Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
6566/20.1T8STB.E1
Relator: JOSÉ ANTÓNIO MOITA
Descritores: PRIVAÇÃO DE USO DE IMÓVEL
INDEMNIZAÇÃO
INCIDENTE DE LIQUIDAÇÃO
Data do Acordão: 10/25/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
1.Não tendo resultado provado que o imóvel ocupado pelos Réus fosse destinado pela Autora, dona daquele, a habitação própria, ou ao arrendamento, mas apenas que o colocara em venda, recusando, outrossim, uma proposta de compra através do seu sócio-gerente, é de concluir não ser de condenar os Réus a ressarcir a Autora pela pura e simples privação do uso do dito imóvel, ainda que não consentido, devendo, porém, os Réus indemnizarem a Autora pelos danos decorrentes da desvalorização causada pelo uso e fruição do imóvel que ocuparam, novo e a estrear, durante os anos em que nele têm permanecido;
2. Na condenação genérica com vista a subsequente instauração do incidente com vista a liquidação de sentença não é suposto que subjacente a tal condenação conste já apurada toda a factualidade relevante que irá servir para apreciar a concreta medida da liquidação, pois a ser assim não se vislumbrariam razões para a condenação ser genérica,
3.O que é fundamental ficar determinado na acção declarativa e que na liquidação não poderá ser alterado é a existência do direito, ou direitos, reconhecidos na primeira e que determinaram tal condenação genérica, ficando, porém, por resolver a liquidação do mesmo(s).
(Sumário elaborado pelo relator)
Decisão Texto Integral:
Proc. nº 6566/20.1T8STB.E1
Tribunal Judicial da Comarca Local 1 - Juízo Central Cível Local 1 – Juiz ...
Apelante: EMP01... Lda
Apelados: AA
BB.


Acordam os Juízes na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora no seguinte:
I – Relatório
EMP01... Lda., instaurou a presente acção declarativa de condenação, com processo comum contra AA e BB, alegando, em síntese, ser proprietária de um prédio urbano, estando o 1º R. sócio da A. e a 2ª R., cônjuge do mesmo, a ocupar o referido imóvel desde meados de 2017, terminando a pedir que:
- Os Réus sejam condenados a reconhecer e respeitar o seu direito de propriedade sobre o prédio urbano sito na Rua 1 n.º A..., Código Postal 1, Local 2, inscrito na matriz predial da união das freguesias ... (Freguesia 1 e Freguesia 2) sob o artigo n.º 9868 e descrito na Conservatória do Registo Predial Local 1, sob o n.º ...95 da referida freguesia,;
- seja declarada como única dona e exclusiva proprietária do identificado prédio;
- Os Réus sejam condenados a entregar devoluto de pessoas e de bens o imóvel descrito no artigo 2º da Petição Inicial;
- Os Réus sejam condenados a pagar a título de indemnização já líquida a quantia de €49.200,00 (quarenta e nove mil e duzentos euros) calculada até à data da entrada da presente ação, a que acresce as quantias mensais de 1.200,00€ até à entrega do imóvel, acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos;
- Os Réus sejam condenados no pagamento de sanção pecuniária compulsória não inferior a 100€ diários a contar da notificação da sentença proferida nestes autos e até à entrega do imóvel objeto da presente ação livre de pessoas e bens;
- Os Réus sejam condenados numa indemnização, a liquidar em execução de sentença, correspondente ao valor necessário para que o imóvel fique no estado que estava antes da ocupação, isto é, novo e a estrear;
- Os Réus sejam, ainda, condenados a proceder à substituição dos equipamentos do imóvel, incluindo o motor da piscina, por novos equipamentos da mesma gama.
Devidamente citados os Réus apresentaram contestação onde pugnaram pela improcedência da acção, alegando, em suma, que nunca foi colocada em questão a propriedade pela Autora do imóvel que ocupam legitimamente, com base em acordo estabelecido entre os sócios da A. , ou seja o Réu, o seu pai (entretanto falecido) e o seu irmão (presentemente gerente da A.), tendo ficado acordado após a construção das duas moradias que se o Réu e o seu irmão quisessem poderiam morar em cada um dos imóveis construídos, tendo sido arrendada pela Autora a moradia que o seu actual gerente não quis habitar e tendo a moradia objecto destes autos sido colocada à venda, não tendo sido vendida durante vários anos e passando a ser utilizada pelo Réu a partir do ano de 2017, na sequência da frustração de um negócio de venda da moradia, por falta de vontade de CC para o efeito, tendo o Réu passado a habitar a moradia com a sua família, tal como tinha sido combinado com os outros dois sócios da A., seu pai e irmão, respectivamente, nunca tendo existido intenção de arrendar este imóvel.
Acrescentaram, ainda, os Réus que quanto ao estado do imóvel nada está danificado, nada há a reparar pelo que o peticionado a esse titulo não tem qualquer fundamento.
Mais requereram os Réus a sustação da presente acção até resolução da acção de anulação de deliberações sociais instaurada por si contra a sociedade aqui Autora.
Concluiram pela improcedência da acção.
A Autora pronunciou-se no sentido da improcedência das excepções invocadas pelos Réus, invocando não ter existido qualquer acordo entre os então seus três sócios autorizando o Reu marido a habitar o imóvel em causa, acrescentando ainda existir já autoridade de caso julgado quanto à inexistência de qualquer autorização por parte da Autora e dos gerentes desta para que o Réu utilize o imóvel, conforme sentença proferida na acção de anulação de deliberações sociais que correu termos no âmbito do processo n.º 3264/20.0T8VFX em que os Réus haviam peticionado a anulação das deliberações tomadas na Assembleia Geral de 30 de Outubro de 2020.
Houve lugar a audiência prévia, procedeu-se à elaboração de despacho saneador, onde foi apreciada a excepção de caso julgado concluindo-se estar-se perante situação em que a questão invocada pelos Réus se mostra já abrangida pela autoridade do caso julgado, não havendo lugar a nova discussão entre as mesmas partes da existência, ou não, do referido acordo que legitimaria a ocupação da moradia pelos ora Réus, dado entre os mesmos ter sido invocada tal questão e decidido, por sentença transitada em julgado, não ter existido decisão dos sócios ou da gerência que permitisse a ocupação da moradia pelos ora Réus não havendo, assim, lugar a produção de prova quanto a essa matéria, mas tão só quanto ao valor de renda do imóvel e à necessidade de intervenção no imóvel por forma a repor o mesmo no estado que se encontrava antes da ocupação pelos Réus.
Foi proferido despacho, que identificou o objecto do litigio, enunciou os temas de prova e pronunciou-se sobre os meios de prova requeridos nos autos.
Agendou-se e realizou-se audiência final, a que se seguiu o proferimento de sentença, que contem o seguinte dispositivo:
Por todo o exposto, julga-se parcialmente procedente o peticionado pela A e consequentemente
a)-reconhece-se à A. o direito de propriedade sobre o prédio urbano, sito na Rua 1 n.º A..., Código Postal 1, Local 2, inscrito na matriz predial da união das freguesias ... (Freguesia 1 e Freguesia 2) sob o artigo n.º 9868 e descrito na Conservatória do Registo Predial Local 1, sob o n.º ...95 da referida freguesia;
b)-condena-se os RR. a restituir à Autora a posse do imóvel descrito em a), procedendo à sua desocupação imediata, integralmente livre de pessoas e de bens;
c)-condena-se os RR. no pagamento de indemnização a liquidar em execução de sentença correspondente ao valor necessário para que o imóvel fique no estado que estava antes da ocupação pelos RR e com a reposição pelos RR. dos equipamentos do imóvel por novos equipamentos da mesma gama;
d)- condena-se os RR. no pagamento à A., a titulo de sanção pecuniária compulsória, do valor de €100,00 diários, desde o trânsito da presente decisão até à entrega efectiva do imóvel à Autora;
e)- absolve-se os RR. do demais peticionado;
Custa a cargo da A. e dos RR. na medida do decaimento.”
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Irresignada com a sentença a Autora apresentou requerimento de recurso onde formulou extensas conclusões recursivas tendo, por isso, sido convidada, por despacho do relator proferido neste Tribunal da Relação, a aperfeiçoar tal segmento do recurso, a que anuiu, apresentando conclusões recursivas mais reduzidas do teor que se passa a transcrever:
“A) O Tribunal a quo errou ao não ter decidido pela atribuição de indemnização à Recorrente por força da privação dos seus direitos em virtude da ocupação ilícita dos Recorridos e ao ter feito depender a indemnização do facto de saber se o proprietário pretendia ou não colocar o imóvel em arrendamento;

