Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2170/24.3T9STB.E1
Relator: MOREIRA DAS NEVES
Descritores: DIREITO CONTRAORDENACIONAL
RECURSO DA DECISÃO DA AUTORIDADE ADMINISTRATIVA
DECISÃO JUDICIAL PROFERIDA ATRAVÉS DE DOIS DESPACHOS
RECURSO ÚNICO
Data do Acordão: 11/19/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Se no âmbito do julgamento do recurso de uma decisão contraordenacional, o tribunal cindir a sua decisão em duas partes: decidindo primeiro, através de despacho, de «questões prévias» (da prescrição do procedimento contraordenacional, da preterição da apensação de outros procedimentos contraordenacionais contra a mesma arguida e da ausência de elemento subjetivo do tipo de ilícito imputado); e, num segundo momento, mais de um mês depois, também por despacho, apreciar se a factualidade provada é integradora do ilícito contraordenacional, o recorrente não tem de intentar dois recursos, pois aqueles dois «despachos» integram, complementando-se, a sentença devida.
Decisão Texto Integral: 1. Relatório
a. No âmbito de procedimento contraordenacional, o Instituto de Mobilidade e dos Transportes, aplicou a AA, com os sinais dos autos, uma coima de 1 630€, pela prática de contraordenação prevista no artigo 31.º, § 2.º do Decreto-Lei n.º 257/2007, de 16 de julho

b. A arguida impugnou judicialmente essa decisão administrativa, suscitando as seguintes questões: nulidade da decisão administrativa (por preterição de apensação de outros processos pendentes contra a mesma arguida); inexistência de imputação subjetiva da conduta, designadamente do dolo (considerando que a haver infração ela é negligente); e prescrição do procedimento.

c. Remetidos os autos ao Ministério Público pela autoridade administrativa, aquele fê-los presentes a Juízo.

d. Com prévio conhecimento e prazo concedido à recorrente e ao Ministério Público, para alegarem o que entendessem conveniente, vieram a decidir-se por despacho prévio (proferido a 5/7/2024), as seguintes «questões prévias»:

- prescrição do procedimento contraordenacional;

- nulidade da decisão administrativa por preterição de cumulação de infrações;

- nulidade da decisão por falta de imputação do elemento subjetivo da infração.

d.1 Por nada ter sido oposto à intenção previamente comunicada aos sujeitos processuais, vieram a decidir-se por despacho (proferido a 29/8/2024) as demais questões suscitadas na impugnação judicial da decisão administrativa em referência.

e. Inconformada com o decidido a arguida interpôs o presente recurso, pretendendo:

«Seja a sentença proferida revogada, e ser a mesma substituída por outra considere nula a decisão administrativa por falta de fundamentação, e assim o processo arquivado, com as demais consequências legais.

Sem prescindir e conceder, requer-se a revogação da sentença recorrida substituindo-se por outra que condene a arguida por negligência e não por dolo. Sendo a moldura sancionatória por negligência, desde já se invoca a prescrição do procedimento contraordenacional.»

Rematando a respetiva motivação com as seguintes conclusões (transcrição):

«I. Não pode a arguida concordar com o ponto 4 dos factos dados como provados, nem com a posição de não haver dados relevantes não provados relevantes para a causa, assim como não pode concordar com a motivação, enquadramento jurídico e determinação da medida da coima, expressa nos trechos da sentença acima referidos na sentença recorrida, já que, a arguida não agiu com dolo, nem poderia nunca o mesmo ser dado como provado no presente processo.

II. Deveria ter sido dado como não provado na sentença recorrida que a atuação fora dolosa.

III. Não há qualquer facto no processo que possa fundamentar uma atuação dolosa da arguida.

IV. Considerando o exposto, não podendo o Tribunal A Quo ter considerado o elemento subjetivo do tipo na forma de dolo provado, deveria a sentença ser revogada, e ser a mesma substituída por outra que considere nula a decisão administrativa por falta de fundamentação, e assim o processo arquivado, com as demais consequências legais.

V. Considerando que o IMT optou por fundamentar toda a sua decisão no dolo, e não estando o mesmo provado, e tendo o Tribunal A quo suportado a falta de fundamento da mesma (aplicando uma coima com base nesse critério de apuramento do grau de culpa) deverá o processo ser arquivado por falta de fundamento.

VI. Não é possível agora, acrescentar novos factos relativos ao elemento subjetivo, porquanto tal significaria alterar substancialmente os factos constantes daquela decisão.

VII. Não podendo o Tribunal A Quo ter considerado o elemento subjetivo do tipo na forma de dolo provado, deveria a sentença ser revogada, e ser a mesma substituída por outra que considere nula a decisão administrativa por falta de fundamentação, e assim o processo arquivado, com as demais consequências legais.

VIII. Sem prescindir e conceder, requer-se a revogação da sentença recorrida substituindo-se por outra que condene a arguida por negligência e não por dolo. Sendo a moldura sancionatória por negligência, desde já se invoca a prescrição do procedimento.

