Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
842/22.6T8SRT-A.E1
Relator: TOMÉ DE CARVALHO
Descritores: ROL DE TESTEMUNHAS
ADITAMENTO
PRAZOS
FÉRIAS JUDICIAIS
Data do Acordão: 12/18/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1 – As situações previstas nos n.os 2 dos artigos 423.º e 598.º do Código de Processo Civil constituem prazos regressivos.
2 – Trata-se de um prazo regressivo sujeito a outras contingências processuais, como seja a da necessidade de harmonização com a contagem dos prazos máximos progressivos previstos para o exercício da mesma faculdade pela parte contrária e daqueles que são estabelecidos para a prática dos actos de magistrado e da secretária judicial.
3 – Em férias judiciais não se praticam actos processuais, salvo nos casos previstos no n.º 1 do artigo 137.º do Código de Processo Civil, suspendendo-se o prazo que se encontre em curso, com a ressalva dos prazos de duração igual ou superior a seis meses e dos relativos a processos que a lei considere urgentes.
4 – A suspensão dos prazos em férias judiciais aplica-se a todos os prazos processuais, sejam progressivos ou regressivos.
5 – Para beneficiar da possibilidade inscrita no n.º 2 do artigo 598.º do Código de Processo Civil, a parte tem o ónus de apresentar o pedido com 20 dias de antecedência relativamente à data designada para a audiência final, descontando o período de férias judiciais que se interponha.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 842/22.6T8SRT-A.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Santarém – Juízo Central de Competência Cível de Santarém – J2
*
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:
*
I – Relatório:
Na presente acção de condenação proposta por (…) e outro contra (…), a Ré veio interpor recurso do despacho que não admitiu o requerimento de aditamento de testemunhas.
*
Em 29/11/2022 foi proferido despacho saneador que, além do mais, designou o dia 17/01/2023 para a realização da audiência final.
*
Em 26/12/2022, a Ré veio requerer aditamento ao seu rol de testemunhas nos termos do n.º 2 do artigo 598.º do Código de Processo Civil.
*
Em 28/12/2022, a Ré veio requerer um novo aditamento ao seu rol de testemunhas nos termos do n.º 2 do artigo 598.º do Código de Processo Civil.
*
Em 04/01/2023, a pretensão em causa foi decidida nos seguintes termos: «Indeferem-se os requeridos aditamentos uma vez que as partes não observaram o prazo previsto no artigo 598.º, n.º 2, do C.P.C.».
*
A recorrente não se conformou com a referida decisão e o articulado de recurso continha as seguintes conclusões:
«1. Está o julgamento desta causa agendado para o dia 17 de Janeiro de 2023, o que foi determinado por despacho saneador datado de 29-11-2022.
2. Aos 26-12-2022 a ora recorrente fez, ao abrigo do artigo 598.º/2, do CPC, requerimento de aditamento ao seu rol de testemunhas, tendo feito um segundo aditamento por requerimento datado 28-12-2022.
3. Por despacho de 04-01-2023 (e do qual se recorre), o Tribunal a quo vem indeferir os aditamentos, por considerar que não respeitaram o prazo cristalizado no artigo 598.º/2, do CPC.
4. É patente que a lei fornece 20 dias – antes da audiência de julgamento – para se aditar testemunhas ao rol, o que, teleologicamente, serve a função de poderem ser atempadamente notificadas as mesmas testemunhas e de, sem que seja à boca do julgamento, todos os intervenientes saibam o que os espera.
5. Se o julgamento está marcado para dia 17 de Janeiro de 2023, isso significa que, até 20 dias antes, calhará como sendo o último e o limite o dia 28 de Dezembro de 2022.
6. Repare-se que, contando de dia 17 de Janeiro para trás 20 dias se vai entroncar nesse dia 28 de Dezembro.
7. Ora, o que a lei diz é que só até 28 de Dezembro de 2022 é que as partes poderiam fazer aditamentos ao rol.
8. A recorrente aditou testemunhas até ao dia 28 de Dezembro de 2022, pelo que cumpriu escrupulosamente esse prazo, e respeitou-o.
9. Note-se que a especificidade plasmada na lei (tribunais encerrados) se não aplica aos prazos regressivos, pelo que devem ser efectivamente contados 20 dias para trás, o que irá encontrar o dia 28 de Dezembro de 2022.
