Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | MOREIRA DAS NEVES | ||
Descritores: | DESISTÊNCIA DA TENTATIVA | ||
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Data do Acordão: | 02/08/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | Há desistência da tentativa, nos termos previstos na 2.ª parte do § 1.º do artigo 24.º CP, quando o agente que dolosamente realiza todos os atos de execução necessários e suficientes para a consumação do crime de homicídio, se arrepende e por decisão própria faz tudo o que estava ao seu alcance para evitar a morte da vítima e o consegue. A desistência voluntária ativa relativamente à consumação do ilícito é um pressuposto negativo da punibilidade. E, como assim, o impedimento relevante da consumação por parte do agente isentá-lo-á da punição por aquele crime. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I – RELATÓRIO 1. No 1.º Juízo (1) Central Cível e Criminal de Évora do Tribunal Judicial da comarca de Évora procedeu-se a julgamento em processo comum perante tribunal coletivo de RB, nascido a …, solteiro, …, residente no …, em …, com os demais sinais dos autos, a quem foi imputada a prática, como autor, de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, previsto nos artigos 131.º, 132.º, § 1.º e 2.º, alínea b) do Código Penal (CP), com referência aos artigos 22.º, 23.º e 73.º do mesmo código. Foi apresentado um pedido cível por banda do Hospital de Évora, pelo qual se requereu a condenação do arguido a pagar as despesas decorrentes do tratamento de AC, e juros moratórios, em consequência da conduta imputada àquele. O arguido apresentou contestação oferecendo o merecimento dos autos e arrolou testemunhas. No início da audiência de julgamento o arguido foi ouvido para se pronunciar, querendo, sobre o arbitramento de quantia para reparação dos prejuízos sofridos por e AC, nos termos do disposto no artigo 67.º-A, § 1.º, al. b) e § 3.º do Código de Processo Penal (CPP), em conjugação com o disposto no artigo 16.º, n.º 2, da Lei n.º 130/15, de 4/09, nada tendo requerido. Por seu turno, ouvida a referida AC, declarou não se opor ao arbitramento de indemnização. A final o tribunal coletivo proferiu acórdão, na qual condenou o arguido pela prática de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, previsto nos artigos 131.º, 132.º, § 1.º e 2.º, alínea b) CP, com referência aos artigos 22.º, 23.º e 73.º do mesmo código, na pena de 6 anos de prisão; e arbitrou a AC a quantia de 3 500€, nos termos dos artigos 483º, n.º 1, 494.º, 496.º, n.ºs 1, e 3, do Código Civil, artigos 1.º, alíneas b), e j) e 82.º-A, do CPP e artigo 16.º, n.ºs 1, e 2, da Lei n.º 130/2015, de 4/09. b) Inconformado, veio o arguido interpor recurso, rematando as pertinentes motivações com as seguintes conclusões (transcrição): «I) Do facto provado n.º 10 – artigos 3.º a 17.º da motivação a) O Tribunal a quo julgou como provado que: “Na sequência dessa discussão, RB, fazendo uso de uma faca de cozinha que tinha na sua mão direita, com uma lâmina de serrilha com 11,3cm de comprimento, com cabo de madeira com 9,5 cm de comprimento, desferiu um golpe na zona lateral esquerda do tórax de AC”. b) Da acusação e pronúncia resultava/constava indiciado do n.º 11) que: “Acto contínuo, RB, pegou numa faca de cozinha que ali se encontrava, com uma lâmina de serrilha com 11,3cm de comprimento, com cabo de madeira com 9,5 cm de comprimento, e desferiu um golpe na zona lateral esquerda do tórax de AC”; c) Tendo surgido no processo novos factos durante o julgamento, não foi dado cumprimento ao disposto nos artigos 358.º e 359.º do CPP. d) O Tribunal a quo, ao considerar provado o facto n.º 10 do Acórdão - “fazendo uso de uma faca de cozinha que tinha na sua mão direita” (sublinhado nosso) -, ao invés do que constava na acusação e pronúncia, e corroborado pelo arguido e pela própria ofendida - “pegou numa faca de cozinha que ali se encontrava” (n.º 11 da acusação – sublinhado nosso) – agiu em manifesto erro, excesso e contradição, violando os artigos 358.º e 359.º do CPP. e) O Acórdão recorrido cria uma factualidade diferente daquela que constava da acusação/pronuncia, já que, uma coisa é “tinha na mão”, outra bem diferente é “pegou numa faca que ali se encontrava”, não tendo sido concedida ao arguido a possibilidade do contraditório violando-se o principio fundamental da vinculação temática. f) A Factualidade desta forma dada como provada, modifica por completo e na sua essência qualquer interpretação efectuada e prejudica manifestamente os direitos de defesa do Recorrente. g) Pelo que, consideramos, para efeitos do disposto nos artigos 410.º n.º 2 al.s b) e c), 412.º n.º 3 al. a), 358.º e 359.º do CPP, que o mesmo foi incorrectamente julgado e dado como provado da forma como o foi, porquanto existe contradição insanável entre o mesmo e o consignado na al. C) dos factos não provados; h)Devendo-se, isso sim, dar-se apenas e tão só, como provado o facto constante da al. C) dos factos não provados, mantendo-se a acusação/pronúncia nesta parte, com as demais consequências legais. II) Da não concretização/insuficiência da matéria final constante no n.º 17 dos factos provados. – artigos 18.º a 28.º da motivação. i) O Tribunal a quo não estabeleceu o nexo de causalidade entre os pontos n.ºs 16 e 17 do acórdão em crise. j) Não consta dos citados números o “porquê” de a ofendida haver recebido atempadamente a assistência médica considerada adequada. l) Omitido a “conditio sine qua non”, essencial e indispensável, para que a ofendida tivesse recebido tal assistência, não estabelecendo a relação factual (fundamental) entre o comportamento/conduta espontâneo/arrependimento activo do Recorrente e o resultado. m) Foi a actuação arrependida, esforçada, espontânea e proactiva do Recorrente que, ao ter estancado o ferimento, ao ter realizado as várias chamadas para a linha de emergência e ao ter acompanhado a ofendida até à chegada do socorro, determinaram o “salvamento” da ofendida e a chegada tempestiva da assistência médica, pelo que deve ser aditado à parte final do ponto n.º 17 dos factos provados, o seguinte: -“ … que só não se verificou em primeiro lugar pela conduta do arguido referida no descrito em 16., que determinou, atempadamente, a assistência médica adequada.” (sublinhado nosso). n) Pelo que, nos termos e para os efeitos dos artigos 410.º n.º 2 al.s b) e c) e 412.º n.º 3 al. a) do CPP, o número 17 foi incorrectamente julgado e erradamente dado como provado, da forma como o foi, devendo o seu teor ser alterado em conformidade com o requerido, passando a dele constar -“ … que só não se verificou em primeiro lugar pela conduta do arguido referida no descrito em 16., que determinou, atempadamente, a assistência médica adequada.” (sublinhado nosso). QUANTO À MATÉRIA DE DIREITO III) Da ausência de circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade – art.º 132.º, n.ºs 1 e 2 do C.P. – artigos 29.º a 67.º da motivação. o) A qualificação da condenação do Recorrente pela prática do crime de homicídio qualificado na forma tentada assentou na circunstância de se encontrar preenchida a al. b), do n.º 2 do citado artigo – “Praticar o facto contra … com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro …”. p) A especial censurabilidade ou perversidade da conduta do agente fundamenta-se na existência de um maior grau de culpa, baseada esta no preenchimento de pelo menos uma, das circunstâncias elencadas no art.º 132.º, n.º 2 do CP. q) O Recorrente e a Ofendida namoravam há cerca de dois anos, sendo que ambos viviam em casa dos respectivos progenitores, não partilhavam cama, mesa e habitação, circunstâncias intrínsecas à conjugalidade. r) Embora tenha sido considerado e dado como provado a relação amorosa não é indiferente o grau de intensidade da relação, que dão menor ou maior força, e que preenchem os critérios de censurabilidade para que seja considerado “namoro”. s) Dos factos provados, na factualidade global dos mesmos, não se encontra a particular forma de culpa que justifica a qualificação prevista no n.º 1 do art.º 132.º do CP, t) Resulta dos autos que existiu uma discussão entre o Recorrente e a Ofendida e que nessa sequência o Recorrente mandou o telemóvel da A para o chão e a Ofendida reagiu “agarrando o Arguido pelo braço e dizendo “Se sabes atirar para o chão, também o sabes apanhar, por isso, apanha o telemóvel.” (facto provado n.º 9 do Acórdão). u) Foi no âmbito de uma situação específica de conflito consubstanciada na discussão travada com a Ofendida que o Recorrente acabou por lhe desferir o golpe com uma faca (um só golpe), para, de imediato e após perceber o que tinha feito, socorrer a Ofendida, denotando um claro arrependimento do ato perpetrado já que tal como consta da al. D) dos factos dados como não provados não se logrou provar que o “arguido agiu com o propósito alcançado de atentar contra a vida de AC.” v) É inequívoco que o Recorrente agiu na sequência de um impulso emocional súbito e não num seguimento de um plano criminoso. x) Contrariamente ao entendimento do Tribunal a quo, o quadro factual de circunstâncias, não permite o preenchimento da qualificação da especial perversidade ou censurabilidade. z) Ao qualificar o crime em causa nos termos dos n.ºs 1 e 2 al. b) do art.º 132.º do C.P. o Tribunal a quo errou na interpretação e aplicação do direito. aa) Incorrendo no vício de interpretação/aplicação de lei a que se reporta o art.º 412.º n.º 2 do C.P.P., ilegalidade que se invoca e deixa expressamente arguida para todos os devidos e legais efeitos, devendo o ilícito em causa ser penalmente desqualificado. IV) Da violação dos pressupostos dos art.ºs 22.º, n.º 1 e 2, al. b), 23.º e 24.º do C.P. – artigos 68.º a 102.º da motivação. ab) Consta dos factos provados, n.º 16 do citado Acórdão o seguinte: “Após esta situação, RB tentou estancar o sangue do ferimento que provocara em AC, tendo telefonado várias vezes para a linha de emergência do 112 e tendo acompanhado a mesma até à chegada do socorro;”. ac) O Tribunal a quo, não avaliou o quadro factual na sua globalidade, nem ponderou pelo preenchimento do disposto no art.º 24.º do C.P., incorrendo em erro de julgamento. ad) Resulta provado, em face das declarações do Arguido, da Ofendida, bem como do Bombeiro que prestou socorro e do perito, que o Arguido nunca abandonou a Ofendida. (2) ae) Isto é, o Arguido, ao tomar consciência da sua conduta, efectuou atempadamente tudo o que estava ao seu alcance para proteger e salvaguardar a integridade física da Ofendida, o que logrou conseguir. af) O arguido ligou, várias e repetidas vezes, para o INEM, estancou a ferida até à chegada do socorro, acompanhou sempre a Ofendida e forneceu tudo o que lhe era pedido/solicitado, sendo que a sua actuação foi fundamental para impedir o agravamento das lesões e salvar a Ofendida. ag) Estamos perante uma desistência de tentativa operada pela vontade do arguido que, activa e espontaneamente, impediu a verificação do resultado (art.º 24.º n.º 1 do C.P. - 2ª alternativa e n.º 2) o qual “esforçou-se seriamente” por evitar a verificação do resultado e praticou actos que deram origem à inversão do perigo para o bem jurídico que a desistência da tentativa representa. ah) O Recorrente dominou todo o processo de salvamento da Ofendida, cumprindo o exigível a um desistente voluntário, encontrando-se preenchida a previsão do art.º 24.º do C.P., pelo que não poderá ser condenado pela prática do crime que lhe vem imputado; ai) Em face do exposto que antecede o Tribunal ad quo violou de forma clara e inequívoca, o disposto nos artigos 22.º a 24.º do C.P. - pelo que a decisão é nula, padecendo do vício de violação de lei - por manifesta ausência de tentativa consubstanciada no impedimento sério na verificação e na produção do resultado. aj) Incorrendo no vício de interpretação/aplicação da lei a que se reporta o art.