Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
36/17.2GBODM-B.E1
Relator: MOREIRA DAS NEVES
Descritores: CUSTAS DE PARTE
NOTA DISCRIMINATIVA E JUSTIFICATIVA
NOTIFICAÇÃO À PARTE
RECLAMAÇÃO
Data do Acordão: 05/21/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I. O regime atinente ao pagamento de custas de parte encontra-se regulado nos artigos 25.º, 26.º e 26.º-A do Regulamento das Custas Processuais (RCP).
II. Nele se estabelecendo que as partes que tenham direito a custas de parte, deverão apresentar a respetiva nota discriminativa e justificativa à parte vencida.

III. A alusão, na letra da lei, à «remessa…para a parte vencida», não tem significado diferente das outras notificações previstas na lei adjetiva em que, apesar de simplesmente referidas às «partes», podem e devem ser feitas sempre aos respetivos mandatários - como inere à obrigatoriedade do patrocínio forense.

IV. Cabendo, à parte vencida, por sua vez, discordando da nota justificativa apresentada, reclamar dela impulsionando o competente incidente de reclamação (conforme previsto no artigo 26.º-A do RCP - introduzido no RCP pela Lei n.º 27/2019, de 28 de março) logo depositando o valor indicado naquela nota.

Decisão Texto Integral: I – Relatório
a. No 1.º Juízo (1) de Competência Genérica de …, no apenso de embargos de executado, no âmbito de ação executiva de sentença, em que é exequente AA, e executada BB, o tribunal recorrido veio a declarar liminarmente indeferido o requerimento executivo (2), por relativamente à componente de custas de parte considerar inexistir título executivo, por considerar que a «Nota Discriminativa e Justificativa de Custas de Parte» não terá sido previamente comunicada à própria executada, facto que entendeu ser constitutivo da liquidação das custas de parte, decorrentes da condenação ilíquida, conferidora de eficácia ao título executivo.

b) Não se conformando com a decisão de indeferimento liminar relativamente à componente das custas de parte a exequente apelou sustentando, que:

«U) A executada/apelada foi devidamente notificada da Nota de Custas de Parte em 24/06/2020, conforme Doc. 2 junto aos presentes autos executivos, o qual nunca impugnou, nem tendo apresentado qualquer reclamação da nota de custas, no seu devido tempo.

V) Em 24/06/2022 veio a executada/apelada deduzir embargos invocando unicamente discordância no que respeita ao valor das custas de parte. Em parte alguma invocou que não tinha sido devidamente notificada da nota discriminativa de custas de parte.

W) Em todo o seu discurso nos embargos de executada se pode atestar que assume que foi regular e atempadamente notificada da nota discriminativa de custas de parte, até porque vem exercer o contraditório quanto ao valor da mesma (apesar de extemporaneamente).

X) Veio agora a douta sentença recorrida decidir pelo “indeferimento liminar do requerimento executivo, com extinção da ação executiva”, considerando que não ocorreu “a interpelação para pagamento das custas de parte individual à executada”.

Y) Mal decidiu a douta sentença nesta matéria, atento que é a própria executada/apelada, na petição inicial dos seus embargos, que vem dar como provada essa interpelação e deduzir oposição ao valor da nota de custas de parte, nunca invocando a falta da sua interpelação para pagamento.

Z) O requerimento apresentado pela executada/apelada em 22/06/2023, absolutamente infundado e extemporâneo, que norteou a douta sentença ora recorrida, representa mais uma manobra dilatória, bem como litigância de má fé, uma vez que vem invocar factos que contrariam na íntegra o que deu como provado na sua petição de embargos de executada.

AA) A executada/embargante teve o seu momento processual para reclamar da nota discriminativa de custas de parte, e não o fez, precludindo-se esse direito, consolidando-se a nota de custas de parte (cf. Jurisprudência a título exeplificativo: Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra proferido em 01/06/2021, Acórdão do Tribunal da Relação de Évora proferido em 14/03/2019 e Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido em 07/07/2022).

