Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1836/21.4T8PTM.E2
Relator: CRISTINA DÁ MESQUITA
Descritores: PRIVAÇÃO DA LIBERDADE
INDEMNIZAÇÃO AO LESADO
ESTADO
ABSOLVIÇÃO EM JULGAMENTO
Data do Acordão: 05/23/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1 - A Constituição da República não impõe que o Estado indemnize todas as pessoas sujeitas a prisão preventiva ou a obrigação de permanência em habitação com vigilância eletrónica e que depois venham a ser absolvidas.
2 - Por força do disposto no artigo 27.º, n.º 5, da Constituição da República o legislador constitucional remeteu para o poder legislativo a conformação do direito à indemnização ali previsto, sem lhe dar quaisquer concretas coordenadas.
3 - Entendeu o legislador ordinário que a situação de um arguido que foi absolvido no processo criminal em virtude do princípio in dubio pro reu não deve ter o mesmo tratamento daquela outra em que o arguido é absolvido no processo criminal por um juízo positivo de inocência; e, de facto, as situações não são idênticas, pois o segundo beneficia de uma sentença absolutória baseada num juízo sustentado numa prova para além da dúvida razoável ao passo que o primeiro tem uma sentença de absolvição baseada na existência de dúvidas sobre a prática, por ele, do ilícito criminal, o que, por sua vez, gera também dúvidas sobre a própria injustiça da privação da liberdade.
(sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 1836/21.4T8PTM.E2
(2.ª Secção)

Relatora: Cristina Dá Mesquita
Adjuntos: Anabela Luna de Carvalho
Francisco Matos

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora:
I. RELATÓRIO
I.1.
(…), autor na ação declarativa com processo comum que moveu contra o Estado Português, interpôs recurso da sentença proferida pelo Juízo Central Cível de Portimão, Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, o qual julgou a ação improcedente e, consequentemente, absolveu o réu do pedido de indemnização peticionado nos autos.

Na ação o autor pediu a condenação do Estado Português a pagar-lhe uma indemnização por danos sofridos provocados pela privação da liberdade «de forma ilegal e injustificada», computando esses danos no valor global de € 145.430,97 (calculando os danos patrimoniais em € 115.430,97 e os danos morais em € 30.000,00), acrescido de juros de mora vincendos, à taxa legal de 4%, contados desde a data da citação e até efetivo e integral pagamento.
Como fundamento da sua pretensão o autor alegou, em síntese, que foi constituído arguido no processo n.º (…) e foi detido, preso preventivamente e sujeito a obrigação de permanência na habitação, num total de 214 dias, e que no âmbito de tal processo veio a ser absolvido de todas as acusações; aduz que houve erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto de que dependia a aplicação da prisão preventiva e de obrigação de permanência na habitação, pelo menos no que respeita aos crimes de administração dolosa, abuso de poder, participação económica em negócio, branqueamento de capitais e danificação ou subtração de documento e relativamente aos demais crimes de que foi acusado e pronunciado sustenta que ficou demonstrado em julgamento que não foi autor dos mesmos.
Na sua contestação o réu defendeu-se por exceção, invocando a caducidade do direito do autor, e por impugnação.
Foi dispensada a realização de audiência prévia e elaborado despacho saneador.
Procedeu-se à realização da audiência final, finda a qual foi proferida a sentença objeto do recurso.

I.2.
O recorrente formula alegações que culminam com as seguintes conclusões:
«A. O Tribunal a quo deu como não provado que “A prova coligida aquando da prolação da Acusação não era substancialmente diversa daquela já produzida aquando do despacho de aplicação das medidas de coação – cfr. fls. 2734 a 7171 (art.º 128º da petição inicial)”.
B. Porém, na motivação da decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida não fundamenta ou justifica minimamente esta sua decisão, limitando a remeter para “fls. 2734 a 7171” do processo crime.
C. O que se retira dos documentos existentes a “fls. 2734 a 7171” do processo crime confirma o referido facto, não o desmente como entendeu o Tribunal a quo.
D. Razão pela qual o Recorrente impugna a referida resposta / decisão, devendo tal facto ser transferido para o elenco dos factos provados, o que se requer.
E. A diferença entre os crimes de que o Recorrente era suspeito aquando da prolação do despacho de aplicação das medidas de coação e, depois, aquelas de que foi acusado e, posteriormente, pronunciado, por um lado, revela de per si, crê-se, uma fragilidade nos elementos recolhidos em sede de inquérito que recomendariam “mão mais leve” nas concretas medidas de coação a aplicar, para mais se tivermos em conta de que o Recorrente nunca tinha sido suspeito ou envolvido em qualquer processo crime e era um reputado médico e autarca.
F. E, por outro, demonstra efetivamente que as diligências de investigação realizadas após a prolação do referido despacho de aplicação das aludidas medidas de coação se alteraram a situação sobre a qual o Tribunal de Julgamento viria a pronunciar-se apenas o fizeram no sentido favorável ao Recorrente. Tanto assim é que este Tribunal pronunciou-se no sentido de absolver o Recorrente pela prática de todos os crimes de que era suspeito, depois daqueles que viria a ser acusado e, posteriormente, mesmo daqueles que foi pronunciado.
G. Acresce que, a referência que o Tribunal a quo faz constar a meio do facto ora em apreciação – cfr. os elementos recolhidos e as atas de onde decorrem depoimentos testemunhais não exatamente coincidentes com o que resultava do inquérito –, é, ela própria, sintomática e ilustrativa do que se tem vindo a dizer no sentido em que a utilização do advérbio de modo “exatamente” inculca a ideia de que as diferenças entre uns (elementos recolhidos e as atas de onde decorrem depoimentos testemunhais prestado em sede de julgamento) e outros (os elementos resultantes do inquérito) não era sensível ou era mínima.
H. Assim, salvo o devido respeito por melhor opinião, afigura-se que a resposta negativa dada ao facto em epígrafe não é suportada pelos elementos probatórios existentes no processo, maxime aqueles que resultam do processo crime em causa nos autos e da documentação que o compõe, pelo que se impugna tal resposta, impondo-se a alteração da mesma requerendo-se, desde já, a eliminação do referido facto não provado e o aditamento de um novo facto com a redação que se propõe de seguida: «As diligências de investigação realizadas após a prolação do despacho de aplicação das aludidas medidas de coação não alteraram significativamente a situação sobre a qual o Tribunal de Julgamento foi chamado a pronunciar-se, nem que tal era expectável que viesse a ocorrer com o decurso do inquérito».
I. A conjugação dos referidos dois meios de prova documental (e-mail enviado pelo Presidente do Conselho de Administração da referida sociedade …, SGPS, S.A. aos acionistas da mesma, entre os quais o ora Recorrente, em 29 de Outubro de 2011) e testemunhal (depoimento da testemunha …), permitiria que se respondesse ao facto de forma positiva, dando como provado que «Se o Autor tivesse vendido as ações da «(…)” noutras circunstâncias, poderia tê-las vendido por 150.000,00».
J. Ou, pelo menos, tendo por referência o valor de € 3,00 pelas razões e nos termos invocados supra, as 40.000 ações detidas pelo Recorrente podiam ter sido vendidas, se em condições normais e de forma não apressada (pressa essa que a situação então vivida pelo Recorrente impôs), pelo preço total de € 120.000,00, dando-se, neste caso, como provado que: «Se o Autor tivesse vendido as ações da “(…)” noutras circunstâncias, poderia tê-las vendido por € 120.000,00».
K. A prova produzida impunha, igualmente, que se desse como provado que «Muitos comentadores e jornalistas tinham opinado sobre a pessoa do Autor e o seu comportamento censurável e alegadamente criminoso» (art.º 176º da petição inicial).
L. Com efeito, o Autor produziu prova documental (recortes de jornais) e testemunhal (depoimento da testemunha …) que comprovam tal facto.
M. Mas ainda que tais elementos probatórios não fossem suficientes, a informação que permitiria responder positivamente ao referido facto foi pública bastando uma rápida pesquisa na internet pelo nome do Recorrente para chegar à conclusão de que foi nos referidos termos que este foi percecionado, conforme os vários links para órgãos de comunicação social escrita e audiovisual de referência identificados no corpo destas alegações.
N. Tais factos, alegados pelo Recorrente na Petição Inicial (art.º 176º), foram, assim, do conhecimento geral, pelo que são notórios e, como tal, não careciam de prova, nos termos do artigo 412.º, n.º 1, do CPC.
O. Aliás, o Tribunal a quo deu como provados factos que tornam incompreensível a resposta negativa ao facto acima identificado – vide factos provados 80, 81 e 86.
P. Por todas as referidas decisões, impugna-se igualmente a decisão negativa do Tribunal a quo que incidiu sobre o referido facto, devendo o mesmo ser transferido para o elenco dos factos provados, o que ora também se requer.
Q. Face aos factos provados 10 e 82, o Tribunal a quo teria de concluir que pelo menos um efeito na imagem do Recorrente com a detenção e prisão – a sua não candidatura às eleições autárquicas para (...) da Câmara Municipal de (…) de (…) –, tinha sido irreversível.
R. Neste sentido, forçoso se torna concluir que também quanto ao facto ora em causa – Os efeitos da imagem do autor com a detenção e prisão tenham sido irreversíveis (art.º 186º da petição inicial) – o Tribunal a quo andou mal ao julga-lo não provado, decisão que ora também se critica e impugna, requerendo-se que o dito facto seja dado como provado ou, no limite, seja o mesmo excluído do conjunto de factos não provados e que seja julgado provado um facto com a redação que de seguida se propõe: «A detenção e prisão do Autor / Recorrente prejudicaram a imagem deste, impedindo-o de se candidatar ao cargo de (...) da Câmara Municipal de (…) nas eleições autárquicas de (…)».
S. Caso venha a ser dado provado, como se espera, que a prova coligida aquando da prolação da Acusação não era substancialmente diversa daquela já produzida aquando do despacho de aplicação das medidas de coação e que as diligências de investigação realizadas após a prolação do despacho de aplicação das aludidas medidas de coação não alteraram significativamente a situação sobre a qual o Tribunal de Julgamento foi chamado a pronunciar-se, nem que tal era expectável que viesse a ocorrer com o decurso do inquérito, então terá, necessariamente, que concluir que a aplicação das medidas de coação
de prisão preventiva e OPHVE e a privação da liberdade do Recorrente se ficou a dever a erro na apreciação dos pressupostos de facto de que a referida privação dependia, nos termos previstos no artigo 225.º, n.º 1, alínea b), do CPP.
T. Na Acusação, o MP acusou o Autor de dois novos crimes de que não vinha indiciado aquando da prolação do despacho de aplicação das referidas medidas de coação, a saber, os crimes de abuso de poder e de burla qualificada, pelo que, por definição, não foram as suspeitas da prática de tais crimes que justificaram a aplicação das mesmas.
U. Depois, pese embora no despacho de aplicação das medidas de coação constasse que o Recorrente era suspeito da prática dos crimes corrupção e associação criminosa (além de outros), certo é que, 4 anos depois, o mesmo não viria a ser acusado por tais crimes com fundamento na total ausência de provas que sustentassem minimamente a prática pelo mesmo destes crimes.
V. Ora, se após mais 4 anos de inquérito se chegou à conclusão de que as provas da prática pelo Recorrente eram inexistentes tal significa necessariamente que, aquando da prolação do despacho de aplicação das medidas de coação, 4 anos antes, tais provas já não existiam.
W. Pela mesma ordem de razões, não podia ter sido por suspeitas da prática do crime de administração danosa que ao Recorrente podiam ter sido aplicadas quaisquer medidas de coação, maxime as de prisão preventiva e OPHVE, pois, como viria a constar do despacho de pronúncia, o Tribunal de Instrução concluiu pela absoluta omissão dos elementos constitutivos do referido crime.
Pelo que restava a suspeita da prática dos crimes de participação económica em negócio, branqueamento de capitais e danificação ou subtração de documento, mas, como também resultou provado, após julgamento, o Autor foi também absolvido totalmente dos referidos crimes.
Y. Neste sentido, é imperativo concluir que o não preenchimento dos pressupostos legais dos crimes de participação económica em negócio e branqueamento de capitais e a ausência e omissão dos elementos objetivos e subjetivos do crime de danificação ou subtração de documento já não se verificassem no momento da prolação do despacho de aplicação das medidas de coação.
Z. Pelo exposto, não pode deixar de se entender que houve erro grosseiro por parte do Tribunal de Instrução Criminal na apreciação dos pressupostos de facto de que dependia a aplicação das medidas de coação privativas da liberdade, pelo que andou mal o Tribunal a quo ao decidir diversamente, devendo tal decisão ser revogada e substituída por outra que conclua pela existência de tal erro grosseiro e, consequentemente, pela subsunção do caso sub judice à previsão da alínea b) do n.º 1 do artigo 225.º do CPP, o que se requer.
AA. Na sentença recorrida o Tribunal a quo interpreta o artigo 225.º, n.º 1, alínea c), do CPP, frontal e conscientemente contra a Jurisprudência Europeia mais recente e contra a Jurisprudência atual do Tribunal Constitucional refletida no Acórdão n.º 284/2020.
BB. O Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 284/2020, de 28 de maio julgou inconstitucional o artigo 225.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal, na redação da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, interpretado no sentido de se não considerar que não foi agente do crime ou atuou justificadamente o arguido a quem foi aplicada a medida de coação de prisão preventiva e que vem a ser absolvido com fundamento no princípio in dubio pro reo, ou seja, por não ter ficado suficientemente demonstrada, para além de dúvida razoável, a prática dos aludidos crimes.
CC. O Tribunal Constitucional entendeu não ser compatível com a Constituição aquele preceito do CPP (artigo 225.º, n.º 1, alínea c), interpretado no sentido de que, não se satisfazendo com a simples absolvição penal, faz depender o direito a indemnização do reconhecimento positivo da inocência do arguido anteriormente sujeito a prisão preventiva, quer essa inocência resulte diretamente da fundamentação da decisão absolutória, quer de novos elementos de prova recolhidos no âmbito da ação de responsabilidade civil contra o Estado.
DD. Ou seja, ao invés do que fez o Tribunal a quo, o Tribunal Constitucional entendeu que não é exigível (o citado artigo não deve ser interpretado no sentido de o exigir), como fundamento do pedido de indemnização, nem que a sentença absolutória se baseie numa afirmação positiva da inocência do Autor da ação de responsabilidade civil contra o Estado, nem que o Autor alegue e demonstre na referida ação tal inocência.
EE. Em função do que se expôs nestas alegações, impõe-se a este Tribunal ad quem conceder provimento ao recurso e determinar a reforma da decisão recorrida quer por força da verificação da privação da liberdade devido a erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto de que dependia no que toca aos crimes de administração danosa, abuso de poder, participação económica em negócio, branqueamento de capitais e danificação ou subtração de documento, nos termos do artigo 225.º, nº 1, al. b), do CPP, quer em virtude do juízo de inconstitucionalidade que não pode deixar de ser realizado no que toca à interpretação da norma prevista na alínea c) do citado preceito, no que diz respeito a todos os crimes de que o ora Recorrente era suspeito mas dos quais, a final, veio a ser absolvido.
FF. O Recorrente fez prova dos prejuízos que sofreu, nomeadamente nos pontos 75 a 78, 80 a 82, 86 e 87 da factualidade provada, a que acrescem os factos que o Recorrente pretende que venham a ser dados também como provados na sequência da impugnação da decisão proferida pelo Tribunal a quo.
GG. Em face da matéria de facto provada acima reproduzida, dúvidas não podem subsistir de que o Recorrente tem direito à indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais reclamada, contrariamente ao que concluiu o Tribunal a quo.
HH. Pelo que, sem necessidade de mais considerações, deve este Tribunal ad quem, também à luz do disposto no artigo 665.º do CPC, revogar a sentença recorrida e proferir Acórdão que condene o Estado Português, ora Recorrido, no pagamento ao Recorrente de uma indemnização no montante global de € 145.430,97 (cento e quarenta e cinco mil e quatrocentos e trinta euros e noventa e sete cêntimos) a título de danos patrimoniais (€ 115.430,97) e de danos morais (€ 30.000,00) provocados pela privação da liberdade do Autor de forma ilegal e injustificada, acrescida de juros vincendos, à taxa legal moratória de 4%, desde a citação até efetivo e integral pagamento, conforme peticionado, o que se requer.
II. Ao decidir nos termos constantes da sentença recorrida, o Tribunal a quo violou o artigo 225.º, n.º 1, alínea c), do CPP (entre outras normas legais), interpretando-o em termos julgados inconstitucionais no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 284/2020.
Nestes termos, revogando a sentença recorrida e substituindo-a por outra decisão que julgue a ação procedente e condene o Estado Português no pagamento ao Recorrente da indemnização peticionada, farão V. Exas., Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Évora, o que é de inteira Justiça!»

