Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | MOREIRA DAS NEVES | ||
Descritores: | DIREITO DE MERA ORDENAÇÃO SOCIAL PROCEDIMENTO GARANTIAS CULPA | ||
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Data do Acordão: | 06/25/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | I. O regime jurídico do ilícito de mera ordenação social é cerzido pelas garantias do Estado de Direito, através das regras e garantias procedimentais e de recurso para um tribunal, em conformidade com o que dispõem os artigos 32.º, § 10.º da Constituição e 6.º da CEDH, surgindo o direito e processo penais como seus referenciais subsidiários. II. O princípio da legalidade é uma exigência não apenas do princípio do Estado de Direito, mas também do princípio democrático e do princípio da separação de poderes, o que logo decorre artigo 2.º e do § 1.º do artigo 29.º da Constituição. III. O mesmo exige não apenas que uma infração tenha de constar de lei expressa - de molde a que os interessados possam conhecer os atos ou omissões que determinam responsabilidade penal e suas consequências - mas também que a lei seja suficientemente precisa para arredar a suscetibilidade de interpretações diversas ou mesmo antagónicas, sobretudo quanto à natureza e âmbito material da conduta proibida. IV. Neste âmbito a culpa traduz-se num juízo de censura de violação de um dever legal, devendo o elemento subjetivo ser analisado sob um ponto de vista flexível e adequado às concretas circunstâncias do caso. V. Consistindo a negligência na violação de um dever objetivo de cuidado, traduzida na omissão de uma precaução reclamada pela prudência, a que se está obrigado e se é capaz, cuja observância teria evitado o facto correspondente ao tipo de ilícito. | ||
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Decisão Texto Integral: | ACÓRDÃO 1. Relatório a. No âmbito de procedimento contraordenacional, a Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (IGAMAOT), aplicou a AA, com os sinais dos autos, uma coima de 12 000€, pela prática de contraordenação ambiental muito grave prevista no artigo 31.º, § 1.º do Regulamento REACH e seu Anexo II, em conjugação com o artigo 11.º, § 1.º, al. j) do Decreto-Lei n.º 293/2009, de 13 de outubro, e com os artigos 22.º, § 4, al. b), 23.º-A e 23.º-B, todos da Lei Quadro das Contraordenações Ambientais (LQCA). b. A arguida impugnou judicialmente essa decisão administrativa, suscitando, no essencial, as seguintes questões: - Invalidade do procedimento contraordenacional: * por insuficiência do auto de notícia; * por preterição de garantias de defesa (não inquirição de testemunha arrolada na fase administrativa); e insuficiência de fundamentação da decisão administrativa; - Impugnação da matéria de facto provada; - Responsabilidade contraordenacional da arguida; - Medida da coima; - Suspensão da execução da coima aplicada. c. Remetidos os autos ao Ministério Público pela autoridade administrativa, aquele fê-los presentes a Juízo. d. Realizada a audiência de julgamento veio a ser proferida sentença1, na qual se conheceram todas as questões suscitadas no recurso, julgando-as improcedentes. e. Inconformada com o decidido, a arguida interpõe o presente recurso, reclamando a sua absolvição, por entender inexistir responsabilidade contraordenacional. Ou se assim não for entendido, seja reduzida e/ou suspensa a execução da coima aplicada. Rematando a respetiva motivação com conclusões excessivas2, mas que se no essencial se transcreverão para maior facilidade de compreensão do que vem suscitado. «(…) D. Na sentença recorrida, após extensas considerações abstratas sobre a temática, o Tribunal a quo limita-se a concluir que a Informação nº …/…/AMB/18 da IGAMAOT configura uma participação, revestindo todos os requisitos legais para ser qualificada enquanto tal nos termos do artigo 45º, nº 1 da LQCOA – não curando, todavia, de especificar quais são os requisitos e/ou em que medida os mesmos se verificam in casu (além de remeter para preceito incorreto, pois é o artigo 46º, nº 1 que é aplicável). E. Compulsada a documentação em causa, a Recorrente viu-se confrontada com a inexistência de auto de notícia ou participação propriamente ditos, pois a Informação nº …/…/AMB/18, em que a entidade autuante baseou a instauração do processo contraordenacional, não obedece aos critérios legalmente definidos para as denúncias, não constituindo qualquer auto de notícia ou participação. F. Com efeito, a mesma não indica a hora, o local exato (apenas se referindo o nome da empresa inspecionada), os elementos de identificação da Arguida (nomeadamente a residência de quaisquer testemunhas e a categoria do autuante. (…) G. Nestes termos, entende-se que a Informação em relevo não reunia os requisitos legalmente previstos para a concretização de participação, porquanto não integrava a necessária informação para a imputação de condutas puníveis como contraordenação, o que sempre implicaria a sua inexistência ou nulidade. H. Acresce que, a propósito da não inquirição de testemunha arrolada pela Recorrente na fase administrativa, o Tribunal a quo é expedito a tecer considerações sobre a imputação de responsabilidades à testemunha, sobre a equiparação de um “reagendamento” a um “adiamento” ou sobre aquilo que considera ser a realidade, mas especificando muito pouco (ou nada) sobre a questão verdadeiramente em apreço. I. Com efeito, a diligência de inquirição nunca se chegou a realizar no dia 06.12.2023 porque foi antecipada e oportunamente desmarcada, tendo sido reagendada (como se da primeira marcação se tratasse) para o dia 13.12.2023. J. Como nos parece evidente, um “reagendamento” só pode ocorrer com antecedência, isto é, implica uma alteração de um agendamento antes de o mesmo se realizar; sendo que um “adiamento” implica a comparência no ato e a necessidade de, por qualquer razão, o transferir (no momento) para outra data, de o protelar, de o arrastar. K. Tal como a lei refere, sem margem para dúvidas, o adiamento apenas pode ocorrer em caso de realização da diligência sem que a testemunha esteja presente, ou seja, uma vez marcada dia e hora para o efeito, a mesma não comparece. L. A “falta” a que se alude no nº 6 do artigo 50º da LQCOA não pode corresponder à não comparência da testemunha na inquirição por já ter sido convocada para data distinta. M. A verdade é que, no primeiro agendamento, a testemunha não faltou: a diligência foi dada sem efeito previamente, por facto que não lhe era imputável, tendo sido designada nova data para inquirição. N. Assim sendo, é evidente que a GNR/IGAMAOT não inquiriu a testemunha em causa por culpa própria, facto que prejudicou necessariamente a defesa da Arguida no presente processo. O. Pelo que o processo contraordenacional padece de nulidade por violação das garantias de defesa da Arguida, não lhe tendo sido assegurada a possibilidade de fazer prova de circunstâncias essenciais à decisão do caso. (…) Q. Como se constata (e o próprio Tribunal ressalva), o julgador não terá mesmo entendido a alegação da Recorrente e até o teor da mencionada norma legal, pois nunca é invocada qualquer aplicação da mesma por analogia e essa norma não fala em cenários de exposição – mas antes em ficha de dados de segurança como um todo. R. A aqui Recorrente não é a produtora da substância ácido clorídrico a 33%, apenas adquirindo o produto com o registo efetuado ou com garantias de que o produto está conforme às disposições do referido Regulamento - garantias essas prestadas pelo seu produtor/fornecedor original, ficando a Recorrente apenas com a responsabilidade de garantir que a informação flui ao longo da cadeia de abastecimento. S. É importante compreender que quem elabora o conteúdo das fichas de dados de segurança (e, consequentemente, dos cenários de exposição) é a entidade produtora da substância e que detém a titularidade do respetivo registo, uma vez que se encontra em melhor posição para o fazer. T. Dada a estrutura da BB, não é, de todo, concebível acreditar que os seus funcionários, com ou sem FDS (e com ou sem cenários de exposição), não estejam plenamente aptos para uma correta utilização da substância fornecida, sendo conhecedores de todas as informações necessárias para uma utilização segura por partes dos utilizadores a jusante (por exemplo, constante até na respetiva rotulagem), bem como de eventuais situações de perigo ou de risco para o ser humano e para o ambiente. U. Recorde-se, neste ponto, que a substância em causa já tinha sido anteriormente fornecida a essa entidade pela Recorrente e, particularmente, que a questão ora em apreço partiu de pedido de informação da IGAMAOT relativo à “substância perigosa mais utilizada no processo de tratamento da ETARI” por parte da BB (v. facto provado nº 1 constante da sentença recorrida). V. É evidente, então, a utilização frequente dessa substância por parte da aludida entidade, bem como o conhecimento que os seus trabalhadores deverão ter da mesma. W. E é um facto que não é imperiosamente necessária a leitura da ficha de dados de segurança (e/ou dos cenários de exposição) para uma correta utilização do produto em segurança. X. Razão pela qual existe, precisamente, a norma constante do artigo 31º, nº 4 do Regulamento REACH, que torna não obrigatório o fornecimento da ficha de dados de segurança, como exceção à regra do nº 1 do mesmo artigo, quando as substâncias ou misturas perigosas sejam disponibilizadas ou vendidas “acompanhadas de informações suficientes para que os utilizadores possam tomar as medidas necessárias em matéria de segurança e de proteção da saúde humana e do ambiente, a menos que um utilizador a jusante ou distribuidor o solicite”. Y. Se a disponibilização ou venda de substâncias perigosas pode ser efetuada sem o fornecimento de ficha de dados de segurança nos identificados casos, por maioria de razão, também o pode ser sem fornecimento dos cenários de exposição (pois estes constituem um mero anexo daquela). Z. Fazendo uso da célebre expressão latina, a maiori ad minus – a lei que permite o mais, permite o menos, que é uma forma de argumentação jurídica que estabelece que o que é valido par o mais, deve necessariamente prevalecer para o menos, ou “quem pode o mais, pode o menos". AA. Em momento algum a BB necessitou ou sequer solicitou informações adicionais, até porque viria, efetivamente, a receber a FDS completa pouco mais de um mês após o fornecimento da substância pela Arguida. BB. Sendo que não se revela necessária qualquer analogia para proceder à aplicação da norma constante do nº 4 do artigo 31º do Regulamento REACH no presente caso, bastando atender à sua teleologia – que é a de atribuir aos fabricantes, aos importadores e aos utilizadores a jusante a responsabilidade de garantir que as substâncias que fabricam, colocam no mercado ou utilizam não afetam negativamente a saúde humana nem o ambiente, nos termos do artigo 1.º, n.