BB) Com efeito, a notificação da nota discriminativa de custas de parte não tem que ser diretamente notificada à parte que tenha constituído mandatário judicial, sendo suficiente a notificação deste. Neste sentido bem tem decidido muita da jurisprudência, a título exemplificativo:

a) Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra proferido em 20-04-2016, Processo nº 2417/07.0TBCBR-C.C1: “(...)O envio da nota justificativa das custas de parte ao mandatário da parte vencida vale como se o envio tivesse sido efectuado para a parte que representa.”

b) Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra proferido em 08/03/2022, Processo nº 2083/14.0T8CBR.C3: “A nota de custas de parte não tem que ser directamente notificada à parte que tenha constituído mandatário judicial, sendo suficiente a notificação deste.”

c) Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido em 18/11/2021, Processo nº 2766/16.7T8VFR-A.L1-2:

d) Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães proferido em 21/10/2021, Processo nº 3222/19.7T8VNF-B.G1

e) Acórdão do Tibunal da Relação do Porto, proferido em 09/01/2017, Proc. nº 1388/09.3TBPVZ-A.P1:

f)Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 18/11/2021, Proc. nº 2766/16.7T8VFR-A.L1-2

CC) Para a notificação da nota de custas de parte a lei não exige que a mesma se opere de acordo com a regra das notificações pessoais, pelo que, não há que observar os trâmites previstos no n.º 2 do artigo 247.º do CPC.

DD) Pelo exposto, padece a douta sentença recorrida de nulidade, por omissão de pronúncia no que concerne ao primeiro pedido executivo, cujo título é sobejamente válido, nulidade essa que ora se vem arguir nos termos do disposto no artº 615º, nº 1 alínea d) do CPC.

EE) Mais veio a douta sentença ora em crise decidir erradamente no que concerne ao indeferimento liminar do requerimento executivo, com extinção da ação executiva, por considerar não ter ocorrido a interpelação para pagamento das custas de parte individual à executada.

FF) A douta sentença ora recorrida violou, assim, as disposições legais constantes nos artºs 152º, nº 1 - 1ª parte; 247º, nº 1; 615º, nº 1 d); 703º, nº 1 - alínea a); 704º; 709º; 710º; 726º, nºs 3 e 4, todos do CPC e 25º e 26º do RCP.»

c. A recorrida não respondeu ao recurso.

II. Questões a resolver

Pelas conclusões apresentadas pelo recorrente – sem prejuízo dos poderes oficiosos conferidos ao tribunal e de não poderem ser apreciadas questões novas – fixa-se o thema decidendum e definem-se os respetivos limites cognitivos.

Nas circunstâncias do caso presente a única questão de que importa conhecer e resolver é a de saber se:

- Para valer como título executivo, a nota justificativa e discriminativa das custas de parte, prevista no artigo 25.º, do Regulamento das Custas Processuais, tem de ser previamente remetida diretamente à pessoa do devedor responsável, não bastando que o seja ao seu mandatário forense no processo.

III - Fundamentos de facto

Decorre dos autos o seguinte:

1. A sentença condenatória proferida em 1.ª instância foi confirmada por acórdão do Tribunal da Relação de Évora, tendo a executada sido também condenada nas respetivas custas.

2. No dia 23 de junho de 2020 o exequente remeteu ao ilustre mandatário da executada a nota discriminativa das custas de parte.

3. A executada não reclamou do pedido de custas de parte apresentado pelo exequente.

4. A quantia fixada na referida nota discriminativa das custas de parte não se mostra paga.

5. Foi intentada a competente ação executiva para pagamento das quantias em dívida, contendo o requerimento executivo dois pedidos:

a) quantia exequenda de 850,00€, cujo título executivo é a sentença criminal que condenou a executada no pagamento dessa quantia ao exequente a título de danos não patrimoniais;

b) a quantia exequenda de 1 455,00€, respeitante a custas de parte, respeitantes ao mesmo processo.