º 412.º n.º 2 do C.P.P., ilegalidade que se invoca e deixa expressamente arguida para todos os devidos e legais efeitos e implica a anulação do Acórdão em causa, o que se requer. V) Da decisão de não aplicação do regime especial para jovens delinquentes – artigos 103.º a 141.º da motivação. al) À data dos factos o arguido tinha 19 anos de idade e, por razões de economia processual, dão-se por integralmente reproduzidos todos os factos provados constantes dos números 21 a 27 do Acórdão recorrido. am) A factualidade dada como provada pelo Acórdão, em especial nos mencionados n.ºs 21 a 27, só por si, revela que, no caso em apreço, se encontram plena e devidamente asseguradas as finalidades de prevenção geral e especial, não sendo identificados sentimentos de rejeição nem no meio comunitário onde o arguido reside (apesar de aí ser conhecida a sua situação processual), nem por parte da própria ofendida. an) Sendo que os factos em apreço têm carácter excepcional/isolado no trajeto de vida do arguido. ap) Não emergindo de um quadro disfuncional, não se podendo simplesmente da gravidade dos mesmos considerar e decorrer da impossibilidade da sua reintegração. aq) A factualidade em apreço preenche, em absoluto, os requisitos da aplicação do regime especial para jovens com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos, previsto no DL n.º 401/82, de 23 de Setembro. ar) Os princípios e fundamentos legais de tal diploma são clara e frontalmente violados com a não aplicação ao arguido dos normativos estabelecidos em tal regime especial. as) O caso em apreço é um exemplo claro de um fenómeno isolado, pontual, efémero e transitório, decorrente de um acto precipitado e imaturo, que teve como consequência a prática de uma conduta ilícita. at) Resulta dos factos provados n.º 25 do Acórdão recorrido, o que se aceita, que no caso em concreto, as medidas de coação aplicadas foram suficientes e adequadas para a interiorização da sua conduta e para a sua reinserção social (por afastadas do meio prisional), encontrando-se preenchido o art.º 4.º do citado Decreto-Lei. au) Fazendo um juízo de prognose favorável sobre o desempenho futuro da personalidade do Recorrente, impõe-se ponderar, numa avaliação global dos factos apurados, a natureza e modo de execução do crime, a personalidade do arguido, a sua conduta anterior e posterior aos factos, bem como as suas condições de vida, considerando-se excessiva a concreta moldura da pena de prisão, para os fins de ressocialização do jovem. av)Atentos os factos provados constantes do relatório social e do douto Acórdão, tudo leva a crer e conduza que a situação socioprofissional e pessoal do arguido, findo este processo (com a revogação da pena de prisão aplicada), se mantenha e o arguido, uma vez em liberdade plena, retome uma vida social, familiar e laboral normal e sem incidentes ou prática de ilícitos. ax) Em termos de prevenção especial a própria vitima/Ofendida AC já “perdoou ao arguido”.(3) az) Não denotando a Ofendida qualquer tipo especial de ódio ou rancor ao arguido, nem qualquer espirito de vingança. O que aliás se denotou de parte a parte. ba) Pelo que, não se evidenciando a personalidade “desvaliosa” do Recorrente, por ser primário, pelas suas condições pessoais, familiares e profissionais (viver em casa da mãe e ter iniciado uma nova actividade laboral), ter confessado, demonstrado arrependimento e, posteriormente, ter actuado de forma a salvar a vida da ofendida (arrependimento activo), satisfaz os requisitos da atenuação especial da pena, o que se requer. bc) Entendemos que se encontram preenchidas as circunstâncias para a aplicação do regime especial dos jovens delinquentes – DL n.º 401/82 – maximé o disposto no seu art.º4.º, o que se requer, comas demais consequências legais. bd) Em face do exposto que antecede o Tribunal ad quo violou de forma clara e inequívoca, o disposto no DL n.º 401/82 – artigo 4.º -, pela sua não aplicação ao caso concreto de tal regime especial, pelo que o Acórdão é nulo, por violação de lei. be) Incorrendo no vício de interpretação/aplicação da lei a que se reporta o art.º 412.º n.º 2 do C.P.P., ilegalidade que se invoca e deixa expressamente arguida para todos os devidos e legais efeitos. VI) Grau de ilicitude e medida da pena /Ilegalidade da pena e da duração e modalidade da pena de prisão aplicada – artigos 142.º a 185.º da motivação bf) O arguido foi condenado por um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 131.º, 132.º, n.ºs 1 e 2, al. b), 22.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), 23.º e 73, todos do Código Penal, na pena de 6 (seis) anos de prisão…”. bg) Atendendo a tudo quanto se deixou alegado, nomeadamente o seu arrependimento activo, a sua situação socio económica e familiar, a sua idade, e o facto de ser infractor primário; bh) Aplicar ao arguido uma pena privativa de liberdade em medida de seis anos, viola os mais elementares princípios do direito penal e da aplicação das penas, desde logo o princípio da proporcionalidade e, portanto, o artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa. bi) Ao condenar o arguido em seis anos de prisão o Tribunal a quo violou, por conseguinte, o disposto no artigo 71.º do Código Penal, traduzindo-se a pena aplicada numa pena demasiado severa e injusta, atenta a factualidade considerada. bj) Pelo que, ainda que da factualidade provada pudesse resultar uma condenação do arguido nos termos fixados pelo douto Tribunal a quo, o que só por mero dever de patrocínio se concede, atendendo ao que fica dito supra impunha-se que a pena de prisão aplicável deveria ser fixada em medida inferior a cinco anos e, ainda, ser especialmente atenuada por aplicação do DL n.º 401/82 – artigo 4.º -, ficando suspensa na sua execução, sujeita a regime de prova. bl) Nada obsta à aplicação do artigo 50.º do Código Penal, fazendo-se justiça suspendendo a pena aplicada ao arguido, subordinando a mesma a deveres ou regras de conduta ou ainda a regime de prova, lançando o douto Tribunal mão das previsões dos artigos 51.º, 52.º e 53.º todos do Código Penal. bm) Mais se deve decidir pelo enquadramento jurídico da conduta do arguido na previsão das normas do DL n.º 401/82 – artigo 4.º - como se defende no presente recurso, devendo, de igual modo, lançar-se mão das regras gerais da atenuação das penas, nomeadamente o 72.º do Código Penal, e aplicar ao arguido uma pena de prisão inferior a cinco anos e suspensa na sua execução. bn) E, nestes termos, somos a considerar, ao contrário do que fez o douto acórdão, que para além da atenuação especial, estamos perante a possibilidade de suspensão da execução da pena de prisão sujeita a regime de prova consubstanciada num acompanhamento psicológico do arguido orientado no sentido de evitar a prática de novos crimes de idêntica tipologia. bo) Ao decidir como fez o Tribunal recorrido violou o disposto nos art.º 18.º da CRP, DL n.º 401/82 – artigo 4.º e artigos 40.º, 42.º, 50.º, 51.º, 52.º. 53.º, 71.º e 72.º do Código Penal, de acordo com a mais adequada subsunção dos factos ao direito no presente caso.» 3. Recebido o recurso o Ministério Público junto do Tribunal de 1.ª instância respondeu defendendo que: «1. Não ocorre qualquer contradição insanável, como exigido na al. b), do nº 2, do artº 410º, do Cód. Processo Penal, porquanto foi dado como provado no nº 10, que o arguido tinha uma faca de cozinha na mão e, por outro, considerou-se que não ficou provado, na al. “C”, que essa faca ali se encontrasse e que o arguido tenha pegado nela instantes antes de a utilizar. 2. Como se resulta da fundamentação de facto o próprio arguido admitiu que tinha a faca na mão quando a arguida lhe disse para apanhar o telemóvel, o que se mostra em consonância com o que referiu em julgamento aos 30’.00” e seguintes das suas declarações “(…) tinha uma faca na mão”. E, de seguida, a resposta da Exmª. Srª. Juiz: “E quando foi para a sala já levava a faca na mão?”, ao que o arguido respondeu: “Sim.” 3. Nenhuma outra prova foi produzida a esse propósito, pois a única outra pessoa presente, nesse momento, a vítima AC, não soube esclarecer em que momento o arguido apanhou a faca. 4. Mostra-se, pois, bem julgada pelo Tribunal Colectivo essa parcela dos factos descritos no nº 10 da matéria assente e na al. “C” dos factos não provados, uma vez que se encontram em conformidade com as declarações produzidas em julgamento. 5. No caso dos autos o arguido RB foi acusado da prática, em autoria material, na forma tentada, de um crime de homicídio qualificado, com utilização de uma faca de cozinha, contra AC. 6. O arguido exerceu o seu direito de defesa quanto a tal factualidade e, por consequência, a alteração operada não belisca, aqui, minimamente, qualquer direito de defesa. 7. Tanto mais que o que se provou quanto ao local onde o arguido apanhou a faca resulta das suas próprias declarações, pelo que sempre haveria que se considerar a ressalva prevista no nº 2, do artº 358º, do C.P.P. 8. Conforme descrito no nº 16, o Tribunal Colectivo julgou provado que o arguido, após sair da habitação de AC (facto nº 15), regressou e tentou estancar o sangue do ferimento que provocara àquela, tendo telefonado várias vezes para a linha de emergência 112 e tendo acompanhado a mesma até à chegada do socorro. 9. Que tal facto ocorreu, cronologicamente, «em primeiro lugar» relativamente à assistência médica prestada a AC, isto é, antes desse socorro, é uma evidência que a sucessão da descrição factos provados demonstra e que não carece de ser acrescentada ao nº 17, por redundante. 10. De igual forma, já se mostra referido no nº 16, que o arguido ligou para o número de emergência 112, com isso espoletando ou pelo menos procurando acionar a prestação de socorro à vítima, pelo que se afigura que nada importa acrescentar ao número 17 dos factos provados, tanto mais que o Tribunal “a quo”, retirou desse acto do arguido as devidas consequências jurídico-penais, em sede de determinação da pena concreta. 11. O arguido argumenta que a sua relação de namoro com AC não era muito intensa e que agiu num quadro de impulso emocional súbito, o que afasta a especial perversidade ou censurabilidade exigida pelo nº 1, do artº 132º, do Cód. Penal. 12. No que tange à “intensidade” da relação de namoro que existia entre o arguido e a vítima constata-se que durava há cerca de dois anos, de forma permanente e que já apresentava “tiques” tantas vezes vistos em casamentos menos saudáveis, revelando o arguido desagrado relativamente às pessoas com quem ela se encontrava, ciúmes, controle sobre o telemóvel de AC. 13. Trata-se de um quadro típico de uma relação amorosa, menos saudável, que o disposto na redacção dada ao preceito em causa pela Lei nº 16/2018, de 27.03, visou de defender, pelo que não se suscitam dúvidas relativamente ao seu preenchimento. 14. Relativamente à não verificação do critério geral da especial censurabilidade ou perversidade exigido pelo nº 1, do artº 132º, constata-se a situação de tensão em que o arguido agiu foi espoletada pelo próprio, logo no jardim, quando mandou AC sair dali e ir para casa, continuou quando o arguido exigiu ver o conteúdo do telemóvel da sua namorada, viu a sua intensidade elevada quando o arguido atirou o telemóvel ao chão e atingiu o seu clímax quando o arguido, vendou-se constrangido a apanhar o telemóvel do chão, se recusou a fazê-lo e esfaqueou AC com a faca que empunhava. 15. Se alguém atira o telemóvel de outrem para o chão e o proprietário deste exige que aquele o apanhe a atitude adequada consiste, efectivamente, em apanhá-lo e devolvê-lo ao seu proprietário. 16. Reagir desferindo um golpe com uma faca contra essa pessoa, não só raia o preenchimento de outra qualificativa – o motivo fútil - como revela a especial censurabilidade legalmente exigida. 