I.3. Na sua resposta às de recurso, o apelado defendeu a improcedência do recurso, culminando com as seguintes conclusões:

«1 – Pugna o recorrente pela errada apreciação da matéria de facto, por considerar que deveria ter sido dado como provado que: a) “A prova coligida aquando da prolação da Acusação não era substancialmente diversa daquela já produzida aquando do despacho de aplicação das medidas de coação” – cfr. fls. 2734 a 7171 (art. 128.º da petição inicial); b) “Se o Autor tivesse vendido as ações da “(…)” noutras circunstâncias, poderia tê-las vendido por 150.000“ (art.156.º da petição inicial); c) “Muitos comentadores e jornalistas tenham opinado sobre a pessoa do Autor e o seu comportamento censurável e alegadamente criminoso” (art. 176.º da petição inicial); e d) ”Os efeitos na imagem do autor com a detenção e prisão tenham sido irreversíveis” (art. 186.º da petição inicial).

2 – Sucede que a douta Sentença ora objeto de recurso contém todas as menções previstas no citado artigo 607.° do C.P.C., designadamente: - a enumeração de todos os factos dados como provados e não provados com relevância para a decisão; - a exposição dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, com a indicação exaustiva e o exame crítico de todas as provas em concreto que serviram para formar a convicção do tribunal – com a especificação dos fundamentos que foram decisivos para essa mesma convicção – com a indicação dos factos que foram provados por documentos.

3 – Acresce que os factos que o A. afirma terem resultado provados acima identificados com as alíneas a), b) e e) são conclusivos e especulativos.

4 – Mais quando, como é o caso, «os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados», o recorrente tem o ónus de impugnação – «sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte – o que implica indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (cfr. alínea a) do n.º 2 do artigo 640.º citado).

5 – Sendo que, no caso o recorrente não cumpre esse ónus que sobre sim impendia na medida em que não especifica, nas conclusões apresentadas, os meios probatórios, nomeadamente por referência às gravações, que impunham uma decisão diferente desses factos.
6 – De todo o modo, entendemos que, mesmo a ser procedente a impugnação dos supra referidos factos o certo é que tal não teria nenhuma influência direta na aplicação do direito ao caso concreto.
7 – Na verdade, mesmo que a sentença recorrido tivesse considerado os factos citados como provados tal não conduziria ao preenchimento de qualquer um dos pressupostos elencados nas alíneas do artigo 225.º do Código de Processo Penal, que sustentam a atribuição de indemnização por danos sofridos por quem tiver sido detido, sujeito a prisão preventiva ou a Obrigação de permanência em habitação.
8 – Insurge-se o A. quanto ao entendimento, vertido na sentença, de que não se mostram preenchidos os pressupostos da ação de indemnização contra o Estado, constantes das alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 255.º do C.P.P..
9 – No que concerne ao erro grosseiro o Tribunal considerou que o Juiz de Instrução que aplicou a medida de coação de prisão preventiva ponderou a prova apresentada pelo Ministério Público e as declarações dos restantes arguidos, pois que o ali arguido (aqui autor), exerceu do seu direito ao silêncio e decidiu de forma fundamentada.
10 – Mais sublinhou que o arguido não recorreu do despacho que determinou a aplicação de prisão preventiva [vindo apenas a fazê-lo do despacho que converteu a prisão preventiva em obrigação de permanência na habitação cumulada com a suspensão do exercício de funções públicas e proibição de contactos com os restantes arguidos].
11 – E quanto a esse recurso, apreciado por 3 Juízes, foi negado provimento pelo Tribunal da Relação de Lisboa, após apreciar os argumentos apresentados pelo aí arguido, concluindo pela existência de fortes indícios da prática dos factos e quanto verificação dos perigos que justificavam a manutenção da medida de coação.
12 – Antes de mais, sublinhamos que o A. não especifica em qual ou quais decisões, na sua ótica, se verifica o erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto de que a lei faz depender a prisão preventiva / OPVHE.
13 – Presume-se que do 2.º despacho, que alterou a medida de prisão preventiva para OPVHE na medida em que não recorreu do 1.º despacho.
14 – Não obstante, grande parte dos factos que alega na P.I. referem-se à sujeição à medida de coação de prisão preventiva.
15 – De todo o modo sempre diremos que concordamos, na íntegra com os argumentos expendidos na sentença ora recorrida já que do estudo do processo crime em causa resulta que, aquando da sujeição do arguido a 1.º interrogatório, existiam fortes indícios que comprometiam o arguido, aqui A., com a prática dos crimes que aí lhe foram comunicados (indícios que não contestou já que não prestou declarações) e que permitiam, pela sua gravidade, conjugados com os perigos concretos, a aplicação da medida de coação de prisão preventiva.
16 – Tanto assim era que o mesmo juízo foi mantido nos sucessivos despachos judiciais proferidos na fase de inquérito e esteve na base da decisão do Venerando Tribunal da Relação de Évora, quando considerou improcedente o recurso interposto pelo aqui A. do despacho que substituiu a prisão preventiva pela OPHVE.
17 – A aferição da bondade da decisão deve ter em conta “o tempo em que tal medida de coação foi aplicada, e mantida, com a prova que existia no inquérito nessa altura, e não à luz do que veio mais tarde a decidir o acórdão final – (vide, por exemplo, os Acs. da TRG de 13-05-2021 (P. 711/20.4T8VRL.G1) e do S.T.J. de 11-09-2008, P. 08B1747 e de 11-09-2008, P. 08B1747, todos disponíveis in www.dgsi.pt).
18 – Concluímos, assim, que não houve erro grosseiro – erro escandaloso, crasso ou palmar, que procede de culpa grave do errante – na apreciação dos respetivos pressupostos de facto que conduziram à aplicação da Prisão preventiva e depois da OPVHE.
19 – Alega ainda o A. que mal andou o Tribunal ao interpretar o artigo 225.º, n.º 1, alínea c), contra o que diz ser a jurisprudência europeia mais recente e contra o entendimento refletido no acórdão n.º 284/2020, do Tribunal Constitucional.
20 – O artigo 225.º, n.º 1, alínea c), prevê a indemnização do arguido privado da liberdade por decisão que venha a verificar-se ter sido injustificada, por via da decisão absolutória na qual se comprove a inocência.
21 – Nas expressivas palavras do Ac. TRG 13-2-2020, P. 975/17.0T8BGC.G1, in www.dgsi.pt: «Tendo por base as regras da interpretação da lei, em particular o n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil, temos de concluir da interpretação do artigo 225.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal, recorrendo aos trabalhos preparatórios, que a opção do legislador ao referir-se ao “comprovar” quer significar que o direito de indemnização apenas está reservado ao arguido que tenha sido absolvido sem dúvidas acerca da sua inocência e que foi vontade do legislador restringir a indemnização aos arguidos absolvidos por intermédio do princípio in dubio pro reu».
22 – A jurisprudência tem sido unânime em afirmar que «o princípio da presunção de inocência do arguido não acarreta automaticamente o dever de indemnizar por parte do Estado a todo aquele que, mantido em prisão preventiva, vem a final, a ser absolvido» (entre muitos outros, o Acórdão do STJ de 4/4/2000, P.104/00 e o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 09-06-2022, ambos publicados in www.dgsi.pt)
23 – No caso dos presentes autos, dúvidas não subsistem, nem tão além vai o recorrente, de que a sua absolvição como arguido no processo crime n.º (…) não se fundou na circunstância de ter sido comprovado não ter sido ele o agente dos crimes pelos quais vinha pronunciado.
24 – Da motivação de facto do acórdão proferido naqueles autos resulta cristalino que a absolvição do ora recorrente, então arguido, se fundou na circunstância de não ter sido realizada prova suficiente da factualidade imputada.
25 – Na presente ação, cabia ao Autor provar que não foi agente do crime; demonstrar a sua inocência pela positiva, de modo a afastar as suspeitas de culpabilidade que sobre si recaíam e não o fez.
26 – Por essa razão não podemos considerar preenchido o campo de previsão do artigo 225.º, n.º 1, alínea b), do CPP, que pressupõe a comprovação, no único sentido interpretativo possível, que é o da existência de prova positiva, da não autoria.
27 – A posição vertida no acórdão n.º 284/2020 do Tribunal Constitucional não constitui jurisprudência obrigatória e não é de todo unânime, nem pacífico, bastando consultar os dois votos de vencido constantes dessa decisão.
28 – Transcrevemos parte do voto de vencido do Sr. Conselheiro Manuel da Costa Andrade:
“No caso em apreço, à invasão injustificada, por princípios e modos de ver do direito processual penal, do espaço e racionalidade próprios de outros ramos do direito, acresce a anomalia de o princípio da presunção de inocência irromper na ação extrapenal com um conteúdo e uma força muito mais intensos do que ocorria no processo criminal. É que, aqui, a sua projeção «intraprocessual» obrigava apenas a uma pronúncia favorável ao arguido em caso de não superação de dúvida razoável quanto à prova dos factos. Aquele fica, assim e em absoluto, libertado do ónus da prova, mas sem que ao julgador seja vedada a apreciação plena do objeto do processo. Que, pelo contrário, se impunha. Já com a sua transposição para a ação ulterior, essa dimensão do princípio da presunção de inocência conhece uma mutação radical. Deixando de ser um princípio de distribuição do ónus probatório e de definição do crivo de convicção. Antes passando a assumir a virtualidade de subtrair à apreciação do novo tribunal factos que, noutra sede e noutro tempo, constituíram objeto de um processo criminal. E, com isso, impondo, automática e ficcionalmente ao processo civil ou outros um caso julgado de inexistência de responsabilidade (civil ou outra), cujos pressupostos e fundamentos lhes cabe identificar e julgar com toda a autonomia.”
29 – E do Sr. Conselheiro Pedro Machete: “Contudo, segundo decorre da letra e da história daquele preceito (cfr. o n.º 8), assim como do seu espírito e teleologia, atento o disposto no artigo 27.º, n.º 5, da Constituição e a jurisprudência constitucional a este respeitante (Acórdãos n.ºs 90/84, 160/95, 12/2005 e 13/2005 cfr., ibidem, o n.º 10), tal sentido amplo e indiferenciado extravasa aquela que foi a opção do legislador ordinário: por razões de justiça, fazer o Estado assumir a responsabilidade pelos danos sofridos e compensar quem, estando inocente conforme comprovado no final do processo , foi privado da sua liberdade em razão de uma medida de coação preventiva corretamente aplicada (v., de novo, o n.º 8).” …” Na verdade, se o objetivo prosseguido é a compensação de um dano injustamente sofrido, a injustiça tida em mente pelo legislador só se mostra verificada na hipótese de absolvição com fundamento na inocência do arguido. Nos demais casos, subsiste a dúvida quanto à própria injustiça do dano, isto é, da privação da liberdade: o arguido pode ser culpado ou não; certo é tão-só que não se conseguiu fazer prova da sua culpabilidade.”
30 – A interpretação efetuada pelo Tribunal Constitucional e pelo TEDH é corretiva da alínea c) do artigo 255.º.
31 – Pelo exposto, pugnamos pela manutenção a D. Sentença recorrida desatendendo-se, em toda a linha, por infundado, o recurso do Autor.
Porém, V.ªs. Exªs. decidirão, como for de JUSTIÇA».

I.4.
O recurso foi recebido pelo tribunal a quo.
Corridos os vistos em conformidade com o disposto no artigo 657.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (CPC), cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1.
As conclusões das alegações de recurso (cfr. supra I.2) delimitam o respetivo objeto de acordo com o disposto nas disposições conjugadas dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do CPC, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2 e artigo 663.º, n.º 2, ambos do CPC), não havendo lugar à apreciação de questões cuja análise se torne irrelevante por força do tratamento empreendido no acórdão (artigos 608.º, n.º 2, e 663.º, n.º 2, do CPC).

II.2.
As questões a decidir são as seguintes:
1 – Saber se ocorreu erro de julgamento de facto.
2 – Saber se ocorreu erro de julgamento de direito.

II.3.
FUNDAMENTAÇÃO
II.3.1.
FACTOS
II.3.1.1.
Factos provados
O tribunal de primeira instância julgou provada a seguinte factualidade:
1. No âmbito do processo-crime (…) cujos autos correram termos pelo Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo Central Criminal de Portimão – Juiz 3, o autor esteve detido, preso preventivamente e obrigado a permanecer na habitação por um período total de 220 dias, de (...) de 2013 a (...) de 2014 (art. 2.º da petição inicial).