IV - Fundamentos de direito

Impõe-se, como nota prévia, clarificar que o significado preciso da afirmação do recorrente quando indica ter dado conhecimento à executada da Nota Discriminativa e Justificativa de Custas de Parte (NDJCP), o documento que tal demonstra prova efetivamente que a 23jun2020 remeteu essa nota ao advogado da executada.

Atentemos agora na questão central do recurso.

O regime atinente ao pagamento de custas de parte encontra-se regulado nos artigos 25.º, 26.º e 26.º-A do Regulamento das Custas Processuais (RCP). Aí se estabelecendo que as partes que tenham direito a custas de parte, devem apresentar a respetiva nota discriminativa e justificativa à parte vencida, conforme enunciado no artigo 25.º do citado RCP. Cabendo à parte vencida, por sua vez, reclamar da nota apresentada, impulsionando o incidente de reclamação da nota justificativa previsto no artigo 26.º-A do RCP (este normativo foi introduzido no RCP pela Lei n.º 27/2019, de 28 de março) – logo depositando o valor indicado nessa nota. Uma parte significativa da jurisprudência (firmada num argumentário que é anterior à introdução clarificadora do citado artigo 26.º-A do RCP) vem considerando que a referida nota discriminativa e justificativa, deve não só ser levada ao conhecimento do mandatário da parte como ao próprio devedor, não tendo esta o encargo de a procurar e examinar no processo, a fim de poder impugná-la por via de reclamação caso encontre razões para tal ou, mesmo que o não faça, deter na sua posse o título que, em complemento da sentença condenatória, define e comprova a prestação a seu cargo. Alude-se à garantia dos direitos de defesa do devedor, considerando-se haver razões de segurança e de garantia do devedor impregnadas na necessidade de notificação pessoal à própria parte devedora de custas processuais, para além da notificação ao seu advogado. E que mais que uma «liquidação» (3), como considera Salvador da Costa (4), está em causa o próprio vencimento da obrigação de pagamento das custas de parte, a qual apenas se vence com o recebimento da respetiva nota discriminativa pelo devedor, sem o que falta, de forma não suprida, a interpelação para o cumprimento, sabido que não se trata de obrigação pura (ou com prazo certo), comprometendo a exigibilidade, neste sentido, da obrigação exequenda (5), com inevitáveis reflexos no título e na execução nele assente. (6) É nesta a linha argumentativa que se inscreve a decisão recorrida. No entanto, não cremos que esta seja a orientação mais conforme (desde logo) à letra da lei nem à racionalidade e razoabilidade que nos parecem impregnadas nas normas que contêm os mecanismos processuais respetivos, nem ainda ao valor da lealdade processual.

Comecemos por transcrever as normas em referência:

Artigo 25.º

Nota justificativa

1 - Até 10 dias após o trânsito em julgado ou após a notificação de que foi obtida a totalidade do pagamento ou do produto da penhora, consoante os casos, as partes que tenham direito a custas de parte remetem para o tribunal, para a parte vencida e para o agente de execução, quando aplicável, a respetiva nota discriminativa e justificativa, sem prejuízo de esta poder vir a ser retificada para todos os efeitos legais até 10 dias após a notificação da conta de custas.

2 - Devem constar da nota justificativa os seguintes elementos:

a) Indicação da parte, do processo e do mandatário ou agente de execução;

b) Indicação, em rubrica autónoma, das quantias efetivamente pagas pela parte a título de taxa de justiça;

c) Indicação, em rubrica autónoma, das quantias efetivamente pagas pela parte a título de encargos ou despesas previamente suportadas pelo agente de execução;

d) Indicação, em rubrica autónoma, das quantias pagas a título de honorários de mandatário ou de agente de execução, salvo, quanto às referentes aos honorários de mandatário, quando as quantias em causa sejam superiores ao valor indicado na alínea c) do n.º 3 do artigo 26.º

e) Indicação do valor a receber, nos termos do presente Regulamento.

