparação comporte um custo de cerca de € 1.000,00 (mil euros).

Prosseguindo na análise da impugnação efectuada à matéria de facto pela Apelante CGD, S.A. verificamos que relativamente ao facto contido no ponto 11) esta realça que não deveria ter sido dado como provado que eram “(mais de 100 tijolos)” e bem assim que no tocante aos pneus o “valor unitário é de € 35,00”, socorrendo-se de excertos dos depoimentos de parte prestados pelo legal representante da Co-Ré (…) e pelo Apelado (…), bem como pelas testemunhas (…), (…), (…), (…) e (…), a par de documentos juntos com a sus contestação, designadamente orçamento rotulado como “Doc. 6”.
Recordemos a motivação expressa a este respeito na sentença recorrida:
“As Rés CGD e (…) assumiram que no terreno havia vários pneus (veja-se artigo 20º da contestação da Ré CGD e 26º da contestação da Ré …), sendo que a convicção quanto a esta matéria e em especial quanto à sua concreta quantidade adveio da conjugação da observação das fotografias juntas ao orçamento elaborado pela (…), junto com a contestação da CGD, onde se consegue visualizar uma grande quantidade de pneus, com uma das fotografias juntas com a contestação da (…), com a descrição inserta no próprio orçamento, onde se especifica a remoção de pneus, o mesmo sucedendo com o orçamento elaborado pela sociedade “(…) e (…), Lda., onde se refere “retiragem de pneus de viaturas que se encontram no exterior para centro de tratamento de resíduos autorizado” ambos juntos com a contestação da Ré CGD, bem ainda, e aqui fundamental, o talão de pesagem (com descrição pneus usados 11,780 toneladas) e guia de acompanhamento de resíduos junta pela CGD em 15/05/2023, sendo o peso ali referido compatível com a quantidade de pneus alegada na petição inicial (11780 kg. / 200 = 58,9 kg., cada um). Também os vários depoimentos prestados sobre esta matéria conduziram a esta conclusão (em especial, das testemunhas …, funcionário da … e …, militar da GNR que acorreu ao local e referiu ter visto muitos pneus carregados – relevante aqui também o teor do auto de notícia junto com a petição inicial) e bem assim as declarações de parte do legal representante da Ré (…).
A convicção quanto ao valor unitário de cada pneu adveio da documentação junta pelo Autor em 15/06/2023, designadamente o documento 17 de acordo com a numeração do processo eletrónico.
A existência de tijolos foi confirmada pelo legal representante da (…) e é também observável em várias fotografias juntas aos autos.”
Ora bem, relativamente ao número de tijolos julgamos que da concatenação dos meios de prova realçados na motivação supra transcrita com os que foram salientados pela Apelante CGD, S.A. (depoimentos de Parte e orçamento junto como “Doc. 6” com a contestação da própria), afigura-se mais acertado considerar que existiam pelo menos 100 tijolos em vez de “(mais de 100 tijolos)”, sendo certo que no tocante ao cômputo do custo a suportar pela Apelante CGD, S.A. mostra-se irrelevante a dita discussão uma vez que o cálculo efectuado na sentença recorrida levou em consideração o número de 100 tijolos.
Por seu turno, no tocante aos pneus e em face da prova produzida e salientada na motivação expressa na sentença recorrida, sem esquecer que no artigo 78º do corpo da alegação de recurso a própria Apelante CGD, S.A. acaba por admitir/aceitar a quantidade de 200 pneus, é de manter tal número como correspondendo aos pneus que foram transportados do terreno do Apelante (…) no dia 21/05/2017.
Já no que concerne ao valor unitário é de afastar o argumento trazido à discussão pela Apelante CGD, S.A. de que os pneus retirados não teriam valor por terem sido entregues para reciclagem a uma empresa e estarem quase todos velhos e muito usados visto que tal não resultou demonstrado nos autos.
Na verdade, ainda que velhos e usados os pneus em causa poderiam ter e certamente teriam algum valor ainda que residual.