Termos em que deveria a sentença recorrida ser revogada, e ser a mesma substituída por outra que considere nula a decisão administrativa por falta de fundamentação, e assim o processo arquivado, com as demais consequências legais.

Sem prescindir e conceder, requer-se a revogação da sentença recorrida substituindo-se por outra que condene a arguida por negligência e não por dolo. Sendo a moldura sancionatória por negligência, desde já se invoca a prescrição do procedimento contraordenacional.»

f. Admitido o recurso, respondeu o Ministério Público, pugnando pela sua improcedência, aduzindo, em síntese que:

«(...)

3 - O artigo 58.º do RGCO indica quais são os elementos que devem constar de uma decisão condenatória, proferida pela autoridade administrativa, estando essa descrição formal essencialmente contida no seu n.º 1, que consiste: na identificação dos arguidos [a)]; na descrição dos factos imputados, com a indicação das provas [b)]; na indicação das normas puníveis e a fundamentação da decisão [c)]; mencionando ainda a coima e as sanções acessórias.

4 - Antes de mais, cumpre-nos salientar que o Tribunal a quo decidiu sobre a questão da nulidade da decisão da autoridade administrativa por despacho datado de 05/07/2024 (e também da não prescrição do procedimento contra-ordenacional), em momento prévio à prolação da sentença, sendo certo que a recorrente, no seu requerimento de recurso, não indicou expressamente que vinha recorrer do despacho proferido em 05/07/2024 pelo Tribunal a quo, mas apenas da sentença proferida.

5 - Assim sendo, entendemos que a decisão proferida pelo Tribunal a quo em 05/07/2024, sobre a invocada nulidade da decisão administrativa, se mostra transitada em julgado, mas caso assim não se entenda, concordamos com a decisão do Tribunal a quo, aderindo-se na íntegra à sua fundamentação, ao considerar improcedente a invocada nulidade da decisão administrativa.

6 – Apenas assiste à recorrente a possibilidade de recurso relativamente a matéria de direito e não à matéria de facto fixada pelo Tribunal a quo, nos termos das disposições conjugadas do artigo 59º, n.º 1, 73º, n.º 1 e 2, 75º, n.º 1 todos do RGCO.

7 - E dispõe o artigo 75º, nº1 do RGCO que se o contrário não resultar deste diploma, a 2.ª instância apenas conhecerá da matéria de direito, não cabendo recurso das suas decisões, salvo se se verificar a existência dos vícios no julgamento da matéria de facto previstos no artigo 410º, n.º 2, do CPP – neste sentido Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 07/11/2023, proc. 347/23.8T9STB.E1, relatado pela Exmª. Senhora Desembargadora Laura Goulart Maurício.

8 – Sempre se dirá que, analisando a matéria de facto que foi dada como provada na sentença, da sua motivação e enquadramento jurídico, não se vislumbra existir insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nem qualquer contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, nem tão pouco erro notório na apreciação da prova.

9 - Por tudo o exposto, não se vislumbrando a verificação dos supra mencionados vícios, deve a decisão recorrida ser confirmada e, em consequência, negar-se provimento ao recurso.»

g. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Ministério Público junto desta instância referiu, no essencial, o que já se alegara na resposta ao recurso.

h. Assegurado o contraditório, não houve resposta.

i. Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, cumpre agora, em conferência, apreciar e decidir.

2. Do procedimento na 1.º instância

De modo arredio ao rito previsto na lei, o Juízo recorrido repartiu a sua decisão quanto às questões suscitadas no recurso em duas fases: numa primeira, conhecendo por despacho o que considerou serem «questões prévias» (que o recorrente considerava serem causa de nulidade da decisão administrativa): prescrição do procedimento contraordenacional; preterição da apensação de outros procedimentos contraordenacionais contra a mesma arguida; e ausência de elemento subjetivo do tipo de ilícito imputado. E numa segunda, apreciando se os factos assentes eram integradores do ilícito contraordenacional pelo qual a arguida fora condenada numa coima e a justeza da medida desta. A arguida, por seu turno, intentou um só recurso pelo qual impugnou as questões decididas no primeiro e no segundo despachos (de 5/7/2024 e de 13/8/2024, respetivamente). E não estava, deveras, obrigada a fazê-lo de modo diverso (id est: não estava obrigada a interpor dois recursos)! Não se suscitando nenhuma dúvida que, apesar de nas referências ao decidido pelo Juízo recorrido, a recorrente se reporte sempre à «sentença», que o âmbito da impugnação tem a assinalada dimensão impugnatória da matéria contida em ambos os despachos judiciais (ambos integrando a «sentença»). E, contrariamente ao sustentado na resposta do Ministério Público ao recurso, fê-lo em devido tempo, sem que nenhum segmento da decisão recorrida tenha transitado em julgado.