17. Na situação dos autos provou-se que o arguido RB desferiu um golpe com a faca no tórax de AC, provocando-lhe as lesões descritas no nº 11, dos factos provados, nomeadamente, “um sangramento profuso, fractura alinhada do 7º arco costal anterior esquerdo adjacente, um hemotórax esquerdo com 3 cm de espessura, um pneumotórax esquerdo com espessura máxima pericentímétrica, enfisema na parte torácica adjacente, pneumatocelo na língula, hematoma laminar com 14mm de espessura adjacente ao pericárdio na face lateral do ventrículo esquerdo,” nº 10, dos factos provados. 18. Em consequência, AC foi submetida a intervenção cirúrgica no Hospital de …, sendo certo que se não tivesse sido prontamente socorrida teria falecido em consequência daquelas lesões – nº 12, dos factos provados. 19. O que demonstra que o arguido praticou todos actos executivos suficientes à produção do resultado morte, pelo que estamos perante uma tentativa acabada. Consequentemente, 20. Nos termos da segunda parte do nº 1, do artº 24º, do Cód. Penal, a tentativa só deixa de ser punível se o agente, voluntariamente, impedir a consumação do crime. 21. Para aferir da verificação deste pressuposto, importa atentar que, no caso provou-se ainda o seguinte: 22. Depois de golpear AC com a faca, o arguido RB saiu da habitação deixando AC sozinha, nº 15, dos factos provados. 23. Voltando instantes depois, e então tentou estancar o sangue e efectuou diversas chamadas para o 112, tendo acompanhado a mesma até à chegada do socorro. 24. Verifica-se, assim, que não foi o arguido quem impediu a consumação do crime, pois a morte de AC, só foi evitada por actos médicos, praticados no decurso da cirurgia a que a vítima foi submetida no Hospital de …. 25. Como o próprio arguido expressa na sua motivação de recurso, a desistência tem de ser voluntária e o agente tem de possuir o domínio do processo de salvamento. 26. Na situação “sub judice”, não foi o arguido quem praticou os concretos actos que evitaram o óbito de AC mas, após uma fase inicial em que a deixou sozinha em casa, voltou atrás e promoveu a prestação de socorro à vítima dos seus actos. 27. O que significa que o arguido não possuiu o domínio das operações de socorro pois, após o momento em que o arguido telefonou para o “112” promovendo a prestação de socorro a AC -que esta não estava impedida de realizar por si própria, pois ela tinha meios para o fazer, uma vez que também tinha consigo o seu telemóvel (aquele que o arguido não quis apanhar do chão)- o arguido deixou de possuir qualquer domínio ou colaboração nas operações de socorro à vítima dos seus actos. 28. Não foi o arguido quem a conduziu a um estabelecimento de saúde e não foi o arguido quem realizou as necessárias intervenções médicas ao salvamento de AC. 29. É certo que estas exigiam a realização de actos médicos que o arguido não estava habilitado a praticar mas não pode esquecer-se que a necessidade de uma intervenção qualificada, mesmo muito especializada, resultou verificação de um concreto perigo para a vida de AC, em consequência dos actos contra ela praticados pelo arguido. 30. Afigura-se, pois, que os factos praticados pelo arguido após ter regressado a casa de AC, sendo louváveis, não preenchem os requisitos exigidos pelo artº 24º, do Cód. Penal, pois não foi o arguido quem impediu a morte de AC e deverá antes ser ponderada em sede de medida da pena, como circunstância atenuante. 31. Os factos julgados provados sob os nºs. 20 a 27 atinentes às condições familiares e laborais do arguido e à ausência de antecedentes criminais, no essencial favoráveis ao arguido, em contraponto com as demais circunstâncias indicadas no Acórdão, não permitem fundar a aplicação do regime especial para jovens, pois constituem circunstâncias que o arguido já apresentava à data da prática dos factos e que não possuíram força suficiente para evitar que o arguido atentasse contra a vida da sua namorada, de forma séria, só porque esta o instou a apanhar o telemóvel que o arguido deitara para o chão, como se ela estivesse errada. 32. A desproporção entre o motivo que levou o arguido a agir e a sua conduta aliada à ausência de crítica pelo arguido para os actos que praticou e aos demais elementos mencionados na fundamentação do Acórdão, revelam que é insuficiente, para levar o arguido a adoptar uma conduta conforme ao direito, a aplicação do regime especial para jovens, que levaria o arguido a continuar a desvalorizar os actos que praticou contra a sua namorada, aptos a tirarem-lhe a vida. 33. Considerando os elementos descritos na fundamentação do Acórdão e ainda o grau de culpa, muito elevado, expresso no desferir de um forte golpe com uma faca, a curta distância, sem aviso prévio e sem hipóteses de defesa pela visada. 34. A forte necessidade de prevenção geral deste tipo de condutas, gravemente atentatórias de direitos fundamentais e que geram forte repulsa na comunidade em geral. 35. Bem como a conduta posterior aos factos e as necessidades de prevenção especial: o arguido não assumiu em julgamento os factos que praticou mas após um momento inicial em que deixou AC sozinha em casa, regressou e contactou o “112” a fim de lhe ser prestado o necessário socorro. 36. Sopesando todas as circunstâncias acima indicadas, onde avultam as de cariz agravante justifica-se a aplicação ao arguido de uma pena de prisão a rondar a parte superior do terço inferior da pena, como realizado no Acórdão recorrido, que deve ser mantido nos seus precisos termos. 37. Na determinação da pena única o Tribunal “a quo” teve em conta os critérios previstos no artº 77º, do Cód. Penal sendo que nos termos ali apontados a globalidade dos factos e a personalidade do arguido exigem a aplicação de uma pena da grandeza da aplicada pelo tribunal colectivo, ainda assim situada abaixo do terço inferior da moldura penal. 38. A pena aplicada mostra-se ajustada aos facos praticados pelo arguido e às suas consequências, à culpa revelada e às exigências de prevenção geral e especial e, consequentemente, está conforme aos critérios legalmente fixados para a determinação da medida concreta da pena. 39. A pena concreta não ultrapassa a culpa revelada e as fortes exigências de prevenção especial e geral “in casu” verificadas, impedem que se aplique pena inferior. 40. Não podendo ser a sua execução suspensa por impossibilidade legal, nos termos da parte final do nº 1, do artº 50º, do Cód. Penal. 41. A decisão recorrida não violou os invocados princípios e preceitos legais.» 4. Neste Tribunal Superior o Ministério Público pronunciou-se no mesmo sentido e termos já assumidos junto do tribunal de 1.ª instância. 5. No exercício do contraditório o recorrente pronunciou-se, mas nada acrescentou ao que dissera. II – FUNDAMENTAÇÃO 1.Delimitação do objeto do recurso O objeto do recurso penal é delimitado pelas conclusões da respetiva motivação – artigos 403.º, § 1.º, e 412.º, § 1.º CPP. Nessa sequência, as questões suscitadas pelo recorrente são as seguintes: a) Contradição insanável e erro de julgamento quanto ao julgamento do facto 10.º no acórdão recorrido; e erro de julgamento relativamente aos factos 16.º e 17.º; b) Erros de julgamento de direito: 1. quanto às circunstâncias qualificativas do crime; 2. por se não ter considerado haver desistência da tentativa; 3. por indevida preterição do regime penal especial aplicável aos jovens adultos; 4. Erro de direito relativamente à medida concreta da pena e mobilização de pena de substituição. 2. No acórdão recorrido deram-se como provados e não provados os seguintes factos, com a respetiva motivação: «Resultaram provados os seguintes FACTOS: 1. RB e AC mantiveram uma relação de natureza amorosa, durante cerca de dois anos, que se pautou por conflitos, tendo dado origem a muitas discussões, e a qual terminou no dia em que ocorreram os factos que infra se descreverão. Assim, 2. No dia 29-10-2020, cerca das 18h00, AC encontrava-se num jardim de …, tendo sido abordada por RB, que lhe perguntou “Tás aqui a fazer o quê?”; 3. Tendo AC respondido “Vim à rua, estava aqui a fumar um cigarro e agora vou embora para casa.”; 4. RB respondeu com a expressão “Então vai para casa.”; 5. De seguida, AC dirigiu-se para a sua casa, sita na Rua …, em …, tendo deixado a porta do prédio e da sua casa aberta, porque sabia que RB iria segui-la até casa, como era habitual. 6. Pelas 18h30, RB entrou na casa e agarrou no telemóvel de AC, dizendo “Deixa-me ver o teu telemóvel.”, tendo estado alguns minutos a ver o seu conteúdo. 7. RB tinha por hábito controlar o telemóvel de AC. 8. A determinada altura, após ler as mensagens/chamadas efetuadas do telemóvel de AC, RB mandou-o para o chão. 9. O que levou AC a reagir, agarrando o arguido pelo braço e dizendo “Se sabes atirar para o chão, também o sabes apanhar, por isso, apanha o telemóvel.”. 10. Na sequência dessa discussão, RB, fazendo uso de uma faca de cozinha que tinha na sua mão direita, com uma lâmina de serrilha com 11,3cm de comprimento, com cabo de madeira com 9,5 cm de comprimento, desferiu um golpe na zona lateral esquerda do tórax de AC. 11. O que provocou nesta um sangramento profuso, bem como, uma ligeira densificação linear e enfisema subcutâneo na parede torácica ântero-lateral esquerda, em relação provável com o trajecto do objecto perfurante, com possível ponto de entrada na vertente ântero-inferior do hemitóriax esquerdo, factura alinhada do 7º arco costal anterior esquerdo adjacente, um hemotórax esquerdo com 3 cm de espessura, um pneumotórax esquerdo com espessura máxima pericentímétrica, enfisema na parte torácica adjacente, pneumatocelo na língula, hematoma laminar com 14mm de espessura adjacente ao pericárdio na face lateral do ventrículo esquerdo. 12. O que obrigou a internamento urgente no Hospital de …, com intervenção cirúrgica, sendo certo que, se AC não tivesse sido prontamente socorrida, teria falecido por força daquelas lesões. 13. Tais lesões provocaram-lhe as seguintes sequelas: Tórax – cicatriz no lugar da ferida – na face lateral esquerda e cicatriz no local do dreno torácico. 14. E determinaram 49 dias para a consolidação médico-legal, com afetação da capacidade de trabalho geral (4 dias) e com afetação da capacidade de trabalho profissional (49 dias). 15. Após o descrito em 10., RB saiu da habitação deixando a ofendida sozinha. 16. Porém, instantes depois, o arguido regressou e tentou estancar o sangue do ferimento que provocara em AC, tendo telefonado várias vezes para a linha de emergência 112 e tendo acompanhado a mesma até à chegada do socorro. 17. RB agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que mantinha uma relação amorosa com a ofendida e que o golpe que lhe desferiu com uma faca com 11,3 cm de lâmina e o local do corpo que atingiu, era perfeitamente idóneo a produzir a morte da ofendida, em virtude de ali se situarem órgãos vitais, tendo o mesmo representado como possível que em consequência da sua conduta descrita em 10. poderia advir a morte de AC e assim agiu conformado com esse resultado, que só não se verificou por a ofendida haver recebido atempadamente a assistência médica adequada. 18. RB sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei penal. 19. O casal manteve contacto, quer no dia da ocorrência dos factos, quer no dia seguinte. 20. Tendo-se mesmo despedido com um beijo quando AC foi transportada ao hospital. Mais se provou que: 21. RB é o mais novo de dois filhos, caracterizando a dinâmica da sua família de origem como tolerante e afetuosa centrada no bem-estar da família, na valorização de competências profissionais, com definição de regras assertivas a nível sociofamiliar. 