Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | BAPTISTA COELHO | ||
Descritores: | TRABALHO SUPLEMENTAR ÓNUS DA PROVA LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ | ||
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Data do Acordão: | 04/28/2016 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Decisão: | PROCEDENTE | ||
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Sumário: | 1. A procedência do pedido de pagamento do trabalho suplementar alegadamente prestado depende antes de o trabalhador, que alegou nesse sentido, provar em juízo que desempenhou as suas funções profissionais em períodos de tempo que excederam o horário de trabalho contratualmente fixado. 2. A condenação por litigância de má fé deverá resultar duma deliberada adulteração ou omissão de factos relevantes, e não da mera controvérsia processual sobre as consequências jurídicas de um facto. (Sumário do relator) | ||
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Decisão Texto Integral: | Proc. nº 741/11.7TTFAR.E1 Acordam os juízes que compõem a Secção Social deste Tribunal da Relação de Évora: No Tribunal do Trabalho de Faro, e em ação com processo comum, instaurada a 21/11/2011, B…, identificado nos autos, demandou C…– Aldeamento Turístico, S.A., pedindo a condenação da R. no pagamento da quantia total de 42.405,00 €, acrescida de juros, e relativa a trabalho prestado em dias feriados e em dias de descanso semanal, a retribuição por dias de descanso de substituição não gozados, a período de licença parental não gozado, e a férias e subsídio de férias proporcionais ao trabalho prestado no ano da cessação do contrato. Para o efeito, alegou em resumo ter sido admitido ao serviço da R. em 1/12/2007, para trabalhar como diretor de comidas e bebidas, mediante a celebração de contrato de trabalho a termo certo, pelo período de um ano; tal contrato veio a cessar a 30/11/2010, por caducidade decorrente de declaração do empregador, tendo porém a R. ficado a dever-lhe as quantias peticionadas. Gorada a tentativa de conciliação efetuada no âmbito da audiência de partes prevista no art.º 55º do Código de Processo do Trabalho (C.P.T.), a R. veio contestar de seguida, impugnando os factos e os pedidos formulados na p.i., e concluindo pela sua absolvição, e também pelo pedido de condenação do A. como litigante de má-fé. À contestação veio ainda responder o A., mantendo a posição e os pedidos formulados na p.i.. Foi proferido despacho saneador, em cujo âmbito foi declarada a matéria de facto considerada assente, e bem assim elaborada a base instrutória. Procedeu-se depois a audiência final, e foi proferida sentença, datada de 10/8/2013, julgando a ação parcialmente procedente, e consignando o seguinte no respetivo segmento dispositivo: ‘…o Tribunal decide julgar a acção parcialmente procedente, por provada e, em consequência: 1 - Declara que o Autor B… nos anos de 2008, 2009 e 2010 prestou trabalho para a Ré «C… – Aldeamento Turístico, Lda» fora do seu horário de trabalho, nomeadamente ao Sábado, Domingo e dias feriados; 2 - Condena a Ré «C… – Aldeamento Turístico, Lda» a pagar ao Autor B… a importância que se vier a liquidar em execução de sentença relativa ao trabalho prestado fora do seu horário de trabalho; 3 - Absolve a Ré «C… – Aldeamento Turístico, Lda» do demais contra si peticionado pelo Autor B...; 4 - Condena o Autor B… como litigante de má-fé na multa de 2 UC e na indemnização no montante de 500,00 € (quinhentos euros) à Ré «C… – Aldeamento Turístico, Lda»; 5 - Condena a Ré «C…– Aldeamento Turístico, Lda» e o Autor B… no pagamento das custas na proporção dos respectivos decaimentos, 74,71% e 25,29%, respectivamente. * Inconformados com o assim decidido, dessa sentença vieram então apelar A. e R.. Na respetiva alegação de recurso concluiu o demandante: A) O A. ora recorrente não litigou de má fé. B) Alegou factos e deduziu pretensão cuja veracidade tinha como certa. C) Não obstante, não logrou produzir prova adequada a convencer o Mmo Juiz a quo. D) Vem entendendo de forma unânime