B) O Tribunal a quo cometeu grave contradição e erro de julgamento ao ter admitido que a Recorrente sofreu danos pela ocupação ilícita e ao não extraído a necessária consequência, que é a atribuição de indemnização para reparação desse dano;

C) O Tribunal a quo desrespeitou os regimes do direito de propriedade, da responsabilidade civil extracontratual e da indemnização, ínsitos nas normas previstas nos artigos 1305.º, 483.º e 562.º, todas do CC, ao não extrair a necessária consequência das mesmas e que é a obrigação de condenação de quem viola o direito de propriedade alheia e inibe os legítimos proprietários do exercício das faculdades de uso, fruição e disposição inerentes ao mesmo, na reparação dessa mesma violação;
D) Além da posição do tribunal a quo não ter respaldo na lei, não tem também apoio na jurisprudência, bastando atentar os recentíssimos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de Janeiro de 20221, ou de Outubro de 20192, ou então o de Fevereiro de 2021 da Relação de Lisboa3, para se concluir que, se há ocupação ilícita então há obrigação de indemnização dos danos sofridos com essa ocupação ilícita.
Mas mesmo que assim não fosse
E) A teoria defendida pelo tribunal a quo – de que o proprietário só tem direito a ser indemnizado pela privação do uso em virtude de ocupação ilícita de terceiros, se provar que queria arrendar o imóvel – demonstra erro de julgamento, tanto a distorcer a realidade factual (error facti) como na aplicação do direito (error júris).