22. RB abandonou a escola após conclusão do 7º ano de escolaridade, com 16 anos de idade. Posteriormente, ainda frequentou um curso de formação profissional, o qual veio a abandonar por desinteresse pela aprendizagem escolar e por pretender ingressar no mercado de trabalho. Inicialmente desenvolveu atividade laboral indiferenciada, como …., até ingressar na empresa …, aos 18 anos de idade, onde iniciou funções com vínculo laboral e permaneceu até outubro de 2020, beneficiando de vínculo laboral e de um salário que lhe proporcionava autonomia económica, tendo o seu contrato de trabalho sido suspenso, na sequência da sua prisão preventiva, à ordem do presente processo judicial. 23. RB vive com a progenitora e a sua irmã em casa arrendada. Presentemente, RB não aufere qualquer remuneração, vivendo sob a dependência económica da progenitora e da irmã que lhe asseguram as condições necessárias ao seu quotidiano. 24. No que concerne à ocupação do seu tempo livre privilegia o convívio com os amigos, principalmente ao fim de semana e por vezes dedica-se à pesca com o progenitor. O arguido está associado ao consumo de produtos estupefacientes (canábis) e bebidas alcoólicas apenas em contexto social/recreativo. 25. Apresenta um comportamento compatível com as regras inerentes à medida de coação de obrigação de permanência na habitação, designadamente as que se referem ao confinamento habitacional, sendo que a presente situação judicial teve impacto no arguido, nomeadamente ao nível da intimidação face à ação do sistema de justiça, cessando qualquer contacto e/ou aproximação com a vítima. 26. O arguido dispõe do apoio da sua família de origem, apresenta-se como um indivíduo com um discurso tendencialmente defensivo e com características de funcionamento que apresentam alguma rigidez. Denota fraca capacidade de descentração, reduzida consciência crítica, com dificuldade ao nível da censurabilidade dos seus comportamentos e subsequente minimização do impacto dos mesmos, bem como alguma dificuldade a nível do controlo dos impulsos e reduzida resistência à frustração. 27. O arguido não tem antecedentes criminais. 28. Em consequências das lesões infligidas pelo arguido, AC foi assistida no Hospital …, em … onde recebeu cuidados médicos, sendo que o custo da assistência hospitalar prestada ascende a €1.658,22. 1.2. – FACTOS [NÃO] PROVADOS: Não se lograram provar com interesse para a decisão da causa os seguintes factos: A) O arguido quebrou o telemóvel da ofendida. B) A ofendida empurrou o arguido. C) No circunstancialismo descrito em 10, o arguido pegou na faca de cozinha que ali se encontrava. D) O arguido agiu com o propósito alcançado de atentar contra a vida de AC. 1.3. – MOTIVAÇÃO: A formação da convicção do Tribunal teve por base a análise crítica da globalidade da prova, analisada à luz das regras da experiência comum e recorrendo a juízos lógico-dedutivos. Assim, o relacionamento de namoro entre o arguido e a ofendida AC no período compreendido entre 2018 até à data dos factos foi admitido por um e por outro nas declarações prestadas na audiência de julgamento (facto n.º 1). Quer o arguido quer a ofendida admitiram que durante esse namoro tiveram várias discussões por ciúmes mútuos, sendo que, neste conspecto, foi igualmente considerado o depoimento das testemunhas EC e EB, mãe da ofendida e do arguido, respetivamente (tendo a primeira afirmado que “eles não se davam muito bem” e a segunda afirmado que “eles tinham as suas brigas como qualquer casal”, fazendo esta última alusão a uma briga do casal, ocorrida no jardim público, que por si foi presenciada, mostrando-se o seu filho muito exaltado), resultando claro das declarações daquelas testemunhas que nenhuma concordava com o namoro nem aceitava a presença da/o namorada/o do filho/filha em sua casa, o que por si também indicia a existência de alguma conflituosidade intra relacional, tanto mais que o casal não se coibiu de discutir na via pública de forma exaltada. No que se refere à factualidade descrita em 2 a 10, 15 e 16 o tribunal fez fé nas declarações da ofendida AC que afirmou que na tarde desse dia (reportando-se ao dia 29.10.2020, sendo essa a data registada em todos os documentos hospitalares e policiais constantes do processo, nomeadamente, no auto de notícia a fls. 4 e no relatório de urgência a fls. 47) foi ao café e estava sentada a fumar um cigarro, acompanhada por um casal e dois rapazes, quando o arguido chegou e lhe perguntou o que estava ali a fazer, ela disse que estava a fumar um cigarro e, em resposta, o arguido disse-lhe para ir para casa, o que ela fez, deixando a porta do prédio encostada e a porta da casa destrancada, para o arguido entrar; passado algum tempo o arguido entrou na sala onde a ofendida se encontrava e disse se podia ver o telefone, o que fez; após, ler as mensagens/chamadas o arguido atirou o telemóvel para o chão e a ofendida agarrou-lhe o braço (ficando ambos frente a frente) e disse “se sabes atirar o telemóvel para o chão também o sabes apanhar”, o arguido respondeu “larga-me” e no imediato a ofendida sentiu uma dor no lado esquerdo, como se tivesse partido uma costela, e pensou que o arguido lhe tinha dado um murro; a ofendida disse ainda que o arguido ficou com um ar muito estranho, como se tivesse acontecido algum mal, e depois foi-se embora para a rua, mas que, passado algum tempo, acabou por voltar; acrescentou ainda que foi o arguido quem telefonou para o 112 e que o mesmo ficou consigo até os bombeiros a transportarem para o hospital. Questionada se antes da discussão o arguido estivera na cozinha a preparar comida, a mesma negou, explicando ainda que desconhece se o mesmo foi à cozinha logo que entrou em casa, pois quando se apercebeu da sua presença ele já estava na sala à sua frente. Também a testemunha EC declarou que nesse dia não viu qualquer sinal na cozinha que sugerisse que o arguido e/ou a ofendida tivessem cozinhado bifes, contradizendo a versão dada pelo arguido, a qual se considerou inverosímil como infra melhor se explicitará. Saliente-se que AC garantiu que depois de o arguido atirar o telefone ao chão o mesmo já não saiu da sua frente e declarou ainda, de modo totalmente espontâneo, que na altura deduziu que o arguido estava chateado consigo porque nesse dia a viu acompanhada por dois rapazes e um casal, sendo que já há dois dias que estavam zangados um com o outro, circunstâncias que melhor permitem enquadrar e compreender toda a conduta do arguido e que, por serem inteiramente conformes com as regras da experiência comum, conferem maior verosimilhança à descrição dos factos apresentada pela ofendida. Instada, AC também esclareceu que o arguido era um “bocadinho” ciumento e que às vezes gostava de ver o seu telefone e que tinha acesso ao mesmo porque o telemóvel podia ser desbloqueado através da impressão digital do arguido. Com base nestas declarações, conformes com as regras da normalidade da vida e experiência comum, concluiu-se, pois, pela prova do facto descrito em 7. Na audiência de discussão em julgamento, a ofendida foi confrontada com a faca apreendida à ordem destes autos e disse assemelhar-se a uma faca da sua casa. A forma como a ofendida relatou a dinâmica dos factos, a agressão e a reação do arguido - disse que parecia que o arguido lhe tinha dado um murro no lado esquerdo da zona torácica, pois sentiu uma dor como se lhe tivessem partido uma costela; percebeu pela cara do arguido que tinha acontecido alguma coisa de mal, mas não percebeu o que tinha acontecido exatamente, só quando começou a sentir-se molhada é que viu sangue e percebeu que estava ferida – denotam que a ofendida vivenciou e percecionou esses factos nos exatos termos em que os descreveu, o que confere grande credibilidade ao seu depoimento. Nestes termos, o tribunal considerou que as declarações da ofendida mereceram inteira credibilidade, não só pela forma objetiva como a mesma prestou declarações, mas também porque foi sempre coerente e segura na descrição dos factos, sem evidenciar qualquer animosidade em relação ao arguido, pelo contrário, já que referiu que ainda gosta dele, que nunca teve medo dele, caracterizando-o até como sendo uma pessoa tranquila. Por fim, importa ressaltar que a descrição feita pela ofendida é inteiramente compatível e condizente com todos os demais meios de prova objetivos, concretamente: - Auto de notícia de fls. 4/5; - Fotografia de fls. 9 (com registo das chamadas do telemóvel do arguido para o 112); - Fotografias de fls. 12 a 17 (correspondentes ao registo de imagem da residência da ofendida e da roupa da ofendida e do arguido); - Autos de apreensão de fls. 23 e 24; - Relatório de inspeção ao local e exame pericial de fls. 105/129 e fls. 169 a 174. É certo que na audiência de discussão e julgamento o arguido prestou declarações e apresentou uma versão distinta da ofendida, descrevendo com alguma indiferença e frieza que todo o sucedido era um acidente ocorrido no decurso de uma discussão. O arguido disse que nesse dia estava tudo bem e que depois de encontrar a ofendida no jardim, disse-lhe para ir para casa; pouco tempo depois, ele também foi para casa da ofendida, como era habitual, e começou a fazer uns bifes na cozinha, utilizando uma faca para mexer os bifes, entretanto, levando a faca na mão direita, dirigiu-se à sala e perguntou à ofendida se tinha falado com alguém, ela respondeu que não e deu-lhe o telemóvel para ele ver e o arguido viu que a ofendida tinha trocado mensagens com outro rapaz; isso fez o arguido irritar-se e atirar o telefone para o chão, então a ofendida agarrou o braço esquerdo do arguido e disse-lhe para apanhar o telefone, o que o arguido recusou, continuando ambos a discutir e a ofendida a agarrar-lhe o braço até que os dois acabaram por cair para o lado esquerdo do arguido, ficando a ofendida por cima; explicou que segurou a ofendida pela cintura e depois levantaram-se ambos, tendo o arguido, ainda com a faca na mão, regressado à cozinha, enquanto a ofendida continuava a falar; só quando esta se calou subitamente é que o arguido voltou à sala e viu sangue no pijama da ofendida, então, telefonou para o 112, levou a ofendida para a entrada do prédio e fez pressão na zona da hemorragia até que a mesma foi assistida pelos bombeiros. Disse ainda o arguido que não sentiu a faca a espetar, nem era essa a sua intenção e que também não abandonou a ofendida. As declarações do arguido não convenceram o tribunal, quer porque as mesmas foram imprecisas e incongruentes (o arguido primeiro explicou que ambos caíram de lado para o lado esquerdo, depois disse que a ofendida caiu em cima de si; o arguido referiu ainda que quando caíram segurou a arguida pela cintura e que não sentiu a faca a espetar; porém, novamente instado acabou por referir que a faca espetou quando a ofendida caiu para cima de si), quer porque a sua descrição da dinâmica dos factos é ilógica (pois, não é entendível que a faca, que se encontrava na mão direita do arguido, tenha perfurado o lado esquerdo da caixa torácica da ofendida, quando este apenas a segurou pela zona da cintura); quer ainda porque esta versão colide com as regras da normalidade da vida, já que, face às características e à extensão das lesões causadas à ofendida, não se compreende que o arguido não tenha percecionado que a faca perfurou o corpo da ofendida. A isto acresce que na audiência de julgamento o arguido apresentou uma versão distinta da inicialmente dada em sede de primeiro interrogatório judicial (nesse ato o arguido disse, em síntese, que já estavam zangados quando foi para casa da ofendida, foi fazer uns bifes e começaram a discutir por ciúmes, ele atirou o telefone para o chão, a ofendida começou-lhe a bater, deu-lhe empurrões e uma ou duas chapadas e ele “viu-se apertado”, apontou-lhe a faca para a acalmar, mas não era para lhe espetar a faca, pensou que tinha lhe dado só um toque com a faca, porém, não teve a noção da força que fez; disse ainda que primeiro ela parecia estar bem e ia-se embora, depois é que percebeu que ela estava com muito sangue) e na fase de instrução, perante o juiz de instrução criminal (referiu, em