a Doutrina e Jurisprudência que a simples circunstância de não ter logrado a parte produzir prova bastante não determina nem fundamenta a condenação como litigante de má fé. E) Há-de ter a parte agido de modo especialmente censurável para fundamentar a condenação como litigante de má fé. F) Conduta censurável que não se verifica nos presentes autos. G) Decidindo pela condenação do A. como litigante de má fé, fez o Mmo Juiz a quo errada interpretação e aplicação da norma constante do artigo 456º do CPC em vigor à data da decisão (actual artigo 542º do CPC). H) Pelo que deve a douta sentença recorrida ser substituída por outra que absolva o ora recorrente do pedido de condenação como litigante de má fé. Quando assim se não entenda e sem prescindir, I) Mesmo a considerar-se ter o ora recorrente litigado de má fé, sempre os quantitativos fixados para multa e indemnização a favor da Ré são manifestamente excessivos. J) O valor da multa deve ser fixado pelo mínimo legal previsto no nº 1 do artigo 27º do Regulamento das Custas Processuais K) A decisão recorrida condena a Ré a pagar ao A. a importância que se vier a liquidar em execução de sentença relativa ao trabalho prestado fora do horário normal. L) Na repartição das custas, fixa o decaimento do ora recorrente em 25,29%, sendo o decaimento da Ré de 74,71% M) A Ré não constituiu mandatária apenas por e para contestar os pedidos formulados pelo A ora recorrente que foram julgados improcedentes. N) Fê-lo para se defender num processo em que foi condenada em valor correspondente a 74,71% do pedido formulado pelo A. O) O quantitativo da indemnização deve ter em atenção tal facto e ser substancialmente reduzido. Terminou o apelante pedindo a revogação da sentença recorrida, na parte em que condena o A. como litigante de má fé, que deverá ser substituída em tal parte por decisão que o absolva, ou reduza os quantitativos fixados para a multa e indemnização. * Por sua vez, na alegação do recurso que interpôs, formulou a R. as seguintes conclusões: 1ª A sentença recorrida padece do vício de nulidade, em virtude de os seus fundamentos estarem em oposição com a decisão (artigo 668, n.º 1, al. c) do CPC, na redação em vigor à data em que foi proferida a sentença, (hoje prevista no artigo 615º, n.º 1, al. c) do CPC em vigor), na medida em que, tendo sido dado como não provado que o Recorrido tivesse comunicado à entidade empregadora o trabalho suplementar alegadamente prestado, deveria a ação ter sido julgada improcedente, porquanto não dispunha o Tribunal a quo de elementos para concluir que esse trabalho foi realizado de modo a não ser previsível a oposição do empregador, sendo este um requisito que competia ao trabalhador provar. 2ª A sentença proferida padece igualmente do vício de nulidade por falta de pronúncia sobre questões que o Tribunal deveria apreciar (artigo 668, n.º 1, al. d) do CPC, na redação em vigor à data em que foi proferida a sentença (hoje prevista no artigo 615º, n.º 1, al. d) do CPC em vigor), em virtude de o Tribunal não ter apreciado a questão, levantada na contestação da recorrente, da renúncia, por parte do Autor, ao pagamento de trabalho suplementar, aceitando descansar compensatoriamente o tempo que trabalhasse para além do previsto no seu horário ou que o mesmo lhe fosse pago pelo valor-hora, em singelo, e, estando ciente disso, nunca ter pedido o pagamento de qualquer valor a título de trabalho suplementar. 3ª O recorrido não logrou provar todos os factos constitutivos do direito a pagamento de trabalho suplementar (342º, n.º 1 do Código Civil), designadamente não provou que a prestação de trabalho suplementar que alega tenha sido realizada em condições de não ser expectável oposição da recorrente (artigo 268º, n.º 2 do Código do Trabalho), desde logo porque o recorrido nem sequer logrou provar que alguma vez tenha comunicado a realização de trabalho suplementar por si prestado. 4ª Por isso, por falta de prova desse requisito, impunha-se a absolvição da ré, ora recorrente, e não a sua condenação em valor a liquidar em execução de sentença. 