F) A posição do tribunal a quo, por ser antijurídica leva a consequência absurdas, como permitir a todos os violadores de propriedade alheia um escape à obrigação de indemnizar os proprietários, bastando que os violadores se acautelem sobre se as casas ocupadas estão para arrendamento ou não: se está para venda, então há permissão dos tribunais para se ocupar; se não está para venda, então continua a haver permissão dos tribunais para se ocupar, pois que basta aos violadores alegarem que a casa não estava para arrendamento, já que de acordo com a posição do tribunal o ónus de alegar e demonstrar que a casa era para arrendamento é do proprietário…
G) A posição do tribunal é também antifactual, porque choca contra a normalidade das coisas ao assumir (mal) que as vontades dos proprietários são unas e imutáveis, como se os proprietários estivessem obrigados a manter a mesma pretensão sobre o destino das suas coisas, daí que leve às consequências absurdas atrás descritas e ainda a outras, como impedir que os proprietários mudem a sua intenção sobre a sua propriedade: se calhar não pretendiam arrendar em Janeiro de 2019, mas talvez em Julho do mesmo ano já quisessem – quer então dizer que os proprietários não tinham direito a ser indemnizados pela ocupação ilícita em Janeiro, mas em Julho já tinham? – de acordo com a posição do tribunal a quo parece que sim. (!);

H) A posição do tribunal a quo, além de ser antijurídica e antifactual é também injusta, imoral e inconstitucional, porque o que faz é impedir que os proprietários possam dar o destino que bem entenderem às suas coisas e possam confiar que os violadores das suas propriedades vão ser condenadas pela violação, ao mesmo tempo que retira qualquer sanção ou consequência ao ato ilegal de violação da propriedade privada;

I) A posição do tribunal a quo é também ilógica e contraditória nos próprios termos, ao dar todo o relevo ao destino que o proprietário pretendia dar ao imóvel ilicitamente ocupado para poder decidir se atribui indemnização pela ocupação ilícita ou não e depois, ao nem sequer ter em consideração que o proprietário deixa de ter a faculdade de decidir sobre o destino do imóvel por força da mesma ocupação ilícita;
Além disso
J) O tribunal a quo cometeu grave erro de julgamento ao ter apresentado uma falsa dicotomia: ou se atribui a indemnização pela desvalorização do imóvel de “novo” para “usado”, ou se atribui a indemnização pela ocupação ilícita;

K) O tribunal a quo deveria ter tratado os dois danos e as consequentes obrigações de reparação dos danos de forma autónoma: o dano de desvalorização advém do uso não consentido de algo novo, e; o dano pela privação do uso decorre da ocupação não consentida;
L) Pelo que, tendo ficado provado que os Recorridos ocuparam e usaram ilicitamente o imóvel da Recorrente, a decisão que deveria ter sido tomada seria a atribuição das indemnizações peticionadas, lá está, pela ocupação e uso ilícitos.