Acresce que a informação prestada pela firma (…) plasmada no “Doc. 17” junto aos autos pelo Apelado (…) em 15/06/2023 aponta para um valor unitário aplicável a “carcaças usadas” de pneus situado entre € 30,00 a € 35,00, dependendo da respectiva qualidade da carcaça.
Tomando como referência essa baliza estabelecida entre os ditos dois montantes julgamos acertado considerar que o valor unitário médio por carcaça usada de pneu seria de € 32,50.
Dito isto, altera-se a redacção do ponto 11) do sub-segmento respeitante aos factos considerados como provados na sentença recorrida, que passa a conter a seguinte redacção:
“11) E apropriando-se dos bens em seguida discriminados, que fizeram transportar num veículo pesado de mercadorias:
- Pelo menos 100 tijolos, cujo valor unitário ronda os € 0,40;
- 200 pneus da marca Michelin, cujo valor médio unitário é de € 32,50;”
Quanto aos factos discriminados nos pontos 12), 13) e 14) do sub-segmento dos factos considerados como provados na sentença recorrida defende a Apelante CGD, S.A., que devem ser tidos como não provados por “não ter sido feita prova de que no terreno existissem quaisquer valas e fundações, e muito menos que os funcionários da Ré (…) despejaram para tais valas e fundações areia, pedras, óleos, e plásticos, que se encontravam no terreno e garagem do Autor, tendo entupido as valas e fundações e inviabilizando assim a sua utilização e, ainda, que as obras relativas às referidas e fundações tinham ainda um valor aproximado de € 875,00 e implicam cerca 25 horas de mão-de-obra”.
Sustenta a sua solução com base no facto de todas as Rés terem impugnado esses factos e o Apelado (…) não ter junto qualquer prova documental “para demonstração de que teria realizado no terreno obras de construção das referidas valas e fundações”, mais aludindo a excertos dos depoimentos prestados pelo legal representante da Co-Ré (…) e pelas testemunhas (…) e (…) concluindo que deste último resulta, quando muito, que as obras relativas às valas e fundações implicariam apenas 6/7 horas de trabalho a um custo horário de cerca de € 40,00.
Vejamos o que ficou expresso na motivação relativa à matéria de facto constante da sentença recorrida:
[…] a verdade é que a abertura das valas foi provada (fosse para o motivo que fosse) porque o próprio legal representante da (…), admitiu que as mesmas pudessem existir, sendo perfeitamente verosímil à luz das regras de experiência comum que num contexto de limpeza do terreno as valas fossem tapadas. As características das valas foram provadas por força do depoimento das testemunhas (…) e (…), bem assim o n.º de horas necessárias para as suas construções.”
Escrutinando os meios probatórios incidentes sobre a matéria factual em apreço concretamente o depoimento de parte prestado pelo legal representante da Co-Ré (…) e pelas testemunhas (…) e (…) dúvidas não existem de que aquele legal representante admitiu a possibilidade de existência em 21/05/2017 de valas e fundações no terreno onde penetrou para efectuar limpezas, o que foi confirmado pelas duas testemunhas (…) e (…), resultando, outrossim, da concatenação desses meios probatórios demonstrada a factualidade discriminada nos pontos 12) e 13) da matéria de facto dada como provada.
Considerando e compatibilizando, ainda, os depoimentos prestados pelas testemunhas a propósito da matéria factual plasmada no ponto 14) dos factos considerados como provados julgamos ser de considerar que a destruição das valas e fundações implicará a necessidade de obras com um valor aproximado de € 387,45 à razão de pelo menos 7 horas de mão-de-obra, mediante a utilização de uma retroescavadora, a um custo por hora de € 45,00 + IVA.
Dito isto, procede parcialmente a impugnação no tocante ao facto contido no ponto 14) dos factos considerados como provados alterando-se a sua redacção nos seguintes termos:
“14) A destruição de duas valas, uma com 50 metros e outra com 30 metros de comprimento, bem como fundações que já se encontravam abertas, implicam a realização de obras com um valor aproximado de € 387,45 correspondente a pelo menos 7 horas de mão-de-obra, mediante a utilização de uma retroescavadora, com um custo por ora de € 45,00 + IVA”.