2. O Acórdão que decidiu o processo penal respetivo (processo-crime n.º … – Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo Central Criminal de Portimão – Juiz 3), absolvendo o aqui autor dos crimes de que vinha acusado, foi proferido em 30 de janeiro de 2020 – fls. 48 (art. 6.º da petição inicial). Não foi interposto recurso do referido Acórdão, pelo que o mesmo transitou em julgado no dia 29 de fevereiro de 2020 – artigo 411.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal (art. 7.º da petição inicial).
Do autor
3. Nesse acórdão, quanto ao percurso de vida do aí arguido, foi dado por provado que o aqui autor cresceu em Lisboa num contexto familiar favorável, atendendo às condições económicas para a data (art. 18.º da petição inicial), filho único de um casal em que o pai era militar e a mãe professora (art.19.º da petição inicial). Ao terminar os estudos secundários, trabalhou como delegado de propaganda médica, onde se familiarizou com a medicina (art. 20.º da petição inicial). Trabalhando e estudando, concluiu a licenciatura em medicina aos 28 anos de idade (art. 21.º da petição inicial). Durante os estudos, o Autor participou em várias iniciativas e atividades de cariz político-partidário, ligadas a associações estudantis e movimentos de jovens (art. 22.º da petição inicial). Após a licenciatura fez o internamento geral e fixou-se em 1987 em (…), onde iniciou funções profissionais no Hospital Distrital Local e no Centro de Saúde de … (art. 23.º da petição inicial).

4. O autor era respeitado pelos colegas e pelos doentes, não havendo registo de situações suscetíveis de colocar em causa o seu bom nome ou a sua honra (art. 24.º da petição inicial). Foi também dado como provado no acórdão em referência o seguinte: desde a sua vinda para (…), o Autor exerceu várias funções políticas de âmbito regional e nacional (art. 27.º da petição inicial).

5. O Autor desempenhou também várias atividades de natureza privada, a saber:

Administrador da (…) – (…), S.A..

Vogal do Conselho de Administração e de Comissão executiva da (…), SGPS, S.A., entre 2008 e 2013 (art. 39.º da petição inicial).

6. Em 1996, o Autor foi nomeado para o cargo de Presidente do Conselho Diretivo do … (art. 40.º da petição inicial).

7. De 2001 até 2013, o Autor teve uma ligação ininterrupta com o Município de (…), primeiro como Membro da Assembleia Municipal, depois como (...) deste órgão do Município, posteriormente, como vereador e, finalmente, como (...) da Câmara Municipal (art. 41.º da petição inicial).

8. O Autor teve intervenção na criação de um grupo empresarial através de empresas municipais (art. 46.º da petição inicial). Foram reestruturadas a (…) – Empresa Municipal de (…) e criadas empresas municipais que constituíram um grupo empresarial municipal que tinha como escopo o ordenamento urbano, a criação de investimentos em áreas de negócio, bem como a gestão do património e do mercado municipal (art. 47.º da petição inicial). Foi-lhe delegada a Presidência dos Conselhos de Administração de empresas municipais como a “(…)”, “(…)” (art. 42.º da petição inicial). Na reunião de 2 de junho de 2010, o autor propôs a alteração dos estatutos da “(…)”, de requalificação do estádio municipal de (…), tarefa a desempenhar pela “(…)”, tudo conforme resulta do acórdão proferido no processo n.º (…) – fls. 52 (art. 43.º da petição inicial). No exercício das suas funções autárquicas, com os pelouros das finanças, gestão de empresas e turismo, o Autor idealizou novos projetos como o “(…)” – fls. 55/58 (art. 44.º da petição inicial).

9. À data em que os factos ocorreram, o Autor exercia funções como (…) da Câmara Municipal de … (art. 50.º da petição inicial).

10. O Autor tinha expectativas de poder vir a candidatar-se e a ser eleito para presidir ao referido órgão autárquico (art. 52.º da petição inicial).

11. O Autor foi assistente de Medicina Geral e Familiar no Centro de Saúde de (…) até …, tendo reiniciado essas funções em janeiro de … (art. 35.º da petição inicial).
12. Foi coordenador dos Centros de Saúde de (…) e (…) em … (art. 36.º da petição inicial).

13. Foi, também, coordenador da (…) do Centro de Saúde de (…) em … (art. 37.º da petição inicial).

14. Atualmente é coordenador do Agrupamento … – … (art. 38.º da petição inicial).
Da tramitação do processo-crime n.º (…)
Da fase de Inquérito
15. O referido processo-crime teve origem numa denúncia anónima datada de (…), dirigida ao Procurador Geral da República – fls. 3 do processo-crime (a negrito correspondem as folhas do processo em referência que foi remetido a este Juízo) (art. 54.º da petição inicial).

16. Cerca de três meses depois, em 29/09/2011, o Ministério Público de (…) proferiu despacho a delegar competências na Polícia Judiciária (PJ) daquela Comarca para investigar se os factos constantes da denúncia anónima correspondiam à verdade e se existiam efetivamente indícios de crime – cfr. fls. 56 e 57 (art. 55.º da petição inicial).

17. A partir daquela data, o referido órgão de polícia criminal (OPC) realizou várias diligências probatórias, designadamente inquirições e pedidos de informações/documentos, buscas e apreensões, envio de cartas precatórias, etc. – cfr. fls. 63 a 786 (art. 56.º da petição inicial).

18. O primeiro relatório intercalar data de (…), descrevendo sumariamente os atos de investigação praticados até então no âmbito do processo-crime ora em questão – cfr. fls. 787 a 818 (art. 57.º da petição inicial).

19. Seguiram-se mais algumas diligências de investigação e em (…) foi proferido despacho de conclusão da apreciação do inquérito pelo MP – cfr. fls. 838 (art. 58.º da petição inicial).
20. Em 29/06/2012, o MP de Portimão proferiu novo despacho juntando aos autos nova denúncia anónima da prática pelo Autor de factos passíveis de procedimento criminal – cfr. fls. 841 e 842 (art. 59.º da petição inicial).

21. Alguns dias depois, em 09/07/2012, o MP promoveu a aplicação de segredo de justiça aos autos – cfr. fls. 878 e 879 (art. 60.º da petição inicial).

22. E em 11/07/2012, o Tribunal proferiu decisão a sujeitar os autos, durante a fase de inquérito, a segredo de justiça – cfr. fls. 888 (art. 61.º da petição inicial).

23. Em 09/10/2012, o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) delegou na PJ – Unidade Nacional de Combate à Corrupção competência para prosseguir com o inquérito da existência de crime – cfr. fls. 1024 e 1025 (art. 62.º da petição inicial).

24. Consta, também, do processo, datado de 09/11/2012, uma informação de serviço do Departamento de Investigação Criminal de (…) registando uma nova denúncia anónima dando conta de que o Autor se preparava para abandonar o país e passar a residir em Angola – cfr. fls. 1030 (art. 63.º da petição inicial).

25. Em 16/11/2012, foi junto ao processo um novo relatório intercalar do DIC de (…) – cfr. fls. 1042 a 1054 (art. 64.º da petição inicial).

26. Em 26/11/2012, o Ministério Público proferiu novo despacho a ordenar (i) a quebra de sigilo bancário e fiscal; (ii) a qualificar o processo como de excecional complexidade e, consequentemente, a determinar o aumento do prazo de inquérito para 18 meses; (iii) a ordenar a realização de buscas e apreensões; (iv) a requerer a autorização para revistas pessoais, (v) a requerer autorização para interceções telefónicas e registo de som e imagem com varrimento eletrónico; (vi) a requerer, ainda, a apreensão de contas bancárias; (vii) e, finalmente, a requerer a emissão de mandados de detenção em flagrante delito do Autor, (…) e (…), todos considerados suspeitos – cfr. fls. 1057 a 1067 (art. 65.º da petição inicial).

27. Nessa sequência, em 27/11/2012, o Tribunal Central de Instrução Criminal proferiu despacho a autorizar (i) o alargamento do prazo de inquérito por excecional complexidade do processo, (ii) interceções telefónicas, (iii) a recolha de som e imagem e (iv) identificação de todas as contas bancárias do Autor, de (…) e de (…) – cfr. fls. 1068 a 1073 (art. 66.º da petição inicial).

28. Entre o dia 28/11/2012 foram realizadas várias escutas telefónicas ao Autor e demais suspeitos, feitos pedidos de informação a diversas Câmaras Municipais e outras entidades fiscais e bancárias na sequência da determinação da quebra dos respetivos sigilos fiscal e bancário, efetuadas várias inquirições e formulados pedidos de perícia financeira e contabilística à unidade competente da PJ para o efeito, bem como pedidos à Autoridade Tributária e Aduaneira documentação como se alcança de fls. 1086 a 1981 (art. 67.º da petição inicial).

29. Em 28/05/2013 foram juntos novos relatórios intercalares da PJ – Unidade de Perícia Financeira e Contabilística e do DIC de (…) – cfr. fls. 1981 a 2099 (art. 68.º da petição inicial).

30. A partir da referida data e na sequência de promoções do MP para o efeito, foi ordenada a emissão de novos mandados de busca e apreensão, bem como de mandados de detenção dos suspeitos fora de flagrante delito – cfr. fls. 2052 a 2221 (art. 69.º da petição inicial).

31. Em (…) o Autor foi detido, constituído de arguido, sujeito a termo de identidade e residência, tendo a sua residência sido alvo de buscas e apreensões pelas 8H00, por elementos da Polícia Judiciária, munida do mandado de busca de fls. 2234 que por sua vez foi acompanhado do despacho de fls. 2097, o que surpreendeu o Autor – cfr. fls. 2229 a 2233 (7.º vol.) (arts. 70.º e 113.º a 115.º da petição inicial).

32. Após apreensão de alguns documentos na sua residência, os agentes da Polícia Judiciária deram instruções ao Autor para recolher elementos no seu gabinete de trabalho na Câmara Municipal de (…), o que sucedeu, já que ali exercia funções de (…) da Câmara Municipal de (…) – fls. 2241 (arts. 116.º, 117.º e 147.º da petição inicial).
33. Nesse mesmo dia e nos dias seguintes (entre … e …), os demais suspeitos foram também sujeitos a buscas e apreensões, detidos, constituídos arguidos e interrogados, conforme se alcança de fls. 2234 a 2652 (art. 71.º da petição inicial).

34. O Autor foi sujeito ao primeiro interrogatório de arguido detido no dia (…), com início pelas 15H00 (fls. 947 v.) tendo lhe sido imputados os crimes já elencados supra (fls. 932 e ss. – ver despacho do MP, datado de …, 13H45), tendo respondido às questões que lhe foram colocadas sobre a sua identificação e sobre as suas condições pessoais, tendo declarado ser médico, que ao tempo não exercer a medicina, exercendo funções políticas e empresariais, não tendo, na altura, pretendido prestar, de imediato, declarações quanto aos factos que lhe eram imputados, mas apenas prestar alguns esclarecimentos, como a confirmação de ter engolido um documento já em poder da PJ e não se pretender eximir às suas responsabilidades, declarações registadas pelo Mmo. Juiz de Instrução – cfr. fls. 947 v. (fls. 2523 a 2543/2691) (arts. 72.º e 118.º da petição inicial).

35. Findos os interrogatórios, em (…) foi proferido despacho do TCIC a aplicar medidas de coação aos arguidos, com base, no que diz respeito ao Autor, na suspeita da prática dos crimes de administração danosa, participação económica em negócio, corrupção, branqueamento de capitais, associação criminosa e subtração de documento, referindo-se à posição do aí arguido (…), nos seguintes termos: o que aqui foi ponderado foi a natureza altamente complexa dos factos indiciados e a circunstância de o arguido ter exercido o direito ao silêncio e, portanto, de não ter feito constar dos autos a sua versão dos acontecimentos e com ela, dessa forma, se comprometendo, para daí inferir que o total descomprometimento para si resultante daquele exercício iria facilitar a intensificação da continuação da pressuposta atividade criminosa – cfr. fls. 2653 a 2711 (art. 73.º da petição inicial e artigo 5.º do Código de Processo Civil).
36. Conforme resulta do aludido despacho, o Autor foi o único Arguido que decidiu não prestar declarações sobre os factos e a quem foi aplicada a prisão preventiva, além de outras, prevendo-se desde logo a possibilidade de alteração para obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica – cfr. fls. 2710 a 2713 (art. 74.º da petição inicial e artigo 5.º do Código de Processo Civil).

37. Do despacho que aplicou a medida de prisão preventiva não foi interposto recurso (consulta do processo crime – artigo 5.º do Código de Processo Civil).

38. O inquérito prosseguiu, sendo que, no dia seguinte, (…) foi junta ao processo uma nova informação de serviço que consigna uma denúncia anónima de que na garagem da habitação do sogro do filho do Autor (…) estariam depositados documentos relevantes à investigação e em que se pede a solicitação de mandado de busca à referida habitação junto do MP – cfr. fls. 2755 (art. 75.º da petição inicial).

39. Nos dias que se seguiram foram realizadas diligências de investigação adicionais, designadamente buscas e apreensões às sociedades arguidas, perícias a suportes informáticos encontrados na posse dos arguidos (computadores, Ipad, telemóveis, etc.) – tendo, para o efeito, sido ordenada a quebra de sigilos de correspondência, bancário, pessoal e outros, relacionados com os ditos suportes –, pedidos e controlo e suspensão de movimentos a débitos sobre contas bancárias tituladas pelos arguidos – cfr. fls. 2757 a 2805 e fls. 2831 e segs. (art. 76.º da petição inicial).

40. Em (…), deu entrada no processo uma nova denúncia anónima sobre a (…) e o (…) Sporting Clube – cfr. fls. 2829 e 2830 (art. 77.º da petição inicial).

41. Em 04/07/2013, o MP profere um despacho a declarar a sua não oposição à aplicação de OPHVE ao Autor – cfr. fls. 2890 e 2891 (art. 78.º da petição inicial).

42. Em (…), o TCIC proferiu despacho a determinar a aplicação da medida de coação de OPHVE ao Autor, cumulada com a suspensão do exercício de funções públicas e proibição de contactos com os restantes arguidos – cfr. fls. 2902 e 2903 (art. 79.º da petição inicial).

43. Nessa sequência, o Autor, na referida data, foi conduzido à residência dos pais sita na Travessa dos (…), Lote 1, (…) – cfr. certidão de fls. 3074 (arts. 80.º e 205.º da petição inicial).