5ª Por outro lado, a sentença em causa, ao condenar, nos presentes autos, a ora recorrente a pagar ao recorrido trabalho suplementar no que se apurar em execução de sentença fez uma aplicação indevida do disposto no artigo 661º, n.º 2 do CPC na redação em vigor à data em que a decisão foi proferida. 6ª A condenação no que se liquidar em execução de sentença pressupõe que tenha o Autor cumprido o seu ónus de prova dos factos constitutivos do se direito, apenas faltando quantificar o seu valor, o que não acontece no caso dos autos. 7ª Nos presentes autos, a condenação no que se liquidar em execução de sentença irá conceder uma segunda oportunidade ao recorrido para provar exatamente o mesmo que já teve oportunidade de provar nestes autos e não logrou conseguir, o que é manifestamente inaceitável e viola as regras que estabelecem os momentos e os lugares próprios para as diferentes fases processuais. 8ª Além de que, caso o recorrido não logre provar ter trabalhado em qualquer dos dias que alega, como já não logrou nestes autos, o processo terminará com um non linquet inultrapassável, legalmente inadmissível por força do disposto no artigo 8º do Código Civil. 9ª Ao não ter logrado provar que nos dias que concretamente especificou teria prestado trabalho, verifica-se que o recorrente não logrou provar a causa de pedir em que se fundamenta e, como tal, a ação teria que ter improcedido. 10ª A condenação genérica proferida conduz a uma violação da igualdade de armas no incidente de liquidação, previsto no art. 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, vigente na ordem interna ex-vi do disposto no artigo 8º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, pois enquanto o recorrido vai ter uma nova oportunidade de alegar e provar exatamente os mesmos factos que havia alegado nos presentes autos, nomeadamente a matéria vertida nos quesitos 1º a 6º da base instrutória, à recorrente vai ser vedado invocar os factos modificativos, impeditivos ou extintivos da pretensão do recorrido, porquanto o momento processual adequado para o fazer foi na ação principal e não no incidente. 11ª Ao ter decidido como decidiu, a sentença em crise violou o disposto nos artigos 268º,n.º 2 do Código do Trabalho, 342º, n.º 1 do Código Civil, 661º, n.º 2 do Código de Processo Civil, na redação em vigor à data em que foi proferida a sentença (correspondente ao atual artigo 609º do CPC aprovado pela lei n.º 41/2013, de 26 de junho) e o artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, vigente na ordem interna ex-vi do disposto no artigo 8º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa. Terminou a recorrente pedindo que a sentença seja declarada nula, e o recurso ser julgado totalmente procedente, sendo revogada a decisão recorrida na parte em que julgou a ação parcialmente procedente, e sendo a recorrente absolvida do pagamento de qualquer quantia a título de trabalho suplementar. * Notificadas ambas as partes do recurso interposto pela parte contrária, apenas o A. veio apresentar contra-alegações, aí concluindo o seguinte: A) A douta sentença recorrida não enferma de oposição entre os fundamentos e a decisão. B) A douta sentença recorrida pronunciou-se sobre todas as questões de que lhe competia conhecer. C) Não enferma assim de omissão de pronúncia. D) Foi produzida prova quanto aos elementos constitutivos do direito ao pagamento do trabalho suplementar. E) A condenação no que se liquidar em execução de sentença é a decisão que se impõe, face à circunstância de ter sido produzida prova da realização de trabalho suplementar. F) A prova a produzir no incidente de liquidação incidirá apenas no quantitativo da condenação e não nos fundamentos do pedido. G) Pelo que deve a douta sentença recorrida ser mantida na parte em que condena a Ré apelante no pagamento do trabalho suplementar que vier a liquidar-se em execução de sentença. * O Ex.º Juiz apreciou e indeferiu as nulidades de sentença invocadas pela R., e admitiu os dois recursos interpostos. Subidos os autos a esta Relação, a Ex.