Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | TOMÉ DE CARVALHO | ||
Descritores: | PLANO DE INSOLVÊNCIA PRINCÍPIO DA IGUALDADE SENTENÇA VERIFICAÇÃO DE CRÉDITOS | ||
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Data do Acordão: | 07/10/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | 1 – A apresentação de um plano de insolvência pelo devedor, que veio a ser reprovado, não é impeditivo de, posteriormente, o mesmo fazer uma nova proposta. 2 – O plano de insolvência pode estabelecer diferenciações entre os credores – ainda que se trate de credores pertencentes à mesma classe ou categoria – desde que essas diferenciações sejam devidamente justificadas por razões objectivas. 3 – O plano de insolvência só pode ser recusado se o mesmo fixar um tratamento arbitrário e discriminatório entre credores que se encontrem no mesmo plano de igualdade, isto é, em idêntica posição ou situação, sem que exista qualquer razão racional ou objectiva que justifique tal tratamento diferenciado. 4 – O plano de insolvência que propõe que o produto da venda seja afectado ao pagamento aos credores de acordo com a ordem de pagamentos determinada pela sentença de verificação e graduação de créditos não introduz qualquer variação que atinja o princípio da igualdade e que impeça a respectiva votação em Assembleia de Credores. (Sumário do Relator) | ||
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Decisão Texto Integral: | Processo n.º 254/22.1T8LGA-M.E1 Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo de Comércio de Lagoa – J1 * Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Évora: * I – Relatório: A sociedade insolvente “(…), Construções, Lda.” veio apresentar plano de insolvência, o qual não foi admitido, tendo interposto recurso do mencionado despacho. * Em 04/05/2023 foi declarada a insolvência da sociedade “(…), Construções Lda.”. * Na assembleia de credores realizada no dia 21/06/2023, a devedora requereu que a Administradora da Insolvência apresentasse um plano de insolvência, o que foi votado favoravelmente pela assembleia de credores. Nessa data, foi deliberada a suspensão da liquidação. * A 06/09/2023, foi apresentado plano de insolvência que foi aprovado apenas com o voto favorável do “Instituto da Segurança Social, IP”. * Em 03/04/2024, esse plano não foi homologado por violação não negligenciável das regras procedimentais e do princípio da igualdade. Nessa decisão, foi determinada a cessação da administração da massa pela devedora e o prosseguimento dos autos para liquidação, decisão essa que transitou em julgado. * A 25/09/2024, a devedora insolvente veio apresentar nova proposta de plano de insolvência, a qual não foi admitida liminarmente, igualmente por violação do princípio da igualdade entre credores. * Notificada deste despacho, em 10/10/2024, a devedora apresentou novo requerimento em que anunciava ter expurgado todos os vícios apontados no despacho de não admissão liminar, o qual não foi admitido por despacho de 14/10/2025. * Tendo sido notificada da decisão datada de 14/10/2024, que não admitiu a proposta de plano de insolvência apresentada por requerimento datado de 10/10/2024, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 193.º, n.º 1 e 206.º, n.º 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, a insolvente apresentou nova proposta de plano de recuperação. Requereu igualmente a suspensão da liquidação da massa insolvente e da partilha do produto pelos credores da insolvência. * Foi admitida a proposta de plano de insolvência apresentada pela devedora “(…), Construções, Lda.” datada de 17/10/2024. * Foi agendada data para a realização da Assembleia de Credores e ordenada a publicitação de anúncios, editais e circulares nos termos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 4 do artigo 75.º e no n.º 1 do artigo 209.