º 3 (com ou sem ficha de dados de segurança – completa -, acrescente-se). CC. A IGAMAOT analisou o teor da FDS fornecida pela Recorrente e não fez qualquer observação quanto a uma eventual incorreção da ficha, pelo que se presume que a mesma contém todas as “informações suficientes para que os utilizadores possam tomar as medidas necessárias em matéria de segurança e de proteção da saúde humana e do ambiente”. DD. Mas prossegue ainda o Tribunal a quo, na sentença recorrida, afirmando que “(…) no caso, atentas as características nefastas e potencialmente perigosas para o ambiente, saúde pública e segurança da substância química perigosa (…), jamais se poderia fazer recurso por analogia (…) à disciplina prevista pelo art.º 31.º, n.º 4, porquanto esta, por assim dizer, «válvula de segurança» se limita naturalmente aos produtos menos nocivos que, por isso, são dirigidos ao «grande público», o que não é manifestamente o caso nos autos (…)”. EE. Ora, em momento algum transparece daquela norma a ideia de que a referência a “substâncias ou misturas perigosas” pode ser lida como se se reportasse a “produtos menos nocivos”. FF. E não se diga que o facto de ali se referir a disponibilização ou venda dessas substâncias ao “grande público” modifica essa leitura, seja de que forma for. GG. Nesta expressão inclui-se, naturalmente e de forma abrangente (que é o que a aludida expressão preconiza), qualquer utilizador que dessas substâncias possa usufruir – seja ele individual, coletivo, particular, público, pessoal, profissional, etc.; se assim não fosse, o legislador limitaria o âmbito desse preceito ao invés de o ter expandido. H. Pouco se compreenderia, até, que as substâncias perigosas pudessem ser disponibilizadas ou vendidas, sem fichas de dados de segurança, a utilizadores particulares (como o Tribunal a quo parece fazer crer), mas já não a utilizadores profissionais que, em princípio, terão muito maior experiência e qualificação para o fazer (como é o caso, por exemplo, da BB). II. O que a Recorrente assumiu desde o primeiro momento é que, efetivamente e como ficou demonstrado nos autos, a ficha de dados de segurança emitida em 24.08.2015 não continha anexo de cenários de exposição. (…) KK. Ainda que os factos imputados indiciassem a prática, pela Recorrente, de uma infração ao disposto no nº 1 do artigo 31º do Regulamento REACH, sempre as circunstâncias da presente situação permitiriam concluir pela desobrigação de fornecimento de FDS (completa) cfr. prevista no nº 4 do mesmo artigo. LL. Mais, cabe assinalar que, na situação vertente, a atuação da Arguida não só se presume inocente, porquanto no Direito Sancionatório nunca se presume a culpa, ainda que o resultado haja sido verificado, como revelou total transparência para com todas as entidades públicas, sem nunca, em momento algum, envidar esforços de ocultação ou deturpação de informação. MM. Apreciando a situação descrita, em face da norma alegadamente violada, verifica-se que os factos alegados não permitem preencher os pressupostos, pelo menos, subjetivos do tipo contraordenacional em questão, nem estabelecer nenhum nexo de causalidade para efeitos de imputação da conduta à Arguida, para daí se pretender extrair uma eventual responsabilidade contraordenacional. NN. Nestes termos, a ora Arguida não pode ser responsabilizada pela prática da contraordenação em questão e, em acréscimo, nenhum facto é alegado nem provado relativamente à atuação suscetível de preencher a conduta punível em apreço, pelo que não lhe pode ser assacada nenhuma responsabilidade. OO. Por fim, o Tribunal a quo conclui ainda, na sentença recorrida, “(…) que faltando no caso o pressuposto formal da concessão de tal suspensão da execução da coima, que, lembre-se, seria a aplicação de uma sanção acessória de regularização da situação, tal impede de per se a sua aplicação no caso vertente (…)”. PP. Não obstante, face à inexistência de dolo e à diminuta/inexistente gravidade da conduta, considera-se que a aplicação de coima, no montante de € 12.000,00, apresenta um valor completamente desproporcional face ao ilícito alegadamente cometido e aos critérios de prevenção geral e especial que norteiam a aplicação do direito contraordenacional. QQ. Particularmente se verificarmos que a Arguida não tem antecedentes no que respeita à prática da contraordenação ambiental por que vem agora acusada, nem quaisquer outros são indicados na decisão recorrida. RR. Mais se verificando a ausência de qualquer benefício económico com as condutas que lhe foram imputadas, no sentido de ter obtido proveitos à custa da violação de normas ou deveres legais a que está obrigada, pois a Arguida praticou todos os atos a que estava obrigada. SS. Admitir uma punição com coima pela prática de um facto que não comportou quaisquer efeitos para o ambiente ou para a segurança de pessoas e bens – valores jurídicos em causa na legislação que fundamenta a contraordenação pretensamente imputada –, mesmo que especialmente atenuada, no caso de negligência, para pessoas coletivas, como é a ora Recorrente, constitui situação destituída de fundamento do ponto de vista da prevenção e, ademais, uma punição desproporcional face à diminuta gravidade da infração e à conduta da ora Recorrente. TT. Ainda que estejamos na presença de infração qualificada como muito grave, como já vimos, temos de convir que aquilo que esteve na origem da eventual omissão da Arguida traduz uma acentuada diminuição da ilicitude ínsita no comportamento da mesma e, como tal, impõe solução diversa. UU. Estamos perante uma situação em que a coima, mesmo atenuada, se mostra deveras severa, face à culpa diminuta com que a Arguida atuou e à relativa gravidade da ilicitude. VV. Na decisão em apreço, não ocorreu aplicação de sanção acessória, o que a IGAMAOT e o Tribunal a quo utilizam como pretenso fundamento para a não aplicação do instituto da suspensão da execução da coima previsto no artigo 20º-A da LQCOA. WW. Porém, o facto de a entidade administrativa não ter aplicado nenhuma sanção acessória não é impeditivo de ser suspensa, na fase judicial, a sanção. XX. A sanção acessória só poderia passar, no presente caso, pela obrigatoriedade de a Arguida complementar a FDS inicialmente fornecida com os aludidos cenários de exposição, com vista à prevenção de danos ambientais e à minimização dos efeitos porventura decorrentes da sua omissão, enviando-a ao cliente em questão. YY. Medida essa que, no entanto, a Arguida cumpriu ainda antes da instauração do processo contraordenacional, eliminando todo e qualquer risco para a saúde, segurança das pessoas e bens ou ambiente. ZZ. Ora, atendendo ao facto de não se ter provado qualquer facto que permitisse afirmar que a conduta da Arguida comportou um dano concreto para o ambiente, bem como o facto de a mesma ter prontamente reparado a falha verificada, considera-se justa e adequada a suspensão da sanção, ao abrigo da norma legal supra citada. AAA. Da mesma forma que se considera que o facto de a sanção acessória adequada a aplicar ao caso concreto ter sido já cumprida não pode obstar à aplicação da suspensão da sanção, sob pena de configurar uma decisão injusta e desadequada, penalizadora de quem já cumpriu antes da aplicação da sanção. BBB. Por ter sido já cumprida a sanção acessória que seria aplicável ao caso concreto - imposição das medidas que se mostrem adequadas à prevenção de danos ambientais, à reposição da situação anterior à infração e à minimização dos efeitos decorrentes da mesma (cfr. artigo 30.º, n.º 1, alínea j) da LQCOA) –, não se aplica novamente a mesma, por ser desnecessária. CCC. Neste sentido, atento o espírito que presidiu à intenção do legislador, na suspensão da execução da coima em contraordenações ambientais, que é educar para prevenir, mostram-se reunidos os requisitos para declarar a suspensão da execução da coima aplicada, nos termos do artigo 20.º-A, n.º 1 da LQCOA. (…) a) Reconheça a inexistência/nulidade da participação nos autos, o que invalida todo o procedimento contraordenacional; ou b) Reconheça a nulidade do procedimento contraordenacional por violação das garantias de defesa da Recorrente, nomeadamente pela não inquirição de testemunha arrolada na fase administrativa; ou c) Reconheça o não preenchimento dos pressupostos do tipo contraordenacional em questão, mormente em virtude da aplicação da exceção prevista no artigo 31º, nº 4 do Regulamento REACH; ou d) Reconheça a adequação e o preenchimento dos requisitos legais necessários para aplicação do instituto da suspensão da execução da coima aplicada, nos termos do artigo 20º-A, nº 1 da LQCOA.» f. Admitido o recurso, respondeu o Ministério Público, pugnando pela sua improcedência, aduzindo, em síntese que: «1. Natureza da informação da IGAMAOT, designadamente se reúne os requisitos do art.º 45.º, n.º 1, da LQCOA Nos termos do art.º 54.º do DL 433/82 de 27-10, todo o procedimento contraordenacional inicia-se oficiosamente mediante participação/auto de notícia das autoridades policiais ou fiscalizadoras ou mediante denúncia particular. Após o início do processo é concedido ao infrator prazo para defesa – art.º 50.º do mesmo diploma legal. Aderimos ao entendimento de que a violação do direito de audição e defesa constitui nulidade dependente de arguição – art.º 120º, n.º 2, al. d) do CPP e 41.º, n.º 1, do RGCO (regime geral das contraordenações). Dependendo de arguição trata-se de uma nulidade sanável. Sem dúvida que o auto de notícia obedece a vários formalismos, designadamente deve relatar factos que foram presenciados. No que diz respeito aos factos, deve ser indicado o dia, hora e local, bem como as circunstâncias em que tais factos ocorreram; por outro lado tem que conter a identificação do arguido, do autuante e das testemunhas. No caso dos autos, a informação da IGAMAOT, que deu origem aos autos, obedece aos requisitos previstos no art.º 45º da L.Q.C.O.A., pelo que inexiste nulidades. 2. Violação do direito de defesa por falta da inquirição da testemunha Cotejados os autos verifica-se que a testemunha CC não compareceu na segunda data agendada para a sua inquirição. E tratava-se de uma segunda data porque a recorrente pediu o adiamento relativamente à primeira data agendada. Ora, se nos termos do art.º 50º, nº6, da L.Q.C.O.A. só pode haver um adiamento, não nos suscita quaisquer dúvidas que, não tendo a testemunha comparecido na segunda data, a IGAMAOT tivesse encerrado a fase administrativa sem ouvir a testemunha. Também aqui não se verifica qualquer nulidade. 3. Insuficiência de fundamentação da decisão administrativa Cumpre aqui apreciar se a decisão administrativa da IGAMAOT apenas se baseou na informação inicial. Se atentarmos na decisão administrativa verificamos que tal não corresponde à verdade. A decisão analisou a defesa da recorrente, que, de forma inequívoca, acabou por admitir não ter remetido à cliente o anexo referente aos cenários de exposição, bem como a prova documental. Diga-se que uma decisão administrativa não é uma sentença judicial, pelo que a argumentação de facto e de direito pode não ser a mais vasta. Ademais o processo contraordenacional deverá ser um processo célere, de formalismo simplificado, sem necessidade de fundamentações extensas. Aliás, o Tribunal constitucional já se pronunciou a este respeito, entendendo que a fundamentação das decisões administrativas pode ser feita por remissão para as peças processuais. Também aqui se entende não existir qualquer nulidade. 