3. Dos fundamentos do recurso

O regime dos recursos de decisões proferidas em 1.ª instância relativas a processos de contraordenação, consta dos artigos 73.º a 75.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro – Regime Geral das Contraordenações (RGC). Daí decorrendo que relativamente aos processos de contraordenação o Tribunal da Relação funciona como tribunal de revista ampliada (sem prejuízo do conhecimento oficioso de qualquer dos vícios referidos no artigo 410.º CPP, por força do disposto nos artigos 41.º, § 1.º e 74.º, § 4.º do RGC), como última instância, conhecendo apenas da matéria de direito, podendo alterar a decisão do tribunal recorrido sem qualquer vinculação aos termos e ao sentido em que foi proferida, ou anulá-la e devolver o processo ao mesmo tribunal. Nesta conformidade, tendo em conta que são as conclusões da motivação do recurso que delimitam o seu âmbito, não podendo conhecer-se de qualquer impugnação da matéria de facto, verifica-se terem sido trazidas ao conhecimento deste Tribunal apenas seguintes questões: i. nulidade da decisão administrativa por falta de fundamentação (por falta de imputação do elemento subjetivo); ii. prescrição do procedimento contraordenacional.

3.1 A sentença recorrida

Como vimos já a sentença recorrida integra as questões decididas nos dois despachos impugnados.

Despacho judicial proferido a 5/7/2024

«Nos presentes autos de recurso de contraordenação veio a Recorrente AA suscitar, em sede de impugnação judicial, se bem se compreendem, as seguintes questões prévias que importam, desde já, decidir:

i) ausência de cúmulo jurídico de decisões administrativas;

ii) ausência de elemento subjetivo do tipo;

iii) prescrição do procedimento criminal.

O Ministério Público pugnou pela improcedência de todas as questões apresentadas pela Recorrente, com os fundamentos que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

Cumpre apreciar, separadamente, cada uma das questões.

Da prescrição do procedimento criminal

À Recorrente é imputada a contraordenação prevista e punida no artigo 31.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 257/2007, de 16.07, porquanto, no dia 15.01.2020, o veículo identificado nos autos da Recorrente transportava mercadorias com excesso de cargo em 44,68% do permitido.

Em conformidade com o pugnado pela Digna Procuradora dúvidas não restam de que a contraordenação em apreço não reveste natureza rodoviária, desde logo porquanto segundo o artigo 131.º, do Código da Estrada, assume natureza rodoviária, todo o facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal correspondente à violação de norma do Código da Estrada ou de legislação complementar e legislação especial cuja aplicação esteja cometida à Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANRS), e para o qual se comine uma coima.

Ora, a aplicação da contraordenação eventualmente cometida pela Recorrente é uma infração sancionada pelo regime jurídico da atividade de transporte rodoviário de mercadorias, que compete ao IMT (cf. artigo 37.º, do Decreto-Lei n.º 257/2007, de 16.07).

Neste sentido vide Acórdão Tribunal da Relação de Coimbra, Relatora Alcina Ribeiro, processo n.º 681/21.1T9PBL.C1, de 17.03.2022, disponível em www.dgsi.pt.

Nesta medida, e considerando que ao procedimento contraordenacional, se aplica o artigo 27.º, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 23 de outubro, veja-se agora o prazo de prescrição.

Preceituam os artigos 27.º a 28.º, desse mesmo diploma legal, bem como o artigo 31.º, n.º 2, Decreto-Lei n.º 257/2007, de 16.07, o seguinte:

“Artigo 27.º

Prescrição do procedimento

O procedimento por contraordenação extingue-se por efeito da prescrição logo que sobre a prática da contraordenação hajam decorrido os seguintes prazos:

a) Cinco anos, quando se trate de contraordenação a que seja aplicável uma coima de montante máximo igual ou superior a (euro) 49879,79;

b) Três anos, quando se trate de contraordenação a que seja aplicável uma coima de montante igual ou superior a (euro) 2493,99 e inferior a (euro) 49879,79;

c) Um ano, nos restantes casos.

Artigo 27.º-A

Suspensão da prescrição

1 - A prescrição do procedimento por contraordenação suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que o procedimento:

a) Não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal;

b) Estiver pendente a partir do envio do processo ao Ministério Público até à sua devolução à autoridade administrativa, nos termos do artigo 40.º;

c) Estiver pendente a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima, até à decisão final do recurso.

2 - Nos casos previstos nas alíneas b) e c) do número anterior, a suspensão não pode ultrapassar seis meses.

Artigo 28.º

(Interrupção da prescrição)

1 - A prescrição do procedimento por contraordenação interrompe-se:

a) Com a comunicação ao arguido dos despachos, decisões ou medidas contra ele tomados ou com qualquer notificação;

b) Com a realização de quaisquer diligências de prova, designadamente exames e buscas, ou com o pedido de auxílio às autoridades policiais ou a qualquer autoridade administrativa;

c) Com a notificação ao arguido para exercício do direito de audição ou com as declarações por ele prestadas no exercício desse direito;

d) Com a decisão da autoridade administrativa que procede à aplicação da coima.

