Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1048/07-3
Relator: ACÁCIO NEVES
Descritores: RECURSO PARA O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
TRÂNSITO EM JULGADO
Data do Acordão: 07/12/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO CÍVEL
Decisão: PROVIDO
Sumário:
I - Interposto recurso para o Tribunal Constitucional, a decisão recorrida transita em julgado quando transitar a decisão do Tribunal Constitucional que não admita ou negue provimento ao recurso;


II - Caso o Tribunal Constitucional se pronuncie pela inconstitucionalidade, não se poderá falar em trânsito, pois haverá que reapreciar a questão a esta nova realidade.
Decisão Texto Integral:
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PROCESSO Nº 1048/07 - 3
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ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA
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“A”, por apenso à acção de falência da Sociedade “B”, com o n° 106/96, do Tribunal Judicial de …, interpôs acção de reivindicação contra os Credores da Massa Falida da Sociedade “B” e “C”, enquanto liquidatário judicial da falida, pedindo que se julgue procedente o pedido reivindicativo dos bens móveis e equipamentos que em 22.04.98 constituíam o recheio do apartamento nº …, reconhecendo-se o respectivo direito de propriedade e ordenando-se a imediata restituição de todos os bens em crise à autora.
Citados os réus, sendo que apenas o 2° réu contestou, invocando a sua ilegitimidade, veio a ser proferido despacho saneador, nos termos do qual se absolveram os réus da instância, com base na existência de ilegitimidade passiva, por preterição do litisconsórcio necessário passivo (pelo facto de acção dever ter sido instaurada também contra a Massa Falida).
Desse despacho, interpôs a autora recurso de agravo para a Relação, onde foi negado provimento ao agravo, e, posteriormente, para o Supremo Tribunal de Justiça, onde, por acórdão de 05.03.2002, foi igualmente negado provimento ao recurso (decisão essa notifiada às partes por carta registada enviada aos seus mandatários em 08.03.2002).
Inconformada, interpôs a autora recurso para o Tribunal Constitucional, o qual foi admitido com efeito suspensivo.
Após ter sido proferida decisão sumária nos termos da qual se decidiu não tomar conhecimento do objecto do recurso de inconstitucionalidade, veio ainda a autora reclamar para a conferência, tendo, por acórdão de 09.10.2002, sido indeferida a reclamação.
Na sequência disso, veio a autora, em 23.10.2002, apresentar requerimento a requerer ao abrigo do disposto nos arts. 269° e 325° do CPC, a intervenção provocada da Massa Falida da “B”, representada pelo liquidatário Judicial, “D”.
Tal requerimento foi objecto de indeferimento, por despacho de 19.08.2005, com o fundamento de que o requerimento de intervenção principal veio a ser apresentado muito para além do prazo de 30 dias a que alude o art. 269° do CPC, por se considerar que, mau grado o recurso interposto para o Tribunal Constitucional, por não ser recurso ordinário, o acórdão do STJ ter entretanto transitado em julgado.
Inconformada, interpôs a autora o presente recurso de agravo, em cujas alegações, pedindo a admissão do requerimento de intervenção provocada, por oportuno e legal, apresentou as seguintes conclusões:
1 - Em 30.11.2000, foi proferida decisão pelo Tribunal "a quo" no sentido de absolver as rés da instância por alegada preterição de litisconsórcio necessário passivo.
2 - Dessa decisão foi interposto recurso de agravo para o Tribunal da Relação de Évora, o qual não mereceu provimento por acórdão notificado em 11.05.2001.
3 - Do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora foi interposto agravo de 2ª Instância para o STJ, o qual também não mereceu provimento, por acórdão notificado em 11.03.2002.
4 - Do acórdão proferido pelo STJ foi intentado recurso para o Tribunal Constitucional, o qual veio a não conhecer do objecto do mesmo, por acórdão notificado em 13.10.2002.
5 - Em 23.10.2002, a recorrente requereu a intervenção principal provocada da Massa Falida da “B”.
6 - Por despacho datado de 19.08.2005 - e notificado em 13.10.2006! - foi decidido pelo Tribunal "a quo" o indeferimento do requerido chamamento de intervenção provocada, formulada pela aqui recorrente em 23.10.2002, por intempestivo, no sentido de que tal intervenção deveria ter sido requerida no prazo de 30 dias após a decisão proferida pelo STJ.
