Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
834/08.8TTSTB.E1
Relator: CHAMBEL MOURISCO
Descritores: NULIDADES
REQUERIMENTOS PROBATÓRIOS
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
DESPEDIMENTO
Data do Acordão: 01/26/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO/APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário:
1. Tal como se encontra redigido o art. 62º do CPT, não parece que tenha de existir um despacho expresso a dispensar a audiência preliminar, pois a lei fala apenas em convocação da mesma quando a complexidade da causa o justifique.

2. No processo laboral, nos termos do art. 63º do CPT, com os articulados devem as partes juntar os documentos, apresentar o rol de testemunhas e requerer quaisquer outras provas, podendo o rol de testemunhas ser alterado ou aditado até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, sendo a parte contrária notificada para usar, querendo, de igual faculdade no prazo de 5 dias. Este quadro legal não impõe uma notificação expressa às partes para alterarem os seus requerimentos probatórios.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:

T., residente em Pinhal Novo, intentou uma acção com processo comum contra R.…,S.A., com sede no Montijo, pedindo que seja julgado ilícito o seu despedimento e a condenação da Ré a reintegrá-lo no seu posto de trabalho ou a indemnizá-lo, conforme opção a realizar até ao julgamento, devendo ainda a Ré pagar-lhe as retribuições vencidas e vincendas, bem como € 3.500,00 de danos morais e € 3.151,75 de trabalho suplementar.

Para o efeito, alegou em síntese que foi admitido ao serviço da Ré em 1/08/2005, com a categoria de motorista de pesados, tendo sido despedido na sequência de processo disciplinar, cuja decisão final lhe foi comunicada por carta, datada de 14 de Agosto de 2008.

Sustenta que os factos que lhe foram imputados não justificam a decisão de despedimento com justa causa, sendo esta sanção desproporcionada.

A Ré contestou invocando a regularidade do procedimento disciplinar e a existência de justa causa para o despedimento.

Foi designado dia para a audiência de julgamento.
A Ré veio arguir a nulidade de preterição de uma formalidade essencial, no caso a realização da audiência preliminar, tanto mais que não foi notificada de despacho a dispensá-la, nem de despacho de saneamento e de fixação da matéria de facto assente e controvertida.

O Mº Juiz proferiu o seguinte despacho:

O requerimento que antecede assenta, certamente, num equívoco.
Primeiro, o processo comum de trabalho não exige a elaboração do despacho a que se refere o art. 510º do CPC.

Segundo, não é obrigatório a realização de audiência preliminar, como resulta do art. 62º nº1 do Código de Processo do Trabalho, nem o juiz é obrigado a pronunciar-se sobre tal assunto. Notando, de todo o modo, que o processo não é complexo.

Terceiro, qualquer nulidade processual há muito estaria sanada, pois a Ré foi notificada do despacho que designou o julgamento há mais de 10 dias e nada disse – art. 205º nº1 do CPC.

Quarto, a intenção dilatória de invocar a nulidade, em cima do julgamento, é evidente.

Sofrerá as consequências, em termos de custas do incidente.

Indefiro a excepção de nulidade.

E condeno a Ré em 3º UCs de custas do incidente.
*
Inconformada com tal despacho a Ré interpôs recurso de agravo tendo concluído:

1. Tendo-se demonstrado, que o tribunal a quo não notificou as partes do despacho saneador, art. 510º do CPC, nem notificou as partes para exercerem o direito de alterarem os respectivos requerimentos probatórios;

2. Conclui-se pela verificação no caso concreto de uma omissão de um acto que pode influir o bom exame e decisão da causa;

3. Constituindo desta forma uma nulidade, nos termos e para os efeitos do art. 201º do CPC;

4. A título de exemplo veja-se jurisprudência dominante nesta matéria:

5. “Quando há omissão de acto processual, do que se trata não é de censura ao despacho ou sentença nos recursos, mas sim de nulidade anterior, passível de reclamação, com possibilidade de recurso do despacho que decida essa mesma reclamação.” Ac. da Relação de Coimbra de 01/04/1998, in BTE, 2ª série, nº7 a 12/2000, pág. 886”

6. “A lei não exige que a irregularidade influa no exame e decisão da causa, mas que possa influir, impondo-se a apreciação, em cada caso concreto, dessa possibilidade” Ac. da Relação de Évora de 25/11/1993, in BMJ, 431º-580.

7. Constitui a nulidade secundária prevista no art. 201º nº1 do CPC e não qualquer nulidade de sentença que a permita atacar de forma directa nos termos do art. 668º do CPC o não facultar às partes a discussão de facto e de direito a que alude o art. 508º-A, nº 1-B do CPC, uma vez que integra a omissão de um acto distinto da sentença e prescrito na lei que é susceptível de influir no exame da causa”. Ac. Relação de Lisboa de 13/04/2000, in BMJ, 496º-305.

8. Demonstrando que está, pela exposição anterior, que o despacho de fls. 81, se encontra impugnado, em virtude de não se mostrar conforme à lei e ao Direito.

9. Deverá ser dado provimento ao recurso, sendo conhecida oficiosamente a mencionada nulidade processual.

No dia designado para o julgamento e após ter sido aberta a audiência as partes, com vista à obtenção de um eventual acordo, requereram a suspensão da instância por um período de vinte dias, o que foi deferido.

Decorrido o prazo da suspensão, e não tendo havido acordo, teve lugar a audiência de discussão e julgamento, tendo logo após a reabertura da mesma o MºJuiz proferido o seguinte despacho:
O tribunal é competente.
Não há nulidades.
As partes detêm capacidade e personalidade jurídica.
Não existem outras excepções a analisar por ora.
A matéria assente é a que vem mencionada no art. 1º da contestação.
Dispenso a base Instrutória.
Notifique.

Após a produção da prova testemunhal e imediatamente antes das alegações, o mandatário do Autor disse que, em caso de procedência da acção, o Autor opta pela indemnização de antiguidade.

Foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente a acção, condenando a Ré:

a) a reconhecer como ilícito o despedimento do Autor;

b) a pagar ao A. uma indemnização de antiguidade, correspondente a € 606,00 por cada ano completo ou fracção de antiguidade, desde 16.08.2005 e até ao trânsito em julgado da decisão final do processo;

c) a pagar ao A. a remuneração base mensal de € 606,00, desde 13.09.2008 e até ao trânsito em julgado da decisão final do processo, incluindo subsídios de férias e de Natal, mas com dedução das importâncias referidas nos n.ºs 2 e 3 do art. 437.º do CTrabalho, o que será liquidado no incidente a que se referem os arts. 378.º e segs. do CPCivil;

d) a pagar ao A. os juros de mora, à taxa a que se refere o art. 559.º n.º 1 do CCivil, desde a data de trânsito em julgado da decisão final do processo, quanto à quantia supra fixada na al. b) e desde a liquidação, quanto à que resultar da condenação supra da al. c).