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer, pronunciando-se no sentido da procedência da apelação do A., e da improcedência da apelação da R.. O processo foi entretanto redistribuído ao ora relator, e foram dispensados os vistos legais. Cumpre pois decidir. * De acordo com as conclusões da respetiva alegação, que como se sabe delimitam o objeto de um recurso (cfr. arts.º 635º, nº 4, e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil – C.P.C.), podem enunciar-se da seguinte forma as questões suscitadas pelos apelantes, sobre as quais caberá a apreciação da Relação: - quanto ao A., a condenação por litigância de má fé, e subsidiariamente a medida dessa condenação; - quanto à R.: - as nulidades de sentença; - a condenação genérica no pagamento de trabalho suplementar. Porque a apelação do trabalhador demandante respeita a uma temática que não se prende com o mérito da lide, por uma questão de lógica de raciocínio apreciaremos em primeiro lugar o recurso interposto pela R.. Mas vejamos antes de mais a matéria de facto dada como provada pelo tribunal recorrido, que foi a seguinte: 1. Entre o Autor B… e a Ré «C…– Aldeamento Turístico, Lda» foi celebrado acordo reduzido a escrito, o qual faz fls. 15 a 16 dos autos, no essencial com o seguinte teor: “Contrato de Trabalho a Termo Certo (Dec-Lei 64-A/89, de 27/2) Que entre si celebram: A) De·um lado, como parte 1º outorgante, designada por Entidade Empregadora, C… – Aldeamento Turístico, Limitada (…) neste acto representada pela Sra. … B) E de outro lado como parte 2ª outorgante, designado por Trabalhador, Sr. B… (…) mediante as seguintes cláusulas e condições: 1. A Empregadora dedica-se à actividade de hotelaria em geral e de gestão do aldeamento denominado “…” onde presta serviços aos proprietários e turistas na área da manutenção das propriedades e serviços, de hotelaria, restauração, desporto e lazer (…) 3 A empresa necessita de contratar este Trabalho a termo certo. 4. Desta forma, acordam as partes em que o trabalhador prestará trabalho subordinado à Empregadora, nos termos do disposto neste contrato e nos regulamentos internos da Empregadora. 5 As funções do Trabalhador consistirão no desempenho, em especial, das tarefas que lhe foram determinadas pelos respectivos superiores hierárquicos, atendendo à pequena dimensão da empresa Empregadora e às necessidades do serviço. 6. O Trabalhador é admitido com a categoria profissional de “Director de Comidas e Bebidas”, exercendo a sua actividade nas …, sem prejuízo do disposto no corpo da cláusula anterior. 7 Pela execução das tarefas contratadas o Trabalhador fará jus à remuneração de € 3.940,00 sujeita a descontos legais. 8 Tendo em vista especialmente o disposto na cláusula 3ª supra, e as necessidades específicas da Empregadora, o prazo deste contrato é de 12 meses, com inicio em 1 de Dezembro de 2007 e término em 30 de Novembro de 2008, e com um período experimental de 30 dias. 9 O horário de trabalho diário do Trabalhador é presentemente, de 9 às 18 horas, perfazendo um total de 40 horas semanais, podendo ser alterado livremente pela Empregadora conforme as necessidades do serviço e a sua estratégia comercial em cada momento 9.1 Atentas as bases de cooperação em ambas as partes pretendem que o presente contrato venha a ser cumprido, o Trabalhador aceita que o horário de trabalho acima referido possa ser modificado nos termos referidos, podendo ser encurtado em alguns dias e aumentado noutros, sendo certo que as horas que eventualmente vier a trabalhar a mais em cada mês lhe serão compensadas com iguais períodos de descanso, ou pagas segundo o valor horário da remuneração aqui ajustada (…) Primeiro Outorgante (…) Segundo Outorgante (…) Almancil, 1 de Dezembro de 2007”; 2. O acordo referido em 1) renovou-se por igual período em 01 de Dezembro de 2008 e em 01 de Dezembro de 2009; 3. Por força das actualizações salariais, à data da cessação do acordo referido em 1), o Autor auferia o vencimento mensal ilíquido de 4.290,00 € (quatro