4. Responsabilidade objetiva e subjetiva da recorrente Por último entende a recorrente que não se verificam quaisquer pressupostos objetivos e subjetivos inerentes à prática da contraordenação pela qual foi condenada. Sem necessidade de fazer aqui uma referência exaustiva à matéria de facto dada como provada em sede de julgamento, assente na sentença recorrida, com a qual se concorda, o essencial resulta do facto de se ter apurado em julgamento, tal como na ação inspetiva levada a cabo pelo IGAMAOT que de acordo com a fatura n.º…/…, emitida em 19.02.2018, a ficha de dados de segurança remetida pela recorrente à BB não continha o anexo referente aos cenários de exposição. E sobre esta questão a recorrente assumiu posição diversa na fase administrativa e no julgamento. Efetivamente a testemunha CC, num e-mail junto aos autos, não colocou em causa a falta dos cenários de exposição, referindo que o motivo foi o facto de o fornecedor não ter fornecido os dados suficientes para a sua elaboração, sendo que esta mesma testemunha, em julgamento, desculpou-se com o novo software, que não permitia anexar à ficha de dados de segurança os cenários de exposição. Este problema de software nunca tinha sido alegado pela recorrente e mesmo que assim fosse não se compreende como é que uma empresa como a recorrente utilizaria um software que não respondesse às exigências legais. Ainda que assim fosse sempre temos que concluir que a recorrente foi negligente perante as exigências legais, de que tem conhecimento. Nesta senda, e contrariamente, ao alegado pela recorrente temos por provado quer a conduta objetiva – falta de entrega do anexo dos cenários de exposição – quer a conduta subjetiva – utilização de software inadequado, não obstante ter conhecimento das exigências legais. Deste modo, entendemos que a douta sentença não merece censura devendo ser mantida na integra.» g. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Ministério Público junto desta instância apôs o seu «visto». 2. Dos fundamentos do recurso O regime dos recursos de decisões proferidas em 1.ª instância relativas a processos de contraordenação, consta dos artigos 73.º a 75.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro – Regime Geral das Contraordenações (RGC). Daí decorrendo que relativamente aos processos de contraordenação o Tribunal da Relação funciona como tribunal de revista ampliada (sem prejuízo do conhecimento oficioso de qualquer dos vícios referidos no artigo 410.º CPP, por força do disposto nos artigos 41.º, § 1.º e 74.º, § 4.º do RGC), como última instância, conhecendo apenas da matéria de direito, podendo alterar a decisão do tribunal recorrido sem qualquer vinculação aos termos e ao sentido em que foi proferida, ou anulá-la e devolver o processo ao mesmo tribunal. Nesta conformidade, tendo em conta que são as conclusões da motivação do recurso que delimitam o seu âmbito, verifica-se terem sido trazidas ao conhecimento deste Tribunal as seguintes questões: i. Preterição de garantias fundamentais de defesa (validade da informação do IGMAOT; preterição de audição de testemunha na fase administrativa); ii. ii. Responsabilidade contraordenacional; iii. iii. Medida da coima; iv. iv. Suspensão da execução desta. 3.1 Conhecendo dos fundamentos do recurso 3.1.1 Da preterição de garantias de defesa Considera a recorrente que a informação do IGMAOT, com base na qual se iniciou o procedimento contraordenacional, não contém os elementos essenciais exigidos pela lei, pelo que tal constituirá nulidade, que afeta (invalida) todo o procedimento administrativo. Pronunciando-se sobre este fundamento do recurso, refere o Ministério Público na sua resposta, que o procedimento contraordenacional se inicia, nos termos da lei (artigo 54.º do Regime Geral das Contraordenações – RGC), mediante participação/auto de notícia das autoridades policiais ou fiscalizadoras ou mediante denúncia particular, devendo tal escrito conter menção do dia, hora e local da constatação dos factos respetivos, bem como as circunstâncias em que os mesmos ocorreram; devendo ainda, identificar o arguido, o agente autuante e as testemunhas, o que se mostra efetuado na informação da IGAMAOT que deu origem aos autos. O que, por assim ser, se mostra em conformidade com o exigido no artigo 45.º LQCA. Mais acrescentando que, ainda que houvesse insuficiência relevante (comprometedora do exercício dos direitos de defesa da arguida), tal constituiria nulidade dependente de arguição, nos termos previstos nos artigos 120.º, § 2.º, al. d) do Código de Processo Penal (CPP) ex vi artigo 41.º, § 1.º RGC. O que se não foi realizado no prazo previsto na lei. A decisão recorrida conheceu desta matéria, ali se referindo, designadamente, que: «Analisados os autos, verificamos que a autoridade administrativa IGAMAOT oportunamente deu cabal cumprimento ao disposto nos art.º 49.º, da L.Q.C.O.A. (cf. fls. 5 e ss. e 217 vs. e ss.), constando da referida notificação a descrição concisa, mas circunstanciada dos factos que são imputados à firma arguida por reporte à participação que anexou (ou seja, são identificados os comportamentos imputados à firma arguida violadores do regime aplicável, os quais como bem alertado, na ocasião, são sancionados a título de mera negligência) e, bem assim, o respetivo enquadramento jurídico, estando, assim, satisfeita a exigência legal supra referida, tendo em vista assegurar o efetivo exercício do direito de defesa pela arguida visada, tendo por isso e certamente a firma arguida apresentado a defesa que entendeu conveniente aos seus interesses a fls. 54-67 e 221-227 vs.. Donde se conclui que nenhum direito de defesa da firma arguida se mostra coartado pela atuação da autoridade administrativa, dado que resulta dos autos comprovada a notificação para o exercício de defesa por escrito, mas também o auto de notícia, feita à firma arguida nos termos e para os efeitos dos artigos 49.º, da L.Q.C.O.A. e 50.º do R.G.C.O.. Ou seja, em nossa ótica, a autoridade administrativa através da sua notificação para a firma arguida, ora recorrente, querendo, exercer a sua defesa por escrito, facultou, de um modo suficiente, os elementos de facto e de direito, bem como o seu enquadramento jurídico e moldura abstrata da coima aplicável, à firma arguida, tendo em vista esta exercer cabalmente o seu direito de defesa, como veio, efetivamente, a exercer a fls. E ss., do modo que entendeu ser melhor para a sua posição jurídica, não se verificando, destarte, qualquer obliteração do direito de defesa da firma arguida, nem se verifica, por sua vez, qualquer nulidade, mormente a referida no Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 1/2003, publicado no D.R. de 25-1-2003. Com efeito, resulta de tal aresto uniformizador, além do mais, que: (i) contrariamente ao alegado pela firma arguida, a eventual nulidade por preterição do direito de defesa jamais se enquadra na previsão do art.º 119.º, al. c) do Cód. Proc. Penal, mas sim summo rigori no art.º 120.º, n.º 2, al. d) do Cód. Proc. Penal, entendimento este que tem vindo a ser por nós perfilhado de jure novit curia, por não haver razões válidas para afastarmos de tal doutrina fixada pelo S.T.J. (por um lado esta alta instância parte da interpretação literal da nulidade prevista pelo art.º 119, al. c) do Cód. Proc. Penal, ex vi do art.º 41.º, n.º 1 do R.G.C.O. e art.º 2 da L.Q.C.O.A., no sentido de que ela se refere apenas ao direito do arguido de «estar presente aos atos processuais que diretamente lhe disserem respeito» e de «ser assistido por defensor em todos os atos processuais em que participar» e não se refere à eventual preterição de outros «direitos processuais do arguido» como os de «ser ouvido» e de «intervir no inquérito» anota PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE que essa é a boa doutrina, uma vez que o regime das nulidades está submetido a um princípio rígido de legalidade (rectius, tipicidade), que não admite a respetiva aplicação analógica; por outro lado o S.T.J. invoca que «não faria sentido (e seria, mesmo, processualmente antieconómico) anular a «acusação» (a não ser que a impugnação se limitasse a arguir a correspondente nulidade) se o «participante processual interessado» aproveitasse a (…) para o cabal exercício do direito de audição e defesa, basta que o(a) arguido(a) tome conhecimento da factualidade que lhe é imputada, de quais as infrações que se considera estarem preenchidas e de quais as sanções que lhe correspondem, com a menção das normas legais correspondentes, mas em lado algum da lei resulta que tenha de ser desde logo indicada, naquele momento processual, digamos prévio, a sanção concreta que a autoridade administrativa entende dever ser aplicada, já que até muitos elementos de prova e vários outros factos novos podem ainda ser obtidos e apurados, designadamente com o contributo da defesa, com relevância para a determinação da sanção concreta, como sejam as condições económicas (…) Sem embargo, significa isto que mesmo se por mera hipótese se considerasse que a notificação em causa não apresentava os elementos referentes aos elementos objetivos e subjetivo da contraordenação ambiental muito grave, a firma arguida acabou por prevalecer-se na defesa escrita de fls. 54-67 e 221-227 vs. do direito a pronunciar-se sobre esses mesmos elementos, abarcando na sua defesa os aspetos de direito e de facto alegadamente omitidos na notificação, pelo que tal nulidade, a verificar-se, o que não se concede, então sempre se considera(ria) sanada nos termos do art.º 121.º, n.º 1, al. c) do Cód. Proc. Penal, ex vi do art.º 41.º, n.º 1 do R.G.C.O. e art.º 2.º, da L.Q.C.O.A.– [vd., por todos, o A.F.J. citado e PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Regime Geral das Contraordenações, UCE, 2011, pp 212-3] «Não há violação do direito de defesa quando o arguido foi: (i) notificado do auto de notícia e respondeu; (ii) notificado da decisão administrativa e a impugnou; (iii) notificado da audiência de julgamento e apresentou elementos de prova que lhe aprouve, incluindo para provar que não agiu com culpa.» − [Acórdão da Relação de Lisboa, de 8-3-2022, proc. n.º 344/18.5ECLSB.L1, in www.dgsi.pt – apud de ANA SIRAGE COIMBRA, Lei-Quadro das Contraordenações Ambientais Anotada e Comentada, 2022, Almedina, p. 277] Em suma: na nossa ótica, a autoridade administrativa IGAMAOT através da sua notificação de fls. 5 e ss. e 217 vs. e ss. para a firma arguida, querendo, exercer a sua defesa por escrito, conforme determina o disposto no art.