2 - Nos casos de concurso de infrações, a interrupção da prescrição do procedimento criminal determina a interrupção da prescrição do procedimento por contraordenação.

3 - A prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade.

Artigo 31.º

Excesso de carga

(…)

2 - Sempre que o excesso de carga seja igual ou superior a 25 % do peso bruto do veículo, a infração é punível com coima de (euro) 1250 a (euro) 3740.»

Assim, e nos termos do artigo 27.º, alínea b), do referido diploma legal, tendo em conta o valor máximo da coima aplicável no caso concreto, no valor de € 3.740,00, o prazo de prescrição é de 3 anos.”

Ora, os factos imputados à Recorrente datam de 15 de janeiro de 2020, data a partir da qual se inicia o prazo prescricional do procedimento.

Contudo, o mesmo interrompe-se com a comunicação à Arguida dos despachos, decisões ou medidas contra ele tomados, ou com qualquer notificação (cf. artigo 28.º, n.º 1, alínea a), acima transcrito), com a realização de quaisquer diligências de prova, designadamente exames e buscas, ou com o pedido de auxílio às autoridades policiais ou a qualquer autoridade administrativa (cf. artigo 28.º, n.º 1, alínea b), acima transcrito), com a notificação ao arguido para o exercício do direito de audição (cf. artigo 28.º, n.º 1, alínea c), acima transcrito) e com a prolação da decisão administrativa (cf. artigo 28.º, n.º 1, alínea d), acima transcrito).

Sendo que, a cada interrupção, volta a correr novo prazo prescricional, verificando-se a prescrição do procedimento criminal quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade.

No caso dos autos, a Recorrente foi notificada para o exercício do direito de defensa (cf. fls. 8 e 9), cujo aviso de receção foi assinado a 27.05.2021 – interrompendo-se a prescrição, voltando a correr novo prazo –, bem como se verifica que a decisão administrativa foi proferida a 20.10.2023 [e, portanto, antes do final do prazo prescricional em curso], pelo que, também nesta data, começou a correr novo prazo prescricional de 3 anos.

A acrescer, e tendo em consideração o período do Estado de Emergência COVID 19, operado pela entrada em vigor da Lei n.º 1-A/2020, de 19.03, extrai-se que a referida suspensão especial de prazos se iniciou em 9 de Março de 2020 e terminou em 02.06.2020 (84 dias) e novamente em 22.01.2021 a 05.04.2021 (73 dias), num total de 5 meses e 7 dias.

Desta forma, e tendo presente o disposto no artigo 28.º, n.º 3, do Regime Geral das Contraordenações, fácil é de verificar que o procedimento contraordenacional não se mostra prescrito, pelo que improcede a alegação da Recorrente, em conformidade.

Da ausência de cúmulo jurídico de decisões administrativas

Veio a Recorrente alegar, em suma, que tem vários processos de contraordenação no IMT de …, «os quais deveriam ter sido cumulados com este processo, estando todos em situação de ser possível a aplicação do cúmulo o qual é obrigatório».

Perscrutado o requerimento da Recorrente verifica-se que a mesma pretende o cúmulo de decisões administrativas (e, portanto, a correr termos na autoridade administrativa) com a decisão eventualmente a proferir nestes autos.

Ora, em conformidade com a posição adotada pela Digníssima Procuradora, com a qual se concorda, para além de não identificar cabalmente os processos contraordenacionais a que se refere (limitando-se, em grande parte do seu requerimento, a apresentar exemplos que em nada contribuem para a boa decisão desta causa), não deverá, nem poderia, este Tribunal, como que avocar os referidos processos administrativos e realizar o cúmulo de todos eles.

E, portanto, em face do que se deixou dito, improcede a alegação da nulidade da decisão em virtude da ausência de cúmulo jurídico de decisões administrativas, o que se decide, indefere-se o demais solicitado quanto aos requerimentos de prova.

Da ausência de elemento subjetivo do tipo

Por fim, alega a Recorrente, por um lado, que a autoridade administrativa não tem qualquer prova para imputar a prática da contraordenação em apreço a título doloso e, por outro lado, que a decisão administrativa é totalmente omissa quanto aos factos que deveriam preencher o elemento subjetivo do tipo contraordenacional.

Cumpre apreciar.

Dispõe o artigo 58.º, do Regime Geral das Contraordenações, o seguinte:

«Artigo 58.º

Decisão condenatória

1 - A decisão que aplica a coima ou as sanções acessórias deve conter:

a) A identificação dos arguidos;

b) A descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas;

c) A indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão;

d) A coima e as sanções acessórias.

2 - Da decisão deve ainda constar a informação de que:

a) A condenação se torna definitiva e exequível se não for judicialmente impugnada nos termos do artigo 59.º;

b) Em caso de impugnação judicial, o tribunal pode decidir mediante audiência ou, caso o arguido e o Ministério Público não se oponham, mediante simples despacho.