No mais, julgou a acção improcedente.

Inconformada com a sentença a R. interpôs recurso de apelação tendo formulado as seguintes conclusões:

1º A audiência de discussão e julgamento nos presentes autos decorreu em clara violação de todas as regras processuais aplicáveis ao processo laboral comum;

2º Porquanto, de forma prévia à mencionada audiência, foi omitido por parte do tribunal a quo, o cumprimento de uma fase processual, a saber;

3º Notificação do despacho saneador.

4º Pelo que será simples de concluir que a omissão de tal acto influiu de forma directa e necessária no exame e boa decisão da causa;

5º Constituindo desta forma uma nulidade insanável nos termos do artigo 201º do CPC.

6º Razão pela qual, a audiência de discussão e julgamento encontra-se inquinada de forma necessária e consequente.

7º A sentença da qual se recorre encontra-se ainda em plena contradição entre os factos que o douto tribunal considerou como provados e a respectiva prova produzida;
8º Desde logo quanto aos factos do dia 14/06/2008 o tribunal a quo considerou como provados factos que não resultaram da prova produzida nos autos, especificamente, “...o A. informou o seu chefe directo, J., que por motivos de ordem pessoal não estava disponível para realizar trabalho no sábado do dia seguinte, 14/06/2008;”

9º Quando existem, depoimentos claros e isentos, exactamente em sentido contrário que, salvo o devido respeito, não foram valorados pelo douto tribunal na sua decisão, nomeadamente;

10º Declarações das testemunhas J. e H.

11º Por outro lado, a sentença da qual se recorre encontra-se ainda em plena contradição entre os factos que o douto tribunal considerou como provados e a respectiva subsunção jurídica;

12º Porquanto, relativamente aos factos do dia 15/07/2008, ficou demonstrado em sede de audiência de discussão e julgamento que o A. tinha ordens e instruções expressas para no caso de não dispor de horário para concluir a volta, independentemente do respectivo motivo, deveria solicitar autorização para pernoitar em Elvas;

13º Ora, no caso em apreço o A. não só desrespeitou as ordens e instruções da R., como também esse facto ficou claramente provado em sede de audiência de discussão e julgamento;

14º No entanto, o tribunal a quo não retirou as devidas consequências de tal facto nomeadamente, para efeitos de licitude do despedimento promovido pela R.

15º Pelo que, estamos perante uma contradição entre a decisão (ilicitude do despedimento) e a fundamentação da decisão (violação dos deveres a que o A. se encontrava obrigado na execução laboral que colocaram em causa a relação de confiança);

16º Tal contradição constitui uma nulidade insanável da sentença nos termos e para os efeitos do artigo 668º alínea c) do CPC;

17º Em decorrência do exposto a douta sentença considerou igualmente factos como não provados “Na volta de Elvas a Ré não disponibiliza aos seus motoristas a possibilidade de pernoitar nesta cidade.”

18º Que salvo melhor opinião encontram-se solidamente provados nos autos, através do depoimento da testemunha H.;

19º Devendo por isso ser reapreciada a prova produzida nos termos supra descritos, ordenando-se a rectificação reformulação da douta sentença de acordo com a prova efectivamente produzida e não produzida em sede de julgamento, pois só assim se fará a costumada justiça.

O Mº Juiz, antes da subida dos autos a este Tribunal da Relação, manteve o despacho que foi alvo do recurso de agravo, tendo apenas reparado o mesmo na parte respeitante à condenação em custas, que dispensou.
*
Neste Tribunal o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de dever manter-se a sentença recorrida.

Os autos foram com vista aos Ex.mos Juízes-adjuntos.
*
Delimitado que está o objecto do recurso pelas conclusões das recorrente, as questões a decidir são as seguintes:

Referentes ao agravo
Saber se a falta de notificação às partes do despacho saneador e para exercerem o direito de alterarem os respectivos requerimentos probatórios constitui uma nulidade susceptível de influir o bom exame e decisão da causa.

Referentes à apelação
1. A nulidade da sentença por ter sido omitida a notificação do despacho saneador;
2. Impugnação da matéria de facto dada como provada na sentença recorrida;
3. Se existe ou não justa causa para o despedimento.

Recurso de agravo
A recorrente suscita a questão de saber se a falta de notificação às partes do despacho saneador e para exercerem o direito de alterarem os respectivos requerimentos probatórios constitui uma nulidade susceptível de influir o bom exame e decisão da causa.

Tendo em vista a celeridade processual, atentos os interesses em questão, o processo laboral tem uma tramitação muito própria, consagrando-se o princípio da adequação processual, facultando-se ao juiz a escolha da forma de tramitação da acção em juízo, que pode ser mais ou menos simplificada. [1]

O expoente deste princípio é precisamente o art. 49º nº3 do CPT, que estatui que o juiz pode abster-se de fixar a base instrutória, sempre que a selecção da matéria de facto controvertida se revestir de simplicidade.

A busca da celeridade para resolução do litígio manifesta-se, desde logo, na introdução de uma audiência de partes, após a apresentação da petição inicial e antes da contestação.

Essa audiência visa sobretudo permitir uma mais fácil conciliação mediante acordo equitativo, uma vez que nessa fase o litígio ainda não está sedimentado nem radicalizado, sendo previsível uma maior disponibilidade das partes para o consenso, tanto mais que tudo se desenrolará já na presença mediadora do Juiz. [2]

Frustrada a conciliação na audiência de partes deve o juiz, nos termos do art. 56º do CPT:

a) Ordenar a notificação imediata do réu para contestar no prazo de 10 dias;

b) Determinar a prática dos actos que melhor se ajustem ao fim do processo, bem como as necessárias adaptações, depois de ouvidas as partes presentes;

c) Fixar a data da audiência final, com observância do disposto no artigo 155º do Código de Processo Civil.
Mais uma vez, nesta disposição legal estão bem patentes o princípio da celeridade e da adequação processual, pois o juiz pode determinar, depois de ouvidas as partes, a prática dos actos que melhor se ajustem ao fim do processo, bem como as necessárias adaptações, bem como fixar a data da audiência final.

Findos os articulados, nos termos do art. 61º do CPC, o juiz profere, sendo caso disso, despacho nos termos e para os efeitos do artigo 508º do Código de Processo Civil (suprimento de excepções dilatórias e convite ao aperfeiçoamento dos articulados), sem prejuízo do disposto no artigo 27º do CPT (poder dever de, até à audiência de discussão e julgamento, mandar intervir na acção qualquer pessoa e determinar a realização dos actos necessários ao suprimento da falta de pressupostos processuais susceptíveis de sanação, bem como convidar as partes a completar e a corrigir os articulados, quando no decurso do processo reconheça que deixaram de ser articulados factos que podem interessar à decisão da causa, sem prejuízo de tais factos ficarem sujeitos às regras gerais sobre contraditoriedade e prova).