º do citado diploma. * A sociedade “(…), Construções, Lda.” juntou aos autos alterações ao plano de recuperação apresentado em 17/10/2024, de acordo com observações colhidas junto do credor “Instituto da Segurança Social, IP”. * Em 13/01/2025, a proposta de plano de insolvência não foi aprovada, decisão essa que foi confirmada pelo Tribunal da Relação de Évora. * A 10/02/2025, a devedora insolvente apresentou novo plano. * Após enunciar o historial do processo, a decisão recorrida datada de 20/02/2025, continha a seguinte argumentação: «Reiterando os despachos de 1.10.2024 e de 14.10.2024, cujo teor aqui se dá por reproduzido, passa-se diretamente à proposta de plano agora apresentada, a qual, na sua parte dispositiva, prevê o seguinte: D) Afetação do produto da venda, no prazo de um mês após a outorga da escritura de venda, ao pagamento aos credores previamente reconhecidos na lista de credores de acordo com a ordem de pagamentos determinada pela Sentença de Verificação e Graduação de Créditos, na qual se encontram incluídos os créditos do credor Segurança Social. No despacho de 1.10.2024 foi dito o seguinte: “ (…) O Instituto de Segurança Social apenas tem prioridade no pagamento do valor de € 54.790,35 em relação aos credores comuns, sendo que o remanescente do seu crédito, porque comum, está em posição de igualdade com os credores comuns (…). Na proposta agora apresentada continua a dar-se tratamento diferenciado aos créditos comuns do Instituto de Segurança Social em relação aos demais credores comuns, prevendo-se o pagamento integral desses créditos e antes dos demais credores comuns. Sendo que, sem plano de insolvência, os créditos comuns do Instituto de Segurança Social seriam pagos ao mesmo tempo que os credores comuns e teriam que se sujeitar a ser pagos rateadamente com os créditos destes credores. Em face do exposto, e pelas razões de direito já expostas no despacho de 01.10.2024, e atento o previsto no artigo 207.º, n.º 1, alínea b), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas não admito a nova proposta de plano de insolvência». * A sentença de verificação e graduação de créditos tem o seguinte conteúdo decisório:«1. Reconhecer os créditos constantes da lista de créditos reconhecidos, apresentada pelo Administrador da Insolvência não impugnados, nos precisos termos que constam dessa lista; 2. Passo a fazer a graduação de créditos, devendo os pagamentos ser feitos da seguinte ordem de prioridade: I – As dívidas da massa insolvente, nas quais se incluem as custas processuais do processo de insolvência e processos apensos e despesas de liquidação, saem precípuas do produto da massa insolvente – artigo 172.º, n.º 1, do CIRE; II – Graduação Especial: A. Pelo valor de venda da verba n.º 1 pagar-se-ão os seguintes créditos e pela seguinte ordem: 1. Os créditos da Autoridade Tributária relativos a IMI, no valor de € 116,21 (cento e dezasseis euros e vinte e um cêntimos); 2. O crédito da (…), SARL, no valor de € 406.279,98 (quatrocentos e seis mil e duzentos e setenta e nove euros e noventa e oito cêntimos); 3. Os créditos da Autoridade Tributária relativos a IRS e IRC, no valor de € 6.198,21 (seis mil e cento e noventa e oito euros e vinte e um cêntimos); 4. Os créditos do ISS, IP, no valor de € 54.790,35 (cinquenta e quatro mil e setecentos e noventa euros e trinta e cinco cêntimos); 5. Os demais créditos reconhecidos em pé de igualdade e rateadamente. B. Pelo valor de venda da verba n.º 2 pagar-se-ão os seguintes créditos e pela seguinte ordem: 1. Os créditos da Autoridade Tributária relativos a IMI, no valor de € 194,28 (cento e noventa e quatro euros e vinte e oito cêntimos); 2. O crédito da (…), SARL, no valor de € 406.279,98 (quatrocentos e seis mil e duzentos e setenta e nove euros e noventa e oito cêntimos); 3. Os créditos da Autoridade Tributária relativos a IRS e IRC, no valor de € 6.198,21 (seis mil e cento e noventa e oito euros e vinte e um cêntimos); 4. Os créditos do ISS, IP, no valor de € 54.790,35 (cinquenta e quatro mil e setecentos e noventa euros e trinta e cinco cêntimos). 