Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
3355/15.9T8STR.E1
Relator: ALBERTINA PEDROSO
Descritores: ARRENDAMENTO RURAL
EXTINÇÃO
RESOLUÇÃO
INCUMPRIMENTO DO CONTRATO
BENFEITORIAS
INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 11/05/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I - À semelhança do que o legislador do Novo Regime do Arrendamento Urbano havia consagrado em 2006, também no Novo Regime do Arrendamento Rural, aprovado pelo DL n.º 294/2009, de 13 de Outubro, não basta para a extinção do contrato de arrendamento, por resolução pelo senhorio, qualquer incumprimento contratual por banda do arrendatário, quer este decorra da violação das obrigações emergentes das cláusulas contratuais, quer resulte da própria lei, necessário se tornando que tal incumprimento seja qualificado, assumindo foros de gravidade que constituam justa causa de resolução.
II - Tendo as partes incluído no acordo a respeito do uso da parcela, uma cláusula contratual da qual decorre estar vedada à Ré a manutenção ou circulação de animais na parte arrendada, pese embora esta não possa funcionar automaticamente como cláusula resolutiva, determinando pela simples afirmação das partes nesse sentido o preenchimento automático do conceito de gravidade bastante para fixar a inexigibilidade da manutenção do contrato, enquanto estipulação contratual admitida pelo legislador, pode e deve funcionar como elemento aferidor e revelador do grau de importância da sua estipulação na formação da vontade das partes aquando celebração do acordo.
III - Assim, se a lei permite que na definição da actividade agrícola se integrem actividades com animais, onde obviamente se insere o pastoreio, e se nesse quadro legal as partes acordaram expressamente que tal actividade estava vedada, na economia do contrato o incumprimento de tal cláusula contratual assume a gravidade bastante para determinar a inexigibilidade da manutenção do arrendamento, por resultar do teor do contrato a sua especial relevância no momento do encontro de vontades, em face da ponderação da concreta questão do uso da parcela por animais e o acordo firmado entre ambas quanto à proibição desse tipo de uso.
IV - O n.º 2 do artigo 23.º do NRAR estabelece o princípio geral da necessidade de consentimento do senhorio para a realização de benfeitorias úteis, por banda do arrendatário. Assim, as benfeitorias não autorizadas, ainda que se integrem naquela qualificação, são ilícitas.
V - Ademais, a pretensão da Apelante à indemnização por benfeitorias não tem suporte legal nem contratual, já que, não havendo cláusula contratual em contrário, em face do preceituado no n.º 6 do artigo 23.º do NRAR, cessando o arrendamento por qualquer causa, como é o caso da cessação por resolução, as benfeitorias realizadas pelo arrendatário revertem a favor do senhorio, não o constituindo em qualquer obrigação de indemnizar. (sumário da relatora)
Decisão Texto Integral:
Tribunal Judicial da Comarca de Santarém[1]

Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[2]:

I – RELATÓRIO
1. M… instaurou a presente acção comum para resolução de contrato de arrendamento rural contra Casa Agrícola …, Ld.ª, alegando, em fundamento, que a ré não pagou a renda referente ao ano de 2015, o que deveria ter feito no dia 20 de Fevereiro de 2015, e ainda que, desde 2014, vem destinando a parcela arrendada para fins não previstos no contrato ao usá-la como pastagem e como depósito de sucata, maquinaria usada, blocos de cimento, tijolos e outros restos de materiais de construção, pedindo que seja decretada a resolução do contrato de arrendamento rural e que a ré seja condenada a entregar-lhe a parte do prédio arrendada livre de pessoas, animais e coisas e a pagar a renda em dívida, bem como as rendas que se vencerem na pendência da acção.

2. Regularmente citada, a Ré contestou, invocando a excepção de ilegitimidade activa por não se encontrar demonstrado que o prédio arrendado pertence à autora, tanto mais que o contrato de arrendamento foi outorgado por duas pessoas, sendo que apenas uma delas é demandante, pelo que, confirmando-se que o prédio pertence às duas outorgantes, existe uma situação de litisconsórcio necessário activo que, por não ter sido respeitado, provoca a absolvição da ré da instância. Mais invocou que os materiais que se encontram no prédio são para apoio à actividade agrícola, e a presença de animais no mesmo foi do conhecimento das senhorias, que autorizaram tal permanência por via da sua procuradora, fazendo com que a ré passasse a ocupar uma área superior à que consta do contrato, tendo sido acordado com aquelas a realização de uma reunião onde se discutiria, além do mais, um aumento da renda. Aduziu ainda que por este motivo não procedeu ao pagamento da renda e aguardou que se realizasse tal reunião, o que não veio a suceder, e que, quando foi confrontada com esta acção, e porque deseja a manutenção do contrato, procedeu ao depósito das rendas em falta, juntando o comprovativo do depósito de 3.000,00€.
Não obstante, prevenindo a possibilidade de procedência do pedido de resolução do contrato de arrendamento, deduziu reconvenção, pedindo a condenação da autora no pagamento das benfeitorias efectuadas com autorização e conhecimento das senhorias, e que consistiram na colocação de cercas no prédio arrendado, em montante a apurar e liquidar em execução de sentença.

3. A autora replicou, sustentando que as cercas foram instaladas sem a sua autorização e em exclusivo benefício e proveito da ré, não são indispensáveis à conservação do prédio, não lhe aumentam o valor e são facilmente levantáveis, e aduzindo que os alegados participantes no consentimento para a sua implantação e para a ocupação de área superior do prédio, não tinham qualquer legitimidade para contratar ou alterar condições contratuais em seu nome.

4. Por despacho proferido em 20.04.2016, a ré foi convidada a aperfeiçoar o pedido reconvencional mediante descrição das benfeitorias e valores, o que veio a fazer mediante a apresentação de nova contestação na qual formulou pedido de condenação da ré no pagamento da quantia de 43.060,00 €.
Notificada de tal articulado, a autora impugnou os factos dele constantes, reiterando não ter existido autorização para a realização das obras que a ré qualifica como benfeitorias e insistindo que as mesmas podem ser levantadas.

5. Na audiência prévia, a autora foi convidada a corrigir a petição inicial no que tange à matéria da legitimidade activa, o que fez mediante apresentação de nova petição inicial na qual identificou como autora a herança aberta por óbito de A…, representada por M… e Ma….

6. Dispensada a continuação da audiência prévia, em 05.01.2018, foi proferido despacho saneador, oportunamente notificado às partes, decidindo-se a respeito da questão concernente à legitimidade activa que «Tendo sido apresentada petição inicial corrigida na sequência dos despachos de fls. 155/156 e 167 a 169, julgo a autora herança aberta por óbito A…, representada por M… e Ma…, parte legítima para esta demanda, assim ficando suprida a ilegitimidade activa invocada na contestação», determinando-se ainda a final: «Corrija a autuação para que passe a constar que a autora é a herança aberta por óbito de A…»[3].
Neste despacho foi ainda admitida a reconvenção deduzida, procedeu-se à identificação do objecto do litígio e à enunciação dos temas da prova, fixou-se à causa o valor de 50.060,00 €[4], e designou-se dia para a audiência de julgamento.

7. Realizada a audiência final, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
«julgo a acção e a reconvenção parcialmente procedentes e em consequência:
- decreto a resolução do contrato de arrendamento a que se refere o documento n.º 1 junto com a petição inicial;
- condeno a ré a entregar à autora a parcela arrendada ali identificada, livre de pessoas, animais e coisas;
- absolvo a ré do demais peticionado pela autora;
- condeno a autora a pagar à ré o valor da benfeitoria supra descrita, a determinar em execução de sentença;
- absolvo a autora do demais peticionado pela ré».