De seguida, estatui o art. 62º do CPT, concluídas as diligências resultantes do preceituado no nº 1 do artigo anterior, se a elas houver lugar, é convocada uma audiência preliminar quando a complexidade da causa o justifique.

A audiência preliminar tem lugar no prazo de 20 dias, sendo-lhe aplicável o disposto no artigo 508º-A do Código de Processo Civil, (fins da audiência preliminar) sem prejuízo do preceituado no nº 3 do artigo 49º (o juiz pode abster-se de fixar a base instrutória, sempre que a selecção da matéria de facto controvertida se revestir de simplicidade).

Quando haja lugar a audiência preliminar, fica sem efeito a data anteriormente designada para a audiência final.

No caso concreto dos autos, após os articulados, foi apenas designado dia para a audiência de julgamento, sendo certo que, no dia designado para a audiência de discussão e julgamento, logo após a abertura da mesma, o Mº Juiz proferiu despacho saneador, tendo ainda considerado que a matéria de facto assente era a mencionada no art. 1º da contestação e que dispensava a base instrutória.

Este despacho foi proferido já em sede de julgamento e depois do agravo ter sido interposto.

Atenta a tramitação dos autos, o Mmº Juiz ao designar, sem mais, dia para a audiência de julgamento, implicitamente, estava a reconhecer a desnecessidade da audiência preliminar.

Tal como a lei se encontra redigida não nos parece que tenha de existir um despacho expresso a dispensar a audiência preliminar, pois a lei fala apenas em convocação da mesma quando a complexidade da causa o justifique (art. 62º do CPT).

Por outro lado, quando não forem arguidas pelas partes excepções dilatórias ou nulidades processuais, ou que, face aos elementos constantes dos autos, não devam ser apreciadas oficiosamente, uma parte relevante da doutrina encabeçada por Anselmo de Castro, Lopes do Rego e J. Lebre de Freitas, considera que se torna inútil a genérica e tabelar declaração de existência de todos os pressupostos processuais. [3]

No que diz respeito à matéria de facto assente o Mmº juiz acabou por consignar a mesma aquando da abertura da audiência de julgamento.

Assim, não se vislumbra que tenha sido omitido qualquer acto susceptível de ter influenciado o exame ou decisão da causa (art. 201º nº1 e 710º nº2 do CPC).

A recorrente invocou ainda que não foi notificada para exercer o seu direito de alterar os respectivos requerimentos probatórios.

Como é sabido, no processo laboral, nos termos do art. 63º do CPT, com os articulados devem as partes juntar os documentos, apresentar o rol de testemunhas e requerer quaisquer outras provas.

Segundo a mesma disposição legal o rol de testemunhas pode ser alterado ou aditado até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, sendo a parte contrária notificada para usar, querendo, de igual faculdade no prazo de 5 dias.

Perante estas regras específicas do processo laboral não procedem as razões invocadas pela recorrente, não existindo qualquer nulidade.
Pelo exposto, nega-se provimento ao agravo interposto pela recorrente.
*
Recurso de apelação
1. A recorrente veio invocar que a sentença enferma de nulidades por ter sido omitida a notificação do despacho saneador e também haver oposição entre os fundamentos e a respectiva decisão.
Nos termos do art. 668ºnº3 do CPC, a arguição de nulidades de sentença, à excepção da nulidade prevista na al. a) do nº1 do art. citado, só pode ser feita perante o próprio tribunal que proferiu a decisão e esta não admitir recurso ordinário; caso seja admissível recurso ordinário este pode ter como fundamento a arguição de nulidades.

Em processo laboral, resulta do art. 77º do CPT, que existe um regime particular de arguição de nulidades de sentença, que se traduz no facto da arguição ter de ser feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso e quando da sentença não caiba recurso ou não se pretenda recorrer, a arguição das nulidades da sentença é feita em requerimento dirigido ao juiz que a proferiu.

Apesar de no processo laboral o requerimento de interposição de recurso dever conter a alegação do recorrente (art. 81º nº1 do CPT), não pode confundir-se o requerimento de interposição de recurso com a alegação de recurso. O requerimento é dirigido ao tribunal que proferiu a decisão – art. 687º nº1 do CPC - e a alegação é dirigida ao tribunal superior devendo conter as razões da discordância em relação à sentença e os fundamentos que, no entender do recorrente, justificam a sua alteração ou revogação.

Apreciando o requerimento de interposição de recurso, que foi dirigido ao Juiz de Direito do Tribunal do Trabalho de Setúbal, logo se vê que no mesmo a recorrente não suscitou qualquer nulidade de sentença; a alusão à nulidade de sentença consta apenas nas alegações.

Assim, temos de concluir que a recorrente não respeitou o estatuído no art. 77º do CPT.

O STJ e este Tribunal da Relação de Évora já se pronunciaram inúmeras vezes sobre esta questão, sempre de forma unânime, no sentido da arguição de nulidades não dever ser atendida por extemporânea, caso a arguição de nulidades de sentença não seja feita pela forma prevista no art. 77º do CPT, nomeadamente quando tal arguição foi só suscitada na alegação de recurso (Cfr. entre outros Acs. do STJ de 1/6/1994, 19/10/1994 e 23/4/1998, respectivamente na Colectânea de Jurisprudência 1994, Tomo III/274, BMJ 440/242 e BMJ 476/297 e deste Tribunal Relação de Évora no Rec. nº 506/03-3).

Na sequência desta jurisprudência, que continuamos a perfilhar, e uma vez que a recorrente não arguiu qualquer nulidade de sentença no requerimento de interposição de recurso, não pode este Tribunal tomar conhecimento da pretensa nulidade, pois não estamos perante matéria de conhecimento oficioso.
2. Quanto à impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto:

O art. 712º nº1 do Código de Processo Civil prevê a possibilidade do Tribunal da Relação poder alterar a decisão do tribunal de 1ª instância nas seguintes situações:

a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 690.º-A, a decisão com base neles proferida;

b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas;

c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.
Por seu turno, o art. 685º -B do CPC, estabelece as regras a que tem de obedecer a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto.

Assim, o recorrente deve obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.

No caso previsto na alínea b) quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, nos termos do disposto no nº2 do art. 522º-C, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição.

Antes de mais, importa ainda frisar que o art. 396º do Código Civil refere que a força probatória dos depoimentos das testemunhas é apreciada livremente pelo tribunal, o que nos leva a concluir que na nossa lei processual civil vigora o princípio da livre apreciação da prova testemunhal segundo o qual a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador.