10. Devendo ser o douto despacho revogado e admitidos os aditamentos.
Nestes termos, nos melhores de Direito, e com o douto suprimento de V. Exas., deve ser dado provimento ao presente recurso e ser revogado o despacho de referência 92088618, e admitidos, nessa senda, os aditamentos ao rol feitos pela ré».
*
Não houve lugar a resposta.
*
II – Objecto do recurso:
É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem (artigos 635.º, n.º.4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do mesmo diploma).
Analisadas as alegações de recurso, o thema decidendum está circunscrito à apreciação da questão da tempestividade da apresentação do requerimento de ampliação do rol de testemunhas.
*
III – Dos factos:
Os factos interesse para a justa resolução do caso são aqueles que constam do relatório inicial.
*
IV – Fundamentação:
A lei estabelece um ónus de apresentação do requerimento probatório com a alegação do facto a provar, prescrevendo o dever de o apresentar em determinado momento processual, admitindo a sua alteração nos casos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 598.º[1] do Código de Processo Civil.
Como resulta da jurisprudência pioneira neste domínio, «convém estabelecer desde já a distinção entre as duas situações. Uma coisa é alterar o requerimento probatório, que pode abranger prova pericial, documental, testemunhal, etc., outra coisa, bem mais limitada, é alterar ou aditar o rol de testemunhas, que é apenas um dos segmentos do requerimento probatório.
Também os tempos de apresentação desses pedidos são diferentes. Enquanto a alteração do requerimento probatório pode ocorrer na audiência prévia, quando a esta haja lugar, o rol de testemunhas pode ser aditado ou alterado até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final»[2] [3].
É indiscutível que as partes podem substituir as testemunhas constantes do rol que apresentaram no momento próprio ou aditar testemunhas a esse mesmo rol, sem que se lhes exija qualquer justificação para a substituição ou para o aditamento, ao abrigo do disposto no artigo 598.º do Código de Processo Civil.
Também é aceite que a alteração do requerimento probatório pode ter razões de diversa ordem, que passam tanto pela ampliação do rol de testemunhas como pela apresentação de diferente meio de prova[4].
Neste particular, o aditamento ou a alteração é balizada em função de dois parâmetros fundamentais: a necessidade de actuação da regra do contraditório e a salvaguarda da realização da audiência no tempo programado[5].
Na visão de Abrantes Geraldes, a teleologia do preceituado no n.º 2, que visa estabilizar o rol de testemunhas, leva a considerar que o limite temporal para a sua alteração (e também para a apresentação de documentos, nos termos da norma equivalente do artigo 423.º, n.º 2) se deve reportar à data designada pelo juiz para a audiência final ou para a primeira sessão, independentemente de qualquer adiamento[6]. Esta visão é partilhada por Paulo Pimenta[7] e por parte da jurisprudência nacional[8].
De acordo com o comentário de Lebre de Freitas a antecedência de 20 dias reporta-se à realização efectiva da audiência final e não à simples abertura, salientando este autor que o adiamento ou a suspensão de instância permitem o recurso a esta faculdade[9]. Esta posição é partilhada por diversos acórdãos[10]
Existe assim uma regra de estabilização dos meios de instrução a partir do vigésimo dia que antecede a data em que se realize a audiência final[11]. E é incontestável que somos confrontados com um prazo de contagem regressiva e que, na actual codificação adjectiva, pode ser apenas encontrado nos artigos 423.º, n.º 2, e 598.º, n.º 2, do Código de Processo Civil. Por outras palavras, estamos perante um prazo que se conta para trás por referência a certa data ou que tem como termo ad quem um momento futuro.
Porém, nenhum dos acórdãos ou dos contributos doutrinais acima chamados à colação trata da questão que constitui o objecto do presente recurso.
Aquilo que se pergunta nesta sede é se o prazo de 20 dias precipitado na lei pode integrar o período de férias judiciais ou se o pedido de alteração tem de ser operacionalizado de harmonia com a regra da continuidade dos prazos prevista no artigo 138.º[12] do Código de Processo Civil?
Um prazo tem sempre dois pontos de referência: o dia do início ou da partida (dies a quo) e o dia do termo ou do vencimento (dies ad quem) e aquilo que importa aqui apurar é saber quando se iniciou e terminou o prazo estabelecido pelo n.º 2 do artigo 598.º do Código de Processo Civil.