8. Inconformada, a Ré apelou, formulando as seguintes conclusões:
«i. A Recorrente não se conforma com o teor da Sentença proferida pelo Douto Tribunal a quo entendendo que, à luz das regras da experiência comum e da prova produzida em sede de Audiência de Julgamento, mal andou o Douto Tribunal em dar como provados e não provados determinados factos que deveriam ter sido objeto de decisão diversa.
ii. Tendo em conta a matéria de facto produzida em sede de Audiência de Discussão e Julgamento, entende a Recorrente que se impunha decisão diversa.
iii. A Sentença proferida pelo Douto Tribunal deveria ter declarado a improcedência do peticionado pela Autora, aqui Recorrida, mantendo o Contrato de Arrendamento (o “Contrato”) objeto dos presentes autos, e deveria ter declarado a procedência do peticionado pela Recorrente em sede de reconvenção, sendo a Recorrida condenada no pagamento à Recorrente dos montantes despendidos em benfeitorias a determinar em sede de execução de Sentença.
iv. Relativamente ao Contrato de arrendamento celebrado a 20.02.2010 pelo prazo de 7 anos, que terminaria a 20.02.2017, renovável por períodos de 5 anos enquanto não fosse denunciado por nenhuma das partes, não existe qualquer incumprimento que motive justa causa de resolução.
v. O contrato previa, na sua cláusula terceira que “A referida parte ora dada de arrendamento passa a destinar-se ao cultivo de aveia e outros produtos agrícolas (…)”.
vi. Apesar de ter sido estipulado contratualmente que a Recorrente não podia destinar o locado a outro fim sem o consentimento escrito da Recorrida, a Recorrente não procedeu sem lograr obter o consentimento que foi prestado verbalmente.
vii. A Recorrida confessa o consentimento que a Recorrente alega não ter sido prestado ao não manifestar qualquer oposição à utilização dada pela Recorrente ao prédio arrendado, salvo atualmente – que a Sra. A… assume os negócios da sua avó.
viii. Esse consentimento resulta provado pela prova testemunhal produzida em sede de Audiência de Julgamento, pelo que labora em erro o Douto Tribunal a quo quando dá como provados os factos vertidos sob os pontos 8.º, 9.º e 10.º.
ix. Resulta da prova testemunhal referida que os animais circulavam e permaneciam na parcela dada de arrendamento desde o início do contrato e que essa circulação havia sido autorizada pela Sra. M…, motivo pelo qual até à data da instauração da presente ação não havia existido qualquer oposição à existência dos mesmos.
x. Além do consentimento prestado para a circulação dos animais, também resulta da prova testemunhal produzida que não foi dada outra utilização ao terreno que não a utilização agrícola, porquanto desde o início do contrato que o mesmo foi semeado, tendo inclusivamente lá sido produzido trevo e azevém.
xi. A prova testemunhal produzida não deixa dúvidas quanto à inexistência de depósito de maquinaria e materiais como tubos e madeiras na parcela arrendada, porquanto esse depósito se situava fora da parcela arrendada.
xii. De toda a prova testemunhal produzida, torna-se claro que sempre teria de improceder tudo o que foi peticionado pela Recorrida, uma vez que não existe qualquer incumprimento contratual por parte da recorrente: em primeiro lugar, a questão das rendas em atraso encontra-se sanada; em segundo lugar, não foi dado ao locado qualquer utilização diferente da utilização agrícola e a circulação dos animais no mesmo foi consentida pelas senhorias, aqui Recorridas; em terceiro lugar, porque os materiais depositados se encontravam fora da parcela arrendada, não podendo consubstanciar incumprimento contratual a indevida utilização de um terreno que não seja o objeto do contrato.
xiii. Tendo em conta tudo isto, entende a Recorrente que deveriam ter sido dados como não provados os factos vertidos sob os n.ºs 8, 9 e 10 e, consequentemente, sido declarada a manutenção do Contrato por inexistência de justa causa de resolução.
xiv. Face a todo o exposto, torna-se claro que o verdadeiro fundamento para a instauração da presente ação, inexistindo qualquer incumprimento, será a eventual vontade de alienar o imóvel onde se encontra a parcela arrendada na sua totalidade – vontade essa que se retira do depoimento da testemunha consultora imobiliária, a Sra. Mar….
xv. As opções gestionárias das Sras. Ma… e A… serão diferentes das da Sra. M… – no entanto, apesar de a Sra. M… não poder vir aos presentes autos esclarecer o Tribunal relativamente ao consentimento e à colaboração que terá dado, não subsistem dúvidas de que tenha sido efetivamente prestado, porquanto o mesmo é referido e corroborado por diversas testemunhas.
xvi. Pelo que sempre deverão ser dados como não provados os factos vertidos sob os n.ºs 8, 9 e 10, e proferida decisão que declare a manutenção do contrato de arrendamento por inexistir qualquer incumprimento que legitime a sua resolução.
xvii. Considerando que existe justa causa de resolução do contrato, no que não concedemos, sempre haverá lugar ao ressarcimento dos montantes efetivamente despendidos com as benfeitorias necessárias efetuadas pela Recorrente no locado, benfeitorias essas referidas pelas testemunhas.
xviii. As testemunhas referem de forma clara que as vedações foram colocadas e autorizadas pelas senhorias, as Sra. M… e Sra. Ma…, que contaram com a colaboração do genro da primeira e marido da segunda.
xix. Referem também que além da colocação de vedações também foi requalificado um acesso, que foi arranjado o furo já existente, que requereu a aquisição de uma nova bomba e de um gerador.
xx. Desta forma, ao considerar que o Contrato se encontra resolvido com justa causa, no que não concedemos, sempre deverá a Recorrida ser condenada no pagamento dos valores das benfeitorias efetivamente realizadas, nos montantes a liquidar em sede de liquidação de sentença.
xxi. Assim, deverá ser dado como provado que a Recorrida sabia, autorizou, incentivou e nenhuma objeção levantou à presença de animais na parcela arrendada, tendo colaborado de forma ativa na construção das cercas, que foi requisito essencial para a permanência dos animais; que o pastoreio é uma atividade complementar à atividade agrícola desenvolvida na parcela arrendada; que os familiares das senhorias manifestaram a sua opinião sobre o local de colocação das cercas de forma a que os animais pudessem pastar numa determinada área em vez de andarem à solta; que a Recorrente não utiliza a parcela arrendada para o depósito de maquinaria velha, tubos de rega e madeiras; que as cercas foram colocadas com o consentimento das senhorias; que com a construção do portão e das cercas a Recorrente despendeu cerca de €4.600,00; que a Recorrente fez um furo de água artesiano, tendo despedido €20.850,00, na aquisição da bomba e na instalação da tubagem do sistema de rega; que a Recorrente despendeu a quantia de €5.160,00 na aquisição de um gerador;
xxii. Importando, assim, decisão diversa da decisão vertida na Douta Sentença, devendo esta ser substituída por outra que declare a manutenção do contrato de arrendamento por inexistir qualquer fundamento que motive a sua resolução com justa causa.
xxiii. Ou, caso assim não se entenda, no que não concedemos, deverá a Recorrida ser condenada no pagamento da totalidade das benfeitorias efetuadas pela Recorrente, as quais resultam provadas dos depoimentos das testemunhas ouvidas em sede de Audiência e Discussão de Julgamento».

9. Não foram apresentadas contra-alegações.

10. Observados os vistos, cumpre decidir.
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II. O objecto do recurso.
Com base nas disposições conjugadas dos artigos 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º, e 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil[5], é pacífico que o objecto do recurso se limita pelas conclusões das respectivas alegações, evidentemente sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, não estando o Tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas conclusões do recurso, mas apenas as questões suscitadas, e não tendo que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Assim, vistos os autos, atenta a respectiva ordem lógica de apreciação, as questões a apreciar, consistem em saber se: i) deve ser modificada a indicada matéria de facto; em caso afirmativo, ii) as inerentes consequências de direito dessa decisão, tendo-se presente que no decurso da lide a ré procedeu ao depósito das rendas em dívida, cessando a causa de resolução com base em tal circunstancialismo; em caso negativo, iii) se a Recorrida deve ainda assim ser condenada no pagamento da totalidade das benfeitorias efetuadas pela Recorrente.
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III – Fundamentos
III.1. – De facto
Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
«1. Por contrato escrito de 20 de Fevereiro de 2010, M… e Ma… declararam, na qualidade de primeiras outorgantes, dar de arrendamento à ré, segunda outorgante, uma parte do prédio rústico denominado Quinta das …, sito em Vale de Santarém, concelho de Santarém, inscrito na matriz predial rústica da referida freguesia sob o art. …, secção Q.