De qualquer forma, a livre apreciação e convicção da prova não é uma operação puramente subjectiva, por meio da qual se chega a uma conclusão unicamente baseada em impressões ou conjecturas de difícil ou impossível objectivação, mas uma valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, de tal modo que a convicção pessoal seja sempre uma convicção objectivável e motivável – trata-se em suma, da convicção da verdade dos factos, para além de toda a dúvida razoável.

Como refere o Prof. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, Limitada, pág. 384, segundo o princípio da livre apreciação das provas “o que torna provado um facto é a íntima convicção do juiz, gerada em face do material probatório trazido ao processo (bem como da conduta processual das partes) e de acordo com a sua experiência da vida e conhecimento dos homens; não a pura e simples observância de certas formas legalmente prescritas. O que decide é a verdade material e não a verdade formal.”

Intimamente relacionados com este princípio da livre apreciação e convicção estão os princípios da oralidade e imediação. O primeiro exige que a produção da prova e a discussão, na audiência de julgamento, se realizem oralmente, de modo que todas as provas excepto aquelas cuja natureza o não permite, terão de ser apreendidas pelo julgador por forma auditiva. O segundo diz respeito à proximidade que o julgador tem com os participantes ou intervenientes no processo, ao contacto com todos os elementos de prova através de uma percepção directa ou formal. Esta percepção imediata oferece maiores possibilidades de certeza e da exacta compreensão dos elementos levados ao conhecimento do tribunal.

Estes princípios possibilitam o indispensável contacto pessoal entre o juiz e as diversas fontes de prova (cfr. ainda Prof. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, Limitada, pág. 386). Só eles permitem avaliar o mais correctamente possível da credibilidade das declarações prestadas pelas testemunhas.

Longe da plenitude da prova efectuada em julgamento importa, na reapreciação da prova, ter a necessária cautela para não desvirtuar os aludidos princípios, dando primazia à verdade formal em detrimento da sempre tão desejada verdade material.

Tendo o julgamento sido gravado e estando disponíveis todos os elementos de prova torna-se viável a sua reapreciação.
O recorrente, insurge-se quanto à matéria de facto dada como provada no ponto 14, na parte em que refere que o Autor informou o seu chefe directo, J., que por motivos de ordem pessoal não estaria disponível para realizar trabalho no sábado do dia seguinte.

Alega que não descortina em que elemento probatório existente nos autos, nomeadamente declarações das testemunhas, é que se fundamenta tal facto dado como provado.

Sustenta a mesma posição relativamente ao facto constante no ponto 24, quando se afirma que na volta de Elvas, a Ré não disponibiliza aos seus motoristas a possibilidade de pernoitar nesta cidade, concluindo, assim, que tal facto não deveria ter sido dado como provado, ou pelo menos nos referidos termos.
Quanto ao mais o recorrente, invocando e transcrevendo o depoimento das testemunhas inquiridas, procura demonstrar a suficiência da prova produzida para a qualificação do despedimento do Autor como despedimento com justa causa.

Vejamos então se lhe assiste razão:

O Tribunal recorrido fundamentou da seguinte forma a decisão proferida sobre a matéria de facto:
Para além da matéria alegada na p.i. e não impugnada pela Ré e da análise da documentação junta aos presentes autos – fundamentalmente, o contrato de trabalho, a declaração do S. e os termos do processo disciplinar, não se ponderando o doc. 3 junto com a p.i., pois o mesmo foi impugnado e a respectiva materialidade não foi confirmada por qualquer outra forma – foi relevante, no que respeita à não realização de trabalho no dia 14.06.2008, o depoimento de J., o chefe directo do A., referindo o contacto telefónico com o mesmo, informando-o que estava escalado para trabalhar naquele sábado, e a recusa deste quando chegou à empresa, pelo que arranjou um substituto e comunicou a situação aos seus superiores hierárquicos.

Visto que o J. estava de férias no dia 15.07.2008, os factos ocorridos nesta data foram tratados directamente pelo director comercial da Ré, a testemunha H., afirmando que cada volta está previamente definida, reconhecendo que existem voltas que exigem um “esforço adicional” por parte do motorista, referindo-se à necessidade de efectuar 13 ou 14 horas seguidas de trabalho (e a certa altura, referiu-se à possibilidade de se ter de “ir até aos limites”), e que o A. não deu prévia notícia do seu regresso sem conclusão de todas as entregas da volta de Elvas, começando a receber reclamações telefónicas dos clientes e apercebendo-se da chegada do A. por voltas das 13.35 horas, tendo tomado a medida de enviar outro motorista a fim de concluir as entregas. Quanto aos prejuízos, ficou-se pelas meras generalizações, não tendo sido capaz de concretizar quais teriam sido, pelo que, na falta de outros elementos de prova que permitissem a concretização dos mesmos, a matéria respectiva foi considerada não provada.

As testemunhas P. e A. são motoristas da Ré e, visto que não assistiram directamente aos factos, o seu depoimento foi importante para esclarecer as condições gerais de trabalho na Ré, com as escalas de sábado afixadas apenas no dia anterior e que a volta de Elvas começa geralmente por volta das 03.30 da manhã, demorando bem mais de 10 horas de trabalho – não autorizando a Ré a pernoita do motorista nesta volta, mas apenas em algumas pelo Norte.

O tribunal recolheu ainda depoimentos a ambas as partes, admitindo o sócio-gerente da Ré a substituição do A. pelo motorista R. no dia 14.06.2008, e o A. que regressou ao Montijo não por se sentir extenuado mas porque calculou que, ao chegar, já teria mais de 10 horas de trabalho, e não lhe ter sido pago no mês anterior o subsídio relativo a isenção de horário de trabalho.

Em suma, são estas a circunstâncias essenciais que motivaram a resposta à matéria de facto, havendo a notar que os factos não provados assim o foram, por serem contraditórios com a matéria já provada ou sobre eles não se ter produzido prova suficientemente isenta e credível.

Reapreciada a totalidade da prova produzida temos de referir, desde já, que a decisão proferida sobre a matéria de facto pela primeira instância não merece censura.

Na verdade, a prova tem de ser apreciada na sua globalidade e não de forma parcelar de forma a valorizar apenas alguns depoimentos ou parte desses depoimentos.

Como já se referiu, o recorrente, insurge-se quanto à matéria de facto dada como provada no ponto 14, na parte em que refere que o Autor informou o seu chefe directo, J., que por motivos de ordem pessoal não estaria disponível para realizar trabalho no sábado do dia seguinte.

Para sustentar a sua posição invoca precisamente o depoimento da testemunha J., Chefe directo do Autor.