A produção jurisprudencial e doutrinária é manifestamente escassa a propósito da questão de saber se a suspensão dos prazos em férias judiciais se aplica a todos os prazos processuais, sejam progressivos ou regressivos.
No plano da doutrina, a favor da suspensão posicionam-se Lebre de Freitas e Isabel Alexandre que, a respeito da hipótese paralela prevista no n.º 2 do artigo 423.º do Código de Processo Civil, afiançam que, ao prazo regressivo, se aplica a disciplina prevista nos artigos 130.º a 140.º do referido diploma, o que implica nomeadamente que se suspenda em férias judiciais (artigo 138.º-1), de modo que os 20 dias se contam excluindo-as. Assim, por exemplo, se a audiência final tiver lugar a 10 de Janeiro, contar-se-ão 6 dias deste mês (entre 4 e 10) e os restantes 14 terão de ser contados entre 8 e 22 de Dezembro[13]. A dupla de comentadores justifica essa preferência com a necessidade de preparação, nas melhores condições, da fase de julgamento.
No pólo oposto, Teixeira de Sousa entende que não é aplicável o regime do sobredito artigo 138.º a prazos regressivos[14]. Este comentário foi alvo de contra-argumentação crítica de Urbano Lopes Dias que afasta a solução apontada por aquele por a questão não se situar do âmbito da apreciação da validade do acto praticado em férias judiciais, mas antes por, in casu, estar precludido o direito de praticar o mesmo[15].
No plano jurisprudencial o Tribunal da Relação de Évora pronunciou-se recentemente no sentido de que «em férias judiciais não se praticam actos processuais, salvo nos casos previstos no artigo 137.º, n.º 1[16], do Código de Processo Civil, suspendendo-se o prazo que se encontre em curso» e que «a suspensão dos prazos em férias judiciais aplica-se a todos os prazos processuais, sejam progressivos (contagem para a frente) ou regressivos (contagem para trás)»[17].
Também o Tribunal da Relação do Porto emitiu posição em que afirmou que «durante as férias judiciais (que decorreram de 22/12 a 3/1) todos os prazos processuais, incluindo os regressivos, se encontrem suspensos (conforme estatui a lei – vide n.º 1 do artigo 138.º –, apenas com a ressalva dos aí expressamente consagrados: prazos de duração igual ou superior a seis meses e relativos a processos que a lei considere urgentes)»[18] [19].
No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 12/09/2019 chegou-se à conclusão que «o termo do prazo regressivo que termine em dia em que os tribunais estão encerrados transfere-se, por força do artigo 138.º, n.º 2, do CPC, para o primeiro dia útil subsequente».
No entanto, quanto a este último aresto, alerta-se que não existe uma relação de correspondência e de identidade material global com a questão suscitada neste processo, porquanto naquele outro se discutia até que dia se podia praticar certo acto processual quando o respectivo prazo, sendo de contagem regressiva, terminasse em dia em que os Tribunais estivesse encerrados, enquanto aqui se visa apurar se já estava precludido o prazo para o exercício do direito no momento em que se deduziu o pedido de alteração da prova.
A nosso ver, salvo melhor opinião, a compatibilização do direito à prova com a existência de regras processuais relativas ao cumprimento de prazos e ao momento da prática dos actos impulsionadores da pretensão impõe que sejam respeitados os prazos fixados, sob pena de, assim não sendo, existir uma jurisprudência criativa que não interpreta a lei, mas antes a cria em clara violação do princípio da separação de poderes.
É certo que as expressões «suspensão do prazo» e «dia seguinte» contempladas no números 1 e 2 do artigo 138.º do Código de Processo Civil estão vocacionadas para a respectiva aplicação a prazos dilatórios e peremptórios, mas dai não se retira que haja uma regra de conteúdo equivalente àquela que está provisionada para a prática de actos em processos que a lei considere urgentes, caso em que a tramitação não é suspensa durante as férias judiciais.
Na nossa óptica, não existe aqui qualquer lacuna[20] com a consequente necessidade de ser integrada[21] e assim não se torna forçoso resolver a questão segundo a norma que o próprio intérprete criaria, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema. Por isso, o problema deve ser solucionado no espaço das soluções legais interpretativas e sistemáticas sedimentadas no Direito Civil e no Código de Processo Civil.