44. Foram, depois, realizadas diligências de investigação adicionais, nomeadamente a investigação dos Arguidos pelo Gabinete de Recuperação de Ativos, inquirições e pedidos de informações/documentos, buscas e apreensões, perícias, envio de cartas precatórias, etc. – cfr. fls. 3075 e segs. (art. 81.º da petição inicial).

45. Em (…), o Autor apresentou um recurso de impugnação do despacho que aplicou as medidas de coação de OPHVE e de suspensão do exercício de funções públicas, requerendo “a imediata libertação do arguido” – cfr. fls. 3112 a 3133 (art. 82.º da petição inicial).

46. No dia (…), o MP respondeu aos recursos interpostos pelo Autor e (...), pugnando pela respetiva improcedência – cfr. fls. 3312 a 3344 (art. 83.º da petição inicial).

47. Em (…), o Autor requereu autorização para retomar atividade profissional de médico sob vigilância, propondo requerer transferência da Administração Regional de Saúde do (…) para a de (…) – cfr. fls. 3676 a 3678 (art. 84.º da petição inicial).

48. No dia seguinte, 04/09/2013, o MP promoveu a solicitação à DGRS um relatório com vista à análise da possibilidade de harmonizar a OPHVE com o desempenho de funções de médico, bem como a realização de relatório de execução trimestral para revisão da medida de coação aplicada – cfr. fls. 3680 e 3681 (art. 85.º da petição inicial).
49. Em (…), o TJIC ordenou a realização dos referidos relatórios – cfr. fls. 3687 e 3688 (art .86.º da petição inicial).

50. No dia (…) – Despacho do TJIC a ordenar a manutenção da OPHVE após avaliação trimestral de requisitos e a concretização do pedido de (…) em sede de referido requerimento – cfr. fls. 3736 (art. 87.º da petição inicial).

51. Em (…), foi proferido Acórdão pelo Tribunal da Relação de Lisboa a negar provimento ao recurso de impugnação da medida de coação de prisão preventiva / OPHVE aplicada interposto pelo Autor, no qual se concluiu, quanto aos indícios, que na suficiência dos indícios nesta fase processual, a imputação criminosa feita ao recorrente mostra-se claramente sustentada, e quanto a justificação da medida de coação, por um juízo de forte probabilidade de acontecer uma fuga e que o perigo de perturbação do decurso do inquérito, na vertente da aquisição e conservação da prova também se verifica (…) concretiza-se na circunstância de o arguido no decurso da busca à sua residência a pós apreensão de um documento cujo teor de desconhece mas que se sabe que continha referência a quantias monetárias e a correspondência destas a nomes de pessoas ali indicados, arrancou-o das mãos do Inspetor (…) e engoliu-o (…), excluindo o perigo de continuação da atividade criminosa. Concluiu-se, a final por inquestionável, pois, a justeza da medida coativa fixada, não tendo sido violada qualquer das disposições legais invocadas pelo recorrente – cfr. 958 verso e ss. (fls. 3896 a 3925) (art. 88.º da petição inicial).

52. Realizaram-se, depois, várias outras diligências de investigação, designadamente inquirições, buscas e apreensões, interrogatórios – cfr. fls. 3926 (art. 89.º da petição inicial).

53. Foram também constituídos arguidos … e …, … e … (art. 90.º da petição inicial).

54. No dia 19/11/2013, o Autor requereu autorização para prestar serviços médicos no Centro de Saúde de (…), em articulação com o cumprimento de OPHVE – cfr. fls. 4633 a 4636 (art. 91.º da petição inicial).

55. Procedeu-se, depois, a inquirições adicionais, a realização de inspeção extraordinária dos contratos celebrados entre a (…) e as empresas elencadas pela Inspeção Geral de Finanças, foi feito um pedido de cooperação judiciária internacional em matéria penal às autoridades de justiça norte-americanas, interrogatórios, entre outras diligências adicionais (art. 92.º da petição inicial).

56. No dia (...), o MP proferiu despacho do Ministério Público a promover, designadamente, a manutenção do Autor sob OPHVE – cfr. fls. 4782 a 4785 (art. 93.º da petição inicial).

57. Em (…), o TIC proferiu um despacho a manter a medida de coação de OPHVE, a autorizar a mudança de residência do Autor para (...) e o exercício da atividade profissional no Centro de Saúde de (…) e a ordenar entrega do respetivo passaporte – cfr. fls. 4790 a 4795 (art. 94.º da petição inicial).

58. Cerca de uma semana depois, em (…), o TIC proferiu despacho a ordenar o cumprimento da autorização do exercício das funções de médico em articulação com OPHVE pelo Autor – cfr. fls. 4885 (art. 95.º da petição inicial).

59. Em (…), o Autor interpôs recurso do despacho que determinou a manutenção da sua medida de coação de OPHVE, tendo depois perdido o interesse no mesmo, após alteração do seu estatuto processual – cfr. fls. 5054 a 5073/5162 (art. 96.º da petição inicial).

60. Em (…), o TIC admitiu o recurso interposto pelo Autor e ordenou a substituição da OPHVE imposta a este, tendo sido restituído à liberdade, tudo após promoção do MP – fls. 5137/5146 (art. 97.º da petição inicial).

61. Depois disso, prosseguiram as diligências de investigação com a inquirição de mais testemunhas, recolha do depoimento escrito da deputada (…), buscas e apreensões, cartas rogatórias, etc. – fls. 5253 e ss. (art. 98.º da petição inicial).

62. Em (…), foi elaborado e junto aos autos o Relatório Final da PJ – cfr. fls. 6816 a 6904 (art. 99.º da petição inicial).

63. Após mais algumas diligências de investigação e constituição de arguidos, no dia (…) o MP proferiu despacho a declarar o encerramento do inquérito e a deduzir acusação / arquivamento, tendo notificado os arguidos do mesmo – cfr. fls. 7172 a 7468 (art. 100.º da petição inicial).

64. No mesmo, o MP, para além de arquivar o processo no que concerne aos Arguidos (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), Unipessoal, Lda., (…), Lda., (…), S.A. e (…), Lda. (bem como outros processos saídos de outras tantas denúncias anónimas), arquiva também o processo no que ao Autor e, bem assim, aos arguidos (…), (…), (…) e (…), relativamente aos crimes de Corrupção e Associação Criminosa, nos seguintes termos:
«II.13 – Dos crimes de corrupção e associação criminosa
No âmbito do primeiro interrogatório foram os arguidos (…), (…), (…), (…) e (…) indiciados também pela prática dos crimes de corrupção (passiva e ativa) e associação criminosa, p. e p. respetivamente, pelos artigos 16.º e 17.º da Lei n.º 34/87, de 16 de julho (373.º/374.º do Código Penal) e 229.º do Código Penal.
Quanto ao crime de corrupção, pese embora as diligências efetuadas, não se logrou recolher prova bastante de entrega, promessa, solicitação ou aceitação de contrapartidas de ordem patrimonial ou não patrimonial com conexão com as contratações objeto do presente processo, segundo o exigido nexo de causalidade adequada.
A este insucesso parcial da investigação não terá sido alheio, no que toca ao arguido (…), o incidente verificado por ocasião da busca realizada à sua residência, com reporte ao documento que ingeriu, sendo nossa convicção que a prova daí constante teria conduzido a diligências bem mais profícuas no tocante à investigação do crime em apreço.
Relativamente ao crime de associação criminosa, da investigação realizada em inquérito não resultou que aqueles arguidos tivessem operado de forma organizada, como centro de imputação autónoma da vontade coletiva superior às vontades individuais dos seus membros, nem tão pouco a existência de uma estrutura hierarquicamente organizada, com vista à prática de crimes. Apurou-se, tão somente, a existência de uma conjugação e concertação de esforços e vontades com vista a alcançar os objetivos visados e previamente acordados entre todos, mas sem qualquer tipo de estrutura organizada e escopo ou finalidade comum superior às vontades de cada um dos visados, como o referido tipo objetivo demanda.
Nesta conformidade, não se tendo conseguido reunir prova bastante da prática pelos arguidos em referência dos supra citados ilícitos criminais, nem se vislumbrando, de momento, a realização de qualquer outra diligência probatória, determina-se, também nesta parte, o arquivamento dos autos ao abrigo do disposto no artigo 277.º, n.º 2, do C.P.Penal».
(art. 101.º da petição inicial).
Deduzindo acusação nos seguintes termos:
«Desta forma cometeram os arguidos:
1 – (…) e (…), em co-autoria material:
· um crime de administração danosa, previsto e punido pelo artigo 235.º do Código Penal com a referência ao artigo 26.º do mesmo diploma legal e aos artigos 266.º da Constituição da República Portuguesa, 3.º a 7.º, 44.º e 133.º do Código de Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442/91, de 15/11, na redação vigente à data e atualmente pelos artigos 3.º a 7.º, 69.º e 161.º do mesmo diploma e artigos 16.º a 33.º do Código dos Contratos Públicos, aprovado pela Lei n.º 18/2008, de 29 de Janeiro e artigo 16.º do D/L n.º 197/99, de 8 de junho;
2 – (…) e (…), em co-autoria material:
- um crime de abuso de poder previsto e punido pelo artigo 26.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 34/87, de 16 de julho, com referência ao artigo 26.º do Código Penal e artigos 266.º da CRP, 3.º a 7.º, 44.º e 133.º do Código de Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-lei n.º 442/91, de 15/11, na redação vigente à data e atualmente pelos artigos 3.º a 7.º, 69.º e 161.º do mesmo diploma e artigos 16.º a 33.º do Código dos Contratos Públicos, aprovado pela Lei n.º 18/2008, de 29 de Janeiro e artigo 16.º do D/L n.º 197/99, de 8 de junho;
3 – Os arguidos (…), (…), (…), (…), (…), (…) e (…), em co-autoria material:
- um crime de participação económica em negócio previsto e punido pelo artigo 23.º, n.º 1, da Lei n.º 34/87, de 16 de julho, com referência ao disposto nos artigos 26.º e 28.º do Código Penal.
4 - Os arguidos (…), (…), (…), (…), (…), (…) e (…), assim como as sociedades arguidas (…), Lda, (…), SA, (…), SGPS, SA, (…), SA, (…), Lda., (…), (…), Lda., (…), Lda., (…), Lda., (…), Lda. e Associação (…), em co-autoria material:
- um crime de burla qualificada previsto e punido pelos artigos 217.º e 218.º, n.º 2, alínea a), do Código Penal, com referência aos artigos 10.º, 11º, 26.º e 202.º, alínea b), do mesmo diploma legal;
5 - Os arguidos (…), (…), (…), (…), (…), (…) e (…), assim como as sociedades arguidas (…), Lda., (…), SA, (…), SGPS, SA, (…), SA, (…), Lda., (…), (…), Lda., (…), Lda., (…), Lda., (…), Lda. e Associação (…), em co-autoria material:
· um crime de branqueamento previsto e punido pelo artigo 368.º-A, n.ºs 1, 2 e 3, do Código Pena, por referência ao crime de burla qualificada previsto e punido pelos artigos 217.º e 218.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), a título de crime precedente, assim como aos artigos 10.º, 11.º e 26.º do mesmo diploma legal;
6 – O arguido (…), em autoria material:
· um crime de usurpação de obra previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 195.º e 198.º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 63/85, de 14/03;
7 – Os arguidos (…) e (…), Lda., em autoria material:
- Um crime de burla qualificada previsto e punido pelos artigos 217.º e 218.º, n.º 1 e 2, alínea a), com referência aos artigos 10.º, 11.º, 26.º e 202.º, alínea b), do mesmo diploma legal;
8 – O arguido (…), em autoria material:
· um crime de danificação ou subtração de documento e notação técnica previsto e punido pelo artigo 259.º, n.º 1, do Código Penal.
(art. 102.º da petição inicial).
65. Na Acusação, o MP acusou o Autor de dois novos crimes de que não vinha indiciado aquando do despacho de aplicação de medidas de coação, a saber, os crimes de abuso de poder e de burla qualificada (art. 129.º da petição inicial).

66. No mesmo despacho o MP deduziu, também, em nome do Estado Português, pedido de indemnização civil, concluindo, no que ao Autor diz concretamente respeito, nos termos que seguem:
«Pelo exposto, deve o presente pedido de indemnização civil ser julgado procedente, por provado, e, em consequência, serem os ora demandados condenados a pagar ao Estado as seguintes quantias:
1 - Arguido (…) – o valor de € 4.614.448,20 (Requalificação do …, Publicidade no …, Formação Profissional e Cluster do …), solidariamente com os restantes arguidos demandados no âmbito do presente pedido cível (pessoas coletivas e singulares que agiram pessoalmente e em nome, no interesse e em benefício das primeiras, enquanto seus representantes e gerentes de facto), no valor das quantias a ressarcir por cada um no âmbito das respetivas responsabilidades, com reporte aos contratos que celebram e aos benefícios que auferiram, conforme descrito na acusação supra, cujo teor aqui damos por integralmente reproduzido» (art. 103.º da petição inicial).
67. Em (…), a Câmara Municipal de (…) deduziu pedido de indemnização civil contra os arguidos – cfr. fls. 7855 a 7858 (art. 104.º da petição inicial).
Da fase de Instrução
68. Os arguidos (…), (…), (…), Lda., (…), Lda., (…) – Produções e (…), Lda., (…), (…), (…), Lda., (…) e Associação (…), requereram a abertura da instrução (art. 105.º da petição inicial).

69. Realizou-se o debate instrutório e, em (…), foi proferida decisão instrutória que pronunciou os arguidos nos termos seguintes:
(a) Pelo crime de participação económica em negócio, em co-autoria material: o Autor, (…), (…) e (…);

(b) Pelo crime de burla qualificada, em co-autoria material: o Autor, (…), (…), (…) e as sociedades arguidas (…), Lda., (…), S.A., (…), S.A., (…), Lda., (…) e (…), Lda.;

(c) Pelo crime de branqueamento, em co-autoria material: o Autor, (…), (…), (…) e as sociedades (…), S.A., (…), S.A., (…), Lda., (…) e (…), Lda.;

(d) Pelo crime de usurpação de obra em autoria material, o arguido (…); e

(e) Pelo crime de danificação ou subtração de documento e notação técnica, em autoria material, o Autor – fls. 201 (392 v. e ss.) (art. 107.º da petição inicial).
70. Realizada a fase da instrução, o Autor não foi pronunciado pela prática dos crimes de administração danosa e abuso de poder, de que vinha acusado, por ter sido declarada a nulidade da acusação nessa parte por falta de indicação de factos integradores da norma penal de administração danosa e abuso de poder (art. 108.º da petição inicial).
Da fase de Julgamento
71. O arguido (…) apresentou contestação, oferecendo o merecimento dos autos e arrolando testemunhas – fls. 9359 (artigo 5.º do Código de Processo Civil).