Ora, esta testemunha começou por dizer que não se recordava se o Autor apresentou alguma justificação para não trabalhar no sábado, dia 14/06/2008, tendo, logo de seguida, referido que o Autor disse que era muito em cima da hora.

Por seu turno, o Autor, no seu depoimento de parte, que a recorrente não referiu, disse que informou o seu chefe, J., que não podia trabalhar no dia 14/06/2008, por razões pessoais, tendo mencionado que antes de dar esta resposta efectuou alguns telefonemas no sentido de apurar se podia cancelar os seus compromissos.

Do confronto destes dois depoimentos, atenta a referência feita pela testemunha J. à frase proferida pelo Autor “ de que era muito em cima da hora”, parece-nos que é de atender e valorar o depoimento de parte do Autor, quando afirma que referiu que não podia trabalhar por razões pessoais.

Saliente-se que a testemunha J. não foi peremptória no seu depoimento, pois começou por dizer que não se recordava se o Autor tinha alegado alguma razão para a sua indisponibilidade.

Assim, do confronto deste dois depoimentos parece-nos que bem andou o tribunal recorrido ao dar como provado o que consta no ponto 14 da matéria de facto.

Alega também a recorrente que o tribunal não dá a conhecer como formou a sua convicção para dar como provado o ponto 24 da matéria de facto, ou seja que a na volta de Elvas, a Ré não disponibiliza aos seus motoristas a possibilidade de pernoitar nesta cidade, concluindo, assim, que tal facto não deveria ter sido dado como provado, ou pelo menos nos referidos termos.

Para sustentar a sua posição apela ao depoimento da testemunha H.

Reapreciado o depoimento desta testemunha temos de reconhecer que o mesmo não é claro quanto à referida questão, formulando vários cenários e hipóteses perante a eventual comunicação do trabalhador de que não conseguia terminar o giro de distribuição tal como lhe tinha sido determinado pelo empregador.

Desse depoimento não resulta que a Ré tivesse regras previamente estabelecidas para uma eventual pernoita na cidade de Elvas quando os seus trabalhadores não conseguissem terminar o giro de distribuição.

Pelas razões expostas, atenta a prova produzida na sua globalidade, julga-se improcedente a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto deduzida pela recorrente.

Após se ter apreciado a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, e face à sua improcedência, é altura de enumerar os factos dados como provada pela primeira instância e que se consideram fixados:

1. A Ré dedica-se ao comércio de carnes verdes, de gado porcino e bovino, e ainda de rações;

2. O A. foi admitido ao serviço da Ré em 16.08.2005, com a categoria profissional de motorista de pesados, através de contrato de trabalho reduzido ao escrito de fs. 10 e 11, que aqui se considera integralmente reproduzido;

3. O A. residia e ainda reside no Pinhal Novo e tinha o seu local de trabalho na sede da Ré, sita…., onde iniciava e terminava as suas jornadas de trabalho, recebendo ordens e directrizes nesse local e ainda via telefone, quando se deslocava no exercício das suas funções;

4. Ultimamente, o A. mantinha a mesma categoria profissional e auferia o vencimento mensal de € 606,00, acrescido de € 156,64 a título de isenção de horário de trabalho;

5. O A. cumpria ordens e directrizes da Ré, actuando sob a sua directa fiscalização;

6. A Ré fixou ao A. um horário de 40 horas semanais, de segunda a sexta-feira, com uma hora de intervalo para o almoço, sendo os sábados e os domingos os dias de descanso complementar e semanal, respectivamente;

7. Em 10.10.2008, o Sindicato dos Trabalhadores de Transportes Rodoviários e Urbanos de Portugal declarou que o A. era seu filiado;

8. A Ré é associada da ANIC – Associação Nacional dos Industriais de Carnes;

9. No período compreendido entre o início do contrato de trabalho e 31.12.2006, o A. não teve isenção de horário de trabalho;

10. Em 16.07.2008, a Ré comunicou ao A. a instauração de um processo disciplinar com intenção de despedimento, tendo para o efeito entregue a nota de culpa cuja cópia se encontra a fs. 148 a 152 dos autos e que aqui se considera integralmente reproduzida;

11. Respondeu o A. à nota de culpa através do documento de fs. 137 a 140, que aqui se considera integralmente reproduzido e, após inquirição das testemunhas arroladas pelo A., o instrutor do processo disciplinar elaborou o relatório final de fs. 116 a 123, que aqui se considera integralmente reproduzido, concluindo pelo despedimento;

12. Por carta datada de 14.08.2008, recebida três dias depois, a Ré comunicou ao A. a decisão de o despedir;

13. No dia 13.06.2008, uma sexta-feira, encontrando-se o A. em viagem, no desempenho das suas funções, o seu chefe directo, J., com as funções de controlador de tráfego, telefonou-lhe, informando-o que estava escalado para realizar uma volta de distribuição do dia seguinte, sábado – tendo o A. respondido que, logo que chegasse, falaria sobre o assunto;

14. Nesse dia, quando chegou à sede da empresa, cerca das 17.00 horas, o A. informou o seu chefe directo, J., que por motivos de ordem pessoal não estava disponível para realizar trabalho no sábado do dia seguinte, 14.06.2008;

15. Mais se mostrou disponível para realizar trabalho no sábado da semana seguinte, dia 21.06.2008;

16. Face à informação do A., de não estar disponível para trabalhar no sábado de 14.06.2008, o J. solicitou a outro motorista da empresa, de nome R., que realizasse o serviço, o que ocorreu;

17. No dia 15.07.2008, o A. foi escalado para realizar a volta de Elvas, devendo levar carne a diversos clientes situados no caminho para Elvas, em Elvas e ainda em Campo Maior;

18. Para o efeito, o A. compareceu nas instalações da Ré por volta das 03.30 horas da madrugada, tendo então iniciado a viagem, conduzindo o pesado de mercadorias de matrícula….

19. Porém, decidiu regressar às instalações da Ré antes de concluir todas as entregas, nomeadamente aos clientes da Ré I., sita em Campo Maior; N.,Lda., também em Campo Maior; C., C.R.L., igualmente sita nesta vila; A., sita em Santa Eulália; e Salsicharia … Lda., sita em Santiago Maior – no que gastaria mais cerca de hora e meia de trabalho;

20. Deste procedimento, não informou previamente a Ré;

21. Após decidir regressar às instalações da Ré sem concluir todas as entregas, o A. conduziu até este local, onde chegou por volta das 13.35 horas;

22. Após, procedeu ainda à higienização e limpeza do pesado, como sempre procedia, trabalho que lhe tomou, ainda, cerca de meia hora de trabalho;

23. Uma vez que a Ré estava a receber reclamações telefónicas dos seus clientes – que mais tarde enviaram as reclamações escritas de fs. 153 a 156, que aqui se consideram integralmente reproduzidas – enviou a estes um outro motorista, conduzindo agora um veículo ligeiro, assim concluindo as entregas;

24. Na volta de Elvas, a Ré não disponibiliza aos seus motoristas a possibilidade de pernoitar nesta cidade.
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3 Feita esta enumeração, vamos passar a apreciar a última questão suscitada pela recorrente no recurso de apelação que se traduz em saber se face à factualidade dada como prova existe ou não justa causa para o despedimento.