A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada (n.º 1 do artigo 9.º[22] do Código Civil).
O enunciado textual da lei é, assim, o ponto de partida de toda a interpretação, mas exerce também a função de um limite, já que não pode «ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso», como decorre do n.º 2 do preceito sub judice.
Neste enquadramento, entendemos que a circunstância de se estar perante um método de contagem de prazo distinto não implica directa e necessariamente qualquer alteração às regras de contabilização do termo inicial ou final do prazo do acto a praticar.
Depois, salvo no caso dos processos urgentes, a parte não está obrigada a praticar o acto durante as férias judiciais. Não estando proibida de o fazer, só pode validamente propor o aditamento ao rol de testemunhas se não estiver já esgotada a possibilidade de praticar o acto processual em discussão.
E estes critérios interpretativos apontam para que a prática de actos jurisdicionais em processo não classificado de urgente em período de férias não possa comportar um efeito de derrogação ou de ampliação da oportunidade do seu exercício.
Por isso, por qualquer solução deve assumir uma faceta geral e abstracta, sendo que, a título exemplificativo, fora do contexto dos processos urgentes, se tornaria indefensável advogar que, relativamente a um julgamento designado para o dia 1 de Setembro, seria tempestivo a apresentação de pedido de ampliação do rol de testemunhas entrado em juízo a 9 de Agosto.
Na verdade, se assim fosse, teríamos de nos socorrer de critérios correctivos de retorno à normalidade, numa perspectiva de reductio ad absurdum, porquanto o objectivo máximo da previsão é o de garantir o exercício do contraditório – que desta forma seria postergado – e de impedir o adiamento de uma diligência programada – que estaria prejudicado a fim de permitir a observância do princípio do contraditório.
Não comungamos assim da solução alternativa proposta por Teixeira de Sousa quando afirma que, não se tornando possível respeitar os 20 dias de intervalo para o julgamento, deve ser viabilizado um novo agendamento da audiência final. A inferência lógica de regras imanentes e a regra geral do não adiamento de diligência fundada na falta de testemunha consagrada no n.º 2 do artigo 508.º[23] do Código de Processo Civil não viabilizaria o entendimento que seria permitido o protraimento ou a suspensão da diligência de inquirição de testemunha constante de rol aditado em ordem a garantir a correspondente produção de prova.
Na esteira de Ihering também entendemos que o respeito pelos prazos fixados evita o arbítrio e, acrescentamos nós, obstaculiza o recurso a soluções casuísticas que se destaquem das regras de hermenêutica jurídica, obstando assim a saídas típicas do Direito Livre onde é, geralmente, afirmada a liberdade do julgador para, mediante um caso concreto, buscar a decisão mais justa, ainda que a mesma não seja concordante com os ditames do Direito estatal vigente.
A componente lógica da interpretação impõe assim que se desconstrua a regra que estabelece as condições de accionamento da norma relativa ao aditamento ou à alteração ao rol de testemunhas e se procure a raiz do interesse que se pretendeu proteger e do âmbito de tal protecção, pois qualquer prescrição jurídica faz parte de um sistema global que se pretende coerente, não podendo deixar de ser interpretada no âmbito do complexo normativo em que se insere.
Essa alusão transporta-nos a Jacques Derrida, que é um dos inspiradores do movimento pós-moderno do desconstrucionismo, o qual assenta na desmontagem ou decomposição dos elementos da escrita, com o objectivo de assim possibilitar a descoberta de outros sentidos últimos, dissimulados e subjectivados do texto.
No seu registo o autor afiança que o direito também é desconstrutível, quer porque tem uma base formal de origem escrita, a qual é passível de interpretação com o objectivo de pôr a claro o verdadeiro sentido da lei e as várias significações possíveis que estão por ela cobertas, quer porque o seu fundamento último, a justiça, surge como a própria desconstrução, enquanto raiz de todas as coisas.
Esta desconstrução surge aqui metaforicamente, como sinónimo jurídico, na esfera do direito probatório da necessidade absoluta de, a partir da raiz do problema, encontrar o fundamento da opção legislativa para estabelecer um prazo de 20 dias.