2. Tal parte do prédio destinava-se ao cultivo de aveia e outros produtos agrícolas e está identificada na planta anexa ao contrato, que dele faz parte integrante.
3. O arrendamento foi feito pelo prazo de sete anos, prorrogável por sucessivos [períodos] de cinco anos enquanto não for denunciado, com início em 20 de Fevereiro de 2010.
4. Foi estipulada a renda anual de € 2.000,00, a pagar em casa do senhorio no início do arrendamento e no início de cada um dos anos subsequentes.
5. Nos termos das cláusulas 5.º e 6.º daquele contrato, a ré não pode dar outro uso à parte arrendada e está-lhe vedada a sua utilização para manutenção e circulação de cavalos ou quaisquer outros animais.
6. A ré não pagou a renda referente ao ano de 2015.
7. Em 10 de Fevereiro de 2016 a ré procedeu ao depósito da renda, no valor de € 3.000,00.
8. Desde 2014 que a ré passou a usar a parcela arrendada como pastagem, aí colocando um rebanho de ovelhas, o que fez sem autorização de M… e Ma….
9. Desde aquela data que cavalos e gado bovino pertencentes à ré circulam e pastam na parcela arrendada sem autorização de M… e Ma….
10. De igual modo e também sem autorização de M… e Ma…, a ré tem usado a parcela arrendada para depósito de maquinaria velha, tubos de rega e madeiras.
11. A ré colocou um portão e construiu cercas na parcela arrendada, tendo despendido quantia não concretamente apurada.
12. A colocação do portão foi autorizada pela outorgante M… por altura da celebração do contrato de arrendamento».
E foram considerados não provados os seguintes factos[6]:
a) - que a ré colocou na parcela arrendada blocos de cimento e tijolos;
b) - que a autora sabia, autorizou, incentivou e nenhuma objecção levantou à presença de animais na parcela arrendada, tendo colaborado de forma activa na construção de cercas, que foi requisito essencial para a permanência dos animais;
c) - que o pastoreio é uma actividade complementar à actividade agrícola desenvolvida na parcela arrendada;
d) - que os familiares das senhorias manifestaram a sua opinião sobre o local de colocação das cercas de forma a que os animais pudessem pastar numa determinada área em vez de andarem à solta;
e) - que os materiais existentes na parcela arrendada destinam-se ao apoio da actividade agrícola da ré;
f) - que as cercas foram colocadas com o consentimento das senhorias;
g) - que com a construção do portão e das cercas a ré despendeu € 4.600,00;
h) - que a ré fez um furo de água artesiano, tendo despendido € 20.850,00 na aquisição da bomba e na instalação da tubagem do sistema de rega;
i) - que a ré despendeu a quantia de € 5.160,00 na aquisição de um gerador;
j) - que as culturas existentes na parcela arrendada têm um valor estimado de € 12.450,00.
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III.2. – O mérito do recurso
III.2.1. – Reapreciação da matéria de facto
Entende a Recorrente que na sentença recorrida foram dados factos como provados, sem que existisse produção de prova para o efeito, faltando, ao invés, outros factos em tal elenco, cuja prova foi efectivamente produzida, impondo-se, em consequência, decisão diversa da proferida.
Concretamente, defende a Apelante que em face da prova testemunhal produzida, nunca poderiam ter sido dados como provados os factos constantes nos pontos 8, 9 e 10, que deveriam ser julgados não provados, e que, ao invés, deviam constar do elenco dos factos dados como provados, os factos julgados não provados nas alíneas b) a d), e f) a i), que optou por reproduzir, em ambos os casos, propondo a redacção que, a seu ver, impõe a prova testemunhal produzida, que indica.
Conforme decorre do preceituado no artigo 640.º, n.º 1, alíneas a) a c), e n.º 2, alínea a), do CPC, quando impugna a matéria de facto, o Recorrente tem de cumprir os ónus que sobre si impendem, sob pena de rejeição.
No caso vertente, mostrando-se suficientemente cumpridos tais ónus, no concernente à indicada matéria de facto provada e não provada, incumbe a este Tribunal proceder à requerida reapreciação da prova.
Como é sabido, nesta reapreciação, os poderes conferidos por lei à Relação quanto ao princípio fundamental da apreciação das provas previsto no artigo 607.º, n.º 5, do CPC, têm amplitude idêntica à conferida ao tribunal de 1.ª instância, devendo a 2.ª instância expressar a respectiva convicção acerca da matéria de facto impugnada no recurso, e não apenas conferir a lógica e razoabilidade da convicção firmada pelo tribunal a quo[7].
Ora, a convicção do Tribunal, quer de primeira instância, quer da Relação, não se funda apenas nos meios de prova indicados pelos Recorrentes, nem sequer somente na prova oral produzida, sendo a mesma apreciada conjugadamente com todos os demais meios de prova que a podem confirmar ou infirmar, e sendo evidentemente apreciada segundo as regras de experiência e a livre convicção do julgador, de acordo com um exame crítico de todas as provas produzidas.
Ademais, relativamente à reapreciação do julgamento de facto pela Relação, cumpre ainda ter presente que a mesma se destina primordialmente a corrigir invocados erros de julgamento - atento o preceituado no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, que rege sobre a modificabilidade da decisão de facto -, evidenciados a partir dos factos tidos como assentes, da prova produzida ou de um documento superveniente, por forma a imporem decisão diversa. Significa esta formulação legal que não basta que a prova produzida nos autos permita decisão diversa, necessário é que a imponha. Por isso que, também na respectiva fundamentação a Relação tem de motivar, ou seja, dizer as razões que determinaram o seu juízo probatório, para aquilatar se tais elementos impõem ou não decisão diversa da recorrida quanto aos concretos pontos de facto impugnados. Para tal, e quanto à prova gravada, não basta ouvir os depoimentos ou declarações indicados pelas partes, impondo-se nesse juízo atentar ainda naqueles em que o julgador de primeira instância fundou a respectiva convicção no concernente aos factos impugnados, porquanto só assim se poderá concluir se os meios de prova indicados pelo Recorrente impõem ou não decisão diversa da recorrida.
No caso em apreço, começaremos por reapreciar a matéria de facto respeitante ao fim do contrato de arrendamento, concretamente ao conhecimento e consentimento por banda das outorgantes no contrato, do uso que a Recorrente estava a dar ao imóvel, com circulação e pastagem de animais e depósito de materiais.
A primeira instância fundamentou a sua convicção a respeito dos factos ora impugnados nos seguintes termos:
«Os factos descritos em 8, 9, 10, 11 e 12 resultaram dos depoimentos das seguintes testemunhas:
a) MM…, que se deslocou à propriedade na qualidade de consultora imobiliária e constatou a presença de animais, tais como cavalos e gado bovino;
b) J…, que é primo das representantes da autora e conhece a propriedade identificada nos autos há 40 anos, tendo referido a presença de animais na mesma como por exemplo bois, cavalos e ovelhas;
c) F…, casado com Ma… e genro de M…: referiu que a ré colocou animais a pastar na parcela arrendada, mormente gado bovino, ovelhas e cavalos;
d) depoimento da testemunha J… que referiu ter realizado trabalhos de pintura em imóveis sitos na Quinta das … e apercebeu-se da presença de ovelhas, cavalos e bois;
e) depoimentos das testemunhas E… e P…, que referiram a presença de animais (cavalos e ovelhas) em pastoreio na parcela arrendada; estas testemunhas referiram ainda a construção pela ré de vedações e um portão;
f) depoimento da testemunha A…, neta de M… e filha de Ma…: referiu que a partir de Fevereiro de 2014 passou a gerir os interesses de sua avó e nessa qualidade teve conhecimento do contrato de arrendamento, do destino que foi dado à parcela arrendada e do que aí foi feito pela ré. Mais referiu que a sua avó deu autorização para a colocação do portão.
Teve-se ainda em consideração a fotografia de fls. 11 a 14 (docs. 2 a 5 juntos com a petição inicial).
Motivação dos factos não provados.
Não foi produzida prova suficientemente esclarecedora quanto à colocação de blocos de cimento e tijolos na parcela arrendada.