3 - A decisão conterá ainda:

a) A ordem de pagamento da coima no prazo máximo de 10 dias após o carácter definitivo ou o trânsito em julgado da decisão;

b) A indicação de que em caso de impossibilidade de pagamento tempestivo deve comunicar o facto por escrito à autoridade que aplicou a coima.»

Assim e no que ao caso importa, cumpre apreciar se da decisão administrativa consta a descrição do facto imputado com todas as circunstâncias relevantes para a decisão, bem como as normas que determinam as consequências para essas mesmas condutas, porquanto desde logo está em causa um efetivo exercício do direito de defesa.

Assim, no direito das contraordenações é aceite doutrinal e jurisprudencialmente que a fundamentação da decisão administrativa, embora necessária, não necessita de ser realizada de modo tão exaustivo como a sentença penal, podendo ser mais concisa, menos exigente, devido à sua menor compressão nas liberdades e garantias das pessoas.

Existe, pois, diferença entre uma decisão administrativa e uma sentença, aquela proferida no domínio de uma fase administrativa sujeita às características da celeridade e simplicidade, devendo a fundamentação assumir uma dimensão menos intensa em relação a esta, o que impede que os sujeitos processuais possam aproveitar-se de alguma omissão porventura cometida ao longo dos atos processuais em que tiveram intervenção, guardando-a como um trunfo para, em fase ulterior do processo, se e quando tal lhes pareça conveniente, a suscitarem e obterem a destruição do processado (assim, Tribunal Constitucional, acórdão n.º 429/95, de 6 de Julho, Diário da República, 2.ª série, de 10 de Novembro de 1995).

No caso dos autos, a decisão administrativa não padece de qualquer tipo de omissão, estando, ao invés, bem fundamentada. De facto, entende-se que a decisão posta em crise está circunstanciada de modo, tempo e espaço, sendo feita a imputação subjetiva dos factos à Arguida de forma adequada, estando devidamente indicadas as normas jurídicas em causa, o que é igualmente notória considerando que a Recorrente compreendeu o sentido da decisão administrativa, designadamente a sua imputação em termos subjetivos.

Em termos de culpa, é invocado que a «O(a) Arguido(a), representada pelo seu motorista, apesar de saber que iria realizar-se o transporte com excesso de carga não se absteve de o realizar tendo em conta que o veículo transportava 44,68% de carga a mais do que lhe era permitido (…)».

Embora, de certa forma, nesta parte da imputação subjetiva, a decisão administrativa não seja tão exaustiva como é na imputação objetiva, não se vislumbra qualquer diminuição das garantias de defesa da Recorrente. É que para além de ser feita tal imputação subjetiva, de forma que se mostra clara, não é menos certo que dos próprios factos objetivos facilmente seria extrai os factos subjetivos.

Nestes termos, juga-se improcedente a invocada nulidade da decisão administrativa, por ausência do elemento subjetivo.»

Despacho judicial datado de 13/8/2024

«I. RELATÓRIO

AA, melhor identificada nos autos, veio interpor o presente recurso de impugnação judicial da decisão administrativa proferida pelo Instituto de Mobilidade e dos Transportes, pela prática da contraordenação prevista no artigo 31.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 257/2007, de 16.07, no pagamento de uma coima de € 1.630,00.

Para tanto, a Recorrente alegou, em síntese, que (1) tem vários processos a correr termos em entidades administrativas e que os mesmos deveriam ter sido «cumulados», pelo que a decisão administrativa é nula, (2) que por um lado inexiste elemento subjetivo do tipo e, concomitantemente, que inexiste qualquer prova do dolo da Sociedade Recorrente. Alegou ainda, por fim, que a existir condenação, a Sociedade Recorrente apenas poderia ser condenada por negligência e, por outro lado, que o procedimento contraordenacional se encontra prescrito.

Requer, assim, a declaração de nulidade e ilegalidade da decisão administrativa e o arquivamento do processo.

*

As questões prévias e incidentais suscitadas pela Recorrente foram todas oportunamente decididas por despacho proferido a 05.07.2024, tendo sido assegurado previamente o legal contraditório.

Admitido o recurso interposto pela Recorrente, não se considerando necessária a realização de audiência de julgamento e não tendo os sujeitos processuais se oposto à prolação de decisão por simples despacho, à mesma se passará de imediato, em conformidade com o artigo 64.º, do Regime Geral das Contraordenações.

II. SANEAMENTO

Mantêm-se válidos os pressupostos processuais da instância verificados no despacho proferido a fls. 60 e 61.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Factos provados

Com relevância para a decisão da causa, o Tribunal considerou provados os seguintes factos:

1) No dia 15.01.2020, pelas 14:14, o veículo de matrícula …, pertencente à Sociedade Recorrente «AA.», circulava na Rua …, …, ….