º 49.º, da L.Q.C.O.A., facultou, de um modo suficiente, todos os elementos de facto e de direito, bem como o seu enquadramento jurídico e sanções aplicáveis, à firma arguida, tendo em vista esta exercer cabalmente os seus direitos de defesa, não se verificando, destarte, qualquer postergação do direito de defesa da firma arguida, nem se verifica, por sua vez, qualquer nulidade, mormente a referida no citado Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 1/2003, publicado no D.R. de 25-1-2003. Sem embargo e ademais, a firma arguida na sua impugnação judicial prevaleceu-se do direito alegadamente preterido, tendo abarcado, na sua defesa, de forma detalhada e exaustiva aspetos de facto e de direito melhor descritos nessa peça processual, que aqui se daÞo por reproduzidos, pelo que, a existir ─ o que não se concede conforme supra se demonstrou ─ tal nulidade, sempre a mesma dever-se-ia considerar sanada, nos termos do art.º 121.º, n.º 1, al. c) do Cód. Proc. Penal, ex vi do art.º 41.º, n.º 1 do R.G.C.O. e art.º 2 da L.Q.C.O.A.» Preceitua o artigo 54.º, § 1.º LGC que: «O processo iniciar-se-á oficiosamente, mediante participação das autoridades policiais ou fiscalizadoras ou ainda mediante denúncia particular.» Constando do 45.º da LQCA, relativamente ao auto de notícia ou participação, que: 1 - A autoridade administrativa levanta o respetivo auto de notícia quando, no exercício das suas funções, verificar ou comprovar pessoalmente, ainda que por forma não imediata, qualquer infração às normas referidas no artigo 1.º, o qual serve de meio de prova das ocorrências verificadas.2 - Relativamente às infrações de natureza contraordenacional cuja verificação a autoridade administrativa não tenha comprovado pessoalmente, a mesma deve elaborar uma participação instruída com os elementos de prova de que disponha.» Prevendo-se no artigo 45.º da mesma lei, quanto aos elementos do auto de notícia ou participação, que: «1 - O auto de notícia ou a participação referida no artigo anterior deve, sempre que possível, mencionar: a) Os factos que constituem a infração; b) O dia, a hora, o local e as circunstâncias em que a infração foi cometida ou detetada; c) No caso de a infração ser praticada por pessoa singular, os elementos de identificação do infrator e da sua residência; d) No caso de a infração ser praticada por pessoa coletiva ou equiparada, os seus elementos de identificação, nomeadamente a sua sede, identificação e residência dos respetivos gerentes, administradores e diretores; e) A identificação e residência das testemunhas; f) Nome, categoria e assinatura do autuante ou participante. 2 - As entidades que não tenham competência para proceder à instrução do processo de contraordenação devem remeter o auto de notícia ou participação no prazo de 10 dias úteis à autoridade administrativa competente.» Dispondo o § 1.º do artigo 49.º da LQCA, relativamente ao direito de defesa e audiência dos arguidos, que: «1. O auto de notícia, depois de confirmado pela autoridade administrativa e antes de ser tomada a decisão final, é notificado ao infrator conjuntamente com todos os elementos necessários para que este fique a conhecer a totalidade dos aspetos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito, para, no prazo de 15 dias úteis, se pronunciar por escrito sobre o que se lhe oferecer por conveniente.« Alega a recorrente que a participação do IGAMAOT «não indica a hora, o local exato»! Mas não tem razão. Nele se indica que foi em 30/1/2018 nas instalações da BB (com o que a morada concreta está ao alcance de um clique - a mais de indicada na fatura). O IGAMAOT não foi a um aterro clandestino e na hora em que se vertiam nele inertes perigosos, caso em que isso seria deveras muito relevante. Mas ainda que assim fora, a partir da data em que lhe foi comunicada a infração, com entrega das provas disponíveis, a recorrente não pode deixar de saber. Conforme a recorrente bem sabe – não pode deixar de saber – do que se tratou foi de uma inspeção meramente administrativa, como com total transparência evidencia a documentação que lhe foi remetida, justamente para tomar conhecimento de todos os aspetos da infração e para sobre eles se poder defender. Mostrando justamente os autos a data da realização da inspeção e todos os demais aspetos desta, foram comunicados à arguida, juntamente com todos os demais elementos probatórios existentes nos autos, para o exercício do seu direito de audiência e de defesa. Sendo essa a razão pela qual o recurso não indica que facto(s) novo(s) lhe adveio/advieram posteriormente, relativamente ao(s) qual/quais não teve oportunidade de se defender! Daí que nenhuma vulneração dos direitos de defesa da arguida/recorrente, nesta matéria, tenha ocorrido. A arguida invoca ainda outra circunstância que, a seus olhos, constituirá vulneração dos direitos de defesa. Alega que lhe foi preterida a audição de uma testemunha na fase administrativa! Com referência a este temário refere o Ministério Público, na sua resposta ao recurso, que: «a testemunha CC não compareceu na segunda data agendada para a sua inquirição. E tratava-se de uma segunda data porque a recorrente pediu o adiamento relativamente à primeira data agendada. Ora, se nos termos do art.º 50.º, n.º 6, da LQCOA só pode haver um adiamento, não nos suscita quaisquer dúvidas que, não tendo a testemunha comparecido na segunda data, a IGAMAOT tivesse encerrado a fase administrativa sem ouvir a testemunha.» Com referência a esta matéria a sentença sob recurso considerou e decidiu o seguinte: «(…) se a testemunha CC não foi ouvida, dever-se-á dizer que a ela unicamente se deve (…) tal falta de inquirição ocorreu por aquela testemunha, devidamente notificada, não ter comparecido na 2.ª data agendada para tal efeito, na sequência de um adiamento solicitado pela Il. defesa da firma arguida (cf. fls. 229-234) [não vamos aqui sequer discutir se um reagendamento é ou não um adiamento (cf. fls. 235), pois temos por evidente que o é (…) Como não deverá existir mais que um adiamento, atento o limite imposto pelo art.º 50.º, n.º 6 da L.Q.C.O.A., obviamente que a autoridade administrativa teve de dar sequência ao ulterior processado sem ouvir tal testemunha, que, enfatize-se, não foi ouvida por culpa dela e não da autoridade administrativa que proporcionou data para tal efeito, após um pedido de reagendamento da primitiva agendada, pelo que, a nosso ver, a autoridade administrativa IGAMAOT atuou neste domínio de forma ancorada no citado normativo legal, inexistindo, por isso, qualquer nulidade ou tão-pouco qualquer irregularidade.» Vejamos. Sob a epígrafe: «Comparência de testemunhas e peritos», dispõe o artigo 50.º da LQCA: «1 – As testemunhas e os peritos devem ser ouvidos na sede da autoridade administrativa onde se realize a instrução do processo ou numa delegação daquela, caso esta a possua. 2 – As testemunhas podem ser ouvidas pela autoridade policial, a seu requerimento ou a pedido da autoridade administrativa. 3 – Se por qualquer motivo a autoridade de polícia não puder ouvir as testemunhas, estas são obrigatoriamente ouvidas nas instalações da autoridade administrativa competente para a instrução do processo. 4 – As testemunhas são obrigatoriamente apresentadas, por quem as arrola, na data e hora agendadas para a diligência. 5 – Considera-se justificada a falta motivada por facto não imputável ao faltoso que o impeça de comparecer no ato processual. 6 – A diligência de inquirição de testemunhas ou peritos apenas pode ser adiada uma única vez, ainda que a falta à primeira marcação tenha sido considerada justificada.» Mostram os autos que se passou o seguinte: a referida testemunha (CC) foi arrolada como testemunha na fase administrativa, tendo sido convocada para ser ouvida numa dada data e local. Mas essa primeira marcação veio a ser adiada para nova data, convocando-se a testemunha para essa nova data. Sucede que nesse dia ela não compareceu, pelo que se determinou que os autos prosseguissem os seus termos. E muito bem. Vejamos brevemente o enquadramento normativo das garantias de defesa no procedimento contraordenacional. O § 1.º do artigo 32.º da Constituição da República rege em matéria de direitos liberdades e garantias, ali afirmando que o processo criminal assegura todas as garantias de defesa ao arguido. Preceito este extensível ao processo contraordenacional por força do preceituado no § 10.º do mesmo retábulo. Também no artigo 20.º, § 4.º da Constituição, na esteira do preceituado nos artigos 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem; 47.º da Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia; e 14.º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (todos inspirados no artigo 10.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem), se garante aos arguidos em processo penal ou contraordenacional um processo equitativo. A questão está em saber se o presente procedimento vulnerou as garantias de defesa da arguida, no aspeto ora em análise! Conforme decorre do que se deixou dito, o regime jurídico do ilícito de mera ordenação social é cerzido pelas garantias do Estado de Direito, sobretudo através das regras e garantias procedimentais (a competência para a instrução e decisão dos ilícitos está deferida às autoridades administrativas, mediante um procedimento com estrutura inquisitória e célere) e de recurso para um tribunal, em conformidade com o que dispõem os artigos 33.º e 59.º RGC, 2.º, 20.º, § 1.º e 32.º, § 10.º da Constituição (e 6.º da CEDH justamente por razão da garantia do recurso judicial)3, surgindo o direito e processo penais comos seus referenciais subsidiários (artigos 32.º e 41.º RGC). Lembremos que não há aqui qualquer lacuna a exigir a intervenção de norma de direito subsidiário, na medida em que o artigo 50.º da LQCA (que se deixou extratado) é um normativo especial, respeitante justamente aos ilícitos contraordenacionais em matéria de ambiente. Sendo inequívoco o seu sentido: a diligência pode ser adiada «uma única vez, ainda que a falta à primeira marcação tenha sido considerada justificada.» Daí que quer a letra da lei quer o seu espírito (citado § 6.º do referido artigo 50.º LQCA) evidenciam, com preclaro sentido, o compromisso entre a celeridade que se preconiza para este tipo de procedimentos e as garantias de defesa dos arguidos. Nas particulares circunstâncias deste caso, a diligência de audição da testemunha arrolada foi adiada uma vez; e logo por isso não podia adiar-se uma segunda vez. Faltando a testemunha, como faltou, os autos tinham de prosseguir os seus normais termos, como veio a suceder. Mas ainda que assim não fora, isto é, ainda que houvera nulidade procedimental (por omissão da prática de ato essencial), tal como prevista no artigo 120.º, § 2.º, al. d) CPP, ex vi artigo 41.º, § 1.º RGC, a mesma já se encontraria consolidada na ordem jurídica, por não ter sido tempestivamente arguida (artigo120.