Infirmou, por fim, a Apelante CGD, S.A, a matéria contida no ponto 19) dos factos considerados como provados na sentença recorrida sustentando que do depoimento da testemunha (…), de que transcreveu um pequeníssimo excerto, apenas resulta que o Apelante (…) ficou aborrecido e incomodado com a situação, não tendo resultado provado qualquer sentimento de revolta, angústia e ansiedade.
Vejamos o que ficou expresso na sentença recorrida, em sede de motivação, a propósito deste facto:
“O provado em 19) resultou da conjugação de todos os elementos juntos os autos, das declarações de parte prestadas pelo Autor e dos depoimentos das testemunhas (…) e (…), credíveis neste particular. A existência do processo crime e a apreciação aos demais factos provados à luz das regras de experiência comum conduzem inevitavelmente à prova deste facto”.
Compatibilizando entre si os meios probatórios referidos na dita motivação afigura-se acertada a solução a que o Tribunal a quo chegou relativamente ao ponto de facto ora em apreciação, improcedendo, em consequência a impugnação no tocante ao mesmo.
Isto dito procede parcialmente a impugnação dirigida pela Apelante CGD, S.A. à decisão relativa à matéria de facto contida na sentença recorrida alterando-se a redacção dos pontos 10), 11) e 14), nos termos supra descritos, mantendo-se nos seus precisos termos a redacção dos pontos de facto 12), 13) e 19) e aditando-se uma alínea (n), ao sub-segmento dos factos considerados como não provados.
Do exposto decorre que a fundamentação de facto da sentença recorrida corresponde em definitivo ao seguinte:
“i. FACTOS PROVADOS:
Com relevo para a decisão da causa resultaram provados os seguintes factos:
1) O Autor tem registado o seu favor a aquisição por compra de ½ do prédio rústico sito no Alto dos (…), freguesia de Almoster, concelho de Santarém, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santarém sob o n.º (…) e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo (…), da secção (…).
2) Em tal terreno encontra-se edificado um armazém, onde o Autor guardava diversos bens de que era dono e efetuava a manutenção de veículos pesados de mercadorias utilizados na sua atividade profissional.
3) A CGD havia adquirido, em processo de execução, o prédio rústico denominado (…), Alto dos (…), freguesia de Almoster, Santarém, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santarém sob o n.º (…) e inscrito na matriz sob o artigo (…), da secção (…).
4) Solicitou a avaliação do imóvel e na sequência dessa avaliação foi localizado o imóvel do Autor identificado em 1) como sendo o prédio que a CGD tinha adquirido.
5) A Ré CGD contratou a (…) para proceder à limpeza do imóvel que havia adquirido.
6) Por sua vez, a (…) contratou os serviços da (…) para efetuar tal limpeza.
7) A CGD forneceu à (…) os dados relativos à localização do imóvel, identificando o prédio do Autor mencionado em 1) como sendo o prédio a limpar.
8) Por sua vez, a (…) forneceu à (…) os dados relativos à localização do mesmo prédio através de coordenadas e em visita prévia com um funcionário daquela.
9) No dia 21/05/2017, pelas 08:30 horas, os funcionários da Ré (…) dirigiram-se ao referido prédio, introduziram-se no seu interior com o objetivo de procederam à sua limpeza, sem possuírem autorização por parte dos proprietários do prédio.
10) A instalação eléctrica existente no interior da garagem encontra-se cortada necessitando de reparação.
11) E apropriando-se dos bens em seguida discriminados, que fizeram transportar num veículo pesado de mercadorias:
- Pelo menos 100 tijolos, cujo valor unitário ronda os € 0,40;
- 200 pneus da marca Michelin, cujo valor médio unitário é de € 32,50.
12) O Autor havia contratado um serviço para a abertura de duas valas – uma com 50 metros e outra com 30 metros de comprimento – e fundações, serviço esse que, à data dos factos, há muito se encontrava concluído.