5. Os demais créditos reconhecidos em pé de igualdade e rateadamente. C. Pelo valor de venda da verba n.º 3 pagar-se-ão os seguintes créditos e pela seguinte ordem: 1. Os créditos da Autoridade Tributária relativos a IMI, no valor de € 104,78 (cento e quatro euros e setenta e oito cêntimos); 2. O crédito da (…), SARL, no valor de € 406.279,98 (quatrocentos e seis mil e duzentos e setenta e nove euros e noventa e oito cêntimos); 3. Os créditos da Autoridade Tributária relativos a IRS e IRC, no valor de € 6.198,21 (seis mil e cento e noventa e oito euros e vinte e um cêntimos); 4. Os créditos do ISS, IP, no valor de € 54.790,35 (cinquenta e quatro mil e setecentos e noventa euros e trinta e cinco cêntimos; 5. Os demais créditos reconhecidos em pé de igualdade e rateadamente. D. Pelo valor de venda da verba n.º 4 pagar-se-ão os seguintes créditos e pela seguinte ordem: 1. Os créditos da Autoridade Tributária relativos a IMI, no valor de € 2,48 (dois euros e quarenta e oito cêntimos); 2. O crédito da (…), SARL, no valor de € 406.279,98 (quatrocentos e seis mil e duzentos e setenta e nove euros e noventa e oito cêntimos); 3. Os créditos da Autoridade Tributária relativos a IRS e IRC, no valor de € 6.198,21 (seis mil e cento e noventa e oito euros e vinte e um cêntimos); 4. Os créditos do ISS, IP, no valor de € 54.790,35 (cinquenta e quatro mil e setecentos e noventa euros e trinta e cinco cêntimos); 5. Os demais créditos reconhecidos em pé de igualdade e rateadamente. E. Pelo valor de venda da verba n.º 5 pagar-se-ão os seguintes créditos e pela seguinte ordem: 1. Os créditos da Autoridade Tributária relativos a IMI, no valor de € 39,81 (trinta e nove euros e oitenta e um cêntimos); 2. O crédito da (…), SARL, no valor de € 406.279,98 (quatrocentos e seis mil e duzentos e setenta e nove euros e noventa e oito cêntimos); 3. Os créditos da Autoridade Tributária relativos a IRS e IRC, no valor de € 6.198,21 (seis mil e cento e noventa e oito euros e vinte e um cêntimos); 4. Os créditos do ISS, IP, no valor de € 54.790,35 (cinquenta e quatro mil e setecentos e noventa euros e trinta e cinco cêntimos); 5. Os demais créditos reconhecidos em pé de igualdade e rateadamente. F. Pelo valor da venda da verba n.º 7, pagar-se-ão os seguintes créditos e pela seguinte ordem: 1. O crédito da (…) – Sociedade de Garantia Mútua, S.A., no valor de € 44.238,27 (quarenta e quatro mil e duzentos e trinta e oito euros e vinte e sete cêntimos); 2. Os créditos da Autoridade Tributária relativos a IRS e IRC, no valor de € 6.198,21 (seis mil e cento e noventa e oito euros e vinte e um cêntimos); 3. Os créditos do ISS, IP, no valor de € 54.790,35 (cinquenta e quatro mil e setecentos e noventa euros e trinta e cinco cêntimos); 4. O crédito da (…), SARL até ao valor de € 51.000,00 (cinquenta e um mil euros); 5. Os demais créditos reconhecidos em pé de igualdade e rateadamente. G. Pelo valor das verbas n.º 6 e n.º 8 pagar-se-ão os seguintes créditos e pela seguinte ordem: 1. Os créditos da Autoridade Tributária relativos a IRS e IRC, no valor de € 6.198,21 (seis mil e cento e noventa e oito euros e vinte e um cêntimos); 2. Os créditos do ISS, IP, no valor de € 54.790,35 (cinquenta e quatro mil e setecentos e noventa euros e trinta e cinco cêntimos); 3. O crédito da (…), SARL até ao valor de € 51.000,00 (cinquenta e um mil euros); 4. Os demais créditos reconhecidos em pé de igualdade e rateadamente. * Depois de integralmente pagos os créditos referidos em referidos em A a G, supra, serão pagos os créditos subordinados».