Também não foi esclarecedor o depoimento da testemunha A… quanto à autorização para a construção de cercas.
Não foi produzida qualquer prova quanto ao destino que era dado aos materiais depositados na parcela arrendada, quanto ao valor das culturas aí existentes e quanto às despesas com a colocação do portão, cercas, furo de água artesiano, bomba, tubagem do sistema de rega e gerador.
A fotografia de fls. 15 (doc. n.º 6 junto com a petição inicial) não esclarece se os materiais que nela são visíveis estão depositados na parcela arrendada.
O contrato de arrendamento consagra duas cláusulas segundo as quais a ré não só não pode dar à parte arrendada uso distinto do que ali está previsto, mas também que está vedada a utilização da mesma para manutenção e circulação de cavalos ou quaisquer outros animais. Na tentativa de demonstrar ter havido consentimento para a presença de animais a ré apresentou duas testemunhas: P…, genro do legal representante da ré, e E…, que trabalha para a ré. Nenhum dos depoimentos prestados por estas testemunhas foi suficientemente credível: a primeira testemunha referiu ter sido obtida autorização junto de M…, o que não só contraria o conteúdo do documento (contrato) que esta assinou, como imputa algo a pessoa que não foi ouvida na audiência final; a segunda testemunha limitou-se a reproduzir o que ouviu dizer sobre a existência da autorização, da qual não teve qualquer conhecimento pessoal ou directo. Assim sendo, e considerando ainda o modo como os depoimentos das testemunhas F… e A… foram prestados, o Tribunal ficou convencido da inexistência de qualquer consentimento quer para o uso da parcela arrendada como pastagem para animais, quer para aí serem colocados os materiais identificados no ponto 10».
Como é bom de ver pela fundamentação da indicada matéria de facto, a prova produzida que determinou a convicção do julgador foi bem mais ampla do que a indicada pela Apelante, que se louva apenas nas testemunhas que arrolou, quando a primeira instância se fundou também na prova documental e no depoimento das testemunhas arroladas pela Autora.
Considerando que a Recorrente admitiu nos artigos 12.º e 14.º da sua contestação terem as partes convencionado no contrato de arrendamento que “a referida parte ora dada de arrendamento passa a destinar-se ao cultivo de aveia e outros produtos agrícolas”, conforme resulta da cláusula terceira do documento, tendo igualmente sido estipulado pelas partes que a aqui Ré não poderia dar outro uso ao prédio arrendado, sem que para tal a Autora desse consentimento por escrito, conforme consta da cláusula quinta do referido contrato de arrendamento, e ainda, em vários artigos do seu articulado, mais especificamente no artigo 42.º que existiu «pastoreio dos animais no local arrendado, desde o início do contrato», afigura-se-nos desnecessário auditar os depoimentos que estão somente referidos na decisão recorrida como tendo servido para confirmar tais factos, cingindo-nos apenas, em face da descrita fundamentação, aos depoimentos das testemunhas F… e A…, arrolados pela autora, e das testemunhas P…, E… e J…, indicadas pela ora Recorrente, porque o litígio se circunscreve à questão de saber se, pese embora o clausulado contratual, afinal esta actividade de pastoreio dos animais, «sempre foi consentida, expressa e tacitamente, pelas senhorias», que a tal não só não se opuseram como, «os próprios familiares da proprietária manifestaram a sua opinião sobre o local de colocação das cercas, de forma a que os referidos animais pudessem pastar numa determinada área, em vez de andarem à solta pela propriedade, que nem sequer se encontrava totalmente arrendada à aqui Ré» (artigo 32.º da contestação).
Cumpre, pois, proceder à apreciação conjunta daqueles depoimentos, conjugados com o teor do clausulado do próprio contrato de arrendamento rural, já acima referido, salientando, desde logo, o teor concreto das cláusulas contratuais que relevam na decisão do litígio em apreço, e fazendo-o por referência ao seu enquadramento legal, tendo em vista a reapreciação da matéria de facto, de acordo com todas as soluções possíveis da questão de direito.
Assim, tendo presente o quadro legal e documental relevante, nesta reapreciação foram ainda tidos em consideração os documentos juntos aos autos com a petição inicial, não podendo deixar de salientar-se as dificuldades colocadas a este tribunal de recurso quando, em casos como o presente, as testemunhas são confrontadas com os documentos juntos aos autos, fazendo a sua descrição, indicando “isto”, “aqui”, “ali”, sem que haja o cuidado de, pelo menos, ser feita alusão ao documento a que se referem.
Circunscrita a questão de facto decidenda, vejamos, então, com estas referidas limitações, o que retirámos dos depoimentos prestados pelas indicadas testemunhas, cuja audição atenta, podemos desde já adiantar, não permite concluir que assista qualquer razão à Recorrente na sua pretensão e, muito menos, que se imponha decisão diversa da recorrida.
Vejamos, então, o que afirmaram as testemunhas.
Auditados os seus depoimentos, não há dúvida que as indicadas testemunhas P…, e J…, efectuaram as afirmações transcritas pela Apelante na parte que lhe é conveniente salientar, para sedimentar a ideia vertida nas suas alegações de que «a Sra. M…, que era quem geria mais de perto, de acordo com o referido pelas testemunhas, a Quinta das … e a parcela que foi dada de arrendamento à Recorrida, nunca se opôs e autorizou que fosse utilizada aquela parcela da forma que foi. Não só não se opôs como colaborou de forma positiva na colocação das vedações que, bem se sabia, serviriam para resguardar o gado que lá pudesse circular», concluindo que «o facto de atualmente a Sra. Ma… e a sua filha em nome da avó Sra. A… não concordarem com o consentimento que foi dado pela Sra. M… que mais de perto geria os destinos daquele terreno, não pode anular aquilo que foi consentido». Sendo certo que esta Senhora não foi ouvida (a Ré refere que estará incapaz e a testemunha F…, seu genro, disse que a mesma está quase acamada), temos, porém, o que consta como a sua expressa vontade manifestada no contrato e já acima referida, sendo que, auditado integralmente o depoimento das testemunhas arroladas pela Ré, não é menos verdade que nenhum deles esteve presente nas negociações do contrato, e todos falaram quanto a este assunto da existência de animais, não tanto de autorização mas mais precisamente de não oposição, e as duas últimas testemunhas vemos que, mesmo a este respeito, vieram acabaram por admitir que ouviam dizer e, infere-se, presumiam. Ora, desde logo em face das regras da experiência comum, não se nos afigura credível que a Senhora Dona M… (viúva), tivesse acordado num contrato escrito que estava vedado à ré permitir a circulação de animais na parte arrendada, e, ao contrário do ali vertido, tenha desde sempre autorizado tal permanência e circulação. Se assim fosse, qual a razão para constar do contrato uma claúsula com tão expresso teor proibitivo a este respeito?
Prosseguindo.
Concretamente a respeito da razão para a colocação de um portão e das vedações, disseram estas testemunhas que antes estava tudo aberto “aquilo nem tinha lá portão nem tinha nada, aquilo estava tudo aberto”, sendo a intenção da sua colocação “para não entrar nada lá para dentro”.
Ora bem, se assim fosse, pergunta-se qual a razão para que, assumindo estas testemunhas que antes da sua colocação pela Ré não existiam vedações, e dizendo as testemunhas arroladas pela autora, que a propriedade era da família pelo menos desde os trisavós da depoente A…, que sempre esteve arrendada para hortas numa das partes ora arrendadas e para agricultora mais extensiva na parte mais junto à vala – o que a testemunha E… também referiu –, e nunca houve a necessidade de a vedarem, que outro motivo haveria para o fazerem então que não fosse para que os animais para ali levados pela Ré dali não saíssem? Não se vislumbra, sendo que, no fundo, tal acaba por ser admitido pela testemunha P…, a instâncias do Ilustre Advogado da Ré, como se infere deste excerto do depoimento: «era para aquilo não estar devassado, não é, que a casa também estava… e também para os animais haver um controle e não foi só nessa zona aí, foi a propriedade toda que se vedou.