13) Os funcionários da (…) despejaram para tais valas e fundações areia, pedras, óleos e plásticos que se encontravam no terreno e na garagem do Autor, tendo entupido as valas e as fundações, inviabilizando a sua utilização.
14) A destruição de duas valas, uma com 50 metros e outra com 30 metros de comprimento, bem como fundações que já se encontravam abertas, implicam a realização de obras com um valor aproximado de € 387,45 correspondente a pelo menos 7 horas de mão-de-obra, mediante a utilização de uma retroescavadora, com um custo por ora de € 45,00 + IVA.
15) O sr. (…), irmão do Autor, dirigiu-se ao prédio em causa e informou o gerente e os funcionários da (…), que lá se encontravam, que tal terreno era pertença do seu irmão e que não tinham autorização para permanecer no mesmo.
16) Não obstante, os funcionários da (…) recusaram-se a sair e continuaram a executar o trabalho para o qual tinham sido contratados.
17) Após a saída dos funcionários da (…) o portão do armazém ficou fechado com uma corrente e um cadeado.
18) As Rés nunca entregaram ao Autor qualquer chave do cadeado que ficou a fechar o armazém.
19) Toda a situação supra descrita causou no Autor um sentimento de revolta, angústia e ansiedade, prolongado por todo o tempo a que já se arrasta a situação.
ii. FACTOS NÃO PROVADOS:
Não se provou:
a. Que para possibilitar a sua introdução no interior do prédio do Autor, os funcionários da (…) tenham destruído a vedação que o circundava.
b. Que aquando do trabalho de limpeza os funcionários da (…) tivessem arrombado os portões, destruindo a fechadura de acesso ao portão frontal.
c. Que o terreno dispusesse de um sistema de alarme, que tivesse sido destruído.
d. Que o autor pretendesse construir no terreno uma moradia, tendo já o projeto aprovado.
e. Que no momento da limpeza do prédio tivessem sido retirados os seguintes bens:
- uma betoneira, no valor total de € 359,78;
- um semi-reboque carregado com brita, que foi derramada ao chão;
- uma máquina de soldar bifásica gás;
- duas máquinas de soldar trifásicas;
- um compressor de marca (…), de 500 litros;
- uma máquina de lavar veículos pesados de mercadorias, de marca Wurth;
- um eixo direcional de reboque de veículo pesado de mercadorias, de marca EcoPlus;
- 8 vigas;
- 25 telhas;
- 10 calhas.
f. Que o preço de cerca de 100 tijolos seja de € 1.441,36.
g. Que a (…) tenha procedido à mudança da fechadura existente no portão de acesso à garagem.
h. Que o Autor desde 21/05/2017 não consegue aceder à garagem.
i. Que as Rés tenham inviabilizado a utilização do armazém ao Autor desde o dia 21/05/2017.
j. Que a situação ocorrida tenha obrigado o Autor a deslocar-se a Portugal diversas vezes, pelo menos nos períodos entre 07/03/2019 e 10/03/2019 e entre 04/11/2019 e 17/11/2019.
k. Que por causa da situação ocorrida o autor tenha faltado ao trabalho durante vários dias, com uma perda de rendimento nunca inferior a € 1.350,00.
l. Que a CGD tenha solicitado a avaliação do imóvel a um prestador externo.
m. Que a CGD tenha retirado as correntes fechadas com cadeado que ficaram a vedar o acesso ao terreno e ao armazém após tomar consciência de que aquele não era o prédio que havia adquirido.”
n. Que tenham sido funcionários da (…) que cortaram a instalação eléctrica a que alude o ponto 10) dos factos provados e que a respectiva reparação comporte um custo de cerca de € 1.000,00 (mil euros).
*
A-2- Reapreciação de mérito, dependente do resultado da impugnação da matéria de facto apresentada, incidente sobre danos patrimoniais e sobre dano de privação de uso invocado.
O Apelante (…) decaiu no tocante ao pedido de ressarcimento por danos patrimoniais relativamente a alegados estragos num sistema de alarme existente no seu terreno (alínea c) dos factos considerados como não provados) e bem assim no tocante a uma porção de bens móveis alegadamente retirados e identificados na alínea e) do sub-segmento dos factos considerados como não provados na sentença recorrida.