suma, que foi ter com a namorada a casa desta e começou a fazer uns bifes, estavam bem um com o outro, depois foi falar com ela e levava a faca na mão, viu o telemóvel, atirou-o ao chão, começaram a discutir e do nada ela veio para cima de mim, mas não sentiu a faca a espetar, nem tinha intenção de espetar a faca, depois saiu de casa e quando fechou a porta percebeu que ela se queixava e voltou atrás e viu que a A estava ferida). Perante a diversidade de versões do arguido e tendo em conta a análise crítica de toda a prova nos termos acima já explicitados, considerou-se que as declarações do arguido não merecem qualquer credibilidade nem revestem verosimilhança, prevalecendo, pois, a descrição dos factos dada por AC, e corroborada por todos os restantes meios de prova acima já enunciados, que lograram convencer o tribunal pelas razões supra também já explanadas. O arguido reconheceu a faca apreendida no processo como sendo a por si utilizada no dia dos factos, o que, juntamente com as declarações de AC e com o teor de fls. 24 (auto de apreensão), permite dar como demonstradas as características da faca ínsitas no ponto 10. A determinação das lesões físicas sofridas pela ofendida, o período de consolidação dessas lesões e da afetação da capacidade profissional e de trabalho geral, como descrito nos pontos 11 a 14, resulta da análise dos exames médicos (cf. fls. 160/161 e fls. 301 e fls. 365), complementados com o teor dos relatórios de urgência e informações hospitalares de fls. 47 e de fls. 303 a 305, 166/167, 322, 343, 348, 354/361 e 366/372. Em face do teor do relatório pericial médico-legal junto aos autos a fls. 365, complementado pelos esclarecimentos prestados na audiência de julgamento pelo Sr. Perito, foi possível concluir que as lesões sofridas pela ofendida colocaram em perigo a sua vida, pois a mesma teria morrido caso não recebesse atempadamente os primeiros socorros e a assistência médica necessária, de onde se extrai que as lesões perpetradas pelo arguido eram adequadas a causar a morte da vítima, o que só não ocorreu devido aos cuidados médicos que lhe foram tempestivamente prestados. Os factos atinentes à intencionalidade e ao concreto propósito de determinada conduta é matéria do foro interno do agente, que, por isso, só é possível comprovar através da confissão do próprio ou através de factos que permitam inferir a subjetividade de uma determinada atuação, segundo as regras da experiência comum e as regras da normalidade da vida. Ora, no caso, considerando as características da arma usada na agressão, o modo de ação do arguido (realce-se que o arguido quando se dirigiu à ofendida para ver o telemóvel já trazia a faca consigo), a zona do corpo atingida (zona torácica, onde se situam órgãos vitais, como os pulmões e o coração) e analisando crítica e conjugadamente tais elementos à luz das regras da experiência da vida, é possível concluir que nesse circunstancialismo qualquer homem médio representaria o resultado morte como consequência possível daquela agressão, inexistindo qualquer motivo para que o tribunal conclua em sentido diverso relativamente ao arguido e, por conseguinte, considerou-se que o arguido previu, necessariamente, como possível que ao desferir a facada na ofendida poderia atingi-la nos seus órgãos vitais e tirar-lhe a vida, resultado com o qual se conformou, mas que apenas não se verificou por a ofendida haver recebido atempadamente os cuidados médicos adequados, agindo o arguido ciente da antijuridicidade da sua atuação. Ficou demonstrado o facto descrito em 19 uma vez que o arguido e a ofendida afirmaram que os contatos entre si só cessaram com a aplicação da medida de coação de proibição de contatos a que o arguido foi sujeito no âmbito deste processo. O facto descrito em 20 foi confirmado quer pelo arguido e pela ofendida, quer pela testemunha PF, membro da corporação de bombeiros de … que assistiu a ofendida no local e que, por isso, presenciou esse facto. Já os factos referentes à condição social, pessoal, familiar e económica do arguido bem como à restante factualidade vertida nos pontos 21 a 26 decorrem do relatório social elaborado pela DGRSP. Para a prova da ausência de antecedentes criminais atendeu-se ao certificado de registo criminal junto aos autos. O facto descrito em 28 resultou do teor da prova documental (faturas) junta a fls. 409/410 conjugada com as declarações da testemunha arrolada pelo demandante e com toda a demais informação clínica e hospitalar junta ao processo e acima já enunciada, que atestam os cuidados médicos prestados à ofendida no … em consequência da agressão de que foi vítima. A ofendida AC esclareceu que no dia dos factos o seu telemóvel não ficou partido e que nesse circunstancialismo também não empurrou o arguido, pelo que, esses factos se tiveram por não demonstrado, como vertido nas alíneas A) e B). A matéria referida na alínea C) não resultou provada porquanto em face da prova produzida não ficou demonstrado que a dita faca se encontrasse na sala onde ocorreu a agressão da ofendida. Com efeito a ofendida não se recorda de ver esse objeto em poder do arguido ou na sala (explicou que também não havia razão para que ali se encontrasse uma faca pois não estivera a comer); e o arguido, por sua vez, afirmou que estava na cozinha a preparar uns bifes e por isso trazia na sua mão a dita faca. Em face desta prova, não resultou demonstrado que no circunstancialismo descrito em 10, ou seja, durante a discussão que ocorreu na sala, o arguido pegou numa faca de cozinha que ali se encontrava, concluindo-se antes que o arguido fez uso desse objeto e que o detinha na sua mão, como descrito nos factos provados. Por fim, no que tange à formação da convicção do tribunal relativamente ao elemento subjetivo que enformou a atuação do arguido, cumpre ainda referir não estar demonstrado que o arguido tenha agido com o propósito alcançado de causar a morte da ofendida, quer porque esse resultado se não verificou quer porque naquele concreto circunstancialismo teria sido possível ao arguido, sem qualquer dificuldade, produzir a morte da ofendida caso esse fosse o seu principal propósito, na medida em que a ofendida ficou à sua mercê; todavia, o arguido não o fez e, por isso, se conclui que o arguido ao agir nos termos acima descritos representou como possível que em consequência dessa agressão poderia advir a sua morte, conformando-se com esse resultado.» 3. Apreciando. 3.1 Contradição insanável e erro de julgamento quanto ao julgamento do facto 10.º no acórdão recorrido; e erro de julgamento relativamente aos factos 16.º e 17.º. Alega o recorrente que tendo surgido novos factos na audiência de julgamento, o tribunal veio a introduziu no acórdão um facto novo, relativamente ao qual não suscitou os incidentes previstos nos artigos 358.º e 359.º do CPP. Concretiza esta afirmação indicando que na acusação e na pronúncia constava sob o ponto 11 que: «Ato contínuo, RB, pegou numa faca de cozinha que ali se encontrava, com uma lâmina de serrilha com 11,3 cm de comprimento, com cabo de madeira com 9,5 cm de comprimento, e desferiu um golpe na zona lateral esquerda do tórax de AC.» Facto este que é distinto do que veio a ser julgado provado sob o ponto 10.º do acervo factológico, neste com a seguinte dimensão: «Na sequência dessa discussão, RB, fazendo uso de uma faca de cozinha que tinha na sua mão direita, com uma lâmina de serrilha com 11,3cm de comprimento, com cabo de madeira com 9,5 cm de comprimento, desferiu um golpe na zona lateral esquerda do tórax de AC.» Importa desde já referir que na confrontação dos dois textos (pronúncia e factos provados no acórdão) constata-se uma diversa maneira de descrever os mesmos factos, mas nada mais que isso. Quer-se dizer, não se acrescentou nenhum facto novo, do qual decorra alteração das circunstâncias de tempo, de lugar, de modo, de motivação ou de sujeitos no pedaço de vida descrito no libelo. As diferenças que se alcançam são de natureza lexical e descritiva de pormenores dos mesmos factos descritos na pronúncia. O processo penal português tem estrutura basicamente acusatória (integrada por um princípio de investigação), donde decorre que é a acusação delimita o objeto do processo, com isso se visando assegurar a correlação (tendencial) entre a acusação e a decisão. Daí resultando, como regra, que o tribunal não atenderá a factos que não foram objeto da acusação, limitando a sua atividade cognitiva (thema probandum) e decisória (thema decidendum). Não obstante, por vezes, emergem circunstâncias que exigem se amplie aquele objeto, nomeadamente em decorrência do dever de investigação da verdade, que se impõe ao tribunal (artigo 340.º CPP). Nesses casos, por razões de equidade e de lealdade processual, impostas pelo princípio da acusação e das garantias de defesa do acusado, nomeadamente de contraditório e de audiência, tem de disso mesmo se lhe dar conta, para lhe assegurar um efetivo direito de defesa (4) . Quando tal ampliação passa a integrar o novo objeto do processo (ampliado) o acusado tem também o direito de preparar a sua defesa relativamente aos novos factos, conforme expressamente se prevê nos artigos 358.º e 359.º do CPP. Fora desses casos a atividade do tribunal que vá além de tais limites gerará a nulidade da sentença (artigos 379.º, § 1.º, al. b) e c) CPP). Mas o que delimita o objeto do processo não são as concretas palavras que no libelo descrevem o acontecido ou o modo ou sequência daquelas. Relevante são os factos que retratam o pedaço de vida com relevância e significado jurídico (sendo este dado sobretudo pela incriminação que lhes vai agregada). Isto é, só há alteração relevante do objeto do processo, da factualidade a que se reporta o pedaço de vida em causa, se este se tornar outro, por alteração das suas características de identidade, de tempo, de lugar, de modo, de grau, ou de intenção. Só quando ocorre uma alteração deste tipo é que cabe avaliar se se tratará de alteração substancial (artigo 1.º, al. f) CPP) ou de alteração não substancial. E só nestes casos há necessidade (id est obrigatoriedade) de enxertar os incidentes processuais previstos nos artigos 358.º e 359.º CPP. Conforme refere Frederico Isasca (5) «o facto processual, como acontecimento ou pedaço de vida, não corresponde, do ponto de vista ontológico, a um único facto, mas a uma pluralidade de factos singulares que se aglutinam em torno de certos elementos polarizadores, que permitem a sua compreensão, de um ponto de vista social, como um comportamento que encerre em si um conjunto tal de elementos que tornam possível identifica-lo e individualizá-lo como um pedaço de vida, i. e. uma fração destacável do contínuo comportamento de um sujeito, capaz de ser analisado em si e por si e nessa medida suscetível de um juízo de subsunção jurídico-penal, cuja cindibilidade seria tida como não natural, quer do ponto de vista da experiência social da vida (portanto não só pela sociedade como até do próprio agente), quer à luz da perspetiva jurídica (...) Decisivo será, quer a valoração social, quer a imagem social do acontecimento ou comportamento trazido a juízo e consequentemente, a forma como o pedaço de vida é representado ou valorado do ponto de vista do homem médio – da experiência social se se preferir, quer a salvaguarda da posição da defesa do arguido.» Precisemos: nos artigos 358.º e 359.