* Inconformada com decisão de 20/02/2025, a insolvente apresentou recurso de apelação e formulou as seguintes conclusões:«A. O presente recurso tem como objeto o despacho proferido pelo tribunal recorrido em 20.02.2025, que não admitiu a proposta de plano de insolvência apresentada pela insolvente em 10.02.2025. B. Por requerimento datado de 17.10.2024, a recorrente apresentou proposta de plano de recuperação, expurgada dos vícios que, por despacho datado de 14.10.2024, foram apontados pelo tribunal recorrido à proposta que havia sido apresentada em 10.10.2024 e que levaram à sua não admissão. C. Por despacho proferido em 12.11.2024, o tribunal recorrido admitiu a proposta de plano de insolvência apresentada pela recorrente, por não se verificar nenhuma das circunstâncias previstas no artigo 207.º do CIRE, e convocou, para o dia 16.12.2024, assembleia de credores para discutir e votar a proposta de plano apresentada. D. Por requerimento apresentado em 13.12.2024 (ref.ª 13181452), a recorrente apresentou alterações ao plano de recuperação que havia apresentado em 17.10.2024, de acordo com observações colhidas junto dos credores. E. Por despacho proferido em 13.01.2025, o tribunal recorrido considerou que o credor (…), STC. S.A. votou contra a aprovação do plano apresentado pela recorrente em 17.10.2024, dessa forma excluindo tal credor do elenco de credores que votaram a favor da aprovação do plano e considerando não aprovado o plano apresentado. F. Inconformada com o despacho de não aprovação da proposta de plano de insolvência apresentada em 17.10.2024, a recorrente interpôs recurso do mesmo por requerimento datado de 03.02.2025 (ref.ª 13342435), o qual aguarda decisão por parte desse Venerando Tribunal da Relação. G. No seguimento do recurso interposto da decisão proferida em 13.01.2025, a recorrente, por requerimento datado de 10.02.2025, apresentou nova proposta de plano de recuperação, cujo conteúdo é exatamente igual ao da proposta apresentada em 17.10.2024 (com as alterações e esclarecimentos entretanto efetuados). H. Ou seja, a proposta de plano apresentada em 10.02.2025 em nada difere da proposta apresentado em 17.10.2024 (com as alterações efetuadas por requerimento datado de 13.12.2024 e através das quais foi introduzida a redação transcrita no despacho recorrido “D) Afetação do produto da venda, no prazo de um mês após a outorga da escritura de venda, ao pagamento aos credores previamente reconhecidos na lista de credores de acordo com a ordem de pagamentos determinada pela Sentença de Verificação e Graduação de Créditos, na qual se encontram incluídos os créditos do credor Segurança Social”) e que havia sido admitida pelo tribunal recorrido por despacho datado de 12.11.2024. I. Contudo, certamente por lapso de leitura/interpretação, o tribunal recorrido decidiu não admitir a proposta apresentada em 10.02.2025, por considerar que a mesma dá “tratamento diferenciado aos créditos comuns do Instituto de Segurança Social em relação aos demais credores comuns, prevendo-se o pagamento integral desses créditos e antes dos demais credores comuns. Sendo que, sem plano de insolvência, os créditos comuns do Instituto de Segurança Social seriam pagos ao mesmo tempo que os credores comuns e teriam que se sujeitar a ser pagos rateadamente com os créditos destes credores” e que a mesma corresponde “a uma das versões anteriores, que já havia apresentado e que lhe foi rejeitada”, por prever o seguinte: “D) Afetação do produto da venda, no prazo de um mês após a outorga da escritura de venda, ao pagamento aos credores previamente reconhecidos na lista de credores de acordo com a ordem de pagamentos determinada pela Sentença de Verificação e Graduação de Créditos, na qual se encontram incluídos os créditos do credor Segurança Social”. J. Como é bom de ver, nesse ponto do plano (assim como no resto) apenas e tão só se prevê que o produto da venda será afetado ao pagamento aos credores de acordo com a ordem de pagamentos determinada pela sentença de verificação e graduação de créditos, na qual se encontram incluídos os créditos do credor Instituto da Segurança Social, naturalmente. K. Portanto, contrariamente ao que entende o tribunal recorrido, da proposta de plano apresentada não resulta qualquer previsão de “pagamento integral” dos créditos comuns do Instituto da Segurança Social e “antes dos demais credores comuns”, não existindo assim qualquer “tratamento diferenciado aos créditos comuns do Instituto de Segurança Social em relação aos demais credores comuns” justifique a não admissão da proposta apresentada. L. Ao não ter admitido a proposta de plano apresentada pela recorrente em 10.02.2025, o tribunal recorrido violou as normas que extraem do artigo 207.