M) Devendo ser revogada a decisão nesta parte e substituída por outra que condene os Recorridos a pagarem indemnização pela ocupação ilícita do imóvel, pelo seu valor locativo, que se provou ser de € 1.200,00 mensais, ou, se o tribunal tivesse dúvidas sobre o mesmo, que lançasse mão da equidade.
Nestes termos e nos melhores de direito, e com o douto suprimento de V. Exas., deve ser dado provimento ao recurso da Recorrente e
Assim se fará a Costumada Justiça!”
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Não foi apresentada resposta ao mencionado recurso.
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Recorreram, ainda, da mencionada sentença os Réus AA e BB, os quais também formularam extensas conclusões recursivas tendo, por isso, sido igualmente convidados no supra aludido despacho do relator proferido neste Tribunal da Relação a aperfeiçoar tal segmento do recurso, a que anuiram, apresentando conclusões recursivas mais reduzidas do teor que se passa a transcrever:
“CONCLUSÕES
A) Não podem os Recorrentes conformar-se com a Sentença, que os condena no pagamento de indemnização a liquidar em execução de Sentença correspondente ao valor necessário para que o imóvel fique no estado que estava antes da ocupação pelos RR e com a reposição pelos RR. dos equipamentos do imóvel por novos equipamentos da mesma gama.
B) Foi provado que o imóvel objecto dos autos foi construído pela Recorrida no ano de 2007, tendo sido igualmente provado que os Recorrentes ocuparam o imóvel no mês de Agosto de 2017, ou seja, 10 (dez) anos após a construção do mesmo.
C) Não foi provado - uma vez que a sociedade Recorrida nem sequer se preocupou com o tema e, consequentemente, nunca o alegou nos autos – se durante os 10 (dez) anos que decorreram entre a sua construção e a sua ocupação pelos Recorrentes, a sociedade Recorrida cuidou da manutenção do imóvel e dos equipamentos existentes no mesmo, pelo que é legítimo concluir que durante 10 (dez) anos a Recorrida deixou o imóvel abandonado. Não o manteve, não o vendeu, não o arrendou, nem ninguém o utilizou.
D) Aceita-se que a Sentença refira que era um imóvel a estrear, uma vez que desde a sua construção em 2007 até 2017 ninguém o utilizou. Já não se aceita tratar-se de um imóvel novo uma vez que o mesmo, ao longo de dez anos se foi desgastando com o decurso do tempo, com as consequências dos fenómenos climatéricos e pela sua não manutenção/conservação.
E) No padrão do homem médio, um imóvel, 10 (dez) anos depois da sua construção, não pode estar nas mesmas condições em que estava aquando da conclusão da sua construção.
F) Os Recorrentes foram condenados a pagar uma indemnização correspondente ao valor necessário para que o imóvel fique no estado que estava antes da ocupação pelos RR (negrito nosso). Não foram condenados a pagar uma indemnização que permita que o imóvel fique no estado em que se encontrava aquando da conclusão da sua construção em 2007
G) Para se colocar uma coisa no estado em que ela estava num determinado momento, é obrigatório saber o exacto estado em que a coisa estava nesse mesmo momento, sob pena de, não se sabendo tal estado, não se conseguir cumprir com rigor a colocação da coisa no estado em que a mesma efectivamente estava no momento que foi tido como referência.
H) Para a Recorrida e para o seu representante legal - também ele sócio e gerente da sociedade e, consequentemente, com livre e total acesso ao imóvel - teria sido bastante simples saber e registar qual o estado em que se encontrava o imóvel e os equipamentos existentes no mesmo naquela data. Não o fez porque não quis.
I) A sociedade Recorrida não fez prova de tal estado na data em que os Recorrentes passaram a habitar o mesmo, data essa que, de acordo com a Sentença, é uma data fulcral para que a indemnização a que os Recorrentes foram condenados possa ser calculada.
J) Não tendo a sociedade Recorrida logrado provar o estado em que se encontrava o imóvel e os equipamentos no mês de Agosto de 2017, os Recorrentes não podem ser condenados a pagar uma indemnização para que o imóvel fique no estado que estava antes da ocupação pelos RR.
K) No mês de Agosto de 2017 havia infiltrações ou humidades no imóvel? As caixilharias e os alumínios do imóvel apresentavam sinais de ferrugem? Havia portas empenadas?
Os aparelhos, equipamentos e electrodomésticos estavam todos a funcionar em Agosto de 2017?
L) A Recorrida não sabe! E como a Recorrida não sabe absolutamente nada sobre o estado em que estava o imóvel e os equipamentos nele existentes antes da sua ocupação pelos Recorrentes, também o Tribunal não teve oportunidade de saber, pelo que falta um elemento essencial para que, em execução de Sentença, possa ser calculada, nos termos definidos na Sentença, a indemnização a pagar pelos Recorrentes à sociedade Recorrida.
M) E faltando esse elemento essencial que, como se viu, a própria Sentença considera determinante e serviu de premissa e de “ponto de partida” para que se faça o cálculo do valor da indemnização, não existe possibilidade de o calcular. Tal cálulo só seria possível com recurso a uma absoluta discricionariedade e subjectividade, as quais são inadmissíveis em sede indemnizatória, estando em causa, como é o caso, coisas móveis, tangíveis e perecíveis.
N) Em suma, só sabendo o estado em que estava o imóvel e os equipamentos nele existentes, imediatamente antes da sua ocupação pelos Recorrentes, seria possível fazer repercutir no cálculo da indemnização a sua depreciação enquanto coisa móvel, tangível e perecível.
O) Por tudo o que explanou, não tendo sido provado o estado em que se se encontrava o pelos Recorrentes não podem estes ser condenados a indemnizar a Recorrida nos termos definidos na Sentença.
Em face de tudo o que supra se expôs, deverá ser dado provimento ao presente recurso, e revogada a Sentença recorrida na parte em que decidiu condenar os Recorrentes no pagamento de indemnização a liquidar em execução de Sentença correspondente ao valor necessário para que o imóvel fique no estado que estava antes da ocupação pelos RR e com a reposição pelos RR. dos equipamentos do imóvel por novos equipamentos da mesma gama.
Só assim se decidindo será cumprido o Direito e feita a COSTUMADA JUSTIÇA.”
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A Autora não respondeu ao recurso em apreço.
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Foi proferido despacho no Tribunal recorrido que admitiu ambos os recursos interpostos como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo, nada havendo a corrigir a propósito de tal admissão.
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Correram Vistos pelo que cumpre, agora, decidir.
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II - Objecto do Recurso
Nos termos do disposto no artigo 635º, nº 4, conjugado com o artigo 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil (doravante apenas CPC), o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recurso, salvo no que respeita à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas ao caso concreto e quando se trate de matérias de conhecimento oficioso que, no âmbito de recurso interposto pela parte vencida, possam ser decididas com base em elementos constantes do processo, pelo que as questões a apreciar e decidir traduzem-se objectivamente no seguinte:
A - Recurso independente da Apelante EMP01..., Lda:
Reapreciação de mérito, incidente sobre a atribuição de indemnização para reparação de danos por privação de uso.
B - Recurso independente dos Apelantes AA e BB:
Reapreciação de mérito, incidente sobre o pagamento de indemnização pelos Réus à Autora a liquidar em execução de sentença.
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III - Fundamentação de Facto
Consta da sentença recorrida o seguinte relativamente à matéria de facto:
“III- Factualidade provada:
1- A A. adquiriu em 16.07.2007 o prédio urbano, sito na Rua 1 n.º A..., Código Postal 1 Local 2, inscrito na matriz predial da união das freguesias ... (Freguesia 1 e Freguesia 2) sob o artigo n.º 9868 e descrito na Conservatória do Registo Predial Local 1, sob o n.º ...95 da referida freguesia, construindo no terreno edifício de rés do chão e primeiro andar para habitação, anexo de garagem , piscina e logradouro, tipologia T4, com a área total do terreno de 479,5000 m2, área de implantação de edifício de 137,6900 m2 e área bruta de construção de 249,1700 m2;
2- O 1º R. é sócio da A.;

3- Até ao dia 30 de Outubro de 2020 era igualmente um dos dois gerentes da sociedade;

4- A 2ª R. é casada com o 1º R.;

5- A sociedade A. tinha inicialmente 3 sócios, todos com idênticas participações sociais;

6- CC, irmão do 1º R., também é um dos sócios da A.;

7- DD, pai dos dois sócios já referidos, também era sócio;

8- DD faleceu em ../../2015;

9- A sociedade A. dedica-se à atividade de construção civil e venda ou arrendamento do edificado;

10- O imóvel identificado em 1) foi construído pela A., no âmbito da sua atividade comercial, tendo sido atribuído o alvará de autorização de utilização em 18/12/2009;