2) Nas circunstâncias descritas no ponto anterior, o veículo efetivava um transporte de mercadorias e tendo sido submetidos à pesagem através das balanças, de marca …, aprovadas através do despacho 8379/2013, de 28JUN, acusou um peso de 46300 kgs, com um excesso de carga de 14300 kgs, traduzindo-se num acréscimo de 44,68%, relativamente ao peso bruto do veículo.

3) O peso bruto máximo permitido corresponde a 32 000 kgs.

4) A sociedade Recorrente, representada pelo seu motorista, apesar de saber que iria realizar-se o transporte com excesso de carga, não se absteve de o realizar, tendo em conta que o veículo transportava 44,68% de carga a mais do que lhe era permitido, e que esse excesso de carga seria visível para qualquer pessoa, nomeadamente a nível dos pneus, suspensão e direção do veículo, bem como do volume da carga.

Factos não provados

Com relevância para a decisão da causa, não ficaram por provar quaisquer factos.

*

Motivação da decisão sobre a matéria de facto

O Tribunal formou a sua convicção, no que concerne aos factos provados constantes nos pontos 1) a 3), tendo por base a análise global de toda a prova documental junta aos autos – o que atenta a natureza da matéria em causa se afigurou bastante –, concretamente: o auto de contraordenação de fls. 2, o talão de pesagem de fls. 3, a descrição sumária do auto de fls. 4 (que faz parte integrante daquele), auto de mobilização do veículo por excesso de peso de fls. 5, a guia de transporte n.º 16188 de fls. 5, e o certificado de verificação metrológica do instrumento de pesagem de fls. 7.

No que respeita à factualidade constante no ponto 4), a mesma resulta do cotejo da matéria objetiva dada como provada, que permitiu a este Tribunal, com base na prova documental e em conjugação com as regras de experiência comum, concluir pela sua verificação.

IV. ENQUADRAMENTO JURÍDICO

À Recorrente AA é-lhe imputada a prática da contraordenação prevista no artigo 31.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 257/2007, de 16.07, no pagamento de uma coima de € 1.630,00.

O Decreto-Lei n.º 257/2007, de 16.07 institui o regime jurídico aplicável aos transportes rodoviários de mercadorias, por meio de veículos com peso bruto igual ou superior a 2500 kg.

Preceitua o artigo 31.º, daquele preceito legal, epigrafado de «excesso de carga», o seguinte:

«Artigo 31.º

Excesso de carga

1 - A realização de transportes com excesso de carga é punível com coima de (euro) 500 a (euro) 1500, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.

2 - Sempre que o excesso de carga seja igual ou superior a 25 % do peso bruto do veículo, a infração é punível com coima de (euro) 1250 a (euro) 3740.

3 - No caso da infração a que se refere o número anterior, a entidade fiscalizadora pode ordenar a imobilização do veículo até que a carga em excesso seja transferida, podendo ainda ordenar a deslocação e acompanhar o veículo até local apropriado para a descarga, recaindo sobre o infrator o ónus com as operações de descarga ou transbordo da mercadoria.

4 - Sempre que o excesso de carga se verifique no decurso de um transporte em regime de carga completa, a infração é imputável ao expedidor e ao transportador, em comparticipação.

5 - Nenhum condutor se pode escusar a levar o veículo à pesagem nas balanças ao serviço das entidades fiscalizadoras, que se encontrem num raio de 5 km do local onde se verifique a intervenção das mesmas, sendo punível tal conduta com a coima referida no n.º 2 deste artigo, sem prejuízo da responsabilidade criminal a que houver lugar.»

Retomando à factualidade provada verifica-se que, o veículo da sociedade Recorrente, submetido a fiscalização para controlo de peso, acusou um peso total de 46300 kgs, tendo um peso bruto máximo permitido correspondente apenas a 32000 kgs, pelo que se verifica um excesso de carga de 14300 kgs, o que representa um excesso de peso de 44,68% em relação ao peso bruto máximo permitido.

Destarte, e compulsada a matéria de facto provada, dúvidas não restam da verificação, pela Sociedade Recorrente da contraordenação que lhe é imputada, nos termos legais acima citados.

De facto, a Sociedade Recorrente transportou uma carga superior a 25 % do peso bruto do veículo, o que sabia e ainda assim não se absteve de o realizar.

Conforme bem assinala a autoridade administrativa, o excesso de peso repercute-se nas condições de segurança do próprio veículo, o que constitui um facto gerador de riscos para a segurança e circulação rodoviária.

Pelo exposto, não existindo qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa, mostram-se preenchidos os elementos objetivos e subjetivos do tipo contraordenacional em apreço, devendo a Sociedade Recorrente ser punida pela contraordenação que praticou, nos termos imputados.

Determinação da medida concreta da coima

A determinação da medida da coima faz-se em função da gravidade da contraordenação, da culpa, da situação económica do agente e do benefício económico que este retirou da prática da contraordenação – cf. artigo 18.º, n.º 1, do Regime Geral das Contraordenações.