º, n.º 1, alínea a), do CIRE. Nestes termos e nos demais de direito que V. Exas. Venerandos Desembargadores, doutamente suprirão, deverá ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a decisão recorrida e substituída por outra que admita a proposta de plano de insolvência apresentada pela recorrente em 10.02.2025 e decrete a suspensão da liquidação do ativo. * II – Objecto do recurso: É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem (artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do mesmo diploma). Analisadas as alegações de recurso, o thema decidendum está circunscrito à não admissão do plano de insolvência apresentado pela recorrente em 10/02/2025 e à suspensão da liquidação do activo. * III – Dos factos apurados: Os factos com interesse para a justa resolução da causa são os que constam do relatório inicial. * IV – Fundamentação:O princípio da igualdade está estabelecido no artigo 194.º[1] do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e, na jurisprudência e na doutrina, constitui opinião comum que o plano da insolvência se encontra sujeito ao princípio da igualdade dos credores da insolvência (par conditio creditorum) e, como tal, o mesmo deve assegurar que não ocorra qualquer tratamento discriminatório entre credores que se encontrem colocados num patamar de igualdade, sob pena de recusa de homologação do plano. O princípio da igualdade dos credores configura assim uma trave basilar e estruturante na regulação dos planos de insolvência e recuperação. A sua afectação traduz, por isso, seja qual for a perspectiva, uma violação grave, não negligenciável, das regras aplicáveis, sendo fundamento de recusa de homologação judicial do plano de recuperação[2]. No entanto, este princípio comporta excepções. Efectivamente, tal como evidencia Marco Carvalho Gonçalves, o plano de insolvência pode estabelecer diferenciações entre os credores – ainda que se trate de credores pertencentes à mesma classe ou categoria – desde que essas diferenciações sejam devidamente justificadas por razões objectivas (artigo 194.º, n.º 1), sendo que essas razões devem resultar expressamente do plano, sob pena de serem havidas como injustificadas. Consequentemente, o plano de insolvência só pode ser recusado se o mesmo fixar um tratamento arbitrário e discriminatório entre credores que se encontrem no mesmo plano de igualdade, isto é, em idêntica posição ou situação, sem que exista qualquer razão racional ou objectiva que justifique tal tratamento diferenciado[3]. Esta questão do tratamento diferenciado comporta ainda um outro desvio à regra permitindo a fixação de um regime mais desfavorável a credores que se encontrem numa situação idêntica, desde que o afectado preste consentimento, expresso ou tácito, numa perspectiva de auto-composição, a esse desigualado conteúdo do plano. A proposta de plano de insolvência é rejeitada quando a aprovação do plano pela assembleia de credores ou a posterior homologação pelo juiz forem manifestamente inverosímeis, tal como ressalta da leitura da alínea b) do n.º 1 do artigo 207.