Certo é que, conforme constatamos supra, o juízo feito por este Tribunal no tocante a tais bens confirmou a convicção expressa pelo Tribunal a quo na sentença recorrida, o que significa não ter resultado demonstrado nem estragos no sistema de alarme causados pela intervenção da (…), nem a retirada do terreno do Apelante (…) dos identificados bens durante a limpeza do mesmo, pelo que não haverá que condenar a Apelada CGD, S.A. no ressarcimento do respectivo valor ao Apelante (…).
Pretende, ainda, o Apelante (…) através deste recurso o ressarcimento ou compensação por eventual dano de privação de uso.
No tocante a esta questão ficou expresso na sentença recorrida o seguinte:
“Quanto à privação do uso.
A propósito da privação do uso, perfilham-se habitualmente duas teses na jurisprudência: uma que entende que a indemnização pela privação do uso depende da prova do dano concreto, não sendo a mera privação do uso de um bem, sem repercussão negativa no património do lesado em termos de dano emergente ou lucro cessante, indemnizável; e a posição que admite que a simples privação do uso seja um dano indemnizável, independentemente da utilização que se faça, ou não, do bem em causa durante o período da privação. Há ainda uma tese intermédia que entende que não basta a mera privação, “mas também não é de exigir a prova efetiva do dano concreto, bastando, antes, que o lesado demonstre que pretende usar a coisa, ou seja, que dela pretende retirar as utilidades” (STJ, de 28/01/2021, proferido no processo n.º 14232/17.9T8LSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt).
Sem embargo, certo é que, ao contrário do alegado, não se provou que qualquer das Rés tenha procedido à mudança da fechadura do portão de acesso ao armazém e que o Autor desde dia 21/05/2017 não lhe consiga aceder.
Não obstante tenha sido colocada uma corrente com cadeado no portão frontal de acesso ao armazém, certo é que tal corrente não impedia a entrada do Autor, que nele entrou, tanto assim que tirou as fotos que foram por si juntas com a petição inicial e a que já expressamente nos reportámos supra na motivação da matéria de facto.
Por outro lado, reconhecida que foi a verificação de um lapso/equívoco no imóvel adquirido pela CGD, podia o Autor ter intimado à retirada das correntes e ter agido pelos seus próprios meios, retirando as correntes, como aliás foi feito no dia 20/06/2023, sendo no caso plenamente justificada a ação direta, conforme disposto nos artigos 1277.º e 336.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Código Civil.
Com efeito, dispõe o artigo 1277.º do Código Civil que o possuidor que for perturbado ou esbulhado pode manter-se ou restituir-se por sua própria força e autoridade, nos termos do artigo 336.º, ou recorrer ao tribunal para que este lhe mantenha ou restitua a posse.”
O dano consistente na privação do uso integra essencialmente, como dano autónomo, específico, o elenco dos danos patrimoniais (segundo alguma doutrina na variante dos chamados “lucros cessantes”) e a sua produção emerge, ou é relativa, à impossibilidade gerada por outrem de forma ilícita, ou ilegítima, de uso, fruição e disposição de coisa própria.
A questão levanta-se com regularidade ao nível de acidentes de viação e mostra-se tratada em inúmeros arestos de que destacamos neste momento os acórdãos proferidos pelo STJ em 12.01.2010 (Proc. 314/06.6TBCSC.S1) e em 09/07/2015 (Proc. 13804/12.2T2SNT), bem como pela Relação de Lisboa em 11/12/2019 (Proc. n.º 3088/19.7YRLSB) e pela Relação do Porto em 08/10/2018 (Proc. n.º 4031/15.8T8MTS), todos acessíveis para consulta in www.dgsi.pt.