mil duzentos e noventa euros); 4. A Ré subscreveu e remeteu ao Autor, que o recebeu, o escrito de fls. 18 dos autos, no essencial com o seguinte teor: “…Almancil, 9 de Novembro de 2010. Exmo Senhor, C… – Aldeamento Turístico, S. A (…) representada pela Administradora…, vem, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 149º, nº 2 do Código do Trabalho comunicar que não pretende renovar o Contrato de Trabalho a Termo Certo celebrado a 1 de Dezembro de 2007 com V. Exa para p exercício das funções de Director de Hotel. A caducidade do presente Contrato de Trabalho terá efeitos imediatos no prazo de 15 dias, estando assim cumprido o dever de aviso prévio a que o nº 1 do artigo 149º do Código do Trabalho, cessando as suas funções nesta empresa a 30 de Novembro de 2010. Aproveitamos no entanto para agradecer toda a colaboração e desempenho prestados durante o período que esteve nesta empresa. P la entidade patronal, A Administradora (…)”; 5. O Autor gozou férias durante todo o mês de Novembro de 2010; 6. Em 2010 a Ré descontou na renumeração do Autor vinte dias correspondentes ao período da licença parental; 7. O Autor no dia de Natal de 2008 (feriado nacional) acompanhou o denominado Buffet de Natal – Brunch; 8. No ano de 2008 o Autor esteve presente no seu local de trabalho, nalguns Sábados e Domingos, nomeadamente quando se realizaram eventos, tais como casamentos e Owners Meetings, tendo estado presente no casamento de …; 9. No ano de 2009 o Autor esteve presente no seu local de trabalho, nalguns dias feriados, nomeadamente no dia 25 de Dezembro; 10. No ano de 2009 o Autor esteve presente no seu local de trabalho, nalguns Sábados e Domingos, nomeadamente quando se realizaram eventos, tais como casamentos e Owners Meetings; 11. No ano de 2010 o Autor esteve presente no seu local de trabalho, nalguns dias feriados; 12. No ano de 2010 o Autor esteve presente no seu local de trabalho, nalguns Sábados e Domingos, nomeadamente quando se realizaram eventos, tais como casamentos e Owners Meetings, tendo estado presente no casamento de … no fim de semana de 05/06 de Junho de 2010, organizado pela sociedade “…”; 13. A Ré pagou ao Autor, em Maio de 2010 os proporcionais do Subsidio de férias desse ano, sendo emitido o escrito de fls. 51 dos autos denominado “recibo de vencimento”; 14. As férias que o autor gozou no mês de Novembro de 2010 e referidas em E) da matéria assente são referentes ao trabalho prestado no ano de 2010; 15. No escrito de fls. 146 dos autos onde consta o nome do Autor, à frente dos dias 22, 23, 24, 25 e 26 de Fevereiro, 01, 02, 03, 04, 07, 15, 16, 17, 18 e 19 de Março; 10, 11, 12, 13 e 14 de Maio de 2010 consta a sigla “LP”; 16. A Ré descontou nas remunerações que pôs à disposição do Autor os dias referidos em 15); 17. A Ré «C… – Aldeamento Turístico, Lda» é associada da AHETA – Associação dos Hotéis e Empreendimentos Turísticos do Algarve. * Como se referiu, a primeira das questões suscitadas pela R. recorrente respeita às invocadas nulidades da sentença recorrida, que se mostram arguidas em conformidade com as exigências formais previstas no art.º 77º, nº 1, do C.P.T., e que o Ex.º Juiz a quo veio a refutar no despacho que a tal propósito referiu. Na tese da apelante, a sentença em causa incorreria em tal vício por duas ordens de razões: por alegada oposição dos fundamentos com a decisão, na medida em que fora dado como não provado que o recorrido tivesse comunicado à empregadora o trabalho suplementar alegadamente prestado, o que ditaria a improcedência da ação, nessa parte; e por suposta falta de pronúncia sobre questões que o tribunal deveria apreciar, in casu no que se refere à alegada renúncia, por parte do A., ao pagamento de trabalho suplementar. As questões assim suscitadas, e como tal reconduzidas a hipóteses de nulidade de sentença, não se distinguem no entanto de temáticas que se prendem com o fundo da causa, e que nessa medida poderão configurar sim casos de erro de julgamento. A relevância, ou não, da comunicação à parte empregadora do trabalho