º[4] do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. Carvalho Fernandes e João Labareda sublinham que, nesta hipótese jurisdicional, o Tribunal «não prescinde de uma ponderação sobre o mérito da proposta enquanto instrumento razoável de realização dos interesses dos credores, alternativo ao modelo supletivo da lei. E deverá, neste quadro, tomar em consideração as posições que os credores – ou alguns deles – possam já ter manifestado nos autos, nomeadamente em sede da assembleia de apreciação do relatório a que se refere o artigo 156.º»[5] O Tribunal a quo entendeu que «na proposta agora apresentada continua a dar-se tratamento diferenciado aos créditos comuns do Instituto de Segurança Social em relação aos demais credores comuns, prevendo-se o pagamento integral desses créditos e antes dos demais credores comuns». Esta decisão reitera aquilo que os despachos de 01/10/2024 e de 14/10/2024 haviam decidido, concluindo que «sem plano de insolvência, os créditos comuns do Instituto de Segurança Social seriam pagos ao mesmo tempo que os credores comuns e teriam que se sujeitar a ser pagos rateadamente com os créditos destes credores». Este entendimento é contraditado pela sociedade insolvente que entende que: «a proposta de plano apresentada em 10.02.2025 em nada difere da proposta apresentado em 17.10.024 (com as alterações efetuadas por requerimento datado de 13.12.2024 e através das quais foi introduzida a redação transcrita no despacho recorrido “D) Afetação do produto da venda, no prazo de um mês após a outorga da escritura de venda, ao pagamento aos credores previamente reconhecidos na lista de credores de acordo com a ordem de pagamentos determinada pela Sentença de Verificação e Graduação de Créditos, na qual se encontram incluídos os créditos do credor Segurança Social”) e que havia sido admitida pelo tribunal recorrido por despacho datado de 12.11.2024». Vejamos. O Instituto da Segurança Social tem um crédito de € 466.582,43 e, de acordo com a sentença de verificação e graduação de créditos, aquele organismo público apenas goza de preferência de pagamento no valor de € 54.790,35 relativamente aos imóveis 1 a 8. De acordo com o plano apresentado o produto da venda será afectado ao pagamento aos credores de acordo com a ordem de pagamentos determinada pela sentença de verificação e graduação de créditos, na qual se encontram incluídos os créditos do credor Instituto da Segurança Social – nos termos acima evidenciados aquando da transcrição da parte decisória da correspondente sentença. Nesta ordem de ideias, gozando de prioridade de pagamento sobre os credores comuns no que concerne à venda dos imóveis atrás referidos, não se pode afirmar que existe um tratamento diferenciado dos créditos do Instituto de Segurança Social em relação a esta categoria de credores – os créditos por dívidas à Segurança Social foram sempre graduados à frente dos créditos comuns. Na verdade, o plano de insolvência segue a ordem legal de pagamento previsto na legislação nacional. Por outras palavras, os créditos do Instituto de Segurança Social gozam de prioridade de pagamento sobre os créditos comuns. E se, por acaso, houver algum crédito da Segurança Social que assuma a natureza de crédito comum, essa concreta dívida da sociedade insolvente terá de ser satisfeita ao mesmo tempo e nas mesmas circunstâncias de cobrança dos reembolsos a efectuar aos credores que não gozam de qualquer garantias de prioridade de pagamento, de forma rateada, se for o caso. O plano não diz o contrário e não transforma qualquer crédito comum da Segurança Social em crédito privilegiado. Assim sendo, não se está perante uma violação não negligenciável de regras procedimentais que obste à não aceitação do plano de revitalização por violação de normas imperativas e que acarrete a necessariamente a produção de um resultado que a lei não autoriza. Todavia, ao contrário daquilo que, na aparência, propugna a recorrente, este cenário não equivale ao da homologação do plano de insolvência por parte dos credores, devendo o Tribunal «a quo» agendar a competente diligência e submeter de novo a proposta a votação do colégio de