Como o processo disciplinar movido pela Ré contra o A. foi instaurado já depois da entrada em vigor do Código do Trabalho de 2003 é de acordo com o regime deste diploma legal que tem de ser apreciada a cessação do contrato e trabalho operada pela Ré.

O art. 396º nº1 do Código do Trabalho dispõe que o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho constitui justa causa de despedimento.

Esta disposição corresponde inteiramente ao que dispunha o art. 9º nº1 do DL nº 64-A/89, de 27/2.
Assim, toda a doutrina e jurisprudência, elaborada sobre o conceito de justa causa, no âmbito do regime revogado pelo Código do Trabalho, continua a ser válida, face ao novo regime, que adoptou o mesmo conceito indeterminado.

O conceito de justa causa fornecido pela lei carece, pois, em concreto, de ser preenchido com valorações. Esses valores derivam da própria norma e da ordem jurídica em geral. O legislador, no nº3 do art. 396º do Código do Trabalho, à semelhança do revogado art. 9º nº2 do DL nº 64º-A/89, de 27/2, complementou o conceito com uma enumeração de comportamentos susceptíveis de integrarem justa causa de despedimento.

De qualquer forma, verificado qualquer desses comportamentos, que constam na enumeração exemplificativa, haverá sempre que apreciá-los à luz do conceito de justa causa, para determinar se a sua gravidade e consequências são de molde a inviabilizar a continuação da relação laboral.
Da noção fornecida pelo legislador no art. 396º nº 1 do Código do Trabalho podem-se enumerar vários elementos que integram o conceito de justa causa de despedimento.

Apesar da lei não fazer referência expressa ao conceito de ilicitude o mesmo está subjacente à noção legal, pois só é possível falar de culpa após um juízo prévio de ilicitude.

Nesta linha, o Prof. António Menezes Cordeiro, Manual de Direito do Trabalho, Almedina, pág. 821, citando fonte jurisprudencial, que subscreve, refere que a justa causa postula sempre uma infracção, ou seja, uma violação, por acção ou por omissão, de deveres legais ou contratuais.

Assim, decompondo a noção legal de justa causa, temos sempre um comportamento ilícito, censurável em termos de culpa e com consequências gravosas na relação laboral de forma a inviabilizar a mesma.

No caso concreto dos autos a Ré aplicou ao Autor a sanção de despedimento com justa causa baseando-se em dois comportamentos deste último que lhe foram imputados na nota de culpa e considerados provados na decisão final do processo disciplinar.

Os referidos comportamentos consistiram no seguinte:

1- O Autor no dia 12 /06/2008 foi informado que se encontrava escalado para realizar a volta da distribuição no dia 14/06/2008, tendo informado o seu superior hierárquico, J., que não viria trabalhar no dia designado, não tendo apresentado por si ou através de terceiros qualquer razão ou justificação para o efeito;

2- No dia 15/07/2008 quando executava a distribuição na zona de Elvas regressou às instalações da empresa sem que tivesse concluído a mesma, não tendo por isso efectuado a entrega da carne, como lhe competia a cinco clientes.

O retorno do trabalhador à empresa sem a conclusão das entregas foi efectuado de forma voluntária pelo próprio trabalhador arguido, sem ter informado ou solicitado autorização dos respectivos superiores hierárquicos.

A Ré considerou que a falta dada pelo Autor em 14/06/2008, constitui ilícito grave e que o comportamento ocorrido em 15/07/2008 constitui uma falta grave dos deveres de respeito às ordens e instruções emanadas pelo empregador, que afectam gravemente a s relações comerciais entre si e os clientes a quem não foi feita a entrega da carne.

Considerou assim a Ré existir justa causa para o despedimento nos termos do nº3 al. a), e) e g) do art. 396º do Código do Trabalho.

Vejamos individualmente os referidos comportamentos:

Quanto aos factos ocorridos em 14/06/2008, provou-se em julgamento uma versão diferente da que constava da nota de culpa e da decisão final do processo disciplinar.

Esses factos constam dos pontos 13 a 16 da matéria de facto provada e são os seguintes:

13. No dia 13.06.2008, uma sexta-feira, encontrando-se o A. em viagem, no desempenho das suas funções, o seu chefe directo, J., com as funções de controlador de tráfego, telefonou-lhe, informando-o que estava escalado para realizar uma volta de distribuição do dia seguinte, sábado – tendo o A. respondido que, logo que chegasse, falaria sobre o assunto;

14. Nesse dia, quando chegou à sede da empresa, cerca das 17.00 horas, o A. informou o seu chefe directo, J., que por motivos de ordem pessoal não estava disponível para realizar trabalho no sábado do dia seguinte, 14.06.2008;

15. Mais se mostrou disponível para realizar trabalho no sábado da semana seguinte, dia 21.06.2008;

16. Face à informação do A., de não estar disponível para trabalhar no sábado de 14.06.2008, o J. solicitou a outro motorista da empresa, de nome R., que realizasse o serviço, o que ocorreu;

A propósito desta questão escreveu-se o seguinte na sentença recorrida:

Analisando directamente os factos apurados nos autos, notamos que o comportamento do A. ao faltar no dia 14.06.2008, sábado, não é bastante para justificar uma decisão de despedimento – mesmo a entender-se que tal comportamento constituiria falta injustificada, teremos a notar que apenas 5 faltas injustificadas seguidas ou 10 interpoladas poderiam justificar uma decisão de despedimento, como resulta do art. 396.º n.º 3 al. g) do CTrabalho. E na falta de outros elementos que demonstrem a produção de relevantes prejuízos para a Ré, este comportamento do A. não se revela suficientemente grave para justificar um juízo de impossibilidade de subsistência do contrato de trabalho.”

Na verdade, a referida factualidade não apresenta relevância disciplinar, pois perante a atitude do Autor ao informar o seu chefe directo, J., que por motivos de ordem pessoal não estava disponível para realizar trabalho no sábado do dia seguinte, 14.06.2008, mostrando-se disponível para realizar trabalho no sábado da semana seguinte, dia 21.06.2008, aquele solicitou a outro motorista da empresa, de nome R., que realizasse o serviço, o que ocorreu.