suplementar prestado, e, da mesma forma, a desconsideração da alegada renúncia ao pagamento desse trabalho, não são propriamente vícios, mais de ordem formal, que afetem a sentença recorrida e que acarretem a nulidade da decisão. São sobretudo questões que respeitam antes de mais ao mérito do litígio, e que dessa forma devem ser suscitadas e debatidas, designadamente em sede de recurso. Pretender aliás abordar questões de fundo, mesmo que pertinentes, como se de meros vícios de forma se tratassem, é colidir inevitavelmente contra o princípio da extinção do poder jurisdicional do juiz, logo que proferida a sentença, nos termos que se acham acolhidos no art.º 613º, nº 1, do C.P.C.. A hipotética sanação duma nulidade, por parte de quem nela incorreu, não poderá em caso algum contrariar o sentido, condenatório ou absolutório, da decisão proferida, mas apenas expurgá-la duma eventual irregularidade de forma que a possa afetar. Consideramos assim que, in casu, não ocorrem as nulidades de sentença que foram invocadas pela R. apelante, improcedendo pois, nessa mesma medida, as conclusões da sua alegação de recurso. * A impugnação de fundo da sentença recorrida respeita, na tese da R., a duas vertentes dessa decisão. Insurge-se a demandada antes de mais contra a condenação no pagamento de trabalho suplementar, por em seu entender não estarem para o efeito reunidos os necessários pressupostos de facto. Em concreto, o trabalhador não teria provado que tal prestação tivesse sido realizada em condições de não ser expectável uma oposição da recorrente, o que impediria que pudesse ser reconhecido o direito que aquele reclamara a esse pagamento, e que a apelante pudesse ter sido condenada em conformidade. Por outro lado, discorda também a recorrente da condenação no que se liquidar em execução de sentença, decisão que na sua lógica violaria o disposto no art.º 661º, nº 2, do C.P.C., em vigor à data, e bem assim no art.º 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, na medida em que estaria a conceder ao demandante uma segunda oportunidade para provar aquilo que não logrou demonstrar no decurso da ação. Antes porém de nos debruçarmos sobre o mérito do recurso, importa sublinhar que a matéria de facto dada como provada e como não provada pelo tribunal recorrido não foi por qualquer forma questionada pelas partes nos recursos que interpuseram. Por tal motivo, e porque também não se afigura ocorrerem razões que justifiquem o uso oficioso dos poderes que à Relação são conferidos pelo art.º 662º do C.P.C., há que dar como estando definitivamente assente essa mesma factualidade. Ora, para fundamentar a sua discordância quanto à condenação no pagamento de trabalho suplementar, a R. estriba-se essencialmente na resposta negativa que mereceu o ponto 15º da base instrutória, onde se perguntava precisamente se ‘o A. sempre comunicou aos serviços competentes da R. os dias de trabalho suplementar prestado’. Na tese da apelante, essa carência de prova deveria funcionar em desfavor do demandante, que não teria logrado demonstrar em juízo os pressupostos de facto do direito que invocara, e que por isso não podia ser-lhe reconhecido, com a correspondente condenação da parte empregadora. Quid juris? ‘Trabalho suplementar’ é claramente um conceito de direito. Na definição da lei, ‘considera-se trabalho suplementar o prestado fora do horário de trabalho’ – art.º 226º, nº 1, do Código do Trabalho (C.T.)[2]. Por outro lado, e de acordo com a regra do art.º 268º, nº 2, do mesmo diploma, que neste particular reproduz aliás o que antes dizia o art.