3 - O patrocínio de entidades públicas por licenciado em direito ou em solicitadoria com funções de apoio jurídico equivale à constituição de mandatário judicial, para efeitos de compensação da parte vencedora a título de custas de parte.

4 - Na ação executiva, a liquidação da responsabilidade do executado compreende as quantias indicadas na nota discriminativa, nos termos do número anterior.

Artigo 26.º

Regime

1 - As custas de parte integram-se no âmbito da condenação judicial por custas, salvo quando se trate dos casos previstos no artigo 536.º e no n.º 2 do artigo 542.º do Código de Processo Civil.

2 - As custas de parte são pagas diretamente pela parte vencida à parte que delas seja credora, salvo o disposto no artigo 540.º do Código de Processo Civil, sendo disso notificado o agente de execução, quando aplicável.

3 - A parte vencida é condenada, nos termos previstos no Código de Processo Civil, ao pagamento dos seguintes valores, a título de custas de parte:

a) Os valores de taxa de justiça pagos pela parte vencedora, na proporção do vencimento;

b) Os valores pagos pela parte vencedora a título de encargos, incluindo as despesas do agente de execução;

c) 50 % do somatório das taxas de justiça pagas pela parte vencida e pela parte vencedora, para compensação da parte vencedora face às despesas com honorários do mandatário judicial, sempre que seja apresentada a nota referida na alínea d) do n.º 2 do artigo anterior;

d) Os valores pagos a título de honorários de agente de execução.

4 - No somatório das taxas de justiça referidas no número anterior contabilizam-se também as taxas dos procedimentos e outros incidentes, com exceção do valor de multas, de penalidades ou de taxa sancionatória e do valor do agravamento pago pela sociedade comercial nos termos do n.º 6 do artigo 530.º do Código de Processo Civil e do n.º 3 do artigo 13.º

5 - O valor referido na alínea c) do n.º 3 é reduzido ao valor indicado na alínea d) do n.º 2 do artigo anterior quando este último seja inferior àquele, não havendo lugar ao pagamento do mesmo quando não tenha sido constituído mandatário ou agente de execução.

6 - Se a parte vencida for o Ministério Público ou gozar do benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, o reembolso das taxas de justiça pagas pelo vencedor é suportado pelo Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I. P.

Artigo 26.º-A Reclamação da nota justificativa

1 - A reclamação da nota justificativa é apresentada no prazo de 10 dias, após notificação à contraparte, devendo ser decidida pelo juiz em igual prazo e notificada às partes.

2 - A reclamação da nota justificativa está sujeita ao depósito da totalidade do valor da nota.

3 - Da decisão proferida cabe recurso em um grau se o valor da nota exceder 50 UC.

4 - Para efeitos de reclamação da nota justificativa são aplicáveis subsidiariamente, com as devidas adaptações, as disposições relativas à reclamação da conta constantes do artigo 31.º

Como se pode ver, a lei refere com clareza a quem se deve remeter a Nota Justificativa, e nela não constando a pessoa do exequente: «(…) as partes que tenham direito a custas de parte remetem para o tribunal, para a parte vencida e para o agente de execução (…)»

Consideramos inútil explanar por outras palavras o que bem se expõe e decide no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 21 de outubro de 2021, proferido no processo n.º 3222/19.7T8VNF-B.G1, do qual foi relator o desembargador José Amaral, sendo os seus fundamentos mais conformes aos valores da equidade e da lealdade processuais, sem qualquer assomo de prejuízo para as garantias do executado.

Por isso mesmo, permita-se-nos que passemos, de imediato, a transcrever os passos mais importantes do respetivo argumentário.

«(…) Estando demonstrado que a apelada foi condenada nas custas da ação em que litigou com o apelante e que este procedeu ao envio ao mandatário daquela a nota justificativa e discriminativa das custas de parte – por correio como documentam os autos - e ao tribunal via Citius, sem que lhe tenha sido oposta qualquer reclamação, foram cabalmente satisfeitas as exigências legais, estando devidamente interpelada a devedora, nada mais sendo necessário para se completar o título executivo, assim perfeitamente exequível, como decidiu o tribunal a quo.»