º, § 3.º, al. b) CPP). E como assim, também neste conspecto, nada há a alterar à decisão recorrida. 3.1.2 Da responsabilidade contraordenacional A recorrente sustenta que os factos provados não são integradores do ilícito previsto na norma substantiva constante da decisão recorrida. Seja porque aqueles não permitem preencher os pressupostos (pelo menos subjetivos) do tipo contraordenacional em questão; seja o respetivo nexo de causalidade. Sobre este aspeto refere o Ministério público na sua resposta, que: «a recorrente foi negligente perante as exigências legais, de que tem conhecimento. Nesta senda, e contrariamente, ao alegado pela recorrente temos por provado quer a conduta objetiva – falta de entrega do anexo dos cenários de exposição – quer a conduta subjetiva – utilização de software inadequado, não obstante ter conhecimento das exigências legais.» O arguido foi condenado pela prática de uma contraordenação muito grave prevista no artigo 31.º, § 1.º do Regulamento REACH e seu Anexo II, em conjugação com o artigo 11.º, § 1.º, al. j) do Decreto-Lei n.º 293/2009, de 13 de outubro, e com os artigos 22.º, § 4, al. b), 23.º-A e 23.º-B, todos da Lei Quadro das Contraordenações Ambientais (LQCA), nos quais se dispõe: Regulamento (CE) n.º 1907/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de dezembro de 2006, relativo ao registo, avaliação, autorização e restrição de substâncias químicas (REACH) (JO L 396 de 30/12/2006) Artigo 31.º Requisitos aplicáveis às fichas de dados de segurança 1. O fornecedor de uma substância ou ►M3 mistura ◄ deve fornecer ao destinatário da substância ou ►M3 mistura ◄ uma ficha de dados de segurança elaborada em conformidade com o Anexo II se: a) Sempre que a substância ou mistura preencher os critérios de classificação como perigosa, em conformidade com o Regulamento (CE) n.o 1272/2008; ou b) A substância em causa for persistente, bioacumulável e tóxica ou muito persistente e muito bioacumulável de acordo com os critérios estabelecidos no Anexo XIII; ou c) A substância estiver incluída na lista estabelecida nos termos do n.o 1 do artigo 59.o , por outros motivos que não os invocados nas alíneas a) e b). Decreto-Lei n.º 293/2009, de 13 de outubro Artigo 11.º Contraordenações 1 — Constitui contraordenação ambiental muito grave, punível nos termos da lei quadro das contraordenações ambientais, aprovada pela Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto, a prática dos seguintes atos: (…) j) O não cumprimento, pelo fornecedor de substância ou mistura, da obrigação de fornecer a ficha de dados de segurança ao destinatário da substância ou mistura, nos termos do n.º 1 do artigo 31.º do Regulamento (CE) n.º 1907/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de dezembro; Lei Quadro das Contraordenações Ambientais Artigo 22.º Montantes das coimas 1 - A cada escalão classificativo de gravidade das contraordenações corresponde uma coima variável consoante seja aplicada a uma pessoa singular ou coletiva e em função do grau de culpa, salvo o disposto no artigo seguinte. (…) 4 - Às contraordenações muito graves correspondem as seguintes coimas: a) Se praticadas por pessoas singulares, de (euro) 10 000 a (euro) 100 000 em caso de negligência e de (euro) 20 000 a (euro) 200 000 em caso de dolo; b) Se praticadas por pessoas coletivas, de (euro) 24 000 a (euro) 144 000 em caso de negligência e de (euro) 240 000 a (euro) 5 000 000 em caso de dolo. Artigo 23.º-A Atenuação especial da coima 1 - Para além dos casos expressamente previstos na lei, a autoridade administrativa atenua especialmente a coima, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores à prática da contraordenação, ou contemporâneas dela, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da coima. 2 - Para efeito do disposto no número anterior, são consideradas, entre outras, as circunstâncias seguintes: a) Ter havido atos demonstrativos de arrependimento do agente, nomeadamente a reparação, até onde lhe era possível, dos danos causados e o cumprimento da norma, ordem ou mandado infringido; b) Terem decorrido dois anos sobre a prática da contraordenação, mantendo o agente boa conduta. 3 - Só pode ser atendida uma única vez a circunstância que, por si mesma ou conjuntamente com outras circunstâncias, der lugar simultaneamente a uma atenuação especialmente prevista na lei e à prevista neste artigo. Artigo 23.º-B Termos da atenuação especial Sempre que houver lugar à atenuação especial da coima, os limites mínimos e máximos da coima são reduzidos a metade. Atentemos agora na factualidade provada, talqualmente foi fixada na sentença recorrida: «1. Na sequência da inspeção da IGAMAOT realizada em 30-1-2018 à «BB», e após ter sido solicitada a esta, por ofício datado de 2-3-2018, qual a substância perigosa mais utilizada no processo de tratamento da ETARI e o comprovativo da última compra realizada, foi respondido que tal operador utilizava a substância comercializada pela firma arguida «AA», designada por ácido clorídrico a 33%, tendo então apresentado a última Factura n.º …/…, de 19-2-2018 (fls. 12) relativa à aquisição dessa substância, bem como a Ficha de Dados de Segurança (FDS) correspondente à Versão 1, emitida em 24-8-2015, sem conter em anexo os cenários de exposição de fls. 47-53, que lhe fora disponibilizada pela aqui firma arguida «AA.». 2. Sendo que por se tratar de uma substância química registada e ter sido realizada uma avaliação de segurança química, a referida FDS deveria conter em anexo os cenários de exposição. 3. Na qualidade de fornecedora da substância, foi então notificada a firma arguida, por Ofício n.º…, de 16-4-2018, que foi rececionado em 8-5-2018, para aquela, no prazo de 5 (cinco) dias úteis, apresentar as evidências que permitam concluir que à data do fornecimento da substância suprarreferida foi enviado ao operador «BB», a citada FDS com os cenários de exposição em anexo. 4. A firma arguida respondeu em 16-5-2018 (registo de entrada n.º …), juntando documentos. 5. Entre tais documentos, verificou-se que por e-mail de 19-3-2018, a firma arguida remeteu à «BB», cópia da FDS do ácido clorídrico a 33%, Versão 2, emitida em 16-3-2018, que continha os cenários de exposição de fls. 16-46. 6. Segundo a própria firma arguida no seu e-mail de fls. 11, os respetivos cenários de exposição não foram enviados à data do fornecimento da substância porque: “A ficha de dados de segurança com cenários de exposição não se encontrava concluída à data do fornecimento mencionado na V/notificação (18.2.2018), pois aguardávamos o envio dos cenários de exposição da totalidade dos nossos fornecedores para esta substância, a fim de concluir a FDS com os cenários de exposição de todas as possíveis origens. Rececionámos a última FDS alargada em 07.03.2018 e concluímos a sua revisão a 16.03.2018. De imediato procedemos ao envio da FDS ao cliente «BB»”. 7. Verificou-se que à data do fornecimento da substância, em 19-2-2018 (cf. a Fatura n.º …/… – fls. 12), à «BB», a FDS disponibilizada não continha, em anexo, os referidos cenários de exposição. 8. A firma arguida exerce atividade industrial regulada por lei, pelo que tinha obrigação de conhecer e cumprir com o ali prescrito para o exercício da mesma. 9. Não o tendo feito, a firma arguida não agiu com a diligência necessária e de que era capaz, não resultando dos autos elementos que retirem censurabilidade aos factos supra descritos ou que excluam a ilicitude da sua conduta. 10. A firma arguida declarou em sede de IRC (modelo 22 – IES/DA) relativo ao ano de 2017, um prejuízo de € 836.853,00 (oitocentos e trinta e seis mil, oitocentos e cinquenta e três euros). 11. A firma arguida declarou em sede de IRC (modelo 22) relativo ao ano de 2023, um prejuízo de € 959.094,98 (novecentos e cinquenta e nove mil, noventa e quatro euros e noventa e oito cêntimos).» O princípio da legalidade penal (sendo o direito contraordenacional direito penal em sentido amplo) é uma exigência não apenas do princípio do Estado de Direito, mas também do princípio democrático e do princípio da separação de poderes, o que logo decorre artigo 2.º e do § 1.º do artigo 29.º da Constituição, neste se integrando a máxima latina nullum crimen, nulla poene sine lege. Este princípio exige não apenas que uma infração (contraordenacional, neste caso) tenha necessariamente de constar de lei expressa, de molde a que os interessados possam saber, a partir do respetivo retábulo, quais os atos ou omissões que determinam responsabilidade penal e suas consequências, mas também que a lei seja suficientemente precisa para arredar a suscetibilidade de interpretações diversas ou mesmo antagónicas, sobretudo quanto à natureza, âmbito e círculo material da conduta proibida. Os factos provados evidenciam, sem margem para nenhuma espécie de dívida, o preenchimento dos elementos objetivos e subjetivo do ilícito em referência, talqualmente (bem) se considerou na sentença recorrida. Relativamente aos primeiros provou-se que a arguida, enquanto distribuidora/fornecedora de uma substância química perigosa, como é o ácido clorídrico a 33%, num concreto e determinado fornecimento à sua cliente BB, não cumpriu, dentro do prazo legal, com os deveres fixados nos normativos em referência, cuja previsão e cumprimento pelos seus destinatários é essencial para a prevenção dos riscos que a lei giza justamente acautelar. Refere neste contexto a sentença recorrida que (sublinhados nossos): «(…) lendo a redação do texto do tipo contraordenacional previsto no citado art.º 31.º, n.º 1, facilmente se extrai, sem necessidades de esforços hermenêuticos, que o fornecedor da substância ou preparação química perigosa deverá obrigatoriamente remeter ao seu cliente uma ficha de dados de segurança, [mas] elaborada em conformidade com o Anexo II do Regulamento REACH, sendo que neste Anexo II, como já tivemos o ensejo de esclarecer, no seu Ponto 1.2. obriga, entre o mais, que os cenários de exposição definidos estejam em anexo da ficha de dados de segurança. E, ademais, no seu Ponto 8 prevê que um dos itens a abordar pela FDS será justamente o Controlo de Exposição/Proteção Pessoal. Ou seja e em suma, vale por dizer que sempre que seja obrigatória a elaboração dos cenários de exposição, como é o caso dos autos nos termos dos artigos 14.º e 37.º do Regulamento REACH, estes devem ser obrigatoriamente anexados à FDS, enquanto parte integrante da mesma e, por isso, sempre que não o sejam, como sucedeu no caso vertente, então o tipo objetivo contraordenacional será preenchido.» Sendo que «o Anexo II encerra um Guia para a elaboração das Fichas de Dados de Segurança e, em especial, o seu Ponto 1.2. obriga mesmo que os cenários de exposição, quando devidos nos termos dos artigos 14.º e 37.