A: vedou-se, e o objetivo era seguramente a questão dos animais, não é? Porque se fosse para, como já aqui foi referido, se fosse para a agricultura só… T: não era necessário».
Vemos, pois, que assumidamente o principal objectivo da vedação era para haver um controlo dos animais, que a sua necessidade nunca antes foi sentida pelos proprietários/arrendatários que da mesma faziam um uso agrícola, donde se conclui, em face das regras da experiência comum, que as vedações foram ali colocadas no interesse da nova arrendatária e especificamente com esta finalidade, não significando que houvesse autorização da senhoria para o efeito.
Na realidade, admitindo as identificadas testemunhas arroladas pela Autora que a colocação de um portão de madeira, foi autorizada pela Senhora Dona F… (avó da depoente), na sequência da colocação não autorizada de um outro portão de ferro, que a Ré retirou, vejamos se dos depoimentos das testemunhas se extrai ou não a existência de uma autorização para a colocação de vedações e para que os animais ali circulassem e pastassem.
Disse a testemunha E… – que trabalhou para a Ré antes de se reformar mas há muito trabalhava na Quinta da …, contígua e ora pertencente à sociedade –, muito assertivamente numa primeira parte do seu depoimento – a transcrita… –, que «quando arrendou a quinta a Dona F… autorizou o gado a ir lá para dentro, gado, no caso as ovelhas, e mandaram vedar o sítio… a gente vedou o sítio onde a Senhora mandou, pronto.
A: foi a Senhora que disse o sítio onde deviam ser vedadas, vedada a propriedade?
T: sim, sim, sim.
A: como é que a senhora sabe isso?
T: porque ouvia os lá estarem a falar, ouvia a senhora a falar
A: a Senhora Dona F…?
T: a Dona F…, a velhota, sim.
A: e foi a Senhora Dona F… é que indicou onde é que deviam ser feitas as cercas, foi algum destes senhores que aqui está…?
T: sim…depois mais tarde foram estes senhores.
A: então mais tarde o que é que estes senhores fizeram?
T: porque depois quando a senhora depois deixou de poder lá ir foi quando estes senhores, quando a filha começou a ir para lá….e então foi quando nós… aquilo quando a senhora, esta senhora, depois mandou fazer, que já tinha estado lá com a mãe».
Do que fica reproduzido, até parece que a testemunha assistiu a tudo, tanto mais que logo no início do seu depoimento quando perguntada se sabia dos animais, respondeu enfaticamente “agora não vão para lá”, mas “já lá estiveram, com consentimento da Dona Fátima”.
Porém, mais adiante no seu depoimento, especialmente aquando do contra-interrogatório e a instâncias do Senhor Juiz ficamos afinal a saber que a testemunha não assistiu a qualquer conversa sequer entre a Senhora Dona F… e o rendeiro da casa (pessoa que não prestou depoimento), ou mesmo com o genro do legal representante da Ré, a testemunha P…. Via lá a Senhora, a falar com a pessoa a que chamou caseiro, que apenas se falavam destas coisas entre os empregados e que a Senhora dizia ao caseiro que “até era bom os animais lá estarem para comer a erva”, e que teria sido este quem lhe disse. Mas, quando concretamente questionada pelo Senhor Juiz para distinguir o que tinha mesmo ouvido, acabou por admitir que foi o Sr. P… quem lhe disse, também, onde era para colocarem as vedações. Portanto, a testemunha assumiu que a Senhora autorizou os animais a pastarem ali, mas acabou por admitir não saber se o disse ou não, o mesmo ocorrendo quanto à vedação, feita para o gado não passar para o lado da casa, dizendo até que “a Senhora disse ao P… que era por ali e fez-se por ali, ele é que lhe disse que fizessem por ali porque a Senhora tinha dito que era por ali”, mas “não ouviu a conversa dele com a Senhora”, pelo que a afirmação de que fizeram a vedação “pelo lugar onde a Senhora tinha marcado”, mais não significa do que a convicção da testemunha quanto ao que lhe foi dito pelo “genro do patrão”. Concluindo, para além de ostensivamente impreciso, como julgámos demonstrar pelos exemplos assinalados (e outros mais poderíamos extrair do registo da prova auditada), o depoimento não é directo a respeito dos factos que importam, donde não sustenta decisão diversa da proferida.
O mesmo se concluiu da audição do depoimento da testemunha J…, equitador, que trabalhou “para o Sr. C…” durante 10 anos, e está reformado há dois, referiu que quando às vezes vinha desenrolar os cavalos para a estrada, referiu que a Casa Agrícola arrendou para semear lá os pastos, cortavam-nos em verde e no final iam para lá 5/6 ovelhas, comer o restolho; disse ainda “fez-se o portão e vedou-se para os animais não entrarem lá para dentro (referia-se à zona da casa). Disse também que “havia autorização da D. F…”, “ela estava lá, por isso autorizou”… Mas, depois, perguntado, assumiu que não assistiu a conversas, dizendo que há 5/6/7 anos viu os genros da Senhora e do Sr. C…, estando aquele a dar indicações sobre a vedação. Porém, inquirido depois sobre pormenores de como era a vedação, o portão, e o muro da quinta da … de onde dizia ver algumas coisas, começou a hesitar, a dizer que não se lembrava bem que há muito tempo que não ia lá (note-se que disse ter-se reformado há dois anos, e trabalhado ali dez!), ao ponto de o Ilustre mandatário das Autoras ter até requerido a inspecção ao local para ali confrontar a testemunha com as afirmações que fazia (requerimento que foi indeferido e apenas se refere a título ilustrativo). Bem, assumindo o Senhor Juiz a instância (e note-se que o fez já depois de antes ter tido que interromper as instâncias para significar à testemunha para estar sossegado e não esfregar os pés porque assim não se ouvia a gravação), acabamos por perceber que também esta testemunha presumiu a autorização da Senhora Dona F… que afinal foi o Senhor C… e o genro quem lhe disse que tinham autorização da Senhora, e rematando que “a Dona F…, se não quisesse, mandava retirar de lá”.
Será, então, que o depoimento da testemunha P…, impõe decisão diversa da recorrida?
Este depoimento foi mais preciso que os anteriores, dizendo que a Dona F… falava normalmente era com o Sr. A… (o já referido rendeiro da casa), e que o depoente, em algumas ocasiões cruzou-se com ela. Mas a respeito da autorização para circulação dos animais e para ali colocar o portão e vedações, disse ter sido ele quem falou com a Senhora e que “foi consentido” até há 3, 4 anos, quando as coisas ficaram da filha/genro e neta. Disse ainda que tinham posto antes outro portão (o tal que a testemunha A… explicou ter sido retirado por terem apresentado queixa), e que combinaram com a Dona F… (viúva) vedar por causa dos animais não saírem e para manterem as coisas limpas ao pé da casa.
Que dizer? Não vamos, por desnecessário, escalpelizar aqui cada passo do seu depoimento mas apenas aquele segmento que entendemos ser o mais elucidativo, daquilo a que a testemunha se refere quando fala em “autorização”, e que fica sintetizado na parte final do mesmo quando o Senhor Juiz, depois de lhe ler as indicadas cláusulas do contrato, afirma «ela nunca se opôs; a Senhora nunca me disse, nunca se opôs; até combinámos vedar por causa dos animais, na altura a Senhora nunca se opôs, até pelo contrário». Mas, se voltarmos mais atrás no depoimento da testemunha verificamos que o mesmo não só refere desconhecer qual era o teor do contrato, como também que a Senhora ia ao local esporadicamente e que os animais iam para lá, mesmo junto à casa, e nunca se queixou (mas falava mais era com o Senhor que lá estava na casa), sendo que quando fizeram as obras na casa, esteve com a Dona F… (filha) e com o genro e definiram onde pôr as vedações para os animais não irem para junto da casa.
Ora bem, a descrição da testemunha, mais do que inculcar a alegada autorização/consentimento parece afinal reconduzir-se a uma situação de facto consumado em que, não lhe ser dito nada a tal respeito, pela Senhora, era entendido como admissão do uso da parte arrendada para aquele fim. Aliás, mesmo admitindo-se, a título hipotético, que a senhora ou os seus familiares pudessem ter indicado onde colocar uma vedação, não se poderia de imediato daí concluir que tal comportamento configurava uma autorização para a existência de animais no local, por exemplo, porque poderia ser apenas para minimizar as implicações de os animais andarem pelo local, especialmente na zona do pomar e junto à casa, pelo que, sempre estaríamos perante facto meramente instrumental do essencial que é o concernente à alegada autorização.