Destacamos, pelo inegável interesse, da respectiva nota sumativa do referido acórdão do STJ de 09/07/2015, o seguinte:
“II - A privação do uso de um veículo automóvel, em resultado de danos sofridos na sequência de um acidente de viação, constitui um dano autónomo, indemnizável na medida em que o seu dono fica impedido do exercício dos direitos de usar, fruir e dispor, inerente à propriedade que o artigo 1305.º do CC lhe confere, bastando para o efeito que o lesado alegue e demonstre, para além da impossibilidade de utilização do bem, que esta privação gerou perda de utilidades que o mesmo lhe proporcionava.
IV - Do património faz também parte o “direito de utilização das coisas próprias”, constituindo a privação do uso do veículo um dano patrimonial e, como tal, indemnizável”.
Revertendo ao caso concreto que temos em mãos, percebemos que o Apelante (…) entende dever ser ressarcido pela produção de dano de privação do uso do seu prédio / armazém, como consequência de acção da Apelada CGD, S.A. sustentando que o imóvel esteve “comprovadamente furtado” à sua fruição desde a data de 21/05/2017 até à realização da inspeção judicial efectuada em 20/06/2023 “em grosseira e ostensiva violação do seu direito de propriedade”.
Sobre o Apelante (…) impendia o ónus de alegar e demonstrar o concreto obstáculo gerado pela actuação da Apelada CGD, S.A., a ilicitude do mesmo, a impossibilidade de poder usar, fruir e dispor do bem e que a privação gerou a perda de utilidades que a coisa/bem em causa lhe proporcionava.
Não logrou consegui-lo, mostrando-se insuficiente para efeitos reparatórios / indemnizatórios a factualidade plasmada nos pontos 17) e 18) do sub-segmento da sentença recorrida respeitante aos factos considerados como provados, que apenas se reportam à existência de uma corrente e um cadeado colocados pela empresa (…) no portão do armazém e que ficaram a fechar este, tanto mais que não podemos deixar de anotar, conforme lucidamente referido na motivação da decisão relativa à matéria de facto em sede de sentença recorrida, que a corrente colocada no portão do armazém não terá impedido o Apelante (…) de a ele aceder atento o registo fotográfico junto com a petição inicial apresentada em juízo e que contem imagens do interior daquele (fotos 4-2 e 4-4).
No entanto, ainda que se desconsidere o argumento acabado de expor e apesar de decorrer do facto contido no ponto 2) dos factos considerados como provados na sentença recorrida o uso que o Apelante (…) fazia do armazém não resultou demonstrada a perda de tais utilidades em consequência dos factos descritos sob os pontos 16) e 17) do sub-segmento atinente aos factos considerados como provados na sentença recorrida.
Dito isto naufraga igualmente a pretensão do Apelante (…) no sentido de ser indemnizado por dano decorrente de privação de uso, improcedendo in totum o recurso independente interposto pelo mesmo.
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B-2- Reapreciação de mérito, dependente do resultado da impugnação da matéria de facto apresentada, incidente sobre danos patrimoniais e sobre cômputo indemnizatório por danos não patrimoniais.
Atendendo às alterações efectuadas à decisão relativa à matéria de facto consequentes à impugnação dirigida pela Apelante CGD, S.A. contra os factos contidos nos pontos 10) a 14) e 19) do sub-segmento relativo aos factos considerados como provados na sentença recorrida percebemos que a dita Apelante não poderá ser condenada no pagamento ao Apelado (…) no tocante à quantia de € 1.000,00 relativa à reparação por corte da instalação eléctrica existente no interior da garagem, constatando-se ainda que na condenação respeitante à subtracção dos pneus haverá que considerar um valor unitário por pneu de apenas € 32,50 em vez de € 35,00 e no tocante à compensação para reposição das valas e fundações a condenação terá como premissas apenas 7 horas de mão-de-obra à razão de € 45,00 por hora + IVA, o que corresponde a um total de € 387,45, em vez de € 875,00.
Por fim, impõe-se aludir à questão dos danos não patrimoniais defendendo a Apelante CGD, S.A. que deverá ser absolvida relativamente aos mesmos e que assim não se entendendo não deverá ser condenada a pagar o valor de € 5.000,00 atribuído na sentença recorrida por tal se afigurar “manifestamente excessivo”.