E, a nosso ver, para além da já referenciada necessidade de evitar o protelamento da audiência e do imperativo de estabilização dos meios de prova, o mesmo resulta da conjugação e da concertação sucessiva da soma dos diversos momentos para a prática do acto por parte do Juiz[24] (10 dias), da realização de actos de expediente por parte da secretaria judicial[25] (5 dias) e da optimização da possibilidade de conceder a mesma oportunidade à parte contrária (5 dias). Estes prazos são claramente progressivos e sujeitos ao critério normal de contagem.
Com efeito, o tempo necessário para perfectibilizar essa hipótese de aditamento do rol é exactamente de 20 dias e não estamos perante um acto de mero expediente (aliás, o problema não estaria a ser colocado, pois não admitem recurso os despachos de mero expediente nem os proferidos no uso legal de um poder discricionário)[26] nem o processo é classificado como urgente, donde decorre que o dies a quo teria de se ter iniciado em momento anterior ao da abertura das férias judiciais de Natal.
Trata-se de um prazo regressivo sujeito a outras contingências processuais, como seja a da necessidade de harmonização com a contagem dos prazos máximos progressivos previstos para o exercício da mesma faculdade pela parte contrária e daqueles que são estabelecidos para a prática dos actos de magistrado e da secretária judicial.
Da interpretação dos elementos literal, racional ou teleológico, sistemático e histórico, é de concluir que o acto deveria ser praticado no vigésimo dia anterior à realização da audiência sem contar, para determinar esse dia, com os dias de férias judiciais.
Deste modo, não contabilizando o período de férias, o requerimento foi apresentado 17 dias antes da data do julgamento, já no decurso das férias judiciais, num momento em que, ao fazer o pedido, como refere o Conselheiro Urbano Lopes Dias, reportando-se a caso similar, já tinha precludido essa hipótese.
Em síntese, para beneficiar da possibilidade inscrita no n.º 2 do artigo 598.º do Código de Processo Civil, a parte tem o ónus de apresentar o pedido com 20 dias de antecedência relativamente à data designada para a audiência final, descontando o período de férias judiciais que se interponha.
Assim sendo, confirma-se a decisão recorrida e julga-se improcedente o recurso interposto.
*
V – Sumário: (…)
*
VI – Decisão:
Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, decide-se julgar improcedente o recurso apresentado, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas a cargo do apelante, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 527.º, n.º 1 e 2, do Código de Processo Civil.
Notifique.
*
Processei e revi.
*
Évora, 18/12/2023
José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho
Maria Domingas Alves Simões
Cristina Maria Xavier Machado Dá Mesquita



_________________________________________________
[1] Artigo 598.º (Alteração do requerimento probatório e aditamento ou alteração ao rol de testemunhas).
1 - O requerimento probatório apresentado pode ser alterado na audiência prévia quando a esta haja lugar nos termos do disposto no artigo 591.º ou nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 593.º.
2 - O rol de testemunhas pode ser aditado ou alterado até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, sendo a parte contrária notificada para usar, querendo, de igual faculdade, no prazo de cinco dias.
3 - Incumbe às partes a apresentação das testemunhas indicadas em consequência do aditamento ou da alteração ao rol previsto no número anterior.
[2] Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12/05/2015, cujo texto pode ser encontrado em www.dgsi.pt.
[3] Formulação esta replicada no acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 24/10/2019, pesquisável em www.dgsi.pt.
[4] Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 18/06/2020, disponibilizado em www.dgsi.pt.
[5] Neste sentido pode ser consultado o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 17/12/2015, publicitado em www.dgsi.pt.
[6] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, vol. I (Parte Geral e Processo de Declaração), 3.ª edição, Almedina, Coimbra, 2023, pág. 757.
[7] Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, 3ª edição, Almedina, Coimbra, 2020, pág. 342.
[8] Acórdãos do Tribunal da Relação de Évora de 17/12/2020, do Tribunal da Relação de Évora 20/02/2019 e do Tribunal da Relação do Porto de 12/05/2015, todos consultáveis em www.dgsi.pt.
[9] José Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 3ª edição, Almedina, Coimbra, 2017, pág. 676.