O montante da coima em apreço varia entre os € 1.250,00 e os 3.740,00 (cf. artigo 31.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 257/2007, de 16.07).

No caso concreto, a Recorrente não pôs em causa o montante da coima aplicada, requerendo, não obstante, a sua condenação a título negligente, pese embora não tenha aportado factos para o efeito.

Destarte, e analisados os factos provados conclui-se, assim, a par da autoridade administrativa, que a contraordenação já reveste especial censurabilidade – em face do excesso de carga ser quase o dobro do mínimo previsto no já acima citado artigo 31.º, n.º 2 –, e que a mesma atuou de forma dolosa, não obstante não se ter apurado da sua situação económica ou do benefício económico que retirou da prática da contraordenação.

Assim, tudo ponderado, entende-se que a coima no valor de € 1.630,00 aplicada pela autoridade administrativa foi adequada, pelo que não merece qualquer censura a decisão proferida pela autoridade administrativa, a qual deverá ser mantida nos seus exatos termos.

Da responsabilidade tributária

Dispõe o artigo 92.º, n.º 3, do Regime Geral das Contraordenações, que as custas compreendem quer a taxa de justiça, quer os honorários dos defensores oficiosos, os emolumentos a pagar aos peritos e demais encargos com o processo.

Nos termos dos artigos 92.º e ss., do Regime Geral das Contraordenações, 513.º e 514.º do Código de Processo Penal e 8.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais, a Recorrente é responsável pelas custas processuais, fixando-se a taxa de justiça em 1 UC, atendendo-se aos valores já pagos.

V. DECISÃO

Pelo exposto, atentas as disposições legais e os fundamentos supramencionados, decide-se julgar totalmente improcedente o recurso, e em consequência manter a decisão administrativa nos seus precisos termos, condenando-se a Sociedade Recorrente AA, no pagamento de uma coima de € 1.630,00, pela prática da contraordenação prevista no artigo 31.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 257/2007, de 16.07.

Condena-se a Recorrente em custas processuais, fixando-se a taxa de justiça em 1 UC, atendendo-se aos valores já pagos (cf. artigos 92.º e ss., do Regime Geral das Contraordenações, 513.º e 514.º do Código de Processo Penal e 8.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais).»

2.2 Conhecendo dos fundamentos do recurso

2.2.1 Nulidade da decisão administrativa por falta de fundamentação (falta de imputação do elemento subjetivo)

A recorrente sustenta haver nulidade da decisão administrativa, por violação do dever de fundamentação, concretamente quanto à imputação do facto correspondente ao elemento subjetivo da sua atuação ilícita. O segmento factológico relevante nesta matéria constante da decisão recorrida é o seguinte: «A sociedade Recorrente, representada pelo seu motorista, apesar de saber que iria realizar-se o transporte com excesso de carga, não se absteve de o realizar, tendo em conta que o veículo transportava 44,68% de carga a mais do que lhe era permitido, e que esse excesso de carga seria visível para qualquer pessoa, nomeadamente a nível dos pneus, suspensão e direção do veículo, bem como do volume da carga.»

Em primeiro lugar convirá precisar que a invocação do disposto nos artigos 374.º e 379.º do Código de Processo Penal (CPP), para sustentar a tese da nulidade da decisão administrativa, não é rigorosa, na medida em que as normas do CPP só são aplicáveis no processo contraordenacional nos estritos termos previstos no artigo 41.º RGC. Não se surpreendendo, deveras, qualquer lacuna a integrar, pelo que tais normas não são chamadas ao caso! (1) Daí resultando estar não só arredada a apontada nulidade, como nenhuma irregularidade se pode assinalar à decisão administrativa. Desde logo porque, como bem refere o tribunal recorrido, a decisão administrativa não é uma sentença, sendo o artigo 58.º RGC a norma que no direito contraordenacional equivale aos aludidos preceitos do CPP (para as sentenças). Dispõe este normativo que:

«1. A decisão que aplica a coima ou as sanções acessórias deve conter:

a) a identificação dos arguidos;

b) a descrição dos factos imputados, com a indicação das provas obtidas;

c) a indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão;

d) a coima e as sanções acessórias.

(…)»

Importando ainda referir que no âmbito do direito de mera ordenação social a culpa se traduz num juízo de censura de violação de um dever legal. Tendo o elemento subjetivo do tipo contraordenacional de ser analisado sob um ponto de vista flexível e adequado às concretas circunstâncias do caso, resultando de factos concretos imputados à arguida que levem à conclusão de que a mesma atuou de forma negligente ou dolosa. Indo agora à concreta questão colocada pela recorrente, diremos que o dolo corresponde ao cometimento do facto com conhecimento do seu caráter proibido e vontade de o praticar. Isto é: consiste no conhecimento e/ou representação e vontade de realizar o facto material típico, constituído pelos elementos objetivos, naturalísticos ou normativos de uma infração. (2) Estando descrita no artigo 14.º do Código Penal (CP) cada uma das formas em que ele se analisa.