º CPP regulam-se as situações em que no decurso da audiência de discussão e julgamento surgem novos factos relevantes, que poderão constituir uma alteração substancial ou não substancial dos que foram descritos na acusação e que consubstanciam o objeto do processo. Essa alteração será substancial se dela decorrer uma diferença de identidade, de tempo, de lugar, de modo, de grau, ou de intenção que transforma o pedaço de vida descrito na acusação noutro diverso, que determina a imputação de crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis. Ou será não substancial se constituir uma divergência ou uma diferença que alterando aspetos essenciais do pedaço de vida descrito na acusação, dela contudo não decorre alteração da qualificação penal ou agravação da moldura penal, mas relevando, ainda assim, para a decisão da causa (6). A alteração factológica a que nos vimos referindo, tal como a entende a lei, tem sempre de ser uma alteração relevante do pedaço de vida que vem recortado no libelo. Relevante para a decisão da causa (7), na medida em que possa interferir no juízo que se pede ao tribunal. Contrariamente ao que parece vir pressuposto pelo recorrente, o acórdão não é (não deve ser) um fiel serventuário da acusação (conforme magistralmente regista o Supremo Tribunal de Justiça), podendo o juiz proceder, «se necessário, e na extensão tida por necessária, ao aparo ou corte do que porventura em contrário e com carácter supérfluo provenha da acusação» (8), ou a precisá-la num discurso mais claro quanto ao que possa não estar tão bem exposto, sem que isso constitua uma introdução de factos novos que traduzam alteração dos anteriores, isto é, sem que isso represente uma alteração relevante (nem substancial nem não substancial) dos factos (9). E só nestes casos, de introdução de factos novos, que constituam uma alteração dos anteriores, se verifica a necessidade (a obrigatoriedade) de enxertia dos incidentes referidos. Pois só nesse caso se vulneram as garantias de defesa do arguido. A jurisprudência vem considerando inexistir uma alteração dos factos relevante para efeitos do artigo 358.º CPP, quando a factualidade dada como provada consiste numa mera redução daquela que foi indicada na acusação ou da pronúncia, por não se terem dado como assentes todos os factos aí descritos; ou quando se trate de uma simples descrição do contexto temporal e do ambiente físico em que a ação do arguido se desencadeou, quando o mesmo não é mais do que a reafirmação ou a ilação explícita de factos que sinteticamente já se encontravam narrados na acusação. (10) Ora, no presente caso, tendo por referência o pedaço de vida descrito e delimitado pela pronúncia, verificamos não haver qualquer alteração do dia, da hora e do local em que o arguido, munido de uma faca, agrediu a integridade física da ofendida. Nem nada de diverso se descreve quanto à causa dos acontecimentos; sobre quem foi ter com quem; quem se dirigiu ameaças a quem; que instrumento de agressão foi manuseado. Inexiste, pois, qualquer facto novo, não carecendo, portanto, do enxerto incidental previsto no artigo 358.º CPP, por em nada se terem maculado as garantias de defesa do acusado, nem constituindo qualquer nulidade. Preconiza também o recorrente que nos pontos 16.º e 17.º dos factos provados se deveria enfatizar a circunstância de ele ter contribuído para ser proporcionada assistência medida à ofendida. Nesse contexto referindo que neles se omite «a conditio sine qua non, essencial e indispensável, para que a ofendida tivesse recebido tal assistência, não estabelecendo a relação factual (fundamental) entre o comportamento/conduta espontâneo/arrependimento ativo do recorrente e o resultado.» Mas não tem razão. O segmento factológico em referência contém a descrição cabal do acontecido, tal como se provou e, nessa exata medida, (muito bem) explicitados na motivação sustentadora da convicção do tribunal, que desse modo os fixou. O «acrescento» que se preconiza, na sua dimensão factológica (única que releva), na medida em que já lá consta («instantes depois, o arguido regressou e tentou estancar o sangue do ferimento que provocara em AC, tendo telefonado várias vezes para a linha de emergência 112 e tendo acompanhado a mesma até à chegada do socorro») seria apenas redundante, razão bastante para desatender ao que se requer. Razões pelas quais improcedem estes fundamentos do recurso. 3.2 Erros de julgamento de direito 3.2.1 Das circunstâncias qualificativas do crime Sustenta o recorrente que a existência de uma relação amorosa, como aquela que mantinha com a ofendida, não tinha um grau de intensidade que dê consistência bastante à especial censurabilidade ou perversidade da atuação do agente exigida pela lei no artigo 132.º, § 2.º CP. Pois que, apesar de namorarem há cerca de dois anos, também é verdade que viviam cada um em sua casa, com os respetivos progenitores e não partilhavam cama, mesa e habitação. Antes de fazermos a avaliação da conduta do arguido para aferir o grau especialmente elevado de culpa, que justifica a agravação prevista no artigo 132.º CP, caberá recentrar a qualificação jurídica dos factos provados. No acórdão recorrido descreve-se que «RB e AC mantiveram uma relação de natureza amorosa, durante cerca de dois anos, que se pautou por conflitos, tendo dado origem a muitas discussões. Tal relação terá terminado no dia em que ocorreram os factos (cf. facto 1.º). Não obstante também se provou que «o casal manteve contacto, quer no dia da ocorrência dos factos, quer no dia seguinte. Tendo-se mesmo despedido com um beijo quando AC foi transportada ao hospital (factos 19. e 20.). A agressão perpetrada pelo arguido sobre a ofendida no dia 29/10/2020 está inarredável e indubitavelmente conexionada com a existência dessa relação de namoro, a qual dá mostras de patologias comportamentais de ambos. Os acontecimentos que naquele dia fatídico precederam a agressão dão disso nota evidente, com a «ordem» que o recorrente deu à ofendida para ir para casa, quando a encontrou no jardim, e ela foi! Mas também o «controlo» que ele fazia do telemóvel dela. Sendo que ela aparentemente aceitava como normais esses comportamentos! Ora a agressão do recorrente sobre a ofendida ocorre nesse contexto de ciúme patológico, evidenciado pela sequência de ter ordenado à ofendida que fosse para casa, esta ter ido e deixado a porta aberta porque sabia que ele iria lá ter com ela, como veio a suceder; e sequente ao controlo do telemóvel da ofendida (como costumava fazer); e ao gesto de o atirar para o chão e reação dela perante esse facto. Este contexto é o da violência doméstica que, a mais de patologia sociológica, constitui crime autónomo, previsto no artigo 152.º CP. Este tipo de ilícito tem por objeto a inflição, de modo reiterado ou não, de maus tratos a pessoa com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro (§ 1.º, al. b), naquele maltrato se incluindo condutas que se substanciem em violência ou agressividade física, psicológica, verbal e sexual que não sejam puníveis com pena mais grave por força de outra disposição legal. Sendo por via desta cláusula de subsidiariedade expressa que se alcança o tipo de homicídio (131.º CP) e de homicídio qualificado (132.º CP), dado que a ação ilícita, objetiva e subjetivamente o tem por referência. Chegados assim ao homicídio qualificado, como ilícito de referência em face dos factos praticados pelo arguido, veremos agora se o preenchimento objetivo da circunstância descrita na al. b) do § 2.º do artigo 132.º pela atuação do arguido, tem a carga culposa subjacente a esta agravante qualificativa da pena abstrata, isto é, se a ação ilícita do arguido/recorrente é reveladora desta especial censurabilidade ou perversidade. O tribunal recorrido ponderou essa circunstância do seguinte modo: «ficou demonstrado que o arguido e a ofendida tinham uma relação de namoro há cerca de dois anos, sendo, por isso, subsumível na previsão daquela alínea. Acresce que face ao circunstancialismo em que os factos ocorreram – na sequência de uma discussão motivada por ciúmes e após o arguido analisar o telemóvel da vítima e o atirar para o chão; sendo que a ofendida foi surpreendida pela agressão do arguido, no interior da sua residência, local em que a mesma deveria estar em segurança, sem qualquer possibilidade de reação ou de defesa – evidenciam uma especial censurabilidade da atuação do arguido nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 132.º do Código Penal. Assim, resta concluir pelo preenchimento da mencionada qualificativa do crime de homicídio tentado.» E com muita razão. Pois o que é suposto nas relações afetivas é que os parceiros confiem, ajudem, amparem, protejam, amem. E não é expectável o contrário. Sendo por isso que a ponderação neste tipo de situações se revela mais complexa quando o agressor é um estranho à vítima. Mas quando a agressão provém de pessoa em quem se confia, perante quem, por isso mesmo, se está desarmado, ela é indubitavelmente mais censurável. Não há, pois, qualquer dúvida que a circunstância agravante a que vimos fazendo referência se mostra ajustada à conduta empreendida pelo arguido. 3.2.2 Da desistência da tentativa Considera o recorrente que a sua conduta posterior à agressão, descrita em 16. dos factos provados, preenche os pressupostos da desistência da tentativa, prevista no artigo 24.º CP, aduzindo mesmo que «dominou todo o processo de salvamento de AC, cumprindo o exigível a um desistente voluntário.» A esta alegação respondeu o Ministério Público sustentando, no essencial, que o arguido praticou todos atos executivos suficientes à produção do resultado morte, pelo que estaremos perante uma tentativa acabada. Acrescendo que não foi o arguido quem impediu a consumação do crime, pois a morte de AC só foi evitada por atos médicos, praticados no Hospital de …. Tratando-se, portanto, de uma situação distinta das que são apontadas pela doutrina como exemplos típicos da desistência acabada – v.g. se o agente que deu veneno à vítima e que arrependido lhe deu o antidoto; ou o agente que colocou um explosivo para rebentar numa linha de caminho de ferro à passagem do comboio, e que arrependido retirou a tempo os explosivos antes da passagem do comboio. E a promoção de socorro pelo arguido através da realização de contactos telefónicos para a linha de emergência 112, sendo louvável, não preenche os requisitos do artigo 24.º CP, pois não foi ele quem impediu a morte de AC. A sua atitude deverá ser ponderada em sede de medida da pena, como circunstância atenuante. Pois bem. A questão que o recorrente concretamente coloca é a da não punibilidade da tentativa, por desistência ativa, nos termos do § 1.º do artigo 24.º CP, por ter impedido a consumação do crime; ou então, nos termos do § 2.º do mesmo artigo, por ter desenvolvido todos os esforços necessários para a evitar. Dispõe o artigo 24.º CP, que: «1 - A tentativa deixa de ser punível quando o agente voluntariamente desistir de prosseguir na execução do crime, ou impedir a consumação, ou, não obstante a consumação, impedir a verificação do resultado não compreendido no tipo de crime. 2 - Quando a consumação ou a verificação do resultado forem impedidas por facto independente da conduta do desistente, a tentativa não é punível se este se esforçar seriamente por evitar uma ou outra.» A punição da tentativa da prática de um crime constitui uma extensão da proteção dos bens jurídicos aos atos jurídicos penalmente relevantes, mas inconsumados, nos casos em que as respetivas ações sejam merecedoras de punição. Vindo a evolução do direito penal também a determinar que nem todas as ações frustradas carecem de punição, ainda que praticados todos os atos de execução idóneos à lesão dos bens jurídicos (11). Releva distinguir a tentativa acabada da tentativa inacabada, dizendo-se que, no essencial, a primeira é aquela em que o agente (está convencido que) já realizou todos os atos de execução necessários à consumação material do crime; e a tentativa inacabada aquela em que o agente (está convencido que) ainda não realizou todos os atos de execução necessários para a consumação material do crime (12). Isto é, enquanto na tentativa acabada se verifica o abandono do plano pelo agente; nos casos de tentativa inacabada, o agente, no momento em que abandona o facto, está convencido de que o resultado se não verificará. No caso presente os factos apurados constituem, inequivocamente, uma tentativa acabada de homicídio qualificado sobre a pessoa da ofendida, porquanto, o arguido realizou todos os atos de execução necessários e suficientes para a consumação do crime. Com efeito, tendo representado como possível que em consequência dessa conduta poderia advir a morte de AC e conformando-se com esse resultado, fazendo uso de uma faca de cozinha (com as características descritas supra), o arguido desferiu com ela um golpe na zona lateral esquerda do tórax de AC, com o que lhe provocou um ferimento, com sangramento profuso, que só lhe não causou a morte por esta ter atempadamente recebido a assistência médica adequada. A desistência voluntária relativamente à consumação do ilícito é, pois, um pressuposto negativo da punibilidade, assumindo a forma de uma causa pessoal de exclusão da pena. Refere Figueiredo Dias que para que a desistência da tentativa acabada seja juridicamente relevante «não basta que o agente abandone o plano, mas tem de voluntariamente impedir a consumação (artigo 24.