[10] Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 12/05/2015 e de 21/02/2019, do Tribunal da Relação de Guimarães de 17/12/2015, 11/07/2018 e 09/02/2023, do Tribunal da Relação de Coimbra de 08/09/2015 e de 14/12/2016 e do Tribunal da Relação de Évora de 28/06/2018, todos pesquisáveis em www.dgsi.pt.
[11] Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Código de Processo Civil, Os artigos da reforma, 2ª edição, Vol. I, Almedina, 2014, pág. 370.
[12] Artigo 138.º (Regra da continuidade dos prazos):
1 - O prazo processual, estabelecido por lei ou fixado por despacho do juiz, é contínuo, suspendendo-se, no entanto, durante as férias judiciais, salvo se a sua duração for igual ou superior a seis meses ou se tratar de atos a praticar em processos que a lei considere urgentes.
2 - Quando o prazo para a prática do ato processual terminar em dia em que os tribunais estiverem encerrados, transfere-se o seu termo para o 1.º dia útil seguinte.
3 - Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se encerrados os tribunais quando for concedida tolerância de ponto.
4 - Os prazos para a propositura de ações previstos neste Código seguem o regime dos números anteriores.
[13] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2.º, 3.ª edição, Almedina, Coimbra, 2017, pág. 241.
[14] Miguel Teixeira de Sousa, em comentário publicado no Blog do IPPC em 02/10/2019, disponível em https://blogippc.blogspot.com..
[15] Urbano Lopes Dias, em Comentário ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/09/2019, publicado em 16/10/2019, no Blog do IPPC, disponível em https://blogippc.blogspot.com..
[16] Artigo 137.º (Quando se praticam os atos):
1 - Sem prejuízo de atos realizados de forma automática, não se praticam atos processuais nos dias em que os tribunais estiverem encerrados, nem durante o período de férias judiciais.
2 - Excetuam-se do disposto no número anterior as citações e notificações, os registos de penhora e os atos que se destinem a evitar dano irreparável.
3 - Os atos das partes podem ser praticados por via eletrónica ou através de telecópia em qualquer dia e independentemente da hora da abertura e do encerramento dos tribunais.
4 - Os atos das partes praticados por forma presencial junto do tribunal, nomeadamente a entrega de quaisquer articulados, requerimentos ou documentos, devem ser praticados durante as horas de expediente dos serviços.
[17] Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 30/03/2023 (Albertina Pedroso), disponibilizado em www.dgsi.pt.
[18] Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26/04/2021 (Eugénia Cunha), partilhado em www.dgsi.pt.
[19] Esta solução era aceite no domínio da legislação processual precedente, onde se decidiu que o prazo previsto no artigo 512.º-A, n.º 1, do CPC, é um prazo processual regressivo, sendo-lhe aplicável a regra da continuidade fixada no artigo 144.º, n.º 1, do CPC, sem prejuízo da sua suspensão durante as férias judiciais, como ressalta da leitura do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21/01/2010, cuja leitura pode ser feita em www.dgsi.pt.
[20] A lacuna da lei seria, assim, a constatação da existência de um concreto conflito de interesses insusceptível de ser enquadrado na hipótese de uma norma de direito positivo ou consuetudinário, uma ausência de resposta do sistema normativo a uma questão juridicamente relevante. Esta noção pressupõe que o caso que levou à detecção da lacuna é um caso que merece ou postula uma resposta do ordenamento, de acordo com alógica intrínseca do mesmo, na proposição apresentada por António Agostinho Guedes, Comentário ao Código Civil – Parte Geral, Universidade Católica Editora, Lisboa 2014, pág. 52.
[21] Artigo 10.º (Integração das lacunas da lei):
1. Os casos que a lei não preveja são regulados segundo a norma aplicável aos casos análogos.
2. Há analogia sempre que no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei.
3. Na falta de caso análogo, a situação é resolvida segundo a norma que o próprio intérprete criaria, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema.
[22] Artigo 9.º (Interpretação da lei):
1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
[23] Artigo 508.º (Consequências do não comparecimento da testemunha):
1 - Findo o prazo a que alude o n.º 2 do artigo 598.º, assiste ainda à parte a faculdade de substituir testemunhas nos casos previstos no n.º 3; a substituição deve ser requerida logo que a parte tenha conhecimento do facto que a determina.