º 258º, nº 5, na versão do código de 2003, ‘é exigível o pagamento de trabalho suplementar cuja prestação tenha sido prévia e expressamente determinada, ou realizada de modo a não ser previsível a oposição do empregador’. No caso dos autos importa pois apreciar se da matéria apurada pode concluir-se ter havido prestação de trabalho que excedesse o horário fixado contratualmente, e, havendo-a, se tal desempenho laboral foi realizado de modo a não ser previsível que a empregadora ao mesmo se viesse a opor, se dele tivesse tido prévio conhecimento. Convenhamos que a matéria apurada a tal respeito se afigura ser manifestamente insuficiente para legitimar a condenação da R., nos termos que se decidiram na sentença recorrida. E essa insuficiência, ao invés do que vem sustentado pela recorrente, nem sequer decorrerá do facto de não ter ficado provado que o A. sempre comunicou aos serviços competentes da R. os dias de trabalho suplementar prestado. Este é um ponto que não terá até particular relevância, atenta a pequena dimensão da empresa empregadora (cfr. facto 1), que claramente indicia que a cadeia hierárquica não poderia obviamente desconhecer a realização de eventos que pudessem determinar a realização de trabalho suplementar por parte dos respetivos colaboradores, ao mesmo podendo naturalmente opor-se se assim o entendesse. A questão é que não está sequer demonstrado que o A. tenha, nos anos de 2008, 2009, e 2010, prestado trabalho que possa ser qualificado como suplementar, por não ter ficado provado que tal prestação ocorreu para além do seu horário de trabalho, contratualmente fixado. Com efeito, o contrato de trabalho a termo que A. e R. celebraram era consideravelmente flexível no que respeita ao tempo de trabalho: estava clausulado um horário de 40 horas semanais, a desempenhar em princípio das 9 às 18h, mas podendo ser alterado livremente pela empregadora, consoante as necessidades do serviço; o trabalhador aceitava à partida tais eventuais alterações, sendo apenas compensado se aquele limite semanal, referenciado mês a mês, viesse a ser ultrapassado; e nada se estabelecia em concreto quanto a dias de descanso, ou a pausas para almoço. Em face destas circunstâncias contratuais, o facto de se ter provado que, nos anos que se referiram, o A. esteve presente no seu local de trabalho nalguns sábados, domingos, e dias feriados, não pode significar, sem mais, que essas presenças corresponderam, afinal, à prestação de trabalho que deva ser considerado e legalmente qualificado como trabalho suplementar. Desconhece-se desde logo se essas esporádicas comparências no local de trabalho se prolongaram no tempo em cada um dos dias em causa, correspondendo a um efetivo desempenho de funções profissionais ao longo de várias horas, ou se pelo contrário se trataram de meras passagens pelo local, possivelmente apenas para poder confirmar se os eventos que ali se passavam decorriam em normalidade. Recorde-se a propósito que, pelo menos num caso (v. facto 12), havia um casamento que era organizado por uma entidade terceira, que não a R.. Mas ignora-se também um pressuposto que seria determinante e essencial para a verificação da existência de trabalho suplementar: que o trabalhador demandante, nos dias que se referiram, estava a desempenhar as suas funções laborais para além da média das 40 horas, já prestadas noutros dias normais de trabalho. A factualidade apurada é de todo omissa a tal respeito, e seria naturalmente exigível, para proceder a pretensão do A., que este tivesse demonstrado o desempenho das suas funções por tempo excedente àquele limite horário. Por tal motivo, afigura-se-nos ser também manifestamente abusiva a conclusão, sem outros factos relevantes, que a simples presença do A. no seu local de trabalho naqueles sábados, domingos e feriados, se reconduz linearmente a uma prestação de trabalho suplementar por parte do mesmo, conferindo-lhe o direito a por ele receber o correspondente pagamento. Há por isso que reconhecer razão à recorrente, quando veio sustentar não estarem reunidos os pressupostos de facto exigíveis para a condenação no pagamento do trabalho suplementar. Nessa medida, há que concluir que procede o recurso da R., ainda que por motivos algo diversos daquelas que a apelante alegara, mas ainda assim pertinentes, pois como se sabe o tribunal não está sujeito às alegações das partes no que toca à interpretação e aplicação das regras de direito – art.