Não se provou qualquer reacção do chefe J. ou da Ré no sentido de exigir a justificação da falta do Autor, nem tão pouco se a falta foi considerada injustificada.

Da referida matéria de facto até parece que estamos perante uma situação absolutamente normal em que um trabalhador diz ao chefe que não pode vir trabalhar a um sábado (dia de descanso complementar ponto 6) por razões da sua vida pessoal e o chefe solicita a outro motorista da empresa para efectuar esse serviço.

De qualquer maneira, como se salienta na sentença recorrida, mesmo que a falta tivesse sido considerada injustificada, no referido contexto, não assumiria gravidade suficiente para integrar justa causa de despedimento, tanto mais que não originou qualquer prejuízo para Ré, pois o serviço foi atempadamente efectuado por outro motorista que se disponibilizou para o efeito.
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Para a apreciação da ocorrência do dia 15/07/2008, interessam os factos que constam dos pontos 17 a 21, que são os seguintes:

“17. No dia 15.07.2008, o A. foi escalado para realizar a volta de Elvas, devendo levar carne a diversos clientes situados no caminho para Elvas, em Elvas e ainda em Campo Maior;

18. Para o efeito, o A. compareceu nas instalações da Ré por volta das 03.30 horas da madrugada, tendo então iniciado a viagem, conduzindo o pesado de mercadorias de matrícula …;

19. Porém, decidiu regressar às instalações da Ré antes de concluir todas as entregas, nomeadamente aos clientes da Ré I., sita em Campo Maior; N., Lda., também em Campo Maior; Cooperativa… C.R.L., igualmente sita nesta vila; A,, sita em Santa Eulália; e S., Lda., sita em Santiago Maior – no que gastaria mais cerca de hora e meia de trabalho;

20. Deste procedimento, não informou previamente a Ré;

21. Após decidir regressar às instalações da Ré sem concluir todas as entregas, o A. conduziu até este local, onde chegou por volta das 13.35 horas;

22. Após, procedeu ainda à higienização e limpeza do pesado, como sempre procedia, trabalho que lhe tomou, ainda, cerca de meia hora de trabalho;

23. Uma vez que a Ré estava a receber reclamações telefónicas dos seus clientes – que mais tarde enviaram as reclamações escritas de fs. 153 a 156, que aqui se consideram integralmente reproduzidas – enviou a estes um outro motorista, conduzindo agora um veículo ligeiro, assim concluindo as entregas;

24. Na volta de Elvas, a Ré não disponibiliza aos seus motoristas a possibilidade de pernoitar nesta cidade.”

A propósito desta questão escreveu-se o seguinte na sentença recorrida:

“Passemos aos factos ocorridos no dia 15.07.2008, com o regresso intempestivo do A., sem concluir todas as entregas que lhe estavam destinadas na volta de Elvas, que tinha iniciado às 03.30 horas, regressando à sede da empresa às 13.35 horas, gastando ainda mais meia hora na limpeza e higienização do pesado.

Funda a Ré a decisão de despedimento na violação das alíneas a), e) e g) do n.º 3 do art. 396.º do CTrabalho, que se referem à desobediência ilegítima de ordens, à lesão de interesses patrimoniais sérios e às faltas injustificadas ao trabalho. No que respeita às faltas injustificadas, o comportamento não se revela adequado à decisão de despedimento, tanto mais que a Ré nunca concretizou quais os prejuízos graves que sofreu. O que também afasta a invocação da referida al. e), havendo a considerar, ainda, que a lei se refere à lesão de interesses patrimoniais sérios, inculcando a ideia que não basta qualquer prejuízo, sendo necessário que os mesmos se apresentem relevantes e praticados num quadro tal que demonstre a impossibilidade de subsistência da relação laboral – e visto que a Ré não concretizou na nota de culpa os prejuízos materiais efectivamente sofridos, já não os poderá opor ao trabalhador, como resulta dos arts. 415.º n.º 3 e 435.º n.º 3 do CTrabalho.

Vejamos a questão da desobediência ilegítima às ordens recebidas. Refere-se nos autos que o A. se encontrava em regime de isenção de horário de trabalho – porém, nunca se juntou aos autos o acordo escrito a que se refere o art. 177.º n.º 1 do CTrabalho, permitindo a comprovação da efectiva existência do mesmo, do seu envio à ACT e de qual a modalidade prevista no art. 178.º do mesmo diploma que tal acordo revestiria.

Mesmo presumindo que tal acordo revestiu a modalidade de não sujeição aos limites máximos dos períodos normais de trabalho – art. 178.º n.º 2 do CTrabalho – importa notar que, estando em causa o transporte rodoviário de mercadorias, o tempo diário de condução do A. não podia exceder 9 horas, podendo ser alargado até um máximo de 10 horas, não mais de duas vezes por semana – art. 6.º n.º 1 do Regulamento (CE) n.º 561/2006. Entendendo-se por “tempo diário de condução” o total acumulado dos períodos de condução entre o final de um período de repouso diário e o início do período de repouso diário seguinte ou entre um período de repouso diário e um período de repouso semanal – art. 4.º al. k) do dito Regulamento.

No caso dos autos, o A. iniciou a sua prestação laboral às 03.30 horas da madrugada, regressando à sede da empresa às 13.35 horas. Não alegou a Ré, na nota de culpa (ou sequer na decisão de despedimento ou na contestação), a realização de pausas por parte do trabalhador, em que este não tenha efectuado qualquer trabalho de condução ou outro, utilizando-o exclusivamente para recuperação – mesmo art. 4.º al. d) – pelo que também não poderá este facto ser oposto ao trabalhador, como já acima se explicou.

De todo o modo, não se poderá olvidar que a conclusão das entregas exigiria ao A. mais hora e meia de trabalho, o que, ponderando que já estava a trabalhar desde as 03.30 horas e que ainda teria de gastar mais meia hora a proceder à limpeza e higienização da viatura, levaria a um total de 12 horas consecutivas de trabalho. Deste modo, o tribunal considera que efectivamente existia o elevado risco – dado que a Ré não possibilitava ao A. a pernoita em Elvas, o que obriga assim a contabilizar todo o tempo gasto no regresso ao Montijo – de ser excedido o limite do tempo diário de condução de dez horas.

Note-se, ainda, que não basta qualquer desobediência a ordens para justificar a decisão de despedimento. Como se afirma no recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.11.2008, relatado por Vasques Dinis e disponível em www.dgsi.pt, «para integrar o conceito indeterminado de justa causa de despedimento, não basta um qualquer comportamento do trabalhador desrespeitador de deveres legais ou obrigacionais, sendo ainda necessário que, apreciado que seja o desrespeito de um ponto de vista objectivo e iluminado por uma perspectiva de proporcionalidade dos interesses em causa, a subsistência da relação laboral se torne insustentável, intolerável, ou vulneradora do “pressuposto fiduciário do contrato”, sendo que, naquela apreciação, deve ser ponderado todo o circunstancialismo rodeador do objectivo desrespeito. A sanção expulsiva deve ser reservada a situações extremas, em que não seja razoavelmente equacionável a aplicação de uma qualquer outra sanção conservatória.»