7 - Porquanto, após tal decisão, deixou o processo de poder ser objecto de recurso ordinário (arts. 269°, 667°, 668°, 669° e 676°, todos do CPC).
8 - Discorda-se da decisão e respectivos fundamentos desde logo porque o recurso para o Tribunal Constitucional não é um recurso extraordinário tal qual os que vêm previstos no CPC - de Revisão e de Oposição de Terceiro: é, antes, um recurso especial, mecanismo previsto em Lei Especial e autonomizada da própria lei civil - Lei nº 28/82, não se encontrando, sequer, qualificado como tal pelo citado art. 676°, nº 2 do CPC, que claramente define, nos termos da Lei Geral, quais as especificas espécies de recursos gerais em Processo Civil.
9 - Afirmam os princípios de um Estado de Direito que havendo divergência entre a Lei Geral e a Lei Especial - como parece resultar entre o disposto no art. 676°, nº 2 do CPC, por confronto com o disposto no art. 70° da Lei 28/82 - caberá aplicação do disposto na Lei Especial, a qual se entende derrogar especificamente para o caso em apreço o que estaria disposto na Lei Geral - cfr. art, 7°, n° 3 do C. Civil.
10 - Dispõem os arts. 203° e 204° da CRP que os Tribunais são independentes e apenas estão sujeitos à lei, não lhes cabendo aplicar aos processos que lhes sejam submetidos a apreciação de normas que infrinjam o disposto na CRP, ou os princípios nela consignados.
11 - Ora, a Lei 28/82 dispõe, no seu art. 78° que "O recurso interposto de decisão proferida já em fase de recurso mantém os efeitos e o regime de subida do recurso anterior" - n° 3,
12 - O que, aliás, foi devidamente apreciado pelo STJ e devidamente notificado à ora recorrente, em cumprimento do disposto no art. 76°, 1, da Lei 28/82.
13 - Ou seja, admitido pelo STJ o recurso para o Tribunal Constitucional nos termos legais, deve considerar-se que a decisão proferida pelo STJ não transitou,
14 - Facto que, aliás, vem expressamente consagrado na Lei 28/82, nomeadamente no seu art. 80°, nº 4 - "Transitada em julgado a decisão que não admita o recurso ou lhe negue provimento, transita também a decisão recorrida. se estiverem esgotados os recursos ordinários, ou começam a correr os prazos para estes recursos, em caso contrário" - o sublinhado é nosso.
15º - Mais acrescendo que o STJ (no caso autor da decisão recorrida) deve aguardar pela prolação da pronúncia sobre o recurso merecida pelo Tribunal Constitucional, dado que, caso o recurso obtenha provimento, aí voltarão os autos a fim de que a decisão tomada seja reformada em conformidade - cfr. Nº 2 do art. 80° da Lei 28/82.
16 - Ao decidir nos termos aí constantes, o Tribunal "a quo" violou frontalmente o disposto nos arts. 7°, nº 2 do C. Civil (aplicando o disposto em Lei Geral, designadamente as normas do CPC em detrimento do disposto em Lei Especial, designadamente o disposto nos arts. 76° a 80° da lei 28/82),
17 - Bem como violou, ainda, o disposto nos arts. 204°, 221 ° a 224°, 280° e 282°, todos da CRP.
18 - Sendo, consequentemente, nula tal decisão, por directa violação da lei e da Constituição.
19 - Omitindo, o Mmo. Senhor Juiz "a quo" pronúncia quanto à existência e aplicabilidade da Lei Especial (Lei nº 28/82) por confronto do disposto na Lei Geral (regras de qualificação e espécies dos recursos em processo civil), o que é sancionado pelo disposto no art. 668°, 1, d), in fine.

Contra-alegou a Massa Falida da “B”, pugnando pela improcedência do recurso.
Foi proferido despacho de sustentação.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Em face do conteúdo das conclusões das alegações da agravante, enquanto delimitadoras do objecto do recurso (arts. 684°, n° 3 e 690°, nº 1 do CPC), está em causa saber se o requerimento de intervenção principal provocada foi apresentado no prazo de 30 dias a que alude o art. 269° do CPC (tendo-se em atenção a factualidade mencionada no relatório supra).