11- A A. construiu igualmente e em local contíguo, outro imóvel, sito na Rua 1 n.º B..., Código Postal 1 Local 2, inscrito na matriz predial da união das freguesias ... (Freguesia 1 e Freguesia 2) sob o artigo n.º 9869 e descrito na Conservatória do Registo Predial Local 1, sob o n.º ...96 da referida freguesia, edifício de rés do chão e primeiro andar para habitação, anexo de garagem , piscina e logradouro, tipologia T4 com a área total do terreno de 475,8000 m2, área de implantação de edifício de 136,8200 m2 e área bruta de construção de 249,1700 m2;

12- A A. arrendou, em 16 de Abril de 2016, o imóvel identificado em 11);

13- Recebendo a renda de 1.200,00€ (mil e duzentos euros) mensais;

14- E colocou em venda o imóvel descrito em 1);

15- O imóvel descrito em 1) é ocupado desde Agosto de 2017, até ao presente pelos RR. e sua família;

16- No âmbito da acção de anulação de deliberações sociais intentada pelos ora RR contra a ora A. e que correu termos no Juízo de Comércio Local 3, J... da Comarca Local 4, sob o n.º de processo 3264/20.0T8VFX foi proferida sentença transitada em julgado, de onde consta:
17- «7. Na data da constituição da sociedade, foram designados gerentes os três sócios, pai e dois filhos;

18- 8. Registou-se a cessação da gerência do pai com o óbito;

19- 9. A sociedade é titular do rendimento tributável de três bens imóveis, duas moradias e um terreno;

20- 10. O A. e cônjuge ocupam uma das moradias;

21- 11. Inexiste decisão da gerência ou dos sócios nesse sentido.

22- 12. No dia 30 de Outubro de 2020, na sequência da convocatória remetida pelo sócio CC – documento 2 junto com a petição inicial -, ocorreu uma Assembleia Geral Extraordinária da sociedade R..

23- 13. A Assembleia Geral Extraordinária teve lugar nas instalações de sociedade de advogados que representa o sócio CC – documento 3 junto com a petição inicial.

24- 14. Foi deliberado: a) destituir o sócio AA do cargo de gerente da sociedade, “com efeitos imediatos e por justa causa”, “por violação grave dos seus deveres de gerente. Com efeito, o aludido Senhor AA, sem autorização ou qualquer título, ocupou e ocupa gratuita e abusivamente um imóvel propriedade da sociedade (…) inscrito na matriz sob o número ...68 (…). Tal ocupação impede o arrendamento a terceiro ou a venda, o que tem ocasionado avultados prejuízos à sociedade pois este imóvel, um outro idêntico e ainda um lote de terreno para construção são os únicos bens desta sociedade, a qual neste momento e em face da atuação do gerente ora destituído, gera prejuízos anuais.(…)” ;

25- b) eleger como nova gerente da sociedade a Sra. D. EE;

26- c) excluir judicialmente de sócio AA, “em virtude do seu comportamento de gratuita e não consentida, recusando-se a entregar devoluto de pessoas e bens tal imóvel apesar de bem saber que a sociedade tem prejuízos com a sua atividade, só passíveis de serem invertidos se a sociedade conseguisse arrendar este imóvel ocupado ou, no limite, vender o mesmo”;
27- d) instaurar acção contra o sócio AA destinada a ressarcir os danos por este provocados e a restituição da posse do património da sociedade. ocupação e utilização de um imóvel propriedade da sociedade, (…)»;

28- Foi proferida decisão final na acção de anulação de deliberações sociais julgando a acção totalmente improcedente

29- Foi deduzido recurso sendo proferido Acórdão que revogou parcialmente a sentença recorrida e em consequência declarou «nula a deliberação aprovada em Assembleia Geral da R. realizada em 30 de Outubro de 2020 que excluiu o apelante de sócio;»;

30- Os RR., em 29/05/2017, contrataram com a empresa “EMP02...” o fornecimento de água para o imóvel descrito em 1), conforme Contrato de Abastecimento de Água e Drenagem de Águas Residuais assinado pelo 1.º R;

31- Quando CC, gerente da A. descobriu que os RR. tinham celebrado um contrato de fornecimento de água sem autorização da A., solicitou junto das “EMP02...” que cancelasse esse contrato, invocando que a A. só se obriga com a assinatura de dois gerentes e, neste caso, o Sr. CC não havia assinado qualquer tipo de contrato de fornecimento de água;

32- A “EMP02...”, em 6 de Março de 2019 atendeu ao pedido e cancelou o contrato de fornecimento de água;

33- Os RR. conseguiram celebrar novamente um contrato de fornecimento de água com a “EMP02...”, porém agora em nome da 2.ª R.;

34- O imóvel descrito em 1) é uma vivenda com 2 pisos, é de tipologia t4, tem três casas de banho, uma cozinha, jardim, uma piscina e respectivo motor e acessórios, garagem, lareira e painéis solares;

35- A vivenda era nova, a estrear e equipada com material novo antes de os RR. a habitarem.
36- As casas de banho estavam equipadas com sanitas, bidés, banheiras, lavatórios, duches/chuveiros, coluna de hidromassagem, móveis e espelhos, com todos os acabamentos finais realizados;

37- A cozinha estava equipada com exaustor, lava louça, móveis, balde de lixo ecológico, separador de talheres e sistema de aspiração central;

38- Os quartos estavam equipados com roupeiros;