º, § 1.º, 2.ª alternativa) através de uma atividade própria, eventualmente com o auxílio de terceiros, v.g. e um procurador, de um médico, de polícias, de bombeiros; tem, em suma, de levar a cabo um comportamento ativo e com êxito» (13). Só o impedimento da consumação por parte do agente o isentará de punição. No mesmo sentido se pronuncia M. Miguez Garcia, referindo que o simples abandono do plano pelo agente não basta, cabendo-lhe consecutivamente o impedimento voluntário da consumação, através de uma atividade própria, eventualmente com o auxílio de terceiros. É desse modo que a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça também vem entendendo: «para que tal suceda é (…) necessário que [o agente] desenvolva uma conduta própria e espontânea, embora eventualmente com a colaboração de terceiros, a seu pedido, que seja idónea a evitar a consumação, e que esta efetivamente ocorra. O agente deve, pois, para ser considerado desistente e beneficiar da impunidade» (14) ter uma conduta essencial no processo de salvamento do bem jurídico ameaçado pela sua conduta. Sendo também esse o entendimento da doutrina germânica (15), cujo instituto jurídico da desistência da tentativa inspirou o direito português, tendo ambos características similares. Volvendo ao caso presente, temos que o arguido, logo após a agressão à vítima, saiu da habitação, mas apenas por meros «instantes», logo a ela regressando, abeirando-se da vítima e procurando estancar o sangue do ferimento que nela provocara, telefonando, por várias vezes, para a linha de emergência 112, tendo depois acompanhado a mesma até à chegada do socorro (facto 16.). Despediu-se dela com um beijo quando esta foi transportada ao hospital (facto 20.), mantendo-se em contacto com ela nesse dia e no dia seguinte (facto 19.). Depois disso o arguido foi sujeito à medida de coação que lhe foi fixada (assim se mantendo em obrigação de permanência na habitação). Temos por ser tão indubitável a prática dos atos de execução do crime por banda do arguido, com dolo eventual; como o seu imediato arrependimento e atitude consequente de salvamento, até ao limite das suas possibilidades, numa clara manifestação de arrependimento e de reconciliação com o direito. Fez tudo o que estava ao seu alcance para socorrer a vítima, procurando impedir a consumação do ilícito, cujos atos de execução praticara. Não lhe era pessoal e objetivamente possível fazer mais. Donde, a desistência da tentativa, prevista na 2.ª modalidade do § 1.º do artigo 24.º CP se mostra verificada, sendo relevante e operante, deixando o facto de ser punível como homicídio qualificado. Mas ainda que se considerasse que a não consumação do crime resultou de facto não imputável ao agente. Isto é, ainda que não fosse a sua intervenção a causa do impedimento da consumação do crime (o falecimento da ofendida), mostrando-se, como notoriamente sucedeu, que ele se esforçou seriamente por evitar a consumação (16), ainda assim a tentativa de homicídio também não seria punível, conforme prevê o § 2.º do mesmo artigo 24.º. A seriedade dos esforços a que nos referimos corresponde a uma atitude ativa e a um comportamento idóneo por banda do agente para evitar a consumação. A sua atitude é a que objetivamente corresponde à melhor contribuição que era objetivamente possível. É por este complexo de razões que o arguido não pode ser punido pelo crime de homicídio qualificado na forma tentada, como considerou o tribunal a quo. Mas isso não significa que a sua ação, obviamente censurável e ilícita fique impune. O que se arredou foi o tipo de ilícito tutelador do direito à vida, mas o arguido deverá ser punido pelo crime que consumou, cujos factos são integradores da prática do ilícito de ofensa à integridade física qualificada (artigo 145.º, § 1.º, al. c) CP), por a ofensa ter sido produzida em circunstâncias reveladoras de especial censurabilidade, nos termos já referidos supra, e ter provocado em perigo a vida da ofendida (artigo 144.º, al. d), ex vi al. c) do artigo 145.º CP). Sendo-lhe, assim, abstratamente aplicável uma pena de 3 a 12 anos de prisão. 3.2.3 Do regime penal especial aplicável aos jovens adultos O recorrente sustenta que uma vez que à data dos factos tinha 19 anos lhe deveria ser aplicado o regime penal especial aplicável aos jovens adultos. O tribunal recorrido fundamentou a não mobilização desta legislação especial por considerar que as exigências mínimas de prevenção geral tal não permitiam. Concretamente referindo que tendo em consideração: «a gravidade da infração criminal, bem como as necessidades de prevenção geral, que são elevadas (saliente-se que a violência no namoro, com atos de elevada gravidade que podem levar à morte são cada vez mais comuns e vêm causando alarme crescente na sociedade), (…) a aplicação na situação sub judice do regime especial para jovens delinquentes não seria adequada a alcançar as finalidades das penas, mormente a proteção dos bens jurídicos tutelados por esta incriminação. Paralelamente, cabe ainda referir que avaliada globalmente a conduta do arguido, nomeadamente a motivação (ciúme), a circunstância de ambos se encontrarem sozinhos na casa da vítima e o facto do arguido a haver abandonado logo após a facada (ainda que por alguns instantes), temos de concluir por um grau de ilicitude elevado. A isto acresce que o arguido não admitiu a prática dos factos, o que a nosso ver impede que se faça um juízo de prognose positiva relativamente ao agente, sendo que o mesmo não manifestou qualquer juízo crítico e de autocensura relativamente à sua conduta.» Vejamos, então. O Código Penal prevê no seu artigo 9.º que «aos maiores de 16 anos e menores de 21 são aplicáveis normas fixadas em legislação especial. Essa legislação especial é o Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de setembro, que se constitui regime-regra aplicável a todos os arguidos que estejam compreendidos na categoria etária ali prevista, verificados os pressupostos que condicionam a sua aplicação (artigo 2.º). A nortear a sua mobilização ressalta o princípio reeducador – princípio de política criminal de sinal contrário ao princípio sancionador -, na linha que vem sendo assinalada pelo Conselho da Europa e pela União Europeia (17). Mais ressalta uma dupla via de intervenção: a ideia de evitar, tanto quanto possível a pena de prisão, e uma paleta própria de medidas de correção (artigos 4.º a 6.º). Neste início do século XXI, a delinquência juvenil tornou-se, no contexto europeu, um fator de inquietação social, que vem legitimando alterações de cunho repressivo e securitário às respostas a esse fenómeno (18). A complexidade da vida no nosso tempo, caracterizada pelo modo de vida urbano e massificado, catalisador de fenómenos de desestruturação, de dificuldades económicas e de acesso ao conhecimento e à formação adensa-se a uma velocidade superior àquela que o passar de gerações antigamente acomodava mais facilmente. E se a autonomização dos jovens perante o núcleo familiar de origem e sequente integração social continua a fazer-se, por imperativo das exigências da vida, os equilíbrios sociais tornam-se frágeis e atingem de forma mais pesada aqueles que carecem de uma estrutura (ou pelo menos de uma referência) parental de apoio. E surge a delinquência juvenil, por inadaptação, muitas vezes decorrente das disfuncionalidades geradas pela própria sociedade, que esta nem sempre compensa. No enquadramento normativo do problema a lei (o DL n.º 401/82) constitui um sinal de comprometimento da sociedade com medidas propiciadoras de tempo e de orientação, visando a reinserção sem perda da liberdade ou pelo menos da liberdade total. Consideramos, em geral, ajustadas as considerações aduzidas pelo tribunal a quo para arredar a aplicação deste regime especial, quanto à aplicação da atenuação especial da pena. E assim, porquanto as exigências mínimas de prevenção geral tal não acomodam, em face não apenas da gravidade do ato ilícito cometido, mas considerado o contexto de uma relação de namoro, com inarredáveis sinais patológicos (desigualdade entre os pares, patente na «ordem» dada pelo arguido à ofendida para ir para casa; na vigilância sobre o telemóvel dela; e na agressão perpetrada por motivo fútil). Tudo isso sem que em nenhum momento, perante as autoridades formais de controlo (no 1.º interrogatório judicial, nas declarações prestadas na fase de instrução; e na audiência de julgamento) o arguido tenha feito uma confissão com verdadeira contrição. Como bem refere o acórdão recorrido, em todos aqueles momentos (que foram também oportunidades) o arguido enredou-se em contradições sobre o momento em que pegou na faca! Não há, pois, razão para alterar o decidido na 1.º instância neste conspecto. 3.2.4 Medida concreta da pena (e pena de substituição) Atenta a moldura abstrata da pena de 3 a 12 anos de prisão, correspondente ao ilícito cometido, importa agora enunciar os princípios norteadores da graduação das penas, que são essencialmente os seguintes: A finalidade das penas é a de proteger bens jurídicos e reintegrar o agente na sociedade, não podendo a pena exceder a medida da culpa do infrator (artigo 40.º CP); e a determinação da medida concreta da pena, dentro dos limites definidos na lei, faz-se em função da culpa do agente e das exigências de prevenção (artigo 71.º do CP). Breve: dentre os limites fixados pela medida da culpa (máximo de pena) e pela prevenção geral (mínimo da pena) são as necessidades de prevenção especial que determinam o quantum concreto da pena. Depois destas considerações sobre os referentes normativos, importa agora atentar nas circunstâncias do caso que contribuem para a avaliação da culpa do arguido e das exigências preventivas, (geral e especial) - onde seguramente se não integram aquelas que já serviram para qualificar a ofensa à integridade física e agravar a respetiva pena abstrata. A culpa traça o limite máximo da pena concreta, sendo depois as exigências de prevenção geral e as necessidades de prevenção especial que intervêm para determinar o quantum da pena. A prevenção geral fixa o limite mínimo exigido para tutela da confiança e das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma que foi violada (sendo por isso uma razoável forma de expressão afirmar como finalidade primária da pena o restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime). Sendo depois a prevenção especial, traduzindo a vertente positiva ou de socialização, a fixar em última instância (na medida necessária à prevenção da reincidência (19) - ajustando-se às necessidades de reintegração social do agente) a medida concreta da pena. No acórdão recorrido graduou-se a pena com referência ao crime de homicídio tentado, previsto nos artigos 131.º, 132.