72. Realizada a audiência, foi proferido acórdão cujo dispositivo é o seguinte: Pelo exposto, acordam os Juízes que compõem este Tribunal Coletivo em:
1. Absolver os Arguidos (…), (…), (…), (…), da prática, em co-autoria material, do crime de Participação Económica em Negócio, previsto e punível pelo artigo 377.º, n.º 1, do Código Penal;
2. Absolver os Arguidos (…), (…), (…) e (…), assim como as sociedades Arguidas (…), Lda., (…), S.A., (…), S.A., (…), Lda., (…), (…), Lda., da prática, em co-autoria material, do crime de Burla Qualificada, previsto e punível pelos artigos 217.º e 218.º, n.º 2, alínea a), do Código Penal, com referência aos artigos 10.º, 11.º, 26.º e 202.º, alínea b), do mesmo diploma legal;
3. Absolver os Arguidos (…), (…), (…) e (…), assim como as sociedades Arguidas (…), Lda., (…), S.A., (…), S.A., (…), Lda., (…), (…), Lda., da prática, em co-autoria material, do crime de Branqueamento, previsto e punível pelo artigo 368.º-A, n.º 1, 2 e 3, do Código Penal, por referência ao crime de Burla Qualificada, previsto e punível pelos artigos 217.º e 218.º, n.º 1 e 2, alínea a), a título de crime precedente, assim como aos artigos 10.º, 11.º e 26.º do mesmo diploma legal;
4. Absolver o Arguido (…), da prática, em autoria material, do crime de Usurpação de Obra, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 195.º e 198.º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 63/85, de 14 de março; e
5. Absolver o Arguido (…), da prática, em autoria material, do crime de Danificação ou Subtração de Documento e Notação Técnica, previsto e punível pelo artigo 259.º, n.º 1, do Código Penal;
6. Condenar a Assistente no pagamento das custas devidas na parte criminal, com taxa de justiça que se fixa em 6 UC’s e demais encargos processuais– artigo 515.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal e artigo 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e tabela III ao mesmo anexa;
7. Julgar improcedentes, por não provados, os pedidos de indemnização civil deduzidos pelo Ministério Público e pelo Município de (…) e, em consequência, absolver (…), (…), (…) e (…), bem como as sociedades (…), Lda., (…), S.A., (…), S.A., (…), Lda., (…), (…), Lda. dos mesmos;
8. Julgar improcedente, por não provado, o pedido de indemnização civil deduzido por (…) e, em consequência, absolver (…) do mesmo;
9. Condenar os Demandantes no pagamento das custas relativas ao enxerto cível (cfr. artigo 523.º do Código de Processo Penal e artigo 527.º, n.º 1 e 2, do Novo Código de Processo Civil) (art. 111.º da petição inicial).
73. Do referido Acórdão não foi interposto recurso, pelo que o mesmo transitou em julgado em (…) e o processo terminou (art. 112.º da petição inicial).
Dos danos
74. O autor voltou a candidatar-se nas eleições autárquicas de (…), tendo sido eleito – cfr. a lista dos eleitos em https://files.dre.pt/1s/2021/11/23102/0000200554.pdf, pág. … (art. 144.º da petição inicial e artigo 5.º do Código de Processo Civil).
75. A privação da liberdade e a suspeita pública da prática de crimes afetou emocionalmente o aqui Autor (art. 145.º da petição inicial e artigo 5.º do Código de Processo Civil).

76. Enquanto (…) da Câmara Municipal de (…), o Autor auferia o vencimento mensal de € 2.163,22 – fls. 44 v./45 (art. 148.º da petição inicial).

77. A partir da data em que foi privado de liberdade, o Autor deixou de exercer as aludidas funções e, consequentemente, deixou também de receber o correspondente vencimento até poder voltar a trabalhar (art. 149.º da petição inicial).

78. O Autor era titular de 40.000 ações representativas do capital social da sociedade (…), SGPS, S.A., com o valor nominal de € 1, cada (art. 154.º da petição inicial). Como forma de preservar a imagem da empresa, o autor foi convidado a vender as ações representativas do capital social da sociedade (art. 151.º da petição inicial), cujo produto usou para fazer face às suas despesas (art. 153º da petição inicial). O Autor vendeu as referidas ações pelo preço global de € 51.282,05 – fls. 1072 (art. 155.º da petição inicial).

79. Os amigos do autor, mesmo adversários políticos, respeitavam-no (arts. 161.º e 167.º da petição inicial).

80. A detenção do Autor e a aplicação das medidas de coação de prisão preventiva e OPHEV, do conhecimento público, danificaram o referido estatuto social na comunidade de (…) e conduziram ao seu descrédito (arts. 168.º, 171.º e 181.º da petição inicial).

81. Pese embora o processo crime em causa nestes autos estivesse sob segredo de justiça, a detenção do Autor, posterior condução do mesmo a Lisboa e sujeição ao primeiro interrogatório judicial, foram acompanhados pela comunicação social – fls. 1082 (arts. 172.º a 174.º da petição inicial).
82. Devido à situação vivida pelo Autor, este não concorreu às eleições autárquicas de (…), que tiveram lugar cerca de 3 meses depois da detenção, ele que era apontado como sucessor previsível do anterior presidente e tinha expectativas e ambições em fazê-lo (art. 182.º da petição inicial).

83. No dia (…), quando foi ordenada a sua prisão no estabelecimento prisional anexo ao estabelecimento da PJ em Lisboa e encaminhado para este estabelecimento, não se sentiu em condições de ser ouvido logo, pelo que ficou na cela (arts. 190.º a 193.º e 201.º da petição inicial).

84. O Autor não teve a alimentação, as condições de salubridade pessoais e o tratamento a que estava habituado e teve contacto com outros presos (arts. 202.º e 203.º da petição inicial).

85. Durante a obrigação de permanência na habitação, esteve impedido de contactar com os restantes arguidos – despacho de 5/7/2013 (art. 205.º da petição inicial).

86. O Autor foi visto e olhado como um criminoso – fls. 1082 (art. 206.º da petição inicial).

87. O autor recebeu tratamento psicológico, devido a algumas ideias suicidas (arts. 207.º a 209.º da petição inicial).

II.3.1.2.
Factos não provados
O tribunal de primeira instância julgou não provado que:
«1) A par das funções políticas acima mencionadas ia exercendo em simultâneo a prática de medicina – cfr. auto de interrogatório judicial de 20 de junho de 2013 (art. 51.º da petição inicial).

2) Os restantes dados específicos elencados pelo autor relativos ao seu curriculum (arts. 29.º a 34.º da petição inicial).

3) Todas as iniciativas, mudanças dos paradigmas económicos e investimentos tenham sido devidamente avaliados pelos Conselhos de Administração dessas empresas, bem como pelo executivo municipal, e efetuada a análise crítica da Assembleia Municipal (art. 48.º da petição inicial) e que todos os vereadores tenham participado nas várias discussões e aprovações, quer dos contratos programas levados a efeito, quer dos contratos de investimento (art. 49.º da petição inicial).

4) A prova coligida aquando da prolação da Acusação não era substancialmente diversa daquela já produzida aquando do despacho de aplicação das medidas de coação – cfr. fls. 2734 a 7171 (art. 128.º da petição inicial).

5) As diligências de investigação realizadas após a prolação do referido despacho de aplicação das aludidas medidas de coação em nada alteraram a situação sobre a qual o Tribunal de Julgamento foi chamado a pronunciar-se – cfr. os elementos recolhidos e as atas de onde decorrem depoimentos testemunhais não exatamente coincidentes com o que resultava do inquérito (art. 136.º da petição inicial) – nem que tal era expectável que viesse a ocorrer com o decurso do inquérito (art. 137.º da petição inicial).

6) Se o Autor tivesse vendido as ações da “(…)” noutras circunstâncias, poderia tê-las vendido por € 150.000,00 (art. 156.º da petição inicial).

7) Muitos comentadores e jornalistas tenham opinado sobre a pessoa do Autor e o seu comportamento censurável e alegadamente criminoso (art. 176.º da petição inicial).

8) Os efeitos na imagem do Autor com a detenção e prisão tenham sido irreversíveis (art. 186.º da petição inicial).

9) À data da sua detenção, o Autor desconhecesse, por completo, o que lhe estava a acontecer e, por isso, a interpretação que fazia, ingenuamente, era a de que estava perante um simples erro e que tudo se esclareceria (art. 186.º da petição inicial).

10) Aquando da detenção tenha iniciado tratamento ansiolítico, com recurso a benzodiazepinas e outros medicamentos (arts. 194.º e 195.º da petição inicial).


II.4.
Apreciação do objeto do recurso
II.4.1.
Impugnação da decisão de facto

Na impugnação da decisão de facto visa-se obter uma reapreciação da decisão proferida pelo tribunal de primeira instância, ou seja, apurar se determinados factos foram incorretamente julgados, ou por terem sido indevidamente considerados assentes devendo julgar-se não provados, ou por terem sido considerados não provados quando deveriam ter sido considerados assentes (artigo 662.º, n.º 1, do CPC).
Neste segmento do recurso o apelante defende o seguinte:

1) Que o enunciado julgado não provado – a prova coligida aquando da prolação da Acusação não era substancialmente diversa daquela já produzida aquando do despacho de aplicação das medidas de coação – deve transitar para o elenco dos factos provados;

2) Que o enunciado julgado não provado – «As diligências de investigação realizadas após a prolação do despacho de aplicação das aludidas medidas de coação não alteraram significativamente a situação sobre a qual o tribunal do julgamento foi chamado a pronunciar-se, nem que tal era expectável que viesse a ocorrer com o decurso do inquérito» - deve transitar para o elenco dos factos provados.

3) Que o enunciado julgado não provado – Se o autor tivesse vendido as ações da “(…)” noutras circunstâncias poderia tê-las vendido por € 150.000,00 – transite para o elenco dos factos provados ou, pelo menos, que seja julgado provado que «Se o autor tivesse vendido as ações da “(…)” noutras circunstâncias poderia tê-las vendido por € 120.000,00».

4) Que o enunciado julgado não provado – Muitos comentadores e jornalistas tenham opinado sobre a pessoa do Autor e o seu comportamento censurável e alegadamente criminoso – transite para o elenco dos factos provados.

5) Que o enunciado julgado não provado – Os efeitos na imagem do autor com a detenção e prisão tenham sido irreversíveis – seja julgado provado ou, pelo menos, que seja julgado provado que «A detenção e prisão do Autor/recorrente prejudicaram a imagem deste, impedindo-o de se candidatar ao cargo de (…) da Câmara Municipal de (…) nas eleições autárquicas de (…)».

Vejamos se lhe assiste razão.

Antes, porém, e uma vez que o Ministério Público defende que o apelante não cumpriu os ónus de impugnação da decisão de facto, cumpre aferir se o recorrente observou, ou não, os ónus previstos no artigo 640.º do CPC[1].

Prevê aquele normativo legal um triplo ónus que recai sobre o recorrente quando pretende impugnar a decisão proferida sobre matéria de facto, a saber:

1) O ónus de delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento;

2) O ónus de fundamentar as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos que, no seu entender, imporiam uma decisão diversa;

3) O ónus de enunciar a decisão que, no seu entender, deve ser proferida relativamente às questões de facto concretamente impugnadas.

No caso, o apelante cumpriu cada um daqueles ónus pois indicou os concretos enunciados (não provados) que na sua perspetiva foram mal julgados, indica quanto a cada um deles os meios probatórios (prova documental e testemunhal e quanto a esta transcreve as passagens das gravações do depoimento respetivo) que implicariam decisão diversa e, por fim, indica a solução alternativa que no seu entender a Relação deve proferir. Por conseguinte, tendo cumprido os ónus de impugnação previstos no artigo 640.º do CPC, cumpre proceder à apreciação da impugnação da matéria de facto.

Posto isto, apreciemos agora a impugnação da decisão de facto.

Relativamente ao enunciado julgado não provado – A prova coligida aquando da prolação da Acusação não era substancialmente diversa daquela já produzida aquando do despacho de aplicação das medidas de coaçãoo apelante defende que o mesmo deve transitar para o elenco dos factos provados.

De acordo com o disposto no artigo 607.º/3, do CPC, na sentença o julgador deve discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.

Dizia Anselmo de Castro[2] que «são factos não só os acontecimentos externos, como os internos ou psíquicos, e tanto os factos reais, como os simplesmente hipotéticos», acrescentando que «só, (…) acontecimentos ou factos concretos no sentido indicado podem constituir objeto da especificação e questionário (isto é, matéria de facto assente e factos controvertidos), o que importa não poderem aí figurar nos termos gerais e abstratos com que os descreve a norma legal, porque tanto envolveria já conterem a valoração jurídica própria do juízo de direito ou da aplicação deste».

É entendimento pacífico na jurisprudência dos tribunais superiores que as conclusões apenas podem extrair-se de factos materiais, concretos e precisos que tenham sido alegados, sobre os quais tenha recaído prova que suporte o sentido dessas alegações, sendo esse juízo conclusivo formulado a jusante, na sentença, onde cabe fazer a apreciação crítica da matéria de facto provada. Assim, só os factos materiais são suscetíveis de prova e, como tal, podem considerar-se provados; as conclusões, envolvam elas juízos valorativos ou um juízo jurídico, devem decorrer dos factos provados, não podendo elas mesmas serem objeto de prova - neste sentido, entre outros, Acórdão do STJ de 23.9.2009, proc. n.º 238/06.7TTBGR.S1, Ac. STJ de 19.4.2012, proc. n.º 30/08.4TTLSB.L1.S1, Ac. STJ de 23/05/2012, proc. n.º 240/10.4TTLMG.P1.S1, Ac. STJ de 29/04/2015, proc. n.º 306/12.6TTCVL.C1.S1, Ac. STJ de 14/01/2015, proc. n.º 488/11.4TTVFR.P1.S1, Ac. STJ de 14/01/2015, proc. n.º 497/12.6TTVRL.P1.S1, todos consultáveis em www.dgsi.pt.