E ainda que, «em face do regime legal vigente sobre as custas, maxime as custas de parte, é de todo peregrina a tese de que não foi fixado prazo de pagamento. Esse prazo é o legalmente estabelecido para as demais custas.

É-o também quanto à ausência de definição de forma de pagamento. Pode sê-lo por qualquer uma, de entre as normalmente disponíveis em relação a qualquer outra obrigação pecuniária, desde que adequada ao cumprimento pontual.

É-o ainda a alusão a que não ocorre[u] interpelação. Esta consuma-se inequivocamente com a remessa da nota discriminativa das quantias devidas e indicação nela do “valor a receber”. O procedimento legalmente previsto tal pressupõe e nada mais exige.

Basta, de resto, para o efeito, e para se haver por cumprido o disposto no art.º 25.º, n.º 1, do RCP, e 31.º, da Portaria, a remessa da nota ao mandatário do devedor.

(…)

A alusão, na letra da lei, à “remessa…para a parte vencida”, à falta de qualquer outra especificação no sentido da necessidade de tal suceder pessoalmente para a própria e até à conveniência, maxime para efeitos de exame e eventual reclamação de o ser ao seu mandatário, não tem qualquer outro significado da de outras diversas notificações previstas na lei adjetiva e que apesar de referidas simplesmente às “partes” podem e devem ser feitas sempre aos respetivos mandatários como é inerente à própria obrigatoriedade do patrocínio forense.

Sendo, assim, “uma remessa de nota justificativa bifronte, uma para a parte responsável pelo seu pagamento e a outra para o tribunal” ou uma “remessa tendencialmente triangular, uma para a parte responsável pelo seu pagamento, outra para o tribunal onde deva ser elaborado o ato de contagem final ou definitivo do processo, e outra para o agente de execução, se for caso disso”, não se concebe que em face do regime de notificação e do patrocínio decorrentes da lei adjetiva a dita parte deva duplamente ser notificada em sua própria pessoa e na pessoa do seu mandatário, o que redundaria em ato processual inútil, para ela igualmente sem vantagem significativa e, por isso, rebelde ao espírito de simplicidade, celeridade e eficácia que norteia o regime de apuramento, reclamação e cobrança das custas de parte, posto que a obrigação já ficou estabelecida na sentença transitada e apenas resta o ato de liquidação.

Mesmo na perspetiva da consolidação do título e das respetivas condições de exequibilidade, não se vê o que à sua certeza e segurança possa acrescentar a remessa pessoal da nota à própria parte, quando ninguém duvidará que a remessa ao mandatário corresponde até a uma interpelação qualificada e mais garantística em razão do apetrechamento técnico-jurídico do respetivo advogado para a receber, compreender, avaliar e aceitar ou contestar. Pensar e defender o contrário e exigir a remessa à própria parte cumulativa com a notificação dele seria até desvalorizar ou rebaixar o sentido e função do patrocínio e o estatuto do advogado patrono, tal como o seria impor que o ato fosse acompanhado de mais ou menos expressões vulgarmente significantes de interpelação para pagamento mas inúteis para juristas, como as sugeridas quanto ao prazo, forma e pretensão de recebimento, ou ainda a comunicação direta do mandatário do credor com a parte contrária que o [Estatuto da Ordem dos Advogados] EOA até proíbe.

Não sendo questionável – como no caso não o é – a condenação e a consequente responsabilidade e, portanto, a existência da obrigação, não se vê o que ganharia o próprio devedor e a justiça com a extinção, por falta apenas da remessa pessoal para ele e assegurada que esteja o envio ao seu mandatário da nota justificativa, do procedimento executivo, uma vez que em tal hipótese daí não decorre a extinção daquela.»