Ademais, se bem virmos, aquela mesma ideia que a testemunha P… veiculou no seu depoimento, ressumbra das alegações quando a Apelante refere que “a Recorrida bem sabia do uso que a Recorrente estava a dar ao bem locado”, ou ainda “consentimento esse que a Recorrida confessa ao não manifestar qualquer oposição à utilização dada pela Recorrente ao prédio arrendado, salvo presentemente quando os negócios da Sra. M… são assumidos pela sua neta, a Sra. A…”.
Porém, uma e outra situação não se confundem.
Na realidade, se autorizar significa “conceder licença para algo”[8], consentir ou concordar com o uso dado, implicando um comportamento activo, como é bom de ver, não manifestar oposição não é o mesmo que dar consentimento.
Sublinhe-se, em parêntesis, que perpassou do depoimento da testemunha F… – que descreveu pormenorizadamente a evolução da situação familiar e concretamente um acompanhamento mais directo da propriedade nos anos de 2014 e 2015 –, quando a filha ficou com a geri-la, por vontade da avó, um acentuado incómodo com a audição da circulação dos animais junto à casa durante a noite quando ali pernoitavam ao fim-de-semana e os dejectos que depois durante o dia ali encontravam, manifestando-se até muito arrependido por não ter então solicitado a intervenção do delegado de saúde.
Note-se também, quanto aos materiais depositados no arrendado, que se as testemunhas arroladas pela autora admitiram que alguns dos materiais visualizados nas fotografias se encontravam colocados pela Ré, em parcelas da Autora mas não pertencentes ao arrendado, o certo é que foram igualmente peremptórias em confirmar que nas zonas arrendadas foram colocados os materiais julgados provados em 10, de forma restritiva relativamente ao alegado.
Assim, logo do que vem dito pela própria testemunha P… a respeito da “autorização”, de cujo depoimento se extrai a equiparação entre situações distintas, se conclui que o seu depoimento, cotejado com o teor do próprio contrato, também não imporia decisão diversa da recorrida, tanto bastando para a improcedência da pretensão modificativa dos factos provados de 8 a 10, e das alíneas b) e f), dos factos não provados, porque a não oposição não significa autorização para determinado uso ou construção, razão pela qual, e em harmonia com o disposto no artigo 414.º do CPC, a dúvida sobre a existência de autorização por parte da senhoria sempre se resolveria contra a Ré, a quem tais factos aproveitam, abrangendo naturalmente os factos meramente instrumentais que constam vertidos nas alíneas c) e d).
Não obstante, sempre se aduzirá que a forma assertiva e muito mais precisa com que os factos foram relatados nos depoimentos das testemunhas arroladas pela Autora, desde logo confirmada pelo que foi vertido no próprio contrato a respeito de estar vedada à arrendatária a manutenção e circulação de animais na parte arrendada, nos levariam a concluir, como o Senhor Juiz, pela maior credibilidade do depoimento destas, o que sempre determinaria igual resultado.
E a semelhante conclusão chegámos no concernente aos factos não provados vertidos nas alíneas g), h), e i), relativamente aos quais a Apelante não só não indica qualquer prova documental que permita concluir pela realização das concretas despesas alegadas – e percorridos os autos não descortinámos sequer a sua existência –, como a única prova testemunhal que indica para sustentar a pretendida modificação é o depoimento da testemunha P…, que igualmente não falou em qualquer valor despendido com os alegados melhoramentos.
Ademais, quanto ao furo que a Ré alegava ter efectuado, ficamos a saber, até pelo depoimento da testemunha que a Apelante indicou, que o mesmo já estava feito (como as testemunhas arroladas pela Autora haviam referido nos seus depoimentos), e o que fizeram foi retirar o entulho, e colocaram uma bomba nova e um gerador «para dar luz para a bomba, que aquilo não tem lá luz ao pé nem nada». Quanto ao tubo de rega, de que a Apelante nem fala agora, apesar de dizer que pretende seja o facto dado como provado, a testemunha disse até que o sistema de rega da Casa Agrícola é móvel, deslocando-se na propriedade (também da …), quando necessário.
Como assim, não se alcança como pretende a Apelante que se considere provado o que despendeu com a construção de um furo, que afinal não realizou, nem ainda o que gastou com a alegada aquisição de uma bomba e de um gerador, cujo comprovativo não juntou aos autos, sendo certo que é uma empresa, tendo certamente (ou devendo ter) a sua contabilidade organizada.
Pelo exposto, não se verifica uma incorrecta apreciação pela primeira instância da prova produzida, mas antes a sua correcta valoração em face das regras da experiência comum, nada justificando a sua modificação.
Finalmente, sempre se dirá que esta impetrada modificação sempre seria inútil do ponto de vista da solução jurídica da causa, como melhor veremos infra.
Concluindo, a prova produzida não impõe, antes sustenta, a consideração como provada e não provada da indicada matéria de facto, pelo que, e sem necessidade de maiores considerações, improcede totalmente a pretensão veicula pela Ré/Reconvinte, ora Apelante, mantendo-se intocada a matéria de facto considerada como provada e não provada em primeira instância.
*****
III.2.2. – Do Direito
III.2.2.1. – Da resolução do contrato
Defende a Apelante que não se verificam os pressupostos para a decretada resolução do contrato de arrendamento rural.
Vejamos.
À semelhança do que o legislador do Novo Regime do Arrendamento Urbano[9] havia consagrado em 2006, também no Novo Regime do Arrendamento Rural, aprovado pelo DL n.º 294/2009, de 13 de Outubro[10], foi introduzido um regime bilateral quanto aos fundamentos de resolução do contrato de arrendamento, prevendo o legislador no n.º 1 do artigo 17.º um conceito genérico e indeterminado de incumprimento como fundamento de resolução, tanto pelo arrendatário como pelo senhorio, mas na realidade e quanto a este veio apenas autorizar esta forma de cessação do contrato quando se verifique um incumprimento qualificado por uma daquelas cláusulas gerais, e um dos fundamentos elencados no seu n.º 2, já que o senhorio pode pedir a resolução do contrato se se verificar uma das indicadas situações prevenidas no preceito[11].
Significa isto que a resolução do contrato de arrendamento pelo senhorio não opera afinal de forma tão linear e liberal como a decorrente dos artigos 432.º e ss. e 801.º, n.º 2, do Código Civil[12], de acordo com os quais qualquer uma das partes pode resolver o contrato apenas com base no incumprimento culposo da outra parte, não bastando para a extinção do contrato de arrendamento qualquer incumprimento contratual por banda do arrendatário, quer este decorra da violação das obrigações emergentes das cláusulas contratuais (cfr. n.º 2, alínea b) do artigo 17.º do NRAR), quer resulte da própria lei, necessário se tornando que o incumprimento assuma foros de gravidade que constituam justa causa de resolução.
Desta sorte, a gravidade do incumprimento fundador do direito à resolução do contrato por parte da senhoria há-de aferir-se quer pela própria natureza da infracção – actuação/omissão substancialmente grave – quer pelas consequências ou efeitos que provoca – e que tornam tal incumprimento grave – quer ainda pela reiteração da conduta violadora das obrigações assumidas – que, por essa via, também é qualificável como grave –, tudo de tal forma que não seja razoavelmente exigível à outra parte a manutenção do arrendamento.
Conforme decorre das respectivas alegações, a Apelante pretende que não só a comprovada manutenção e circulação de animais no arrendado foi autorizada, como o pastoreio é uma actividade complementar da actividade agrícola, pelo que, não se verificaria o uso da parcela para outro fim que não o agrícola.
Salvo o devido respeito, no caso em presença, não é assim, atento o disposto na indicada cláusula contratual e a não demonstração da autorização de tal prática por banda da senhoria.
Expliquemos.