credores. Este plano de pagamento de dívidas revela nuances relativamente àquele que foi discutido na pretérita Assembleia de Credores. Não sendo aprovada a proposta de plano de pagamento que tenha sido apresentada pelo devedor, tal não impede que o devedor apresente, no mesmo processo, nova proposta de plano de pagamento, desde que seja possível garantir os pressupostos temporais e procedimentais exigidos na lei. Existe jurisprudência, com a qual aliás concordamos, que sustenta que a apresentação de um plano de insolvência pelo devedor, que veio a ser reprovado, não é impeditivo de, posteriormente, o mesmo fazer uma nova proposta[6] e, bem assim, aqueloutra que defende que não ocorre preclusão da possibilidade de apresentação de novo plano de insolvência, mesmo depois de transitada a decisão que, em recurso, rejeitou a homologação do primeiro [7]. Assim, julga-se procedente o recurso apresentado, revogando-se a decisão recorrida, devendo os autos prosseguir os seus termos. E se o for o caso, oportunamente, o Tribunal a quo pronunciar-se-á sobre o pedido de suspensão formulado. * V – Sumário: (…) * VI – Decisão:Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, decide-se julgar procedente o recurso interposto, revogando-se a decisão recorrida, determinando-se a aceitação do plano de insolvência e o prosseguimento dos autos. Custas a cargo da recorrente nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 527.º do Código de Processo Civil, ainda que não havendo parte vencida é a insolvente quem tira proveito do recurso. Notifique. * Processei e revi.* Évora, 10/07/2025José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho Maria Domingas Alves Simões Cristina Maria Xavier Machado Dá Mesquita __________________________________________________ [1] Artigo 194.º (Princípio da igualdade): 1 - O plano de insolvência obedece ao princípio da igualdade dos credores da insolvência, sem prejuízo das diferenciações justificadas por razões objectivas. 2 - O tratamento mais desfavorável relativamente a outros credores em idêntica situação depende do consentimento do credor afectado, o qual se considera tacitamente prestado no caso de voto favorável. 3 - É nulo qualquer acordo em que o administrador da insolvência, o devedor ou outrem confira vantagens a um credor não incluídas no plano de insolvência em contrapartida de determinado comportamento no âmbito do processo de insolvência, nomeadamente quanto ao exercício do direito de voto. [2] Acórdão do Tribunal ad Relação de Coimbra de 30/06/2014, in www.dgsi.pt. [3] Marco Carvalho Gonçalves, Processo de Insolvência e processos Pré-Insolvenciais, Almedina, Coimbra, 2023, pág. 534. [4] Artigo 207.º (Não admissão da proposta de plano de insolvência): 1 - O juiz não admite a proposta de plano de insolvência: a) Se houver violação dos preceitos sobre a legitimidade para apresentar a proposta ou sobre o conteúdo do plano e os vícios forem insupríveis ou não forem sanados no prazo razoável que fixar para o efeito; b) Quando a aprovação do plano pela assembleia de credores ou a posterior homologação pelo juiz forem manifestamente inverosímeis; c) Quando o plano for manifestamente inexequível; d) Quando, sendo o proponente o devedor, o administrador da insolvência se opuser à admissão, com o acordo da comissão de credores, se existir, contanto que anteriormente tenha já sido apresentada pelo devedor e admitida pelo juiz alguma proposta de plano. 2 - Da decisão de admissão da proposta de plano de insolvência não cabe recurso. [5] Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3.ª edição, Quid Juris, Sociedade Editora, Lisboa, 2015, pág. 759. [6] Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 23/04/2015 (processo n.º 5006/13.7TBBRG-G.G1), consultável em www.dgsi.pt. [7] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05/07/2016 (processo n.º 1041/12.0TBGMR-I.G1.S1), visitável em www.dgsi.pt. |