39- A piscina construída era assegurada pela casa das máquinas onde se encontrava o respectivo motor e era completada por um duche exterior;

40- O imóvel tinha sido logo equipada com portas de segurança, portas interiores, portas de vidro, portão a motor, sistema de aquecimento solar, aparelhos de ar condicionado, estores com rolos elétricos e lareira de dupla face;

41- O imóvel descrito em 1) teve proposta de compra em junho de 2016 que não se concretizou por falta de acordo do socio gerente da sociedade A. CC;

42- Até 30 de Outubro de 2020 a A. vinculava-se com a assinatura de dois gerentes sendo uma delas a do R. AA;
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Factos não provados:
Com relevância para a resolução da causa, considerando os factos concretos alegados pelas partes e excluindo a matéria alegada de forma conclusiva, conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos, nada mais resultou provado, nomeadamente não resultou provado que:
- A A. teve de se abster de promover a venda ou mesmo arrendamento do imóvel descrito em 1) pela ocupação dos RR;
- Desde a construção dos imóveis descritos em 1) e 11) ficou acordado entre o R., o seu pai e o seu irmão CC que se o R. e o seu irmão quisessem tais imoveis seriam para cada um deles morar;
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IV- Fundamentação de Direito
Em sede de fundamentação jurídica impõe-se, desde já, salientar que nenhum dos dois recursos independentes interpostos da sentença recorrida por cada uma das Partes sindicou a decisão relativa à matéria de facto provada e não provada nela elencada, a qual, por isso, se mostra consolidada para efeitos do juízo jurídico que se imponha realizar infra no âmbito deste acórdão.
Deixada esta nota, prossigamos então.
A- Recurso independente da Apelante EMP01..., Lda
- Reapreciação de mérito, incidente sobre atribuição de indemnização para reparação de dano pela privação do uso.
Sustenta a Autora/Apelante que o Tribunal a quo deveria ter atribuído indemnização pela desvalorização adveniente “do uso não consentido de algo novo” e pelo dano resultante da “privação do uso decorrente da ocupação não consentida”, ou seja ter atribuído igualmente indemnização pela “ocupação e uso ilícitos”, entendendo, ademais, que tal indemnização pela ocupação ilícita do imóvel deveria ser computada a partir do seu “valor locativo, que se provou ser de € 1.200,00 mensais”, ou, havendo dúvidas sobre o dito valor, através do mecanismo da equidade.
Simplificando, a Autora/Apelante pretende que acresça à indemnização fixada na sentença recorrida uma outra fundada na pura e simples privação do uso do imóvel levando em consideração no seu cômputo o critério do valor locativo de um outro imóvel de sua pertença contíguo ao que foi ocupado pelos Réus/Apelados.
Pensamos que no caso concreto e atendendo à matéria de facto considerada como provada não assistirá razão à Autora-Apelante.
O dano consistente na privação do uso integra essencialmente, como dano autónomo, específico, o elenco dos danos patrimoniais (segundo alguma doutrina na variante dos chamados “lucros cessantes”) e a sua produção emerge, ou é relativa, à impossibilidade gerada por outrem de forma ilícita, ou ilegítima, de uso, fruição e disposição de coisa própria.
Porém, para elucidação do cenário em que deve considerar-se ser de ressarcir o dano autónomo de privação de uso de coisa própria três teses têm sido aventadas e defendidas na doutrina e na jurisprudência nacionais.
Das mesmas dá correctamente conta na sentença recorrida o Tribunal a quo optando por uma tese que poderemos, face às outras duas, considerar como mista e que nos tempos mais recentes tem vindo a receber maior apoio jurisprudencial nos nossos Tribunais Superiores.
Relembremos o que se escreveu na sentença recorrida a este propósito:
[…]Por sua vez, para os defensores de uma terceira tese, sufragada entre outros, nos Acórdãos do STJ de 02.06.2009 (processo nº 1583/1999.S1), de 12.01.2012 (processo nº 1875/06.5TBVNO.C1.S1), de 03.10.2013 (processo nº 1261/07.0TBOLHE.E1.S1) e de 14.07.2016 (processo nº 3102/12.7TBVCT.G1.S1),apesar de não chegar a prova da privação da coisa, pura e simples, também não é de exigir a prova efetiva do dano concreto, bastando, antes, que o lesado demonstre que pretende usar a coisa, ou seja, que dela pretende retirar as utilidades (ou alguma delas) que a coisa normalmente lhe proporcionaria se não estivesse dela privado pela atuação ilícita do lesante.
Em sentido próximo, escreve Paulo Mota Pinto que a indemnização do dano da privação do uso pressupõe a demonstração da possibilidade de certa utilização concreta ou da afetação da possibilidade dessa utilização, como integradora das faculdades do proprietário. Assim, sendo a coisa em questão um prédio urbano, decidiu-se no Acórdão do STJ, de 26.05.2009 (processo nº 09A0531), que «será suficiente demonstrar que se destinava a ser colocado no mercado de arrendamento ou que o seu destino era a habitação própria, se pudesse dispor dele em condições de normalidade. Mas será dispensável a prova efectiva que estava já negociado um concreto contrato de arrendamento e a respetiva renda acordada ou os prejuízos efectivos decorrentes de o não poder, desde logo, habitar».»(cfr. Ac. STJ 28.01.2021, in www.dgsi.pt).[...]
Acompanhamos a opção por esta terceira tese defendida na sentença recorrida, pelo que nesse conspecto e em face de não ter resultado provado que o imóvel ocupado fosse destinado a habitação própria, ou ao arrendamento conforme sustentado pela Autora-Apelante, somos levados a concluir nos termos em que o Tribunal a quo o fez na sentença recorrida e que passamos a relembrar.