º, § 1.º e 2.º, alínea b) CP, com referência aos artigos 22.º, 23.º e 73.º do mesmo código, isto é, numa moldura abstrata de 2 anos, 4 meses e 24 dias a 16 anos e 8 meses de prisão, fixando a pena concreta em 6 anos de prisão. Mas a moldura a ter agora em conta, com a nova qualificação jurídica dos factos, é de 3 a 12 anos de prisão (com cerca de mais 7 meses no limite mínimo, mas menos 4 anos e 8 meses no limite máximo). Ora, a culpa reporta-se à censura dirigida ao agente por referência à prática do facto ilícito, consistindo na desaprovação da sua atitude interna face às exigências do dever ser sociocomunitário (20). A culpa do arguido neste caso é muito elevada. Pese embora a atuação tenha sido com dolo eventual, o grau de ilicitude é muito elevado, sobretudo porque entre os namorados, como era o caso da relação entre arguido e vítima, há uma confiança que confere segurança, que faz baixar a guarda, sendo isso mesmo que a conduta do arguido grosseiramente traiu quando agrediu a ofendida. E por isso mesmo a medida da culpa excede claramente a mediania. As exigências de prevenção geral correspondem ao mínimo de pena que permite o restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime e a manutenção da confiança na validade e vigência da norma violada. Vista na sua globalidade, a dinâmica da concreta atuação ilícita do arguido, esse mínimo, descolando do limite mínimo da moldura abstrata, dele não poderá afastar-se muito. E no concernente às necessidades de prevenção especial, regra positiva ou de socialização por excelência (só excecionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais) (21), cujos parâmetros têm em vista o não cometimento de novos crimes pelo arguido e a sua reinserção, isto é, tendo-se em atenção os efeitos que a pena terá na sua personalidade e que podem vir a revelar-se na sua vida futura (22), avultam as condições pessoais do arguido, na medida em que possam ser reveladoras da sua capacidade para se reintegrar validamente na sociedade. Importando, pois, ponderar a vivência geral do arguido, as suas condições pregressas e as que lhe poderão ser proporcionadas; o modo como se posicionou perante os factos ilícitos cometidos; e a capacidade para compreender a sanção. Temos, pois, que o arguido possui uma fraca capacidade de descentração, reduzida consciência crítica, dificuldade ao nível da censurabilidade dos seus comportamentos e subsequente minimização do impacto dos mesmos, assim como alguma dificuldade a nível do controlo dos impulsos e reduzida resistência à frustração, apontados no relatório social e integrados nos factos provados. Mas este quadro deve conjugar-se com a idade que tinha à data da prática do ilícito (19 anos) e agora (20 anos) e com a boa inserção familiar e laboral que tinha antes da prática do crime e o amparo da família nuclear, que se mantém. Tudo ponderando consideramos ajustada uma pena de 4 anos e 6 meses de prisão. Importando agora aquilatar da possibilidade de mobilizar pena de substituição para esta pena, cuja medida apenas permite equacionar a suspensão da execução da pena (artigo 50.º CP). Dispõe o artigo 50.º, § 1.º CP que: «o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.» Neste preceito consagra-se um poder-dever, um poder vinculado, do tribunal, que deverá decretar a suspensão da execução da pena, na modalidade e com os matizes que se afigurarem mais convenientes para a realização daquelas finalidades, sempre que se verifiquem os respetivos pressupostos, impregnando esta pena um conteúdo reeducativo e pedagógico. No essencial esta pena constitui uma solene advertência ao condenado, que agrega à condenação e ao cumprimento dos deveres a ela ligados a ameaça da prisão efetiva (como a espada de Dâmocles pendendo sobre a sua cabeça), preconizando-se um efeito sobre o seu comportamento futuro, em benefício da reintegração social do agente. Assenta num risco prudencial (23) sobre a sua personalidade, as condições da sua vida, a sua conduta anterior e posterior à prática do crime e as circunstâncias deste, concluindo-se que a simples censura do facto e a ameaça da execução da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Exige-se, pois, a ponderação de todos os elementos disponíveis que possam sustentar a conclusão de que o facto ilícito praticado terá sido como que um acidente de percurso e de que a solene advertência, que constitui a condenação e a ameaça da prisão, terá inevitável reflexo sobre o comportamento futuro do agente, em benefício da sua reintegração social. Fatores essenciais são: a capacidade da pena concreta apontar ao arguido o rumo certo no domínio dos valores prevalecentes na sociedade, impondo-lhe num sentido pedagógico e autorresponsabilizante o seu comportamento futuro; e a capacidade dele para sentir e compreender a ameaça da prisão, de molde a que ela exerça sobre si efeito contentor. O juízo final exige ainda, de acordo com o princípio vertido no artigo 40.º, § 1.º do CP, que se acautelem as razões de prevenção geral positiva, isto é, que a suspensão da pena não comprometa a manutenção da confiança da comunidade na ordem jurídica e na norma penal que foi violada. Como se deixou dito o ponto fulcral para a mobilização desta pena de substituição é o prognóstico favorável de que o condenado encetará um modo de vida afastado da prática de crimes, assentando este num juízo de probabilidade fundada; em cujo contraponto surge o prognóstico desfavorável, o qual emergirá quando num juízo quase seguro puder predizer-se a reincidência (24). No presente caso a ausência de uma verdadeira contrição relativamente ao mal causado a outrem que lhe era tão próximo, e as já referidas características de personalidade do arguido (que em verdade condicionaram aquela atitude), comprometem um prognóstico positivo. Sendo em igual medida decisivo que as exigências de prevenção geral (positiva), correspondendo ao mínimo para assegurar a manutenção da confiança da comunidade na ordem jurídica e na norma penal que foi violada, decorrente das circunstâncias e gravidade do crime cometido, não permitem a mobilização desta pena de substituição em qualquer das suas modalidades. Pelo que, não se verificando os necessários pressupostos da suspensão da pena de prisão, a pena de prisão concretamente fixada terá de ser efetivamente cumprida. III – DISPOSITIVO Destarte e por todo o exposto, no parcial provimento do recurso, decidimos: a) alterar a qualificação jurídica dos factos nos termos sobreditos, bem assim como a pena concreta aplicada ao arguido, fixando-se esta em 4 anos e 6 meses de prisão. b) Manter no demais o acórdão recorrido. c) Sem custas (artigo 513.º, § 1.º CPP (a contrario). Évora, 8 de fevereiro de 2022 J. F. Moreira das Neves (relator) José Proença da Costa
---------------------------------------------------------------------------------------- 1 A utilização da expressão ordinal (1.º Juízo, 2.º Juízo, etc.) por referência ao nomen juris do Juízo tem o condão de não desrespeitar a lei nem gerar qualquer confusão, mantendo uma terminologia «amigável», conhecida (estabelecida) e sobretudo ajustada à saudável distinção entre o órgão e o seu titular, sendo por isso preferível (artigos 81.º LOSJ e 12.º RLOSJ). 2 Por excrescentes não extratam declarações relativas a matéria não controvertida. 3 Por excrescentes não extratam declarações relativas a matéria que não provada nem objeto de impugnada. 4 Cfr. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Coimbra Editora, Lda. 1984, 1.º Vol., pp. 144 e ss.; Castanheira Neves; Frederico Isasca, Alteração Substancial dos Factos e sua relevância no processo penal português, pp. 240 e ss. 5 Frederico Isasca, Alteração Substancial dos Factos e sua relevância no processo penal português, pp. 96 e 144. 6 Neste sentido cfr. Ac. TRPorto, de 4/3/2020, proc. 127/18.2GAVFR.P1, Des. Liliana de Páris Dias, disponível www.dgsi.pt 7 Neste sentido cf. Maria João Antunes, Direito Processual Penal, 2.º edição, Almedina, 2019, pp. 194. 8 Cf. Acórdão de 2/6/2005, proc. 7177/04, Cons. Pereira Madeira, referencia 05P1441, disponível em www.dgsi.pt referência 05P1441. 9 Veja-se neste sentido Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Lisboa, Verbo, vol. III, 2.ª edição, pp. 273. 10 Cfr. Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 330/1997, e n.º 387/2005 in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos 11 Cfr. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, tomo I, 2019, 3.ª edição, Gestlegal, pp. 850 ss.; Manuel Cavaleiro Ferreira, Lições de Direito penal, Parte Geral, vol. I, 1988, Editorial Verbo, pp. 296 ss.; M. Miguez Garcia, O risco de comer uma sopa e outros casos de direito penal, 2007, § 16.º; e Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, 2008, Universidade Católica Editora, pp. 117/120. 12 Cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, 2008, Universidade Católica Editora, pp. 118 (notação artigo 24.º CP); Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, tomo I, 2019, 3.ª edição, Gestlegal, pp. 856/857. 13 Cfr. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, tomo I, 2019, 3.ª edição, Gestlegal, pp. 865; tb. Manuel Cavaleiro Ferreira, Lições de Direito penal, Parte Geral, vol. I, 1988, Editorial Verbo, pp. 298. 14 Cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 18/4/2012, proc. 274/10.9JACBR.C1.S1, Cons. Maia Costa; de 5/7/2007, proc. 07P23, Cons. Simas Santos. Também do Tribunal da Relação de Guimarães, de 22 de junho de 2020, proc. 22/14.4T9MLG.G1, Des. Paulo Serafim. 15 Hans-Heinrich Jescheck e Thomas Weigend, Tratado de Derecho Penal, 2002 (5.ª ed. corregida y ampliada), Comares Editorial, pp. 586 ss. 16 Cfr. citados acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça. 17 Cfr. Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «A prevenção da delinquência juvenil, as formas de tratamento da mesma e o papel da justiça de menores na União Europeia» (2006/C 110/13); Recomendação (2008) sobre as regras europeias para jovens infratores sujeitos a sanções ou medidas; a jurisprudência do TEDH em interpretação dos artigos 5.º e 6.º da CEDH. Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa a garantias processuais para os menores suspeitos ou arguidos em processo penal (Diretiva 2013/0408/EU, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2013); Sobre as contradições da nossa ordem jurídica face a compromissos internacionais, cf. Um Olhar sobre a Delinquência Juvenil: o Sistema Prisional Português, Maria Bernardo Silva Ferreira, 2020, UCP – Escola do Porto, em linha: 18 Cfr. Anabela Miranda Rodrigues, Direito das crianças e dos jovens delinquentes, disponível em linha: https://www.odireitoonline.com/direito-das-criancas-e-dos-jovens-delinquentes.html 19 «Por reforço dos standards de comportamento e de interação na vida comunitária (condução da vida “de forma socialmente responsável”)» - Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, pp. 74, 110 e 238 ss., Aequitas – Editorial Notícias, 1993. Também Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, Almedina, 2020, pp. 42 e ss. 20 Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, tomo I, 3.ª Edição, 2019, Gestlegal, pp. 318/319. 21 Jorge de Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal, 2001, Coimbra Editora, pp. 110/111. 22 Como impressivamente dizia Eduardo Correia, «humanum est peccare, diabolicum perseverare». 23 Hans-Heirich Jescheck y Thomas Weigend, Tratado de Derecho Penal – Parte General, Comares editorial, 5.ª edición (corregida y ampliada), 2002, pp. 902. 24 Neste exato sentido Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas – Editorial Notícias, 1993, pp. 343-344; e Hans-Heirich Jescheck y Thomas Weigend, Tratado de Derecho Penal – Parte General, Comares editorial, 5.ª edición (corregida y ampliada), 2002, pp. 902.
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