Decorre do acordo celebrado entre A. e R., mormente da parte da cláusula segunda, onde consta que «pelo presente contrato as 1ºs outorgantes dão de arrendamento uma parte do referido prédio rústico destinado ao cultivo de produtos agrícolas», concretizada na cláusula terceira, onde se refere que «a referida parte ora dada de arrendamento passa a destinar-se ao cultivo de aveia e outros produtos agrícolas pela 2ª outorgante», ser manifesta a intenção das contraentes em dar à parte do prédio arrendado um uso agrícola, pelo que, de harmonia com o disposto no artigo 3.º, n.º 1, alínea a), do NRAR, o contrato de arrendamento rural em questão é do tipo agrícola, sendo que, de harmonia com a definição constante na alínea c) do artigo 5.º do NRAR, entende-se por «Actividade agrícola» a produção, cultivo e colheita de produtos agrícolas, a criação de animais e produção de bens de origem animal e a manutenção das terras em boas condições agrícolas e ambientais, sustentando, pois, em abstracto, a afirmação da Apelante de que «o pastoreio é uma actividade complementar à actividade agrícola», porque a lei admite que assim pode ser.
Sendo os contratos de arrendamento rural obrigatoriamente reduzidos a escrito, sob pena de nulidade, em face do disposto no artigo 6.º, n.º 1, do NRAR, e sendo seu elemento obrigatório o fim a que se destina o prédio arrendado (artigo 7.º, n.º 1, al. c)), o acordo expresso das partes no contrato em causa no tocante ao desenvolvimento de outras actividades na parcela arrendada, mostra-se vertido nas cláusulas 5.ª onde se diz que «a arrendatária não pode dar outro uso à parte arrendada… sem autorização, por escrito, das 1ºs outorgantes», com a concretização na cláusula 6.ª de que «a sociedade arrendatária obriga-se a manter a parte arrendada devidamente limpa e a preservar os poços de água nela existentes estando-lhe vedada a utilização da parte arrendada para manutenção e circulação de cavalos ou quaisquer outros animais» [nosso sublinhado].
Desta sorte, em face do disposto nos artigos 232.º, 236.º, 237.º e 238.º, 1, todos do Código Civil[13], tendo as partes incluído no acordo a respeito do uso da parcela, a expressa vontade da senhoria, e a aceitação da arrendatária, de que lhe estava vedado que se mantivessem e circulassem animais na parte arrendada, óbvio se torna que nesse acordo, no confronto com o preceituado na definição legal de «actividade agrícola», as partes quiseram restringir este uso à produção, cultivo e colheita de produtos agrícolas, afastando expressamente a possibilidade prevista naquela definição legal a respeito da inclusão de qualquer actividade com animais no uso do prédio arrendado, donde, a demonstrada existência de animais na parte arrendada, constitui um incumprimento contratual.
Não obstante, como vimos, não basta um qualquer incumprimento, impondo-se que se verifique um incumprimento qualificado.
Assim, na espécie, a utilidade de apurar se aquele comprovado uso foi ou não efectuado com a autorização da senhoria, restringe-se à construção da base factual relevante para aquilatar se tal incumprimento preenche ou não a cláusula geral tendente à cessação do contrato, por resolução, prevista no n.º 1 do artigo 17.º do NRAR, de acordo com cuja estatuição, no segmento ora relevante, «qualquer das partes pode resolver o contrato com base em incumprimento pela outra parte, que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento», o mesmo é dizer, se, pela sua gravidade ou consequências, na economia do contrato, o comportamento da Ré torna ou não inexigível à Autora a manutenção do arrendamento, concretamente por referência ao n.º 2, alínea c) do preceito, já que «o senhorio só pode pedir a resolução do contrato se o arrendatário: c) … usar o mesmo para fins diferentes do estipulado no contrato».
No caso em presença, sabemos, sem qualquer dúvida, em face da referida cláusula que a questão que ora nos é colocada, foi ponderada pelas partes no momento da celebração do contrato, tendo ficado “vedada” a sua utilização para a manutenção e circulação de cavalos ou quaisquer outros animais na parte arrendada. Deste modo, seja ou não o pastoreio uma actividade complementar à agrícola, é uma evidência que os animais, para pastarem, se mantêm no local onde há pasto e nele circulam. Portanto, não há quaisquer dúvidas que tal actividade foi pensada aquando da celebração do contrato, tanto mais que a lei permite, mas, por via do acordo das partes a mesma encontrava-se contratualmente vedada como uso possível da propriedade pela Ré, devendo, aliás, notar-se que foi usada uma expressão cujo teor proibitivo é forte.
Ora, apesar de entendermos que a indicada cláusula contratual da qual decorre estar vedada à Ré a manutenção ou circulação de animais na parte arrendada, não pode funcionar automaticamente como cláusula resolutiva, determinando pela simples afirmação das partes nesse sentido o preenchimento automático do conceito de gravidade bastante para fixar a inexigibilidade da manutenção do contrato[14], o certo é que, permitindo o legislador que as partes estabeleçam cláusulas contratuais das quais resultem obrigações ou proibições que, não sendo contrárias à lei, aos bons costumes ou à ordem pública, permitam melhor concretizar a cláusula geral do n.º 2, do artigo 17.º, estas estipulações contratuais podem e devem funcionar como um elemento revelador do grau de importância da sua estipulação na formação da vontade das partes aquando da celebração do acordo, o que vale por dizer, da sua relevância para a sua conclusão.
Revertendo o que vimos de referir ao caso em presença, temos que se a lei permite que na definição da actividade agrícola se integrem actividades com animais, onde obviamente se insere o pastoreio, e se nesse quadro legal as partes acordaram expressamente que tal actividade estava vedada, na economia do contrato, a permissão pela Ré, sem autorização da Autora, desde 2014, do pastoreio e circulação de ovelhas, gado bovino e cavalos, na parcela arrendada, constitui um flagrante incumprimento de tal cláusula contratual pela Ré, com gravidade bastante para determinar a inexigibilidade da manutenção do arrendamento, por resultar do teor do contrato a sua especial relevância no momento do encontro de vontades, em face da ponderação da concreta questão do uso da parcela por animais e o acordo firmado entre ambas quanto à proibição desse tipo de uso.
Conclui-se, pois, que se encontra preenchido o fundamento de resolução do contrato de arrendamento rural vertido no artigo 17.º, n.ºs 1 e 2, alínea c), do NRAR, com a consequente improcedência desta pretensão da Apelante.
*****
III.2.2.2. – Das benfeitorias
Na sentença recorrida afirmou-se a este respeito que «O senhorio e o arrendatário são obrigados a permitir e facilitar a realização das acções de conservação ou recuperação, assim como as benfeitorias que a outra parte deva ou pretenda fazer, com o intuito de garantir a utilização do prédio em conformidade com os fins constantes do contrato e numa perspectiva de melhorar as condições de produção e produtividade (art. 21.º, n.º 1, do DL n.º 294/2009, de 13/10). A realização de benfeitorias fora os casos previstos no n.º 1 do art. 23.º do DL n.º 294/2009, de 13/10, está dependente, no que às benfeitorias úteis diz respeito, do consentimento do senhorio, salvo cláusula contratual em contrário (art. 23.º, n.º 2, idem). As benfeitorias úteis realizadas pelo arrendatário sem consentimento do senhorio não justificam a revisão do montante da renda nem dão direito a qualquer tipo de indemnização aquando da cessação do contrato de arrendamento (seu n.º 4). As benfeitorias úteis realizadas pelo arrendatário com o consentimento do senhorio não justificam a revisão do montante da renda, mas dão direito ao pagamento de uma indemnização quando revertam para o senhorio após cessação do contrato de arrendamento (seu n.º 5). Salvo cláusula contratual em contrário, cessando o arrendamento por qualquer causa, as benfeitorias realizadas pelo arrendatário revertem a favor do senhorio (seu n.º 6).