“[…] Não é devida à A. pelos prejuízos decorrentes da privação do direito de propriedade sobre a fracção o montante peticionado de €49.200,00 na medida em que invoca a A. que pela ocupação da casa pelos RR deixou de arrendar a mesma, tendo resultado provado que a fracção estava destinada pela A. à venda não resultando da factualidade provada que alguma vez, desde a sua construção, tenha a A. pretendido arrendar esta moradia ao contrário da moradia contígua que, após construção, os sócios da A (pai e dois irmão) decidiram arrendar, ao passo que o imóvel em causa nos autos construído desde 2009 foi destinado pela A à venda, assim sendo não pode vir a A peticionar o pagamento de €49.200,00 referente ao montante mensal de arrendamento de imóvel, que nunca foi destinado a arrendamento mas a venda. “
Note-se que ter resultado provado que o imóvel ocupado pelos Réus/Apelados foi colocado em venda não deve ser dissociado do facto, também assente, de a respectiva venda não se ter concretizado ainda antes da ocupação por aqueles, designadamente em Junho de 2016 aquando da apresentação de uma proposta de compra do imóvel, devido a oposição do sócio-gerente da Autora/Apelante CC (cfr. nºs 14- e 41- dos factos considerados como provados na sentença recorrida).
Isto significa que no caso concreto o que pode e deve ser ressarcido é o dano que resultou dos Réus/Apelados, sem consentimento para tal, terem passado a ocupar, usar e fruir de um imóvel pertença da Autora-Apelante que à data da ocupação se encontrava por estrear, como tal em estado de novo e que se provou estar colocado para venda, havendo, assim, que computar a desvalorização que terá advindo para a proprietária do imóvel do uso, fruição e consequente desgaste causado(a), pela ocupação daquele por parte dos Réus/Apelados.
Sem embargo, sempre se acrescentará que mesmo que se optasse por tese que viabilizasse o ressarcimento do dano autónomo, por pura e simples privação de uso do imóvel ocupado, sempre seria no caso concreto, em face dos factos considerados como provados na sentença recorrida, de afastar o critério do valor locativo mensal de um outro imóvel pertença da Autora-Apelante, contíguo e com características muito semelhantes mormente ao nível de áreas, ao do imóvel ocupado pelos Réus-Apelados, uma vez que, recorde-se, resultou provado na sentença recorrida que o imóvel ilicitamente ocupado e fruído pelos Réus/Apelados foi colocado à venda (e não para arrendar), tendo até existido uma proposta de compra apresentada antes da ocupação concretizada por aqueles, que, no entanto, se gorou por falta de acordo do sócio-gerente da Autora/Apelante CC (cfr. os pontos nºs 1-, 11- a 14- e 41- dos factos considerados como provados).
Quanto ao recurso à fonte da equidade importa dizer que não tendo a mesma razão de ser no caso em apreço perante o que já dissemos supra e ficou expresso na sentença recorrida, certo é que poderá vir a constituir a solução em sede de futuro incidente de liquidação da condenação genérica determinada na sentença recorrida designadamente se vierem a verificar-se os requisitos previstos no n.º 3 do artigo 566.º do Código Civil.
A este propósito importa destacar o que referem António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe de Sousa em comentário ao artigo 360.º do CPC (“Código de Processo Civil Anotado, Vol I”, 2020, 2.ª edição atualizada, Almedina, pág. 437), designadamente o seguinte:
“Se, mesmo após a iniciativa oficiosa, a prova produzida for insuficiente para fixar a quantia devida, compete ao juíz proceder à respetiva fixação, recorrendo, como última ratio, à equidade ( art, 566.º, n.º 3, do CC; STJ 29-6-207, 4081/14, STJ 29-5-2014, 130/09; RP 28-3-12, 55/2000 e RL 1-10-14, 2656/04).”
Isto dito naufraga a pretensão da Autora/Apelante EMP01..., Lda, no sentido de ser indemnizada em € 49.200,00 por dano autónomo decorrente de privação de uso, improcedendo, assim, o recurso independente interposto pela mesma.
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B- Recurso independente dos Apelantes AA e BB:
- Reapreciação de mérito, incidente sobre o pagamento de indemnização pelos Réus à Autora a liquidar em execução de sentença.
Insurgem-se os Réus-Apelantes contra a condenação que sobre eles recaiu constante da alínea c) do dispositivo da sentença recorrida que inclui o seguinte:
“c)-condena-se os RR. no pagamento de indemnização a liquidar em execução de sentença correspondente ao valor necessário para que o imóvel fique no estado que estava antes da ocupação pelos RR e com a reposição pelos RR. dos equipamentos do imóvel por novos equipamentos da mesma gama;”
Advogam os mesmos que a sentença recorrida deve ser revogada no que respeita a essa alínea do dispositivo por entenderem que não tendo resultado provado o estado em que se encontrava o imóvel e os equipamentos nele existentes imediatamente antes da ocupação que fizeram daquele não podem ser condenados a indemnizar a Autora-Apelada nos termos retratados na sentença.
Contudo, não lhes assiste razão, conforme veremos de seguida.
Resulta do n.º 2 do artigo 609.º, do CPC, que:
“2. Se não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida.”