º, ambos do Regulamento REACH, como sucede na situação dos autos, sejam definidos em anexo da ficha de dados de segurança, constituindo uma sua parte integrante que naturalmente, pelos riscos graves que pretende prevenir, merece ser tutelado como contraordenação. Não sendo, pois, os cenários de exposição, por assim dizer, despiciendos, podendo ou não estar em anexo à FDS, a ponto de se defender, ad absurdum, que a sua omissão sequer influiria no preenchimento do tipo contraordenacional em causa (…)» E assim é, efetivamente, conforme consta do artigo 31.º, § 7 do Regulamento REACH, onde se preceitua que: «Qualquer agente da cadeia de produção a quem seja exigida a elaboração de um relatório de segurança química nos termos dos artigos 14.º ou 37.º deve apresentar os cenários de exposição adequados (incluindo as categorias de utilização e exposição, se for caso disso) num anexo à ficha de dados de segurança relativa às utilizações identificadas e incluindo as condições específicas resultantes da aplicação do n.º 3 do Anexo XI.”, acrescentando o ponto 0.7 do anexo I do Regulamento REACH que “Se a substância for colocada no mercado, os cenários de exposição pertinentes, incluindo as medidas de gestão de riscos e as condições de funcionamento, são indicados num anexo à ficha de dados de segurança, em conformidade com o Anexo II.”; e nos termos do ponto 0.1.2. Parte A do Anexo II do Regulamento REACH6, “As informações constantes da ficha de dados de segurança devem ser coerentes com as constantes do relatório de segurança química, quando exigido. Sempre que se elabore um relatório de segurança química, os cenários de exposição pertinentes devem ser incluídos num anexo à ficha de dados de segurança.». Em demanda de circunstância eximente, a arguida alega a repetidos passos (nas conclusões X., AA. e DD.), não ser obrigatória a entrega da Ficha de Dados de Segurança (FDS) correspondente à Versão 1, emitida em 24-8-2015, com o anexo dos cenários de exposição entregar tal anexo, ao seu cliente BB, supostamente com esteio no § 4.º do artigo 31.º do Regulamento REACH, onde se preceitua: «O fornecimento da ficha de dados de segurança não é obrigatório quando as substâncias ou misturas perigosas sejam disponibilizadas ou vendidas ao grande público acompanhadas de informações suficientes para que os utilizadores possam tomar as medidas necessárias em matéria de segurança e de proteção da saúde humana e do ambiente, a menos que um utilizador a jusante ou distribuidor o solicite.» O esforçado argumento, de cariz normativo, não logra contudo, nenhuma espécie de lastro nos factos provados. Antes pelo contrário. Se bem se vir, o facto 6. revela que a própria recorrente sabe e aceita o contrário do que ora esgrime, pelo que este argumento recursivo não carece de maiores cuidados. Também no concernente ao elemento subjetivo a sentença recorrida ajuizou bem, quando concluiu que: «a (…) arguida, ora recorrente, atuou pelo menos com negligência consciente [art.º 15.º, n.º 1, al. a) do Cód. Penal, ex vi do art.º 32.º, do R.G.C.O. e do art.º 2.º, da L.Q.C.O.A.], a qual outrossim se mostra sancionável nos termos do 9.º, n.º 2 da Lei-Quadro das Contraordenações Ambientais.» No âmbito do direito de mera ordenação social a culpa traduz-se num juízo de censura de violação de um dever legal. Tendo o elemento subjetivo do tipo contraordenacional de ser analisado sob um ponto de vista flexível e adequado às concretas circunstâncias do caso, resultando de factos concretos imputados à arguida que levem à conclusão de que a mesma atuou de forma negligente ou dolosa. Consistindo a negligência, justamente, na violação de um dever objetivo de cuidado (na omissão de uma precaução reclamada pela prudência) a que se está obrigado e se é capaz. Traduz-se na omissão de uma precaução reclamada pela prudência, cuja observância teria evitado o facto correspondente ao tipo de ilícito.4 O dever de cuidado está, normalmente, associado ao exercício de uma atividade lícita, mas suscetível, pela sua perigosidade, de produzir resultados não desejados pelo ordenamento jurídico, afetando, deste modo, determinados bens tutelados pela lei penal (em sentido amplo). Distinguindo-se entre as situações em que o agente prevê como possível a produção do resultado lesivo, mas crê, por leviandade ou incúria, na sua não verificação (negligência consciente); e aquelas em que o agente, podendo e devendo prever aquele resultado e cabendo-lhe evitá-lo, nem sequer concebe a possibilidade da sua verificação (negligência inconsciente). Na recorrente linguagem dos penalistas5, a violação do dever objetivo de cuidado pode consistir na violação de um dever de cuidado externo – o que sucederá quando o agente cumpriu o dever de informar-se sobre a situação em causa e, ainda assim, agiu, caso em que representou o resultado mentalmente a conduta tipicamente perigosa (negligência consciente - artigo 15.º, al. a) do Código Penal); ou na violação de um dever de cuidado interno – sentido em que haverá de concluir-se quando o agente não cumpriu como devia o dever de se informar e agiu, caso em que nem sequer representou mentalmente aquela conduta (negligência inconsciente - artigo 15.º, al. b) do Código Penal). E no concernente ao nexo causal importa ter presente que em matéria de ilícitos negligentes, se impõe trazer à colação, a teoria da conexão de risco. Ficando a imputação dependente de o agente ter criado um risco não permitido ou ter potenciado ou aumentado um risco já existente, bem como de esse risco ter conduzido à produção do resultado concreto. Falhando uma destas condições, a imputação deve ter-se por excluída.6 A arguida exerce uma atividade industrial regulada por lei, pelo que tinha obrigação de conhecer e, no exercício da mesma, cumprir com o prescrito nos normativos coligidos. Ao não atuar conforme ao que está prescrito na lei, essa sua conduta (omissiva) é, indubitavelmente, constitutiva do ilícito em referência, com as características que a lei lhe traça (contraordenação ambiental muito grave – artigo 11.º, § 1.º, al. j) do Decreto-Lei n.º 293/2009, de 13 de outubro) - com negligência consciente. Nada havendo, por isso, também neste conspecto, a censurar à decisão recorrida. 3.1.3 Da medida da coima A recorrente entende que a coima de 12 000€, que lhe foi aplicada pela autoridade administrativa e mantida pela sentença sob recurso, é desproporcionada ao ilícito cometido, por «ser diminuta/inexistente a gravidade da conduta»! Não registando antecedentes no respeitante à prática da contraordenação ambiental pela qual foi condenada ou quaisquer outros; não teve benefício económico; e o facto não tendo comportado quaisquer efeitos para o ambiente ou para a segurança de pessoas e bens. Impondo-se, por isso, «decisão diversa» (sem se indicar qual!). Quanto a esta dimensão do recurso o Ministério Público limitou-se a dizer que concorda com o que foi decidido na sentença. Nesta matéria importará considerar que se aplica ao recurso da medida da coima o mesmo princípio em matéria de recurso da pena: «(…) em matéria de pena o recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico. O tribunal de recurso deve intervir na pena [ou na medida da coima], alterando-a, apenas quando detetar incorreções ou distorções no processo de aplicação da pena, na interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais que regem a pena. Assim, o recurso não visa, nem pretende aqui, eliminar alguma margem de atuação, de apreciação livre, reconhecida ao tribunal de 1.ª instância enquanto componente individual do ato de julgar. A sindicabilidade da pena em via de recurso situa-se, pois, na deteção de um desrespeito dos princípios que norteiam a pena e das operações de determinação impostas por lei. E esta sindicância não abrange a determinação/fiscalização do quantum exato de pena que, decorrendo duma correta aplicação das regras legais e dos princípios legais e constitucionais, ainda se revele proporcionada. (…)»7 Neste mesmo sentido se pronuncia o Supremo Tribunal de Justiça8, relativamente à sua própria intervenção em matéria de determinação concreta da medida da pena, considerando que: «... a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça em sede de concretização da medida da pena, ou melhor, do controle da proporcionalidade no respeitante à fixação concreta da pena, tem de ser necessariamente parcimoniosa, porque não ilimitada, sendo entendido de forma uniforme e reiterada que “no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada”.» O recurso para o Tribunal da Relação não é, pois, uma oportunidade dada ao recorrente para este Tribunal fazer um novo juízo sobre a decisão de primeira instância ou a este se substituir. Sendo antes um meio de corrigir o que de menos próprio foi decidido pelo tribunal a quo. Vejamos, então, como se apreciou tal questão no tribunal recorrido. «Foi considerado pela autoridade administrativa que, atendendo a que a firma arguida diligenciou de forma a proceder à regularização da conduta ilícita, demonstrando que se preocupou em reparar dos danos causados, se verificaram todos os pressupostos legais acima indicados para ela poder beneficiar da atenuação especial da coima, o que também nós sufragamos nos termos e para os efeitos previstos pelos artigos 23.º-A e 23.º-B, ambos da L.Q.C.O.A. Eis os motivos por que in casu se aplicará a atenuação especial da coima, reduzindo, dessa forma, a metade os limites mínimos € 24.000,00 (vinte e quatro mil euros) e máximo de € 144.000,00 (cento e quarenta e quatro mil euros) da coima aplicável para sancionamento de contraordenações ambientais muito graves praticadas por pessoas coletivas e a título de mera negligência (art.º 22.º, n.º 4, al. b), da L.Q.C.O.A.), que passarão, por consequência, a ter como limite mínimo de € 12.000,00 (doze mil euros) e máximo de € 72.000,00 (setenta e dois mil euros) (…) Quanto às finalidades da sanção, deve dizer-se que a mesma se liga, por um lado, à sensibilização dos agentes operadores/produtores para a adoção de um comportamento conforme às normas de regulação da gestão de resíduos, in casu, águas degradadas provenientes ou resultantes da atividade daqueles, tendo em vista a Tutela do Ambiente, da Saúde e Segurança das pessoas. Por outro, à necessidade de restabelecer a confiança coletiva na validade da norma violada, abalada pela prática do ilícito que, no caso, é suscetível de afetar de forma direca e imediata, os bens jurídicos tutelados, refletindo assim a incapacidade do Estado em fazer cumprir as normas que se destinam à sua proteção, sendo necessariamente atendidas, também, as exigências de prevenção geral e especial. Por seu turno, deve esclarecer-se que a coima tem um fim preventivo e, por isso, desempenha uma função de prevenção geral negativa (i. e., visa evitar que os demais agentes tomem o comportamento infrator como modelo de conduta) e de prevenção especial negativa (no sentido de que visa evitar que o agente repita a conduta infratora). Destarte, pode com segurança concluir-se que a coima não tem um fim retributivo da culpa ética do agente, pois não visa o castigo de uma personalidade deformada refletida no facto ilícito, nem tem um fim de prevenção especial positiva, pois não visa a ressocialização de uma personalidade deformada do agente 40. Assim, como sanção que é, a coima só é explicável enquanto resposta a um facto censurável, violador da ordem jurídica, cuja imputação se dirige à responsabilidade social do seu autor por não haver respeitado o dever que decorre das imposições legais, justificando-se a partir da necessidade de proteção de bens jurídicos e de conservação e reforço da norma violada, pelo que a determinação da medida da coima deve ser feita, fundamentalmente, em função de considerações de natureza preventiva geral, sendo certo que a culpa constituirá o limite inultrapassável da sua medida 41. Se é certo, porém, que o legislador ordinário (na área do direito de mera ordenação social) goza de ampla liberdade de fixação dos montantes das coimas aplicáveis, sem que com isso se coloque em causa o disposto no art.