º 5º, nº 3, do C.P.C.. E devendo assim ser absolutório o sentido da decisão, fica necessariamente prejudicado o conhecimento da parte do recurso da R. que impugnava os termos genéricos da condenação, e a liquidação que deveria quantificar o montante da mesma. * Ocupemo-nos agora do recurso do A., que como se disse respeita tão só à questão da condenação do mesmo por litigância de má fé, na multa de 2 UCs., e em € 500,00 de indemnização à parte contrária. A decisão nesta medida proferida pelo tribunal a quo fundamentou-se, em primeiro lugar, no pedido formulado a título de pagamento das férias de 2010, alegadamente não gozadas pelo trabalhador demandante, e que a final veio a provar-se terem-no sido; bem assim, no pedido de pagamento de vinte dias de licença parental, que o A. alegou não ter gozado, mas que lhe foram descontados na retribuição. Na ótica da 1ª instância, ao alegar factos que sabia não serem verdadeiros, deduziu o recorrente pretensão cuja falta de fundamento não podia ignorar, e omitiu factos relevantes para a decisão da causa, incorrendo por isso na previsão do art.º 456º do C.P.C., ao tempo em vigor. Ora, sem prejuízo do respeito que possa merecer a opinião contrária, e sem olvidar também que a jurisprudência tem por vezes sido algo complacente na exigência da verificação dos pressupostos da má fé processual, entendemos ainda assim que na hipótese dos autos não estarão reunidas as condições objetivas que a lei faz depender para ser proferida condenação a tal título. Quanto à questão das férias, o A. não nega que tê-las gozado em Novembro de 2010, imediatamente antes da sua desvinculação contratual, confessando até tal matéria na resposta à contestação; por tal motivo, foi esse facto desde logo incluído nos factos considerados assentes no despacho saneador, sendo depois referenciado sob o nº 5 na descrição da matéria de facto inserida na sentença recorrida. Mas o que na realidade se discutia era se tal período de férias se reportava ao trabalho prestado nesse ano de 2010, ou ao ano anterior, tendo o tribunal recorrido decidido pela primeira hipótese, pela resposta afirmativa que deu ao ponto 11º da base instrutória, depois redundando no nº 15 da decisão de facto. De qualquer forma, o que agora importa reter é que neste particular estava em causa, claramente, apenas uma divergência quanto às consequências jurídicas de um facto, e não propriamente uma adulteração ou omissão deliberada da realidade das coisas, que pudesse justificar a aplicação duma sanção por litigância de má fé. E o mesmo poderá dizer-se quanto à questão dos dias de licença parental. Perguntava-se no ponto 12 da base instrutória se o A. gozou 10 dias de licença parental entre 22/2 e 7/3/2010; e se gozou mais 5 dias entre 15 e 19/4/2010, e outros 5 entre 10 e 14/5/2010. Perguntava-se também, no ponto 13, se a Segurança Social lhe pagou esses mesmos dias. Mereceram tais quesitos as respostas que depois originaram os nsº 15 e 16 da matéria de facto constante da sentença recorrida. De nenhuma delas pode concluir-se ter havido, na postura aqui assumida pelo A., algo que exceda a normal litigância numa controvérsia judicial, que mereça ser especialmente censurado e sancionado. Daí que concluamos não haver fundamento bastante para condenar o apelante como litigante de má fé, importando nessa medida revogar também a condenação proferida a tal título. * Nesta conformidade, e por todos os motivos expostos, acordam os juízes desta Secção Social em julgar procedentes as apelações do A. e da R., e assim revogando a sentença recorrida decidem: a) Absolver a R. C… – Aldeamento Turístico, S.A., de todos os pedidos contra ela formulados. b) Absolver o A. B… da condenação contra ele proferida como litigante de má fé. Custas pelo A., nas duas instância, salvo quanto às da apelação por ele interposta, que serão suportadas pela R. Évora, 28-04-2016 Alexandre Ferreira Baptista Coelho (relator) Joaquim António Chambel Mourisco (adjunto) José António Santos Feteira (adjunto) __________________________________________________ [1] (...) [2] A que corresponde o art.º 197º, nº 1, do C.T. de 2003. |