Por outro lado, o dever de cumprir as ordens e instruções do empregador em tudo o que respeita à execução e disciplina do trabalho cede na medida em que se mostrem contrárias aos direitos e garantias do trabalhador, tendo este direito à prestação de trabalho em condições de segurança, higiene e saúde asseguradas pelo empregador – arts. 272.º n.º 1 e 273.º n.º 1 do CTrabalho.

Afigura-se ao tribunal que a prestação de 12 horas consecutivas de trabalho se mostrava potencialmente perigosa para a própria segurança do trabalhador, com risco de ser excedido o limite máximo do período diário de condução, pelo que o regresso intempestivo do A. no dia 15.07.2008, na ausência da averiguação no processo disciplinar das pausas realizadas sem qualquer prestação de trabalho, não pode ser considerada suficientemente grave para justificar um juízo de insustentabilidade da relação laboral, merecedora da mais gravosa das sanções disciplinares.

Teremos de recordar ainda que o tribunal não pode substituir-se ao empregador, corrigindo a sanção aplicada para outra que considere mais adequada. Poderá, apenas, confirmar ou invalidar a sanção, mas não modificá-la – cfr. Pedro Romano Martinez, in Direito do Trabalho, 3.ª ed., 2006, pág. 625.

Deste modo, porque se considera a sanção disciplinar de despedimento, desproporcionada e desadequada à infracção praticada, inexiste a justa causa invocada pela Ré, o que determina a respectiva ilicitude – art. 429.º al. c) do CTrabalho. Tal confere ao A. o direito à indemnização de antiguidade prevista no art. 439.º n.ºs 1 e 2 do CTrabalho, ponderando-se que justa e adequada a fixação da mesma em 30 dias de retribuição base por cada ano completo ou fracção de antiguidade.”

Para além das judiciosas considerações feitas na sentença recorrida temos de consignar que o Autor, ao regressar às instalações da Ré antes de concluir todas as entregas, sem ter informado previamente esta da sua intenção, assumiu um comportamento culposo, com alguma gravidade, que teve algumas consequências para a empresa, que se traduziram em ter recebido reclamações dos clientes a quem não foram feitas as entregas, e ter tido necessidade de enviar outro motorista para concluir o serviço.

É certo que o Autor não devia conduzir para além do período máximo estipulado por lei, pois estava em causa a sua própria segurança e a dos restantes utentes das vias de comunicação, razão pela qual podia deixar de cumprir as ordens da entidade patronal no sentido de continuar a conduzir e efectuar a distribuição.
Nesse quadro, a eventual desobediência não era ilegítima, pois o trabalhador poderia recusar o cumprimento dessas ordens por se mostrarem contrárias aos seus direitos e garantias (art. 121º nº1 al. d) do Código do Trabalho).

No entanto, o Autor antes de iniciar o regresso às instalações da Ré deveria ter comunicado a esta a sua intenção, expor as suas razões e pedir instruções.

Este procedimento era o mínimo que lhe era exigido, atenta a natureza do serviço que lhe tinha sido distribuído e os interesses que era necessário salvaguardar; interesses da Ré em prestar um bom serviço aos seus clientes, daí retirando proveitos, e os interesses dos clientes que tinham a expectativa na entrega da carne para o seu negócio.

O Autor ao assumir o referido comportamento sem informar a Ré não foi diligente na execução do seu serviço.

Se tivesse comunicado com a Ré, exposto as suas razões e intenção, sempre esta poderia ter encontrado uma solução para satisfazer as entregas aos clientes.

O comportamento omissivo do Autor manifesta uma total desconsideração pelos interesses da sua entidade patronal e dos clientes desta.

A um trabalhador ao serviço da Ré desde 16/08/2005 era de exigir uma outra conduta, mais positiva e colaborante para com a sua entidade patronal.

No entanto, temos de ponderar que se trata de uma conduta isolada e que também não se provou que o Autor, com uma antiguidade na empresa de quase três anos, tenha antecedentes disciplinares.

O referido comportamento, apesar de culposo, a nosso ver, não assume a gravidade suficiente susceptível de tornar imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, tendo sobretudo em conta o grau de lesão dos interesses do empregador.

A Ré solucionou o problema criado enviando um outro motorista, conduzindo um veículo ligeiro, para concluir as entregas, não se tendo provado que tivessem ocorrido outros prejuízos.

Como se refere no recente Ac. do STJ de 29/4/2009, Proc. nº 08S3081, em www.dgsi.pt/jstj na ponderação sobre a gravidade da culpa e das suas consequências, importará considerar o entendimento de um “bonus pater famílias”, de um “empregador razoável”, segundo critérios de objectividade e de razoabilidade, em função das circunstâncias de cada caso em concreto.

Acrescenta-se que a impossibilidade prática e imediata da subsistência da relação de trabalho deve ser reconduzida à ideia de “inexigibilidade da manutenção vinculística”, com necessária referência ao vínculo laboral em concreto, e “imediata”, no sentido de comprometer, desde logo e sem mais, o futuro do contrato.

O despedimento é a sanção mais grave do elenco das sanções disciplinares que o empregador pode aplicar ao trabalhador, daí que deva ser reservada para os comportamentos do trabalhador cuja gravidade torne inexigível a manutenção da relação laboral, o que não nos parece ser o caso dos autos.

Pelo exposto, acorda-se, na secção social deste Tribunal da Relação de Évora, em julgar a apelação improcedente mantendo a sentença recorrida.

Custas a cargo da recorrente.

(Processado e revisto pelo relator que assina e rubrica as restantes folhas).

Évora, / /
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Joaquim António Chambel Mourisco (relator)

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António Gonçalves Rocha

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Alexandre Ferreira Baptista Coelho




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[1] Cfr. neste sentido Albino Mendes Baptista, Código de Processo do Trabalho, anotado, Quid Júris, pág. 102.
[2] Cfr. preâmbulo do Decreto-Lei nº 480/99, de 9 de Novembro.
[3] Cfr. Neste sentido Lopes do Rego e J. Lebre de Freitas citados por Paulo Pimenta, em “ A fase do saneamento do processo antes e após a vigência do novo Código de Processo Civil”, Almedina, pág. 249. Antes da revisão do CPC já assim se pronunciava Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. II, Almedina, pág. 266.