2 - A falta de testemunha não constitui motivo de adiamento dos outros atos de produção de prova, sendo as testemunhas presentes ouvidas, mesmo que tal implique alteração da ordem referida na primeira parte do n.º 1 do artigo 512.º.
3 - No caso de a parte não prescindir de alguma testemunha faltosa, observa-se o seguinte:
a) Se ocorrer impossibilidade definitiva para depor, posterior à sua indicação, a parte tem a faculdade de a substituir;
b) Se a impossibilidade for meramente temporária ou a testemunha tiver mudado de residência depois de oferecida, bem como se não tiver sido notificada, devendo tê-lo sido, ou se deixar de comparecer por outro impedimento legítimo, a parte pode substituí-la ou requerer o adiamento da inquirição pelo prazo que se afigure indispensável, nunca excedente a 30 dias;
c) Se faltar sem motivo justificado e não for encontrada para vir depor nos termos do número seguinte, pode ser substituída.
4 - O juiz ordena que a testemunha que sem justificação tenha faltado compareça sob custódia, sem prejuízo da multa aplicável, que é logo fixada em ata.
5 - A sanção referida no número anterior não é aplicada à testemunha faltosa quando o julgamento seja adiado por razão diversa da respetiva falta, desde que a parte se comprometa a apresentá-la no dia designado para a realização da audiência.
[24] Artigo 156.º (Prazo para os atos dos magistrados):
1 - Na falta de disposição especial, os despachos judiciais são proferidos no prazo de 10 dias.
2 - Na falta de disposição especial, as promoções do Ministério Público são deduzidas no prazo de 10 dias.
3 - Os despachos ou promoções de mero expediente, bem como os considerados urgentes, devem ser proferidos no prazo máximo de dois dias.
4 - Decorridos três meses sobre o termo do prazo fixado para a prática de ato próprio do juiz sem que o mesmo tenha sido praticado, deve o juiz consignar a concreta razão da inobservância do prazo.
5 - A secretaria remete, mensalmente, ao presidente do tribunal informação discriminada dos casos em que se mostrem decorridos três meses sobre o termo do prazo fixado para a prática de ato próprio do juiz, ainda que o ato tenha sido entretanto praticado, incumbindo ao presidente do tribunal, no prazo de 10 dias contado da data de receção, remeter o expediente à entidade com competência disciplinar.
[25] Artigo 162.º (Prazos para o expediente da secretaria):
1 - No prazo de cinco dias, salvos os casos de urgência, deve a secretaria fazer os processos conclusos, continuá-los com vista ou facultá-los para exame, passar os mandados e praticar os outros atos de expediente.
2 - No próprio dia, sendo possível, deve a secretaria submeter a despacho, avulsamente, os requerimentos que não respeitem ao andamento de processos pendentes, juntar a estes os requerimentos, respostas, articulados e alegações que lhes digam respeito ou, se forem apresentados fora do prazo ou houver dúvidas sobre a legalidade da junção, submetê-los a despacho do juiz, para este a ordenar ou recusar.
3 - O prazo para conclusão do processo a que se junte qualquer requerimento conta-se da apresentação deste ou da ordem de junção.
4 - Decorridos 10 dias sobre o termo do prazo fixado para a prática de ato próprio da secretaria sem que o mesmo tenha sido praticado, deve ser aberta conclusão com a indicação da concreta razão da inobservância do prazo.
5 - A secretaria remete, mensalmente, ao presidente do tribunal informação discriminada dos casos em que se mostrem decorridos 10 dias sobre o termo do prazo fixado para a prática de ato próprio da secretaria, ainda que o ato tenha sido entretanto praticado, incumbindo ao presidente do tribunal, no prazo de 10 dias contado da data de receção, remeter o expediente à entidade com competência disciplinar.
[26] Artigo 630.º (Despachos que não admitem recurso):
1 - Não admitem recurso os despachos de mero expediente nem os proferidos no uso legal de um poder discricionário.
2 - Não é admissível recurso das decisões de simplificação ou de agilização processual, proferidas nos termos previstos no n.º 1 do artigo 6.º, das decisões proferidas sobre as nulidades previstas no n.º 1 do artigo 195.º e das decisões de adequação formal, proferidas nos termos previstos no artigo 547.º, salvo se contenderem com os princípios da igualdade ou do contraditório, com a aquisição processual de factos ou com a admissibilidade de meios probatórios.