Tal condenação “no que vier a ser liquidado” consubstancia uma condenação genérica que, no caso concreto, aponta para a definição de uma quantia pecuniária determinada “correspondente ao valor necessário” para que o imóvel fique no estado em que se encontrava antes da ocupação efectuada pelos Réus-Apelantes, ou seja antes de Agosto de 2017 e na reposição dos equipamentos do imóvel por novos equipamentos da mesma gama, equipamentos esses que se encontram discriminados mormente sob os pontos 36 a 40 da factualidade considerada como assente na sentença recorrida.
Esta condenação genérica respeita no caso em apreço às consequências de um facto ilícito cometido pelos Réus-Apelantes, qual seja a ocupação e uso não consentido por vários anos do imóvel em causa.
Dispõe o artigo 358.º, n.º 2, do CPC, que:
“O incidente de liquidação pode ser deduzido depois de proferida sentença de condenação genérica, nos termos do n.º 2 do artigo 609.º e, caso seja admitido, a instância considera-se renovada.”
Já o artigo seguinte, ou seja o artigo 359.º do CPC, estatui que:
“1.A liquidação é deduzida mediante requerimento no qual o autor, conforme os casos, relaciona os objetos compreendidos na universalidade, com as indicações necessárias para se identificarem, ou específica os danos derivados do facto ilícito e conclui pedindo quantia certa.”
Por seu turno no artigo 360.º do mesmo diploma legal estatuiu-se que:
[…]
3. Quando o incidente seja deduzido depois de proferida a sentença e o réu conteste, ou, não contestando, a revelia deva considerar-se inoperante, seguem-se os termos subsequentes do processo comum declarativo.
4. Quando a prova produzida pelos litigantes for insuficiente para fixar a quantia devida, incumbe ao juiz completá-la mediante indagação oficiosa, ordenando, designadamente, a produção de prova pericial.”
Da conjugação entre si dos preceitos expressamente invocados resulta que na condenação genérica com vista a subsequente instauração do incidente com vista a liquidação de sentença não é suposto que subjacente a tal condenação conste já apurada toda a factualidade relevante que irá servir para apreciar a concreta medida da liquidação, pois a ser assim não se vislumbrariam razões para a condenação ser genérica.
Aliás, se assim não fosse, também mal se compreenderia que a tramitação do próprio incidente de liquidação pudesse seguir “os termos do processo comum declarativo” onde está prevista a indicação e produção de meios de prova, bem como actos oficiosamente determinados pelo julgador para fixar a quantia que seja devida no caso de ser insuficiente a prova produzida pelas Partes, de que se destaca, por obrigatória, a produção de prova pericial, podendo ainda o juiz, como último recurso, recorrer ao mecanismo da equidade para liquidar o direito respectivo já reconhecido, conforme já acima salientámos em sede de apreciação da pretensão recursiva da Autora/Apelante.
O que é fundamental ficar determinado na acção declarativa e que na liquidação não poderá ser alterado é a existência do direito, ou direitos, reconhecidos na primeira e que determinaram tal condenação genérica, ficando, porém, por resolver a liquidação do mesmo(s).
Ora a existência do direito da Autora/Apelada a indemnização a pagar pelos Réus/Apelantes foi, recorde-se, reconhecida na sentença recorrida e decorre de um acto de ocupação, uso e fruição indevido, por não justificado, nem consentido, como tal ilícito e censurável, de imóvel novo a estrear, colocado em venda, pertença da primeira praticado pelos segundos desde Agosto de 2017 até à data, que gerou danos à Autora-Apelada traduzidos essencialmente na desvalorização do dito imóvel.
A argumentação avançada pelos Réus/Apelantes revela-se assim insubsistente tanto mais que está provado na sentença recorrida que em Agosto de 2017, data do inicio da ocupação e uso do imóvel em apreço, a saber uma vivenda com jardim e piscina, por parte daqueles a mesma era nova, a estrear e equipada com material novo (cfr ponto 35 da factualidade considerada como provada), não constando como provado na sentença recorrida que a construção do imóvel em causa tivesse ficado concluída em 2007, apenas se podendo afirmar com segurança pela leitura do facto considerado como provado sob o ponto 10 que o mesmo passou a beneficiar de alvará de autorização de utilização em 18/12/2009.
Perante o exposto sabendo-se que imediatamente antes de Agosto de 2017 o estado do imóvel era novo e a estrear, como novos eram os vários equipamentos que o mesmo continha, sem que se tenha apurado em que data terá ficado concluída a construção do mesmo, mormente o ano de 2007 sustentado pelos Réus/Apelantes. será de concluir pela improcedência das conclusões recursivas e consequentemente do recurso interposto pelos Réus/Apelantes AA e BB.
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V- Decisão
Face a todo o exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso de apelação independente interposto pela Autora/Apelante EMP01..., Lda, bem como improcedente o recurso de apelação independente interposto pelos Réus/Apelantes AA e BB, decidindo-se o seguinte:
1-Confirmar a sentença recorrida;
2- Condenar a Apelante EMP01..., Lda, nas custas relativas ao recurso independente que interpôs e em que decaiu totalmente e os Apelantes AA e BB nas custas relativas ao recurso independente que interpuseram e no qual também decaíram na totalidade – artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC.
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Notifique.
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ÉVORA, 25 de OUTUBRO de 2024
(José António Moita-Relator)
(Ana Pessoa - 1.ª Adjunta)
(Francisco Xavier – 2.º Adjunto)