No caso sub judice o contrato de arrendamento rural não contém qualquer cláusula em matéria de benfeitorias úteis, pelo que a sua realização carece do consentimento do senhorio nos termos do citado artigo 23.º, n.º 2. Nesta sede apenas se provou que houve autorização para a colocação de um portão. Quanto às vedações, sabe-se apenas que foram colocadas pela ré, mas não se provou que tivesse sido dado consentimento. E muito menos se alegou e provou que tais cercas se destinavam a permitir o exercício do objecto negocial ou que com ele se relacionavam. Quanto às demais benfeitorias alegadas na contestação/reconvenção, a ré não logrou provar a sua realização, sendo certo que sobre si recaia o ónus prova por serem factos constitutivos do direito (art. 342.º, n.º 1, do CC).
Ao contrário do que sucedia no regime anterior (art. 14.º, n.º 1, do DL n.º 358/88, de 25/10), o actual regime não exige que o consentimento para a realização de benfeitorias úteis deva ser dado por escrito. Sendo, pois, bastante o consentimento verbal, tendo este ficado provado quanto à colocação do portão e não havendo cláusula contratual a impedir a reversão para o senhorio no fim do arrendamento (art. 23.º, n.º 6, do DL n.º 294/2009, de 13/10), assiste à ré o direito a ser indemnizada por tal benfeitoria. Visto que os autos não contêm quaisquer dados quanto ao custo suportado pelo arrendatário na colocação do portão, quanto às vantagens das quais o mesmo haja usufruído na vigência do contrato e quanto ao proveito patrimonial e de rendimentos que delas resulte, futuramente, para o senhorio, elementos essenciais para a determinação do valor da benfeitoria (art.24.º, n.º 1, do DL n.º 294/2009, de 13/10), a fixação da indemnização deve ser relegada para execução de sentença (art. 609.º, n.º 2, do CPC)».
Pretende a Recorrente que para além do portão, devem ser dados como provadas a realização das seguintes benfeitorias: as vedações, a requalificação do caminho, aquisição da bomba do furo de água e do gerador.
Olvida a Apelante que o momento para a dedução da sua pretensão foi o da deduzida reconvenção, sendo que na primeira pretensão apresentada a mesma apenas se referiu às cercas, cujo valor sequer concretizou e que, mesmo após o convite ao aperfeiçoamento daquela peça processual, nada alegou quanto à requalificação do caminho, que agora pede. Portanto, tal pretensão nunca poderia proceder.
Quanto às demais, e perdoando-se-nos a antecipação, desde já diremos que a Apelante não tem qualquer razão também nesta pretensão, desde logo, e no seguimento do já referido na sentença recorrida, porque pelas razões acima referidas, e mesmo dando de barato a sua existência, a reconvinte não logrou provar que tenha realizado as denominadas benfeitorias com o consentimento da senhoria.
Ora, o n.º 2 do artigo 23.º do NRAR estabelece o princípio geral da necessidade de consentimento do senhorio para a realização de benfeitorias úteis, por banda do arrendatário[15]. Assim, as benfeitorias não autorizadas, ainda que se integrem naquela qualificação, são ilícitas[16] e, como tal, não indemnizáveis, o que por si só faz cair por terra a obrigação da senhoria as indemnizar, e isto mesmo sem entrarmos na sua qualificação, já que, ainda que tivessem sido consentidas, só seriam indemnizáveis as benfeitorias úteis, em face do disposto no artigo 24.º, n.º 1, do NRAR, e, mesmo assim, apenas as que não pudessem ser levantadas sem detrimento do prédio e caso este ficasse valorizado como consequência directa e necessária delas.
Mas, ainda que assim não fosse, e mais relevantemente – daí ter-se aludido também à inutilidade da reapreciação de tal matéria de facto –, porque para além da referência na cláusula sexta à obrigação da arrendatária manter a parte arrendada devidamente limpa e preservar os poços de água nela existentes, na qual sempre se integrariam os referidos trabalhos de limpeza da vala e do furo, as partes nada estabeleceram no contrato a respeito de benfeitorias, a sua pretensão sempre improcederia totalmente em face do preceituado no n.º 6 do artigo 23.º do NRAR, de acordo com cuja estatuição, e não havendo, como não há, cláusula contratual em contrário, cessando o arrendamento por qualquer causa, como é o caso da cessação por resolução, as benfeitorias realizadas pelo arrendatário revertem a favor do senhorio, não o constituindo em qualquer obrigação de indemnizar.
Como assim, e sem necessidade de maiores considerações, porque a pretensão da Apelante à indemnização por benfeitorias não tem suporte legal nem contratual, improcedem ou mostram-se deslocadas todas as conclusões do recuso, sendo de confirmar integralmente a sentença recorrida, porque transitado se encontra o seu segmento condenatório referente à condenação da autora a pagar à ré o valor da benfeitoria supra descrita [portão], a determinar em execução de sentença.
Vencida na Apelação, e atenta a regra da causalidade vertida no artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, a Ré/Recorrente suporta as respectivas custas, na vertente de custas de parte, de harmonia com o disposto nos artigos 529.º, n.ºs 1 e 4 e 533.º, todos do CPC.
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IV - Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação, na improcedência da Apelação, em confirmar a sentença recorrida.
Custas pela Apelante.
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Évora, 5 de Novembro de 2020
Albertina Pedroso [18]
Tomé Ramião
Francisco Xavier
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[1] Juízo Central Cível de Santarém, Juiz 1.
[2] Relatora: Albertina Pedroso; 1.º Adjunto: Tomé Ramião; 2.º Adjunto: Francisco Xavier.
[3] A Apelante impugnou este despacho interlocutório com o recurso ora em apreciação, mas a apelação foi indeferida nessa parte por despacho liminar da ora relatora.
[4] Conforme rectificação ao despacho saneador efectuada na acta da audiência de 20.05.2019.
[5] Doravante abreviadamente designado CPC.
[6] Que se elencam por alíneas para mais fácil identificação.
[7] Cfr. neste sentido, ABRANTES GERALDES, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 3.ª Edição Revista e Actualizada, pág. 313; e na jurisprudência de forma meramente exemplificativa, Ac. STJ de 24-05-2012, processo n.º 850/07.7TVLSB.L1.S2, disponível em www.dgsi.pt.
[8] In Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2020, https://dicionario.priberam.org/autorizar.
[9] Aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro. Cfr., com interesse para a compreensão da modificação introduzida a respeito da resolução do contrato de arrendamento urbano, em parte coincidente com a opção do legislador a respeito do arrendamento rural, em anotação ao artigo 1083.° do Código Civil, LAURINDA GEMAS, ALBERTINA PEDROSO e JOÃO CALDEIRA JORGE, Quid Juris, 3.ª Edição, 2009, págs. 366 a 370.
[10] Doravante abreviadamente designado NRAR.
[11] Divergindo nesta parte do NRAU, onde o elenco de causas de resolução constantes nas diversas alíneas do n.º 2 do artigo 1083.º do CC, é meramente exemplificativo – cfr. a este respeito o estudo da ora relatora intitulado “A RESOLUÇÃO DO CONTRATO DE ARRENDAMENTO NO NOVO E NOVÍSSIMO REGIME DO ARRENDAMENTO URBANO”, In JULGAR, n.º 19, págs. 37 e ss., especificamente de p. 44 a 49, também disponível Online, que seguiremos de perto na parte aplicável.
[12] Doravante abreviadamente designado CC.
[13] Doravante abreviadamente designado CC.
[14] Cfr. obra citada, págs. 369 e 370. Em sentido contrário PINTO FURTADO, admitindo que “a simples estipulação, como tal, já revela que a sua ocorrência prática constituirá um caso de inexigibilidade de manutenção do contrato pela outra parte”, in Manual de Arrendamento Urbano, 4.ª edição, vol. II, pág. 1006.
[15] Cfr. neste sentido, FRANCISCO CABRAL METELLO, em anotação ao artigo 23.º do NOVO REGIME DO ARRENDAMENTO RURAL, Rei dos Livros, Lisboa, 2011.
[16] Cfr. neste sentido, Ac. STJ de 15-10-2002, proferido no processo n.º 01A2834, disponível em www.dgsi.pt.
[17] Elaborada pela Relatora, em cumprimento do artigo 663.º, n.º 7, do CPC.
[18] Texto elaborado e revisto pela Relatora, e assinado electronicamente pelos 3 desembargadores que constituem esta conferência.