º 30.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa 42, a verdade é que deve o Tribunal emitir um juízo de censura e de correção relativamente às soluções/decisões administrativas, no que tange à aplicação da coima, que sejam desadequadas à gravidade dos comportamentos sancionados. (…) os montantes elevados com que o legislador puniu as contraordenações ambientais não violam os princípios constitucionais da necessidade, adequação e proporcionalidade, porquanto o legislador ordinário (na área do direito de mera ordenação social ambiental) goza de ampla liberdade de fixação dos montantes das coimas aplicáveis, sem que com isso se coloque em causa o disposto no art.º 30.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa; sendo que de acordo com a jurisprudência constante do nosso Tribunal Constitucional, a consagração de coimas com valores elevados não implica necessariamente uma violação daqueles princípios constitucionais ínsitos no art.º 18.º, n.º 2 da C.R.P., na simples medida em que a grande amplitude existente entre limites mínimos e máximos de coimas aplicáveis não consubstanciam uma ausência de limite ou uma indefinição das mesmas – (neste sentido, veja-se a linha da jurisprudência consolidada do Tribunal Constitucional português, a propósito da fixação dos montantes das coimas a aplicar (a título de exemplo, vd. os acórdãos n.º 304/94, n.º 574/95 e n.º 547/2000, todos estes arestos estão disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos), segundo a qual se vem entendendo que o Tribunal Constitucional (e, por maioria de razão, os tribunais de 1.ª instância) deve coibir-se de interferir diretamente nesse espaço de livre conformação legislativa, apenas lhe cabendo – sempre se necessário – acautelar que tais opções legislativas não ferem, de modo flagrante e manifesto, o princípio da proporcionalidade 43. A este propósito, deve sempre ter-se presente que. «Só um método interpretativo rigoroso e controlado limita a invasão pelos tribunais constitucionais da esfera legislativa e impede a atividade judicativa de se tornar um «contra-poder legislativo.». − [MARIA FERNANDA PALMA, O Legislador negativo e o intérprete da Constituição, in revista O Direito, 140.º (2008), III, p. 523; e veja-se, em especial, sobre o princípio da proporcionalidade sediado no art.º 18.º, n.º 2 da C.R.P., JORGE SILVA SAMPAIO, Ponderação e Proporcionalidade, A operação da ponderação. A proporcionalidade como norma reguladora e as condições para a deferência judicial (tese de doutoramento), vol. II, Almedina]. Assim, por forma a dar efetivo cumprimento ao disposto no n.º 1 do art.º 18.º, do R.G.C.O. e, especialmente, ao art.º 20.º, da L.Q.C.O.A., devem atender-se 44: a) À gravidade da contraordenação: i) Grau de violação ou perigo de violação dos bens jurídicos e interesses ofendidos; ii) Número de bens jurídicos e interesses ofendidos e suas consequências; iii) Eficácia dos meios utilizados. b) À culpa do agente: i) Grau de violação dos deveres impostos ao agente; ii) Grau de intensidade da vontade de praticar a ação; iii) Sentimentos manifestados no cometimento da contraordenação; iv) Fins ou motivos determinantes; v) Conduta anterior ou posterior; vi) Personalidade do agente. c) À situação económica do agente (que se prende com a influência da sanção sobre este): i) Situação Económica; ii) Condições pessoais. d) Ao benefício económico que o agente retirou da prática da contraordenação. Concretizando. Ora, no respeitante à gravidade da infração, dir-se-á que a mesma é, apesar de tudo, mediana, o que resulta do grau mediano de perigo que tal constituiu para o bem jurídico protegido, in casu, a Tutela do Ambiente, da Saúde e Segurança das pessoas 45. Com o regime regido pelo Dec.-Lei n.º 127/2013, de 30-8, passou a prevalecer a ideia da resolução dos problemas ambientais na sua origem, o mesmo é dizer junto dos agentes e atividades que esgotem os recursos naturais e causem danos ao ambiente, em vez de esperar que os problemas surgissem, aplicando-se o princípio da precaução. Este regime constitui um importante passo para resolver questões ambientais que urge resolver, configurando o incumprimento de tal regime, uma contraordenação ambiental muito grave. Os cidadãos e as empresas têm de ser responsáveis por determinados comportamentos, com vista a controlar e reduzir ao mínimo os riscos que da sua atividade possam advir para a saúde, segurança das pessoas e para o ambiente. Nestes termos, atendendo a que os componentes ambientais e a saúde pública são património de toda uma coletividade, torna-se intolerável que estes sejam afetados em benefício de pessoas ou empresas em concreto, que se transmita depois à coletividade prejudicada o custo de reparação dos mesmos. No que concerne à culpa, deverá considerar-se o facto de a firma arguida, através dos seus funcionários e representantes, ter agido com negligência consciente, pelo que a sua conduta será outrossim medianamente censurável. Com efeito, resultou apurado que a firma arguida, através dos seus funcionários e representantes, não agiu com a diligência necessária para cumprir com as suas obrigações legais, in casu, relacionadas com a obrigação de comunicação dos cenários de exposição a remeter em anexo da Ficha de Dados de Segurança, enquanto sua parte integrante, tal como previsto e imposto pelo art.º 31.º, n.º 1 do Regulamento REACH e seu Anexo II, não se descortinando qualquer facto que retire a censurabilidade à infração por si praticada. Destarte, não tendo ficado demonstrado que a firma arguida tivesse agido dolosamente ao praticar a infração verificada, a sua conduta apurada é, todavia, punida a título negligente, nos termos do n.º 2 do art.º 9.º, da Lei-Quadro das Contraordenações Ambientais, na redação dada pela Lei n.º 114/2015, uma vez que houve omissão de um dever objetivo de cuidado, de diligência, por parte da firma arguida, que, ao invés, deveria ter providenciado pela atempada comunicação dos cenários de exposição em anexo da Ficha de Dados de Segurança emitida em 24-8-2015, assinalada como Versão 1 de fls. 47-53, a qual estava em vigor à data da inspeção pela IGAMAOT em 30-1-2018 e 19-2-2018, conforme supra se apurou, nos termos impostos pela pertinente legislação supra id., e à qual se vinculou, pelo que com o seu comportamento displicente e descuidado não evitou a realização do facto típico, ilícito e culposo contraordenacional atrás referido. A legislação ambiental em apreço já se encontra sedimentada há alguns anos no nosso ordenamento jurídico, não existindo hoje qualquer motivo justificativo para o seu incumprimento, de tal sorte que quem exerce uma determinada atividade perigosa se encontra obrigado a diligenciar pelo conhecimento das regras que tutelam a mesma, uma vez que tal informação ou autoformação é pressuposto ou exigível a um normal e diligente cidadão ou agente empresarial. A firma arguida, através dos seus funcionários especializados e seus representantes, mostrou ter um comportamento decerto negligente, uma vez que um homem médio colocado naquelas circunstâncias de tempo, modo e lugar deveria ter atuado com outro grau de zelo e cuidado exigível em razão das obrigações assumidas por ser um profissional numa área de negócio sensível ao Ambiente, à Saúde Pública e à Segurança das pessoas, perante as autoridades e legislação aplicável, o que não fez, tendo, porém, capacidade para o fazer, violando dessa forma não apenas a pertinente lei nos termos acima indicados. Em face do que vem exposto e de toda a matéria fáctica assente resulta claro que a firma arguida, através dos seus funcionários especializados e seus representantes, violou deveres de cuidado a que estava obrigada pela legislação ambiental aplicável, designadamente agir com a diligência necessária para cumprir as obrigações inerentes ao exercício da sua atividade potencialmente lesiva do ambiente, in casu, relacionadas com a obrigação de comunicação dos cenários de exposição em anexo da Ficha de Dados de Segurança emitida em 24-8-2015, assinalada como Versão 1 de fls. 47-53, que estava em vigor à data da inspeção do IGAMAOT em 30-1-2018 e 19-2-2018, conforme supra se apurou, nos termos impostos pela pertinente legislação supra id., e à qual se vinculou, tendo em vista proteger o Ambiente, a Saúde e Segurança das pessoas, e de que era capaz, não se descortinando qualquer facto que retire a censurabilidade à infração contraordenacional ambiental muito grave por si praticada. Relativamente à situação económica do agente, atenta a factualidade constante do ponto 11) dos factos provados, resulta que declarou em sede de IRC (modelo 22) relativo ao ano de 2023, um prejuízo de € 959.094,98 (novecentos e cinquenta e nove mil, noventa e quatro euros e noventa e oito cêntimos). Finalmente e no que tange ao benefício económico retirado pela firma arguida com a prática da contraordenação ambiental muito grave, o apuramento deste benefício deverá ser feito tendo em consideração a natureza da contraordenação cometida e o apuramento das circunstâncias que rodearam a sua prática, entendendo-se por benefício económico todo o proveito económico que não ocorreria no património do agente se este tivesse adotado a conduta que o ordenamento jurídico lhe impunha e não tivesse contrariado a ação administrativa. Nesta conformidade, no caso concreto em apreço, se à primeira vista não se vislumbra que tivesse existido tal benefício económico, certo é que o mesmo existirá consubstanciado nos custos inerentes ao funcionamento de um sistema organizado e eficaz de tratamento e comunicação das FDS e CE, imprescindível para se assegurar aquelas obrigações legais. Ademais interessa, aqui, trazer à colação o facto de o incumprimento das normas em matéria de ambiente introduzir, nos dias que correm, elementos que distorcem fortemente as regras da concorrência em desfavor dos agentes económicos que cumprem zelosamente não apenas os padrões ambientais, mas também todas as regras e procedimentos que possam atestar tal facto essencial para todos nós. Por último, interessa sublinhar que a coima a aplicar terá que ter expressão suficiente para impedir a firma arguida de voltar a praticar factos de idêntica natureza, representando um real sacrifício para a mesma, por forma a assegurar as necessidades de prevenção geral. In casu, se é certo que as exigências de prevenção especial não assumem relevância, não é, porém, menos certo que as exigências de prevenção geral são bastante acentuadas, tendo em atenção a ocorrência frequente de situações como as dos autos, que poderão lesar o meio ambiente de todos nós, cujas consequências poderão ainda ser assaz nefastas ademais para o Ambiente e para a Saúde e Segurança das pessoas que irão manusear tais substancias químicas perigosas e até, por efeito reflexo, a Saúde Pública de todos que coabitam no ecossistema. Por outra banda, a contraordenação ambiental muito grave praticada pela firma arguida/recorrente, através dos seus funcionários e representantes, assume uma gravidade e ilicitude significativas, atenta a não observância de obrigações primordiais que têm em vista proteger o meio ambiente e o seu desenvolvimento sustentável, bem como a Saúde e Segurança das pessoas que irão manusear tais substâncias químicas perigosas. Ora, no caso vertente, a autoridade administrativa sancionou a firma arguida, pela prática da referida contraordenação ambiental grave, com uma coima no valor monetário de € 12.000,00 (doze mil euros), valor este que sendo o mínimo legal aplicável, atenta a respetiva moldura legal abstrata especialmente atenuada nos termos dos artigos 23.