Ora o enunciado em causa não contém matéria de facto que seja suscetível de prova. Com efeito, no mesmo está contido, tão só, um juízo de natureza conclusiva – uma (suposta) similitude substancial entre a prova que existia nos autos aquando da prolação do despacho de aplicação das medidas de coação e a prova que existia aquando da prolação do despacho de acusação - que não é extraível de factos contidos no enunciado em questão (ou sequer de factos que hajam sido alegados pelo autor apelante e julgados provados pelo tribunal de primeira instância[3]). Consequentemente, não contendo o enunciado em causa matéria de facto mas apenas um juízo de valor que não está sequer ao alcance do homem médio, não há que determinar a sua transição para o elenco dos factos provados, como pretende o apelante, mostrando-se despicienda a reapreciação dos meios de prova por ele indicados, improcedendo assim este segmento da impugnação da decisão de facto.

Da mesma forma o enunciado julgado não provado – As diligências de investigação realizadas após a prolação do despacho de aplicação das aludidas medidas de coação não alteraram significativamente a situação sobre a qual o tribunal do julgamento foi chamado a pronunciar-se, nem que tal era expectável que viesse a ocorrer com o decurso do inquérito – não pode transitar para o elenco dos factos provados, na medida em que também ele não contêm matéria de facto, mas tão só juízos de natureza conclusiva que não são extraíveis de factos contidos na respetiva redação, pelo que o tribunal está impedido que se verifique se os mesmos resultam, ou não, da prova produzida, mostrando-se despicienda a reapreciação dos meios de prova indicados pelo apelante, improcedendo, também nesta parte, a impugnação da decisão de facto.


*

Pretende o apelante que transite para o elenco dos factos provados o seguinte enunciado – Os efeitos na imagem do autor com a detenção e prisão foram irreversíveis», ou, em alternativa, que este enunciado seja excluído do conjunto de factos não provados e que seja julgado provado um facto com a seguinte redação: «A detenção e prisão do autor/recorrente prejudicaram a imagem deste, impedindo-o de se candidatar ao cargo de (…) da Câmara Municipal de (…) nas eleições autárquicas de (…)».

O primeiro enunciado relacionado com uma suposta “irreversibilidade” dos efeitos provocados pela detenção e prisão do autor na respetiva imagem não contém matéria de facto mas sim um juízo de natureza conclusiva eventualmente extraível de factos que não estão contemplados no enunciado em questão, o que impede que se verifique se os mesmos resultam, ou não, dos meios de prova que foram indicados pelo apelante, mostrando-se assim despicienda a sua reapreciação por este tribunal. De qualquer modo, sempre se dirá que tal “irreversibilidade” dos efeitos provocados pela detenção e prisão do autor é contrariada pelo facto provado n.º 74 - O autor voltou a candidatar-se nas eleições autárquicas de setembro de (…), tendo sido eleito.

Improcede, assim, este segmento da impugnação da decisão de facto.

Em alternativa o apelante defende que se considere provado que a sua detenção e prisão prejudicaram a respetiva imagem e impediram-no de se candidatar ao cargo de (…) da Câmara Municipal de (…) nas eleições autárquicas de (…).

A última parte do enunciado em questão – a detenção e prisão do autor impediram-no de se candidatar ao cargo de (…) da Câmara Municipal de (…) nas eleições autárquicas de (…) – está já contemplada no ponto de facto provado n.º 82Devido à situação vivida pelo autor, este não concorreu às eleições autárquicas de (…), que tiveram lugar cerca de 3 meses depois da detenção, ele que era apontado como sucessor previsível do anterior presidente e tinha expectativas e ambições em fazê-lo.

Quanto à primeira parte – a detenção e a prisão do autor prejudicaram a imagem deste – ela não contém matéria de facto mas antes um juízo de valor eventualmente extraível de factos que não estão contidos na redação do enunciado em causa, pelo que o tribunal está impedido de verificar se os mesmos resultam, ou não, da prova produzida, mostrando-se despicienda a reapreciação dos meios de prova indicados pelo apelante.

Ademais tal juízo de valor reporta-se a questão que integra o thema decidendum - responsabilidade civil extracontratual do Estado pelos danos sofridos pelo autor em virtude da privação de liberdade a que foi sujeito no âmbito de um processo criminal – eventualmente extraível de factos provados (cfr. facto provado n.º 82) mas que não pode, como tal, integrar o elenco dos factos provados.

Pelo exposto, não há que aditar ao elenco dos factos provados os enunciados em questão.


*

Sustenta o apelante que o tribunal recorrido «errou» ao considerar não provado que «se o autor tivesse vendido as ações da “(…)” noutras circunstâncias poderia tê-las vendido por € 150.000,00», ou que, pelo menos, deveria ter sido julgado provado que «se o autor tivesse vendido as ações da “(…)” noutras circunstâncias, poderia tê-las vendido por € 120.000,00».

Escreveu-se na fundamentação da sentença recorrida que «quanto às expectativas de venda das ações da (…) por valor superior (€ 150.000,00) ao que efetivamente vendeu, o email junto e os depoimentos ouvidos foram insuficientes para concluir como pretendido no artigo 156.º da petição inicial».

No seu recurso o apelante vem justamente invocar o email junto aos autos na sessão de julgamento do dia 23 de maio de 2023 e o depoimento da testemunha (…), os quais o julgador a quo julgou insuficientes para sustentar o facto em questão. Ou seja, o que o apelante pretende é a substituição da convicção de julgador a quo pela sua própria convicção, aquela que ele terá adquirido por via do documento referido e do depoimento da testemunha acima identificada. Porém, não basta que os meios de prova que fundamentam a impugnação tornem possível a solução defendida pelo apelante; é necessário, ao invés, que a imponham. O que não sucede in casu, senão vejamos.

Invoca o apelante o email acima referido, pretendendo retirar do mesmo a ilação de que «noutras circunstâncias» poderia ter vendido as ações da (…) no mínimo por € 3,00 cada.

O enunciado em causa foi alegado pelo autor no artigo 156.º da PI, onde este refere que teve de vender as ações “apressadamente”, donde se conclui que ao referir-se a “outras circunstâncias” quererá dizer “se não tivesse de as ter vendido apressadamente”.

O email em causa tem a data de 23 de outubro de 2011 e foi emitido no contexto de um aumento de capital da sociedade em causa. Não resulta do referido email, nem poderia resultar atento o lapso temporal que mediou entre a respetiva emissão e a data da veda das ações do autor ocorrida em 18 de dezembro de 2013 (vd. contrato de compra e venda junto aos autos) que aquelas ações poderiam ter sido vendidas, em 2013, por um valor superior àquele que o autor obteve, no mínimo de € 3,00 por cada ação; e pese embora a testemunha (…) tenha declarado no julgamento que o apelante/autor vendeu as ações por um valor «muito abaixo daquele que estava a ser negociado» a verdade é que não concretizou o valor em que «estavam as ações»; acresce que a inauguração e entrada em funcionamento de um centro oncológico, em (…), que a referida testemunha apelidou de «ex-libris da empresa», ocorridas em 2016, por si só não permite avaliar ou aferir o preço de mercado de cada ação quando o autor vendeu as respetivas ações, cerca de três anos antes.

Por todo o exposto, não nos merece censura a valoração efetuada pelo julgador a quo relativamente ao enunciado em apreço, improcedendo este segmento da impugnação da decisão de facto.


*

Por último diz o apelante que deve transitar para o elenco dos factos provados o seguinte enunciado: «Muitos comentadores e jornalistas opinaram sobre a pessoa do Autor e o seu comportamento censurável e alegadamente criminoso».

O apelante sustenta que é um facto notório que a sua detenção e prisão «mereceu ampla cobertura mediática por vários órgãos da comunicação social escrita e áudio visual, que o tribunal julgou provado que «A detenção do Autor e a aplicação das medidas de coação de prisão preventiva e OPHEV, do conhecimento público, danificaram o referido estatuto social na comunidade de Portimão e conduziram ao seu descrédito», que « Pese embora o processo crime em causa nestes autos estivesse sob segredo de justiça, a detenção do Autor, posterior condução do mesmo a Lisboa e sujeição ao primeiro interrogatório judicial, foram acompanhados pela comunicação social» e, ainda, que «O Autor foi visto e olhado como um criminoso» para concluir que «(…) parece-nos evidente que se a detenção do autor posterior condução do mesmo a Lisboa e sujeição ao primeiro interrogatório judicial foram acompanhados pela comunicação social, tal acompanhamento significa – só pode significar – que muitos comentadores e jornalistas tinham opinado sobre a pessoa do autor e os seu comportamento censurável e alegadamente criminoso ou alguém imagina que estando em causa diligências do foro criminal e tendo as mesmas sido acompanhadas pela comunicação social, os comentadores e jornalistas que personificam a comunicação social tivessem opinado sobre outra coisa que não um comportamento censurável e alegadamente criminoso de outro que não o autor/recorrente».

Que dizer?

Da ampla cobertura mediática da detenção, sujeição a primeiro interrogatório judicial e prisão preventiva do autor/apelante e arguido no processo criminal pretende aquele retirar a ilação de que muitos comentadores e jornalistas opinaram sobre a pessoa do autor e do seu comportamento “censurável e alegadamente criminoso”. Contudo, “noticiar” não equivale necessariamente a opinar sobre a pessoa visada e emitir juízos de valor sobre a respetiva conduta.

Donde não se pode retirar a ilação pretendida pelo apelante para julgar provado o enunciado em questão.

Improcede, assim, este segmento do recurso.

DECISÃO

Em face do exposto, improcede totalmente a impugnação da decisão de facto.