A tudo isto acresce, no caso concreto, que a executada conhece e revela bem ter compreendido a NDJCP (nos embargos de executado!). Certo sendo que dela, no tempo processualmente adequado, não reclamou (artigo 26.º-A, § 2.º RCP)! Talvez porque seria necessário logo proceder ao depósito da totalidade do valor da nota! (7) Só em sede de embargos vem dizer discordar da NDJCP, por a considerar mal elaborada «por desconforme aos critérios normativos»! Dar-lhe no plano adjetivo, totalmente à margem da letra e do sentido lógico-normativo da lei, uma vantagem fundada num tão pretenso quanto tardio (e artificioso) «pecado original» (de não ter sido pessoalmente notificada da NDJCP), constitua, a mais de um clamoroso atropelo à legalidade, um grosseiro atropelo à boa fé (à lealdade elementar) processual. Termos em que consideramos não verificada a nulidade em que assenta o despacho impugnado. Razão pela qual o mesmo se não poderá manter.

V – Dispositivo

Destarte e por todo o exposto, acordam os Juízes que constituem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em:

a) julgar procedente a apelação e, em consequência, revogam a decisão recorrida.

b) Condenam a recorrida nas custas da apelação (artigos 527.º, § 1.º e 2.º e artigo 529.º do CPC e tabela I-B anexa ao RCP).

c) Notifique-se. Évora, 21 de maio de 2024 J. F. Moreira das Neves (relator)

Maria Filomena Soares

António Condesso

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1 A utilização da expressão ordinal (1.º Juízo, 2.º Juízo, etc.) por referência ao nomen juris do Juízo tem o condão de não desrespeitar a lei nem gerar qualquer confusão, mantendo uma terminologia «amigável», conhecida (estabelecida) e sobretudo ajustada à saudável distinção entre o órgão e o seu titular, sendo por isso preferível (artigos 81.º LOSJ e 12.º RLOSJ).

2 O que ocorreu a dois passos: primeiro declarando inexistente o título executivo e decretada a extinção de toda a execução; e depois, corrigindo, decidindo-se que o indeferimento liminar se restringia ao segundo pedido do requerimento executivo, id est apenas às custas de parte, determinando-se o prosseguimento da execução quanto à indemnização fixada na sentença sob execução.

3 Cf. artigo 716.º CPC. Como refere Rui Pinto – em Notas ao Código de Processo Civil, vol. II, 2.ª ed., 2015, Coimbra Editora, p. 231 –, «Toda a liquidação é um cálculo aritmético, mas necessariamente um cálculo aritmético juridicamente relevante, tanto nos factos em que assenta, como nos efeitos que dela decorrem.»

4 Op. e loc. citados.

5 Esta deve estar já verificada ao tempo da instauração da execução (cf. artigos 726.º/2, als. a) e b) e 729.º, al. e) CPC, sendo certo, por outro lado, que nada foi requerido pelo exequente, que se constate nos autos, no âmbito do artigo 713.º CPC.

6 Neste sentido, inter alia, poderão ver-se os acórdãos: TRPorto de 09jan2017, proc. 1388/09.3TBPVZ-A.P1 (rel. Alberto Ruço); e de 18abr2017, proc. 13884/14.6T8PRT-A.P1 (rel. Sousa Lameira); do TRLisboa de 10out2019, proc. 1242/12.1TVLSB-C.L1.L1-6 (rel. Anabela Calafate), e de 26mar2019, proc. 14650/14.4T8LSB-F.L1-1 (rel. Maria do Rosário Gonçalves); ac. TRÉvora, de 12abr2018, proc. 716/17.2T8SLV-A.E1 (rel. Mata Ribeiro); ac. TRGuimarães, de todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt

7 Norma esta, justamente a propósito do depósito da totalidade do valor da nota, mereceu pronúncia do Tribunal Constitucional, que a considerou não vulneradora da Constituição (cf. acórdão TC, n.º 370/2020, de 10 de julho).