º-A e 23.º-B, ambos da L.Q.C.O.A., ainda se considera justo, adequado e proporcional à gravidade e censurabilidade da conduta da firma arguida nos termos supra apurados, razão pela qual se mantém aplicação da coima nesse valor de € 12.000,00 (doze mil euros).» A coima prevista na lei para a contraordenação cometida pela arguida é de 24 000€ a 144 000€ (artigo 22.º, § 4.º, al. b) da LQCA. Mas como se considerou (com esteio na factualidade provada) que a arguida diligenciou de forma a proceder à regularização da conduta ilícita, demonstrando preocupação em reparar os danos causados, a autoridade administrativa atenuou especialmente a sanção, o que nos termos dos artigos 23.º-A e 23.º-B da LQCA determinou a redução a metade os limites mínimo e máximos da coima prevista (passando para 12 000€ a 72 000€), tendo aplicado à arguida uma coima correspondente ao mínimo legal, de 12 000€. Isto é, o mínimo previsto na lei para a infração cometida. A arguida sustenta que «admitir uma punição com coima pela prática de um facto que não comportou quaisquer efeitos para o ambiente ou para a segurança de pessoas e bens – valores jurídicos em causa na legislação que fundamenta a contraordenação pretensamente imputada –, mesmo que especialmente atenuada, no caso de negligência, para pessoas coletivas, como é a ora recorrente, constitui situação destituída de fundamento do ponto de vista da prevenção e, ademais, uma punição desproporcional face à diminuta gravidade da infração e à conduta da ora recorrente.» Mas lavra em erro. A norma jurídica em causa visa prevenir (antecipar) o perigo que pode advir das situações que descreve. E pune com a moldura abstrata em referência quem viola aquela regra de cuidado. O que está em causa não é, pois, se o desastre foi maior ou menor. Pois que a haver consequências (a ocorrer um dos desastres que se visa evitar) a punição já não seria aquela, mas toda outra. O que a lei pune como contraordenação muito grave é a violação da norma impositiva de um dever, visando justamente prevenir a eclosão de qualquer desastre humano, ambiental ou ambos. Com referência à decisão da autoridade administrativa, a sentença recorrida reconheceu terem sido respeitados os critérios normativos de graduação e adequação da sanção aplicada, considerando-se que o mínimo legal (montante fixado na decisão administrativa) ainda cumpre com as exigências mínimas de prevenção geral e especial. E assim é, efetivamente, pelo que consideramos nada haver a alterar ao decidido pelo Juízo de 1.º Instância. 3.1.4 Da suspensão da execução da coima Nas conclusões VV. a CCC. pugna a recorrente para que a execução da coima aplicada lhe seja suspensa da sua execução, em conformidade com o previsto nos artigos 20.º-A, § 1.º LQCA. Para tanto invocando que voluntariamente, antes mesmo da ação inspetiva, regularizou a situação, remetendo à sua cliente BB os «Cenários de Exposição», cuja omissão constitui o ilícito. Nesta parte também, o Ministério Público limita-se a dizer que está de acordo com o decidido na sentença recorrida. Lembremos que também nesta matéria a intervenção do Tribunal da Relação se cinge à correção de erros in judicando. Esta matéria está regulada na lei no artigo 20-A da LQCA, onde, sob a epígrafe «suspensão da sanção», se dispõe: «1 - Na decisão do processo de contraordenação, a autoridade administrativa pode suspender, total ou parcialmente, a aplicação da coima, quando se verifiquem as seguintes condições cumulativas: a) Seja aplicada uma sanção acessória que imponha medidas adequadas à prevenção de danos ambientais, à reposição da situação anterior à infração e à minimização dos efeitos decorrentes da mesma; b) O cumprimento da sanção acessória seja indispensável à eliminação de riscos para a saúde, segurança das pessoas e bens ou ambiente. 2 - Nas situações em que a autoridade administrativa não suspenda a coima, nos termos do número anterior, pode suspender, total ou parcialmente, a execução da sanção acessória. 3 - A suspensão pode ficar condicionada ao cumprimento de certas obrigações, designadamente as consideradas necessárias para a regularização de situações ilegais, à reparação de danos ou à prevenção de perigos para a saúde, segurança das pessoas e bens e ambiente. 4 - O tempo de suspensão da sanção é fixado entre um e três anos, contando-se o seu início a partir da data em que se esgotar o prazo da impugnação judicial da decisão condenatória. 5 - A suspensão da execução da sanção é sempre revogada se, durante o respetivo período, ocorrer uma das seguintes situações: a) O arguido cometer uma nova contraordenação ambiental ou do ordenamento do território, quando tenha sido condenado pela prática, respetivamente, de uma contraordenação ambiental ou do ordenamento do território; b) O arguido violar as obrigações que lhe tenham sido impostas. 6 - A revogação determina o cumprimento da sanção cuja execução estava suspensa.» A sentença recorrida refere neste particular aspeto, que: «(…) salvo o devido respeito, não subscrevemos tal entendimento mínimo rebuscado, pelo que, sem necessidade de maiores delongar para o afastar, bastará dizer que faltando no caso o pressuposto formal da concessão de tal suspensão da execução da coima, que, lembre-se, seria a aplicação de uma sanção acessória de regularização da situação, tal impede de per se a sua aplicação no caso vertente. Parece linear. Termos em que não se concede a requerida suspensão da execução da coima, por inadmissibilidade legal.» Também consideramos que se não verifica o pressuposto formal (aplicação de uma sanção acessória), lembrando-se que não foi aplicada à arguida nenhuma sanção acessória. O que logo é o bastante para arredar a possibilidade de suspensão da execução da coima. O argumento esgrimido pela recorrente, de que por ter realizado voluntariamente o que não havia feito em devido tempo (fornecer à BB o anexo dos cenários de exposição de fls. 47-53 relativos à Ficha de Dados de Segurança – FDS - correspondente à Versão 1, emitida em 24-8-2015, que lhe fora disponibilizada pela aqui firma arguida «AA), deva aqui valer como se lhe tivesse sido aplicada a sanção acessória de reposição da situação anterior à infração, para efeito do preenchimento dos pressupostos da suspensão da coima. Só que isso, a mais de flagrante fraude à lei, sempre redundaria numa dupla valoração da mesma circunstância, porquanto aquela atitude da arguida já serviu de esteio à atenuação especial da coima (nos termos dos artigos 23.º-A e 23.º-B da LQCA ) que determinou a redução a metade os limites mínimo e máximos da coima prevista. Pelo que também neste conspecto nada há a censurar à decisão recorrida. Com o que concluímos não ser o recurso merecedor de provimento. 3. Dispositivo Destarte e por todo o exposto, acordam em conferência os Juízes que constituem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora, em: a) confirmar a sentença recorrida. b) A taxa de justiça a suportar pela recorrente é fixada em 4 UCs. (artigo 93.º, § 3.º RGC). Évora, 25 de junho de 2025 J. F. Moreira das Neves (relator) Carla Francisco Edgar Valente .............................................................................................................. 1 A sentença tem 191 páginas. 2 Como basta e proficientemente assinalam a doutrina e a jurisprudência, as «conclusões» são: «um resumo das questões discutidas na motivação» (Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 2011, pp. 1136, nota 14). «Devem ser concisas, precisas e claras (…)» (Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. III, Do Procedimento - Marcha do Processo, Universidade Católica Editora, 2014, pp. 335). Não podem constituir uma «reprodução mais ou menos fiel do corpo motivador, mas sim constituírem uma síntese essencial dos fundamentos do recurso» (Sérgio Gonçalves Poças, Processo penal quando o recurso incide sobre a decisão da matéria de facto, revista Julgar n.º 10, 2010, pp. 23. Neste mesmo sentido cf. acórdão deste Tribunal da Relação de Évora, de 1set2021, proc. 430/20.1GBSSB.E1, rel. Gomes de Sousa; acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 11jul2019, proc. 314/17.0GAPTL.G1, rel. Mário Silva; acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 5abr2019, proc. 349/17.3JDLSB.L1-9, rel. Filipa Costa Lourenço; e do mesmo Tribunal da Relação de Lisboa, acórdão de 9/3/2023, proc. 135/18.3SMLSB.L2-9, rel. João Abrunhosa! Exatamente o contrário do que faz a recorrente! 3 Sobre a natureza do regime das contraordenações e da sua estrutura procedimental cf. Nuno Brandão, Crimes e Contraordenações: da cisão à convergência material, pp. 19 ss., Coimbra Editora, 2016. 4 Neste sentido cf. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, tomo I, 2019 (3.ª ed.), Gestlegal, pp. 1011. 5 Hans-Heirich Jescheck, Tratado de Derecho Penal, 1993, Bosch, 4.ª ed., pp. 524 ss. 6 Jorge de Figueiredo Dias, Textos de Direito Penal, Doutrina Geral do Crime, p. 65. 7 Acórdão TRÉvora, de 22/4/2014, proc. n.º 291/13.7GEPTM.E1, rel. Ana Barata Brito. No mesmo sentido cf. acórdãos TRÉvora, de 29/5/2012, proc. 72/11.2PTFAR.E1, rel. António João Latas; e acórdão TRÉvora, de 16/6/2015, proc. 25/14.9GAAVS.E1, rel. Clemente Lima, todos disponíveis em www.dgsi.pt. 8 Acórdão do STJ, de 27mai2009, proc. 09P0484, relator Raúl Borges - http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/e11c50996991c5df8025 |