II.4.2.
Reapreciação do mérito da decisão
O presente recurso vem interposto da sentença do tribunal de primeira instância que absolveu o réu Estado Português do pedido de condenação no pagamento ao autor/apelante de uma indemnização por danos morais e patrimoniais sofridos pelo último e decorrentes da privação de liberdade ocorrida no âmbito de um processo de natureza criminal.
Para fundamentar o seu pedido de indemnização o autor, e ora apelante, invocou a existência de erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto de que dependeu a aplicação das medidas de coação de prisão preventiva e obrigação de permanência em habitação com vigilância eletrónica e às quais foi sujeito no âmbito do referido processo criminal bem como a sua absolvição dos crimes que lhe foram imputados.
A questão a decidir no presente recurso consiste em saber se a privação de liberdade sofrida pelo apelante se deveu a erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto de que dependia, logo enquadrável na alínea b) do artigo 225.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, ou se se mostra comprovado que o arguido (ora apelante) não foi agente do(s) crime(s) ou atuou justificadamente, situação enquadrável na alínea c) do artigo 225.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.
No que respeita à privação da liberdade devido a erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto de que aquela dependia, o apelante defende que se o tribunal ad quem lhe reconhecer razão na impugnação da resposta à matéria de facto por si deduzida e julgar provado que «A prova coligida aquando da prolação da Acusação não era substancialmente diversa daquela já produzida aquando do despacho de aplicação das medidas de coação» e que «As diligências de investigação realizadas após a prolação do despacho de aplicação das aludidas medidas de coação não alteraram significativamente a situação sobre a qual o tribunal do julgamento foi chamado a pronunciar-se, nem que tal era expectável que viesse a ocorrer com o decurso do inquérito» «então terá necessariamente de concluir que a aplicação das medidas de coação de prisão preventiva e OPHVE se ficou a dever a erro na apreciação dos pressupostos de facto de que aquela dependia». Aduz que «pese embora no despacho de aplicação das medidas de coação constasse que o recorrente era suspeito da prática dos crimes de corrupção e associação criminosa (além de outros), certo é que quatro anos depois o mesmo não viria a ser acusado por tais crimes com fundamento na total ausência de provas que sustentasse minimamente a prática pelo mesmo destes crimes» e que «tal significa necessariamente que aquando da prolação do despacho de aplicação das medidas de coação, 4 anos antes, tais provas já não existiam»; que «pela mesma ordem de razões, não podia ter sido privado da liberdade por suspeitas da prática do crime de administração danosa pois como viria a constar do despacho de pronúncia o tribunal de instrução criminal concluiu pela absoluta omissão dos elementos constitutivos do referido crime» e que «o recorrente foi também absolvido totalmente da prática dos crimes de participação económica em negócio, branqueamento de capitais e danificação ou subtração de documento, por ter entendido o tribunal não estarem preenchidos os pressupostos legais dos crimes de participação económica em negócio e branqueamento de capitais e porque considerou não estarem reunidos os elementos subjetivos e objetivos do crime de danificação ou subtração de documento».
Quanto à prova de que o arguido não foi o agente do crime ou atuou justificadamente, defende o apelante que à luz do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 284/2020, de 28 de maio, a circunstância de o autor ter sido absolvido dos crimes de corrupção, associação criminosa e burla qualificada com fundamento no facto de não ter ficado demonstrada a referida prática justifica a atribuição de uma indemnização pelos sacrifícios que lhe foram impostos, nos termos do artigo 225.º, n.º 1, alínea c), do CPP e que a jurisprudência do Tribunal Constitucional e do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem não pode deixar de ser seguida pelos tribunais comuns, maxime quando está em causa a melhor interpretação conforme a Convenção Europeia dos Direitos do Homem e a Constituição, respetivamente.
Apreciando.
De acordo com o disposto no artigo 22.º da Constituição da República o Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por ações ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte a violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem».
O direito à liberdade é um direito fundamental cuja violação pode gerar um dever de indemnizar por parte do Estado. Se a privação da liberdade ocorrer contra o disposto no Constituição e na lei. Assim o diz o artigo 27.º, n.º 5, da Constituição da República; com efeito, de acordo com este preceito constitucional, a privação da liberdade contra o disposto na Constituição e na lei constitui o Estado no dever de indemnizar o lesado «nos termos em que a lei estabelecer».
Em face daquele preceito constitucional o Estado pode ser responsabilizado civilmente quando a privação da liberdade é determinada por ato da função jurisdicional, responsabilidade que, porém, não se confunde com aquela que resulta do chamado “erro judiciário” a que alude o artigo 29.º/6, da Constituição[4].
De acordo com o preceituado no artigo 27.º/2, da Constituição da República «Ninguém pode ser total ou parcialmente privado da liberdade, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de ato punido por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança». Todavia, logo o n.º 3 daquele artigo excetua daquele princípio a privação da liberdade, pelo tempo e nas condições que a lei determinar, nomeadamente nos casos de detenção ou prisão preventiva por fortes indícios de prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos [alínea b)]. Ou seja, não obstante o direito à liberdade e o princípio da presunção de inocência (este último consagrado no artigo 32.º/2, da Constituição da República), a Constituição admite que as pessoas possam ser privadas da sua liberdade em determinadas circunstâncias, dando dessa forma proteção a outros valores e direitos também eles com consagração constitucional, concretamente a eficácia da justiça penal, a segurança e a liberdade dos demais membros da comunidade – assim, Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 185/2010, disponível em www.tribunalconstitucional.pt.
Atento o disposto no artigo 27.º/5, da CRP é à lei que cabe determinar em que casos deve o Estado responder civilmente por prejuízos causados às pessoas por atos da função jurisdicional, determinando os seus pressupostos e a medida da indemnização. Isto é, a Constituição remete para o poder legislativo a definição das situações em que o Estado incorre no dever de indemnizar pessoas que foram privadas da sua liberdade por atos da função jurisdicional.
O artigo 225.º do Código de Processo Penal (na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto e que tem aplicação no caso concreto) dispõe o seguinte:
«1 – Quem tiver sofrido detenção, prisão preventiva ou obrigação de permanência na habitação pode requerer, perante o tribunal competente, indemnização dos danos sofridos quando:
a) A privação da liberdade for ilegal, nos termos do n.º 1 do artigo 220.º, ou do n.º 2 do artigo 222.º;
b) A privação da liberdade se tiver devido a erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto de que dependia;
c) Se comprovar que o arguido não foi agente do crime ou atuou justificadamente; ou
d) A privação da liberdade tiver violado os n.ºs 1 a 4 do artigo 5.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.
2 – Nos casos das alíneas b) e c) do número anterior o dever de indemnizar cessa se o arguido tiver concorrido, por dolo ou negligência, para a privação da sua liberdade».
Nos termos do normativo legal acima transcrito aquele que haja sofrido detenção, prisão preventiva ou obrigação de permanência na habitação tem direito a ser indemnizado pelos danos sofridos quando:
(i) A privação da liberdade for ilegal, nos termos do artigo 220.º/1, ou do artigo 222.º/2, ambos do CPP;
(ii) A privação da liberdade se tiver devido a erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto de que dependia;
(iii) Se comprovar que o arguido não foi agente do crime ou que atuou justificadamente.
Em face deste regime (que foi introduzido pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto) o direito de indemnização é concedido quer nas situações em que ao arguido haja sido aplicada a medida de coação de prisão preventiva quer a medida de coação de obrigação de permanência em habitação com vigilância eletrónica e a quem haja sido absolvido por estar comprovado que não foi agente do crime ou que atuou justificadamente.
No caso presente está em causa uma indemnização que se funda nas alíneas b) e c) do artigo 225.º/1, do CPPC pelo que apenas sobre elas nos deteremos.
O artigo 225.º/1, alínea b), do CPP aplica-se nas situações em que alguém sofreu uma privação da liberdade que, não sendo ilegal, venha a revelar-se injustificada por erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto de que dependia.
O “erro” relevante para o preenchimento daquela previsão normativa é o erro de facto, isto é, aquele que incidiu sobre a apreciação dos pressupostos de facto e não o erro sobre os fundamentos de direito (ou seja, sobre a existência ou conteúdo de uma norma jurídica). Desta feita, o erro que aqui importa considerar será aquele que incidiu sobre a factualidade considerada pelo julgador para fundamentar a decisão de aplicação de uma medida de coação privativa da liberdade e esse “erro” terá de traduzir uma desconformidade entre a realidade concreta revelada no processo e a fundamentação de facto em que se assentou a decisão.
Porém, não basta a existência de um qualquer erro; o erro relevante para este desiderato terá de ser “grosseiro”, o que significa que terá de ser «um erro indesculpável, no sentido de escandaloso, crasso, supino, cometido contra todas as evidências e no qual incorre quem atua sem os conhecimentos ou a diligência exigíveis, em que não teria caído uma pessoa dotada de normal inteligência, experiência e circunspeção» - assim, entre outros, Ac. STJ de 12.07.2017 apud Ac. RL de 07.12.2021, processo n.º 4064/18.2T8SNT.L1-7, consultável em www.dgsi.pt; será «um erro grave contra manifesta evidência e indesculpável que torna a decisão injustificada ou arbitrária» – assim, Ac. RG de 20.04.2023, proc. n.º 1741/22.7T8BRG.G1, consultável em www.dgsi.pt.
Tem-se entendido que o preceito normativo em questão abrange também o chamado “ato temerário”, ou seja, aquele em que devido à ambiguidade da situação se corre o risco evidente de provocar um resultado injusto. Nas palavras do Acórdão do STJ de 12.07.2017 apud Ac. RL de 07.12.2021, processo n.º 4064/18.2T8SNT.L1-7, consultável em www.dgsi.pt, o “ato temerário” «é aquele que, perante a factualidade exposta aos olhos do jurista e contendo uma duplicidade tão grande no seu significado, uma ambiguidade tão suficiente no seu lastro probatório indiciário, não justifica uma medida gravosa de privação da liberdade».
A demonstração da existência de uma privação da liberdade viciada por erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto que determinaram a sua imposição reporta-se sempre ao momento e às circunstâncias em que foi proferida a decisão, isto é, tendo por base as normas, os factos, os elementos e circunstâncias ocorridos na ocasião em que a privação da liberdade foi decretada, numa palavra, tendo em conta a realidade processual no momento em que a medida de coação privativa da liberdade foi decretada.
Qualquer decisão que aplique uma medida de coação privativa da liberdade (seja ela a prisão preventiva ou a obrigação de permanência em habitação) pressupõe um juízo de prognose relativamente à prática pelo arguido dos factos indiciados e ao perigo de o manter em liberdade, juízo esse que pode não vir a ser confirmado pela evolução posterior do processo. Porém, tal circunstância não é, por si só, suscetível de revelar a existência de erro grosseiro por parte de quem decretou a aludida medida de coação e, por isso, não implica, só por si, a possibilidade de indemnização nos termos do artigo 225.º/1, do CPP[5]. Ainda a este propósito refere-se no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 284/2020[6] o seguinte: «(…) a imposição (ou manutenção) da prisão preventiva implica, para além da observância dos pressupostos legais (v.g. competência, crime indiciado, prazos) um juízo de prognose quer quanto ao fumus coissi delicti, quer relativamente ao periculum libertatis (cfr. respetivamente, os artigos 202.º, n.º 1, e 204.º, ambos do CPP). Essa prognose assenta em meros indícios e dela faz parte uma estimativa sobre o modo como ocorreram os factos e sobre o êxito da investigação destinada a confirmá-la. Tal estimativa envolve sempre o risco de não confirmação, seja por se provar que afinal, e apesar dos indícios, o arguido não praticou os factos que lhe foram imputados, seja por falta de êxito da investigação em confirmar, para além de toda a dúvida razoável, os factos que estiveram na base da acusação. Simplesmente, esta falta de confirmação não implica, de per si, um erro, e muito menos um erro grosseiro, na avaliação da situação inicial. Com efeito, aquela falta de confirmação pode dever-se a circunstâncias e a desenvolvimentos posteriores ao momento em que a avaliação foi realizada. A situação já será diferente caso se comprove que, desde o início, não se encontravam reunidas as condições necessárias para que a investigação pudesse conduzir a um juízo definitivo sobre a culpabilidade do arguido. Ou seja, há que distinguir as situações em que a falta de justificação da privação da liberdade, apesar de apurada em momento posterior, maxime na sequência de um juízo absolutório, decorre de um vício da própria decisão que a determinou ou de um posterior desenvolvimento do processo. No primeiro caso, existe contrariedade à lei (a privação da liberdade viciada por erro na apreciação dos pressupostos de facto corresponde a uma situação em que a lei a não permitia); no segundo, já não. Assim, uma prisão preventiva legal e devidamente fundamentada quanto aos respetivos pressupostos ex ante (isto é, no momento em que é determinada) uma prisão preventiva , por assim dizer, regular não passa a ser ilegal ou injustificada em virtude de o arguido que a sofreu vir posteriormente a ser absolvido (e igual consideração é também aplicável aos casos em que o arguido preso preventivamente não venha a ser acusado ou não venha a ser pronunciado)» (negritos nossos).
É sobre o autor da ação de responsabilidade civil extracontratual que recai o ónus de alegação e prova daquele erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto da privação da liberdade, em conformidade com o disposto no artigo 342.º/1, do Código Civil.
Volvendo ao caso em apreço concretamente no que respeita ao fundamento de indemnização previsto na alínea b), do artigo 225.º/1, do CPP, no presente recurso o apelante apostou na procedência da impugnação da decisão de facto quanto aos enunciados acima referidos. Sustenta o apelante que julgando-se provado que «A prova coligida aquando da prolação da Acusação não era substancialmente diversa daquela já produzida aquando do despacho de aplicação das medidas de coação» e que «As diligências de investigação realizadas após a prolação do despacho de aplicação das aludidas medidas de coação não alteraram significativamente a situação sobre a qual o tribunal do julgamento foi chamado a pronunciar-se, nem que tal era expectável que viesse a ocorrer com o decurso do inquérito» «então terá necessariamente de concluir que a aplicação das medidas de coação de prisão preventiva e OPHVE se ficou a dever a erro na apreciação dos pressupostos de facto de que aquela dependia» (negrito nosso).
Sucede que a impugnação da decisão de facto quanto àqueles concretos enunciados foi julgada improcedente. E mesmo que não o tivesse sido, uma eventual similitude entre as provas que existiam no momento em que a privação de liberdade foi imposta ao apelante e as provas que existiam aquando da acusação e as provas apreciadas pelo tribunal de julgamento por si só não seria suficiente para que se pudesse concluir pela existência de erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto determinantes da aplicação da medidas de coação de prisão preventiva e de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica; com efeito era necessário alegar e demonstrar que as provas que existiam nos autos no momento em que foram decretadas as medidas de coação de prisão preventiva e, depois, de obrigação de permanência na habitação não permitiam, segundo as regras da experiência, revelar uma séria probabilidade de o arguido, aqui apelante, ter praticado os ilícitos penais que lhe foram imputados. O que o autor/apelante não logrou fazer, como lhe competia, não bastando alegar o arquivamento dos autos quanto a alguns dos crimes de que o arguido era suspeito aquando da aplicação das medidas de coação privativas da liberdade, a despronúncia ou a absolvição após o julgamento.
De acordo com o disposto no artigo artigos 201.º, n.º 1, do CPP a medida de coação de obrigação de permanência na habitação só pode ser aplicada se houver fortes indícios de prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a 3 anos e nos termos do disposto no artigo 202.º, a medida de coação de prisão preventiva só pode ser aplicada se:
(i) Houver fortes indícios de prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a 5 anos [alínea a)];
(ii) Houver fortes indícios de prática de crime doloso que corresponda a criminalidade violenta [alínea b)];
(iii) Houver fortes indícios de prática de crime doloso de terrorismo ou que corresponda a criminalidade altamente organizada punível com pena de prisão de máximo superior a 3 anos [alínea c)];
(iv) Houver fortes indícios de prática de crime doloso de ofensa à integridade física qualificada, furto qualificado, dano qualificado, burla informática e nas comunicações, recetação, falsificação ou contrafação de documento, atentado à segurança de transporte rodoviário, puníveis com pena de prisão de máximo superior a 3 anos [alínea d)];
(v) Houver fortes indícios da prática de crime doloso de detenção de arma proibida, detenção de armas e outros dispositivos, produtos ou substâncias em locais proibidos ou crime cometido com arma, nos termos do regime jurídico das armas e suas munições, puníveis com pena de prisão de máximo superior a 3 anos;
Exigindo-se, ainda, a verificação, no momento da aplicação da medida de coação (prisão preventiva/obrigação de permanência na habitação) de algum dos requisitos previstos no artigo 204.º do CPP.
No seu recurso o autor limita-se a extrair do arquivamento do processo crime quanto a dois dos crimes de que era suspeito aquando da aplicação das medidas de coação privativas da liberdade (corrupção e associação criminosa) da despronúncia quanto a outros dois crimes de que era suspeito aquando da aplicação das medidas de coação de prisão preventiva e de obrigação de permanência em habitação com vigilância eletrónica (administração danosa e abuso de poder) e da sua absolvição quanto aos restantes crimes a conclusão de que houve erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto determinantes da aplicação de medidas de coação privativas da liberdade quando, como se assinalou supra, uma privação da liberdade fundamentada quanto aos respetivos pressupostos no momento em que é determinada não passa a ser injustificada (ou ilegal) em virtude de o arguido que a sofreu não vir a ser acusado, pronunciado ou condenado.
No caso resulta dos autos que após detenção e a realização do primeiro interrogatório judicial o aqui autor/apelante foi sujeito à medida de coação de prisão preventiva que, posteriormente, foi substituída por obrigação de permanência na habitação.
No despacho que aplicou ao arguido, aqui apelante, a medida de coação de prisão preventiva, o juiz do tribunal de instrução criminal considerou que encontrava-se «fortemente indiciado» a prática pelo arguido, aqui autor/apelante, dos crimes de administração danosa e participação económica em negócio, corrupção (ativa e passiva), branqueamento de capitais e de associação criminosa, tendo dado por reproduzida a descrição dos factos que constava do despacho do Ministério Público de apresentação de detidos, no qual são descritas contratações efetuadas pela sociedade “(…) – Sociedade de (…)”, por ajuste direto, (alegadamente) à custa do erário público e com vista à obtenção de benefícios a favor dos arguidos e de sociedades aos mesmos pertencentes ou nas quais intervinham ou de sociedades pertencentes a pessoas de suas relações, louvando-se o Ministério Público em extensa prova documental, perícias financeiras efetuadas no âmbito das investigações, com relatórios juntos aos autos e em interceções telefónicas transcritas, cujo teor foi revelado os arguidos presentes ao TIC para 1.º interrogatório judicial, tendo o aqui autor se remetido ao silêncio (com exceção do que respeita aos indícios da prática do crime de subtração/danificação de documento).
Refere-se no despacho do TIC que «como alegado pelo titular da ação penal, da investigação em curso foi possível identificar diversas contratações, por ajuste direto, designadamente as associadas aos temas “Formação dos funcionários da (…)”, “Remodelação do Estádio (…)” e “Cidade do (…)”, as quais tiveram a intervenção dos suspeitos acima identificados com a liderança do suspeito (…)». E continua dizendo no que ora releva: «O arguido (…) remeteu-se ao silêncio quanto aos factos apresentados pelo MP. A não pronúncia do arguido sobre os factos, se não o desfavorece, até por imposição constitucional, também não o pode favorecer (…). Os arguidos agora conhecedores dos factos já apurados e das dosimetrias penais que lhe correspondem, a serem mantidos com o estatuto processual decorrente do TIR e seguindo-se mais uma vez, ao que se crê, a preclara jurisprudência dos tribunais superiores, indicia-se que têm todas as condições para se eximir à ação da justiça atenta a gravidade dos factos agora fortemente indiciados, o que inculca que agora são conhecedores da gravidade da sua situação se poderão eximir à ação da justiça. (…) Vem a defesa de (…) questionar se há perigo de perturbação do inquérito só por engolir um documento!? (…) O JIC não pode olvidar a menção constante do RDE elaborado pela PJ aonde se fala no facto de o documento conter nomes e algarismos. Há, pois, fundados indícios de que o documento (contido junto ao computador na esfera de utilização do arguido …) continha mais qualquer coisa do que um simples nome e uma quantia monetária. Urge acautelar esta pulsão pois o arguido (…) tem, pela própria natureza das funções, acesso a toda a documentação financeira e outra da Câmara Municipal de (…). Não parece, pois, ao JIC que as finalidades cautelares que considera serem necessárias reconhecer e prevenir se bastem com a retirada do passaporte ou a simples suspensão de funções políticas, (…). Pretende-se garantir, como reiteradamente se diz, que o OPC e o MP que o coordena tenham tempo suficiente para prevenir os perigos invocados, in casu aquele em que nos pronunciamos agora que é o de perturbação da aquisição, conservação e veracidade da prova. (…) Do mesmo passo se considera que a colocação em liberdade do arguido Luís carito concorreria fortemente para serem dificultadas as diligências conducentes à aquisição de provas, sua conservação e veracidade, permitindo até a concatenação de versões, com respeito aos intervenientes cuja responsabilidade e grau de participação estão a ser objeto de investigação, já que o inquérito ainda não está encerrado. (…) Consequentemente, concorda-se com avaliação e alegação do Ministério Público quanto aos perigos que invoca e às medidas de coação que considera adequadas, proporcionais e suficientes a preveni-los, até em rigorosa aplicação do n.º 2 do artigo 194.º do CPP ainda vigente, pelo que se dá aqui por reproduzida tal promoção nesse tocante, aguardando os arguidos os ulteriores termos do processo com sujeição às medidas de coação propostas. A remissão supra operada para a douta promoção do Ministério Público é-o no quadro admitido pelo próprio Tribunal Constitucional (…)» (negritos nossos).
Como se disse, o aqui autor não logrou provar que no momento em que foi proferido tal despacho os autos não revelavam fortes indícios da prática dos crimes de que era suspeito ou que não existia os perigos que sustentaram também a aplicação da medida de coação de prisão preventiva, não bastando, como se disse, provar que o processo foi arquivado quanto a dois dos crimes, que foi despronunciado quanto a outros dois e que acabou por ser absolvido dos demais crimes em julgamento.
No despacho proferido pelo Juiz do Tribunal de Instrução Criminal foi logo referida a possibilidade de a medida de coação de prisão preventiva aplicada ao arguido (…), ora apelante, vir a ser substituída por obrigação de permanência em habitação com vigilância eletrónica, ali se tendo escrito que «(…) no atual quadro de elementos à disposição do JIC, no âmbito deste primeiro interrogatório, a aplicação da sucedânea OPHVE se mostra adequada, proporcional e suficiente, pelas razões que exatamente motivaram a decretação da prisão preventiva, pois se por um lado logra conter o arguido (…) no seu domicílio, contribuindo assim para prevenir os perigos aduzidos, o mesmo não sucederia de per si com as circunstâncias que motivaram a alegação dos indicados perigos de continuação e bem assim de perturbação da tranquilidade pública e para a aquisição, conservação e veracidade da prova, pelas razões que, na promoção se aduzem e que se acolheram, e pelas que agora se acabam de indicar, razão pela qual e, mais uma vez, perante os elementos neste momento ao dispor do JIC se substituirá a prisão preventiva pela sucedânea OPHVE, caso se mostrem preenchidos os respetivos pressupostos».
Está provado que sobre o despacho que veio a substituir a medida de coação de prisão preventiva pela medida de obrigação de permanência em habitação com vigilância eletrónica foi interposto recurso pelo aqui recorrente e que por acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa datado de 29/06/2013 foi negado provimento ao recurso, nele se dizendo que «a imputação criminosa feita ao recorrente mostra-se claramente sustentada, e quanto a justificação da medida de coação, por um juízo de forte probabilidade de acontecer uma fuga e que o perigo de perturbação do decurso do inquérito, na vertente da aquisição e conservação da prova também se verifica (…) concretiza-se na circunstância de o arguido no decurso da busca à sua residência a pós apreensão de um documento cujo teor de desconhece mas que se sabe que continha referência a quantias monetárias e a correspondência destas a nomes de pessoas ali indicados, arrancou-o das mãos do Inspetor (…) e engoliu-o (…)», concluindo, a final, ser «inquestionável a justeza da medida coativa fixada, não tendo sido violada qualquer das disposições legais invocadas pelo recorrente».
Ora, como se diz no sumário do Ac. RG de 13.05.2021[7], «O facto de o arguido ter recorrido da decisão que o prendeu preventivamente e um tribunal superior ter confirmado tal despacho torna já improvável a existência do alegado erro grosseiro».
Em face de todo o exposto, julgamos não merecer censura a sentença recorrida no segmento em que julgou não verificado o fundamento para a indemnização do autor previsto no artigo 225.º, n.º 1, alínea b), do CPP, ou seja, não se ter verificado erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto de que dependia a prisão preventiva e a obrigação de permanência em habitação com vigilância eletrónica.