Nos termos do nº 1 do art. 269° do CPC, "até ao trânsito em julgado da decisão que julgue ilegítima alguma das partes, por não estar em juízo determinada pessoa, pode o autor ou reconvinte chamar essa pessoa a intervir, nos termos dos artigos 325° e seguintes ".
É precisamente esta a situação dos autos, ora em apreço.
Face à cronologia dos acontecimentos processuais acima relatados, verificamos que:
- caso se considere que a decisão que julgou os réus partes ilegítimas (por preterição de litisconsórcio necessário passivo) apenas transitou em julgado com a decisão do recurso interposto para o Tribunal Constitucional (conforme defende a agravante), haveremos de concluir no sentido de que o requerimento de intervenção da Massa Falida da “B” (cuja falta constituiu a causa da tal preterição) foi apresentada atempadamente, no prazo legal de 30 dias;
- caso se considere que assim não foi, ou seja no sentido de que, mau grado o recurso interposto para o T. Constitucional, a decisão acabou por transitar com a notificação do acórdão do STJ (conforme entendimento seguido no despacho ora recorrido), haveremos de concluir no sentido da extemporaneidade do requerimento de intervenção principal.
Está assim em causa saber em que momento é que a decisão transitou em julgado.
É certo que, nos termos do disposto no art. 677° do CPC a decisão se considera transitada em julgado "logo que não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação nos termos dos artigos 668° e 669°".
Estabelece por sua vez o nº 2 do art. 676° do CPC que, sendo os recursos ordinários ou extraordinários: "são ordinários a apelação, a revista e o agravo; são extraordinários a revisão e a oposição de terceiro ".
É certo que, nessa qualificação, o recurso para o Tribunal Constitucional não está englobado nos recursos ordinários, conforme saliente e defende o Tribunal "a quo".
Todavia, o certo é que, conforme bem salienta a agravante, também não está incluído nos recursos extraordinários.
Conforme refere Castro Mendes, in Recursos, 1980, pag. 68, a diferença entre os recursos ordinários e os extraordinários está em que o ordinário é interposto antes do trânsito em julgado da decisão, enquanto que o extraordinário é interposto depois desse trânsito.
Estamos, pois, perante um tipo de recurso especial (regulamentado em lei especial - a Lei do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei nº 28/82 de 15.09) que foge à qualificação tipificada no CPC.
Haveremos assim que socorrer-nos, para os efeitos em questão, das disposições próprias da tal lei especial, sendo certo que, conforme defende a agravante, nos termos do disposto no art. 7°, nº 2 do C. Civil a lei geral não revoga, salvo indicação em contrário, a lei especial.
Ora, nos termos do disposto no n° 4 do art. 80° da Lei 28/82 "Transitada em julgado a decisão que não admita o recurso ou lhe negue provimento, transita também a decisão recorrida, se estiverem esgotados os recursos ordinários, ou começam a correr os prazos para estes recursos, em caso contrário ".
De tal disposição resulta à evidência que, em caso de recurso para o Tribunal Constitucional, a decisão recorrida apenas transita em julgado depois do trânsito da decisão do Tribunal Constitucional que não admita (conforme aconteceu nos autos) ou negue provimento ao recurso.
Aliás resulta ainda de tal disposição que, em caso de procedência do recurso (no sentido de se considerar inconstitucional a norma aplicada) nem sequer há trânsito em julgado, impondo-se, nos termos do disposto no nº 2 do mesmo artigo, que os autos voltem ao STJ, a fim de que a decisão tomada seja reformada em conformidade com o juízo de inconstitucionalidade.
Face ao exposto, haveremos de concluir no sentido de que, in casu a decisão que julgou os réus partes ilegítimas apenas transitou em julgado após a notificação do acórdão proferido pelo Tribunal Constitucional.
E, assim, porque o requerimento de intervenção provocada foi apresentado antes de ter decorrido, desde então, o prazo de 30 dias a que alude o nº 1 do art. 2690 do CPC, haveremos de concluir no sentido de o mesmo ter sido apresentado atempadamente.
Impunha-se assim, contrariamente ao que foi decidido, admitir o requerimento de intervenção provocada.
Procedem desta forma as conclusões do recurso.
Termos em que, concedendo-se provimento ao agravo, se acorda em revogar o despacho recorrido, o qual deverá ser substituído por outro que admita a intervenção principal requerida.
Custas pela apelada Massa Falida (que contra-alegou, ficando vencida).
Évora, 12.07.2007