Vejamos, então.
Dispõe o artigo 496.º do CC, epigrafado “Danos não Patrimoniais“, o seguinte:
1 – Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. […]
4 – O montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º; […]”.
Os danos não patrimoniais consubstanciam danos não susceptíveis de avaliação pecuniária, reportando-se a valores de ordem moral, ideal, ou espiritual.
Trata-se, por conseguinte, de danos não susceptíveis de avaliação pecuniária e que não se reflectem no património do lesado.
“Constituem danos não patrimoniais, por exemplo, o sofrimento ocasionado pela morte de uma pessoa, o desgosto derivado de uma injúria, as dores físicas produzidas por uma agressão” (Almeida Costa, “Direito das Obrigações”, 12ª edição, Almedina, pág. 592).
Os danos não patrimoniais indemnizáveis são apenas aqueles que se mostrem suficientemente graves para merecerem a tutela jurídica.
O critério de fixação do montante indemnizatório de tais danos é o da equidade.
A nível da vasta jurisprudência do STJ, que se debruçou sobre esta matéria dos danos não patrimoniais, chamamos à colação o Acórdão proferido em 21/01/2016 (Processo n.º 1021/11.3TBABT.E1.S1), Relator Cons. Lopes do Rego, no qual se decidiu o seguinte:
“O juízo de equidade das instâncias, essencial à determinação do montante indemnizatório por danos não patrimoniais, assente numa ponderação, prudencial e casuística, das circunstâncias do caso – e não na aplicação de critérios normativos – deve ser mantido sempre que – situando-se o julgador dentro da margem de discricionariedade que lhe é consentida – se não revele colidente com os critérios jurisprudenciais que, numa perspectiva actualística, generalizadamente vêm sendo adoptados, em termos de poder pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade”.

Face a todo o exposto, tendo presente a facticidade descrita no ponto 19), devidamente conjugada com a discriminada sob os pontos 11), 12), 13), 14) e 16) a 18) do sub-segmento atinente aos factos considerados como provados na sentença recorrida entendemos que a revolta, angústia e ansiedade prolongada por todo o tempo que já mediou desde 21/05/2017 até ao momento consubstancia dano não patrimonial suficientemente gravoso para merecer a tutela do direito mostrando-se perfeitamente adequado com vista a ressarcir tal dano o montante de € 5.000,00 fixado na sentença recorrida.
Conclui-se, assim, proceder parcialmente o recurso da Apelante CGD, S.A..
Em sede de juros a contabilizar, haverá que levar em consideração o que foi decidido na sentença recorrida, tratando-se, aliás, de questão que nem sequer foi impugnada em qualquer um dos dois recursos independentes interpostos da sentença.
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V- Decisão
Face a todo o exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação independente interposto pela Apelante Caixa Geral de Depósitos, S.A. e improcedente o recurso de apelação independente interposto pelo Apelante (…), decidindo-se o seguinte:
1- Revogar a alínea A) do dispositivo da sentença recorrida, que se substitui pelo seguinte:
A) Condena-se a Apelante / Apelada CGD, S.A. a pagar ao Apelado / Apelante (…) a quantia de € 11.927,45 (onze mil, novecentos e vinte e sete euros e quarenta e cinco cêntimos), a título de danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo primeiro, acrescida de juros à taxa supletiva civil contados desde a data da citação até integral pagamento;
2- Confirmar o decidido na alínea B) do dispositivo da sentença recorrida.
3- Condenar o Apelante (…) no pagamento integral das custas relativas ao recurso de apelação independente por si interposto e bem assim a Apelante CGD, S.A. e o Apelado (…), na proporção de 80% para a primeira e de 20% para o segundo relativamente ao recurso de apelação independente interposto pela Apelante CGD, S.A. (artigo 527.º, nºs 1 e 2 , do CPC).
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Notifique.
Évora, 23 de Maio de 2024
José António Moita (Relator)
Maria José Cortes (1ª Adjunta)
Ana Pessoa (2ª Adjunta)