Engloba, assim:

a) um elemento intelectual - a exigência de que o agente conheça as circunstâncias de facto que pertençam ao tipo legal – e;

b) um elemento volitivo - a vontade ou desejo de produzir certo resultado ou ato: podendo o agente atuar com a intenção de realizar o facto ilícito - dolo direto; ou a realização do facto típico seja consequência necessária, mas não diretamente desejada, da sua conduta - dolo necessário; ou a realização do facto típico seja consequência possível, da sua conduta e, não obstante, o agente atue conformando-se com essa realização - dolo eventual. Se bem atentarmos no facto constante da descrição factológica que se reporta à intenção subjacente à conduta ilícita objetiva (extratada supra), vemos que se imputa à arguida que a mesma sabia que o seu veículo estava com excesso de carga; e que, ainda assim, não se absteve de com ela circular. Isto é, apesar de saber que o veículo tinha excesso de carga, não se absteve de realizar esse transporte, resolvendo efetuá-lo. A descrição da conduta da arguida a que nos vimos referindo, corresponde ao conceito de dolo necessário, pelo que a decisão administrativa contém, não apenas a descrição dos elementos objetivos do ilícito contraordenacional em referência, como também o correspondente elemento subjetivo. O comportamento negligente, cogitado pela recorrente, imporia que as circunstâncias de facto fossem completamente diversas, na medida em que a negligência consiste na omissão de uma precaução reclamada pela prudência, cuja observância teria evitado o facto correspondente ao tipo de ilícito. (3) Seria o caso, por exemplo, de por uma qualquer razão compreensível, o condutor da viatura - que para a circunstância é um agente desta – não se ter apercebido do excesso de peso e só por isso empreender a circulação. Mas nas circunstâncias do caso, um excesso de carga da dimensão que se verificou, dificilmente tal se lograria.

Mas o que releva, é que não foi isso que está provado. Não se verifica, pois, a nulidade apontada à decisão, a propósito da putativa falta de imputação do substrato fático para o elemento subjetivo da infração. Nada havendo, por isso, a censurar à decisão recorrida neste conspecto.

2.2.2 Prescrição do procedimento contraordenacional

A recorrente cingiu este fundamento do recurso à hipótese, por si considerada, de estarmos perante ação negligente, o que determinaria uma medida da coima inferior à que foi aplicada e com isso (talvez) um prazo mais curto de prescrição (conforme previsto na al. c) do artigo 27.º RGC). Mas como vimos não é isso que sucede: a conduta ilícita foi dolosa; e nenhuma razão se apresentou para alterar a medida da coima aplicada. Daí que as razões indicadas na sentença recorrida relativas à inverificação da prescrição do procedimento contraordenacional se mostrem incólumes. Conforme muito bem ali se assinala (no segmento de 5/7/2024), partindo da data da prática do ilícito (15jan2020) e tendo em referência o prazo ordinário de prescrição, que é de 3 anos (tendo em consideração justamente o valor da coima aplicada), as interrupções ocorridas ao prazo prescricional, determinativas do reinicio da contagem do prazo (concretamente todas as notificações feitas à arguida no âmbito do procedimento contraordenacional, incluindo a notificação para audição e pagamento voluntário, feita a 26/4/2021; e a notificação da decisão final da autoridade administrativa, ocorrida a 15/11/2023 – todas documentadas no procedimento administrativo); e a suspensão do prazo prescricional a partir da data da remessa dos autos ao Ministério Público (ocorrida a 24/5/2024), nos termos previstos na al. b) do § 1.º do artigo 27.º-A do RGC; e ao exame preliminar do recurso (ocorrida a 5/7/2024) até à sua decisão final (al. c), o prazo de prescrição do procedimento ainda se não esgotou. Pelo que também neste conspecto nada há a censurar à decisão recorrida.

Com o que concluímos não ser o recurso merecedor de provimento.

3. Dispositivo

Destarte e por todo o exposto, acordam em conferência os Juízes que constituem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora, em:

a) confirmar a sentença recorrida (que é integrada pelos despachos judiciais proferidos a 5/7/2024 e a 13/8/2024).

b) A taxa de justiça a suportar pela recorrente é fixada em 3 UCs. (artigo 93.º, § 3.º RGC).

Évora, 19 de novembro de 2024

J. F. Moreira das Neves (relator)

Laura Goulart Maurício

António Condesso

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1 Neste sentido António Beça Pereira, Regime Geral das Contraordenações e Coimas, 13.ª ed., 2022, Almedina, p. 174 (em anotação ao artigo 58.º).

2 Jorge de Figueiredo Dias, com a colaboração de Maria João Antunes; Susana Aires de Sousa; Nuno Brandão e Sónia Fidalgo, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, Questões Fundamentais - A doutrina Geral do Crime, 3ª edição, 2019, p. 407, § 4.º.

3 Neste sentido cf. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, tomo I, 2019 (3.ª ed.), Gestlegal, pp. 1011.