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O artigo 225.º, n.º 1, alínea c) do CPP estabelece que quem tiver sofrido detenção, prisão preventiva ou obrigação de permanência na habitação pode requerer, perante o tribunal competente, indemnização dos danos sofridos quando se comprovar que o arguido não foi agente do crime ou atuou justificadamente.
Na sentença sob recurso o julgador negou o direito à indemnização por não se ter provado que o autor não praticou os ilícitos penais pelos quais fora pronunciado como exige a alínea c) do artigo 225.º/1, do CPP.
O apelante discorda, invocando que a decisão contraria frontalmente a Jurisprudência Europeia e o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 284/2020, o qual julgou inconstitucional, por violação dos artigos 13.º, n.º 1 e 32.º, n.º 2, da Constituição, o artigo 225.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal, na redação da Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, interpretado no sentido de se não considerar que não foi agente do crime ou atuou justificadamente o arguido a quem foi aplicada a medida de coação de prisão preventiva e que vem a ser absolvido com fundamento no princípio in dubio para o reu.
Defende o apelante que o artigo 225.º/1, alínea c), do CPP não deve ser interpretado no sentido de se exigir, como fundamento do pedido de indemnização, que a sentença absolutória se baseie numa afirmação positiva da inocência do arguido, nem que o autor alegue e demonstre na ação cível a sua inocência.
Vejamos.
Liminarmente se dirá que não vem posto em causa no presente recurso que o apelante foi absolvido dos crimes que lhe foram imputados com fundamento no facto de não ter ficado demonstrada a prática, pelo mesmo, daqueles ilícitos penais, ou seja, não houve no processo criminal uma comprovação positiva da sua inocência.
Como já resulta do exposto supra, por força do disposto no artigo 27.º, n.º 5, da Constituição da República o legislador constitucional remeteu para o poder legislativo a conformação do direito à indemnização ali previsto, sem lhe dar quaisquer concretas coordenadas. E o legislador ordinário fê-lo no artigo 225.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.
Decorre da letra do artigo 225.º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Penal e do teor dos trabalhos preparatórios da Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, que a opção do legislador ordinário foi a de «fazer o Estado assumir a responsabilidade pelos danos sofridos e compensar quem, estando inocente conforme comprovado no final do processo, foi privado da sua liberdade em razão de uma medida de coação preventiva corretamente aplicada»[8]. Donde, quando o interessado for absolvido no processo criminal com fundamento no princípio in dubio pro reu, para que possa obter uma indemnização do Estado terá de provar a sua inocência numa ação autónoma e ulterior ao processo criminal. Ou seja, o artigo 225.º, n.º 2, alínea c), do CPP condiciona o direito à indemnização à prova, pelo arguido, de que não cometeu o crime de que foi acusado ou que atuou justificadamente.
Tendo sido essa a opção do legislador ordinário, discute-se se a distinção entre os casos em que existe uma absolvição por comprovação da inocência e uma absolvição com fundamento no principio in dubio por reu viola princípios constitucionais, nomeadamente, o princípio da presunção da inocência consagrado no artigo 32.º/2, da Constituição (por se exigir que o arguido comprove na ação cível que não foi agente do crime ou que atuou justificadamente[9]) e o princípio da igualdade[10] consagrado no artigo 13.º/1, da Constituição.
O Tribunal Constitucional tem considerado em vários acórdãos[11] que o preceito legal em apreço não padece de inconstitucionalidade. Mas, no acórdão n.º 284/2020 onde foi chamado a pronunciar-se sobre «a constitucionalidade da interpretação do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 225.º do CPP no sentido que restrinja o exercício do direito estabelecido nesta norma à comprovação positiva da inocência ou que o denegue por se sustentar em decisão absolutória ao abrigo do princípio in dubio pro reu», veio a decidir «julgar inconstitucional, por violação dos artigos 13.º, n.º 1 e 32.º, n.º 2, da Constituição, o artigo 225.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal, na redação da Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, interpretado no sentido de se não considerar que não foi agente do crime ou atuou justificadamente o arguido a quem foi aplicada a medida de coação de prisão preventiva e que vem a ser absolvido com fundamento no princípio in dubio pro reu».
Nos tribunais superiores a posição maioritária vai no sentido da constitucionalidade do preceito legal, como nos dá conta o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 30-09-2014, processo n.º 2208/11.4TVLSB.L1-7, consultável em www.dsgi.pt, onde se indicam numerosos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça que perfilham o entendimento da não inconstitucionalidade do artigo 225.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal. Num recente acórdão de 02-02-2023 o Supremo Tribunal de Justiça entendeu que para haver condenação do Estado a indemnizar por prisão preventiva, em ação declarativa própria, o autor carece de demonstrar que se verifica uma qualquer das hipóteses tipificadas o artigo 225.º, n.º 1, do Código de Processo Penal e que nem a Constituição nem a lei impõe o dever de indemnizar todo e qualquer arguido absolvido, ou que não tenha chegado a ser pronunciado, a quem anteriormente tenha sido aplicada a medida de prisão preventiva[12].
Que dizer?
O Estado apenas pode ser responsabilizado pela privação da liberdade resultante do exercício da função jurisdicional se aquela tiver sido decretada em violação da Constituição e da Lei.
No seu artigo 27.º, n.º 5, a Constituição remete para o poder legislativo a definição das situações em que o Estado incorre no dever de indemnizar pessoas que foram privadas da sua liberdade por atos da função judicial, sem que, todavia, imponha ou forneça quaisquer critérios orientadores sobre os pressupostos daquele direito.
No Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 90/84[13]sublinhava-se que o direito de indemnização previsto no artigo 27.º, n.º 5, da Constituição encontra-se sob reserva de lei e que o legislador deteria, quanto à conformação do seu exercício, uma larga margem de liberdade, só limitada pela proibição de aniquilamento do conteúdo essencial do direito, limitação essa que apenas deferiria ao Tribunal a possibilidade de controlos de evidência.
A este propósito referem Jorge Miranda/Rui Medeiros[14]que «a Constituição deixa deliberada e intencionalmente dependente do legislador – dito de outro modo: em que remete para o legislador – a efetivação de um certo princípio, ou do direito por este reconhecido. Trata-se de princípios relativamente aos quais, atentas as suas implicações e a complexidade da sua concretização, o legislador constitucional entende impor-se uma nova ponderação normativa – complementar da que ele próprio fez, mas da qual não quis tirar (ou permitir que se tirassem) logo todas as possíveis consequências. Ou seja, trata-se de hipóteses em que, pelo facto de a concreta conformação do princípio exigir a consideração de diferentes tópicos ou pontos de vista e uma delicada ponderação de soluções e resultados, a Constituição comete a respetiva incumbência ao órgão primariamente vocacionado e legitimado para a tarefa política de reelaborar e desenvolver a ordem jurídica. O que significa que, ao fazê-lo, o legislador constitucional não apenas atribui ao legislador ordinário um específico encargo mas, verdadeiramente, lho reserva (vide Acórdãos n.ºs 90/84 e 160/95» (itálicos e negritos nossos).
No acórdão n.º 185/2010 de 12.05.2010[15] o Tribunal Constitucional apreciou a questão de constitucionalidade da norma constante do artigo 225.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (na redação dada pela Lei n.º 59/98) «quando interpretada no sentido de se não considerar injustificada e, portanto, constitutiva de indemnização estadual, a prisão preventiva aplicada a um arguido que vem a ser absolvido com fundamento no princípio in dubio pro reu» e decidiu que à luz do artigo 27.º, n.º 5, da Constituição, a norma constante do n.º 2 do artigo 225.º do Código de Processo Penal não é inconstitucional quando interpretada no sentido de se não considerar injustificada a prisão preventiva aplicada a um arguido que vem a ser absolvido com fundamento no princípio in dubio pro reu. Neste acórdão reconheceu-se, justamente, que no normativo em causa o legislador ordinário estabeleceu «um equilíbrio sistémico intrinsecamente complexo e politicamente sensível» que o Tribunal Constitucional não deve substituir. Ali se diz expressamente que «determinar se apenas através de um regime de suportação em exclusivo do sacrifício consistente em sujeitar um indivíduo inocente a privação da liberdade se assegura a eficácia do sistema criminal e, portanto, a proteção da liberdade individual dos demais membros da comunidade, está à margem dos poderes de apreciação do Tribunal». E em outro passo: «(…) importa, por isso, antes de mais, resolver a questão: introduz uma restrição excessiva, ou não proporcionada, do direito à liberdade, lesiva do disposto na parte final do n.º 2 do artigo 18.º da CRP, a norma contida no n.º 2 do artigo 225.º do Código de Processo Penal que, não se satisfazendo com um juízo absolutório, faz depender o direito a indemnização por prisão preventiva materialmente injustificada da prova, a produzir na ação de responsabilidade civil contra o Estado, de ocorrência de erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto que determinaram a imposição da medida de coação?» E respondendo, avança da seguinte forma: «O bem jurídico protegido pelo direito consagrado no artigo 27.º da Constituição ocupa, no sistema de bens jusfundamentalmente tutelados, um inquestionável lugar de relevo. A proteção da liberdade é contígua dos princípios do Estado de direito e da dignidade da pessoa humana; por isso, a norma constitucional que a consagra não pode deixar de impor ao legislador especiais deveres de proteção, desde logo através da emissão de normas que impeçam que a liberdade de cada um seja lesada, por ato da comunidade erguida em Estado ou por ato individual de qualquer dos seus membros. A injunção contida no n.º 5 do artigo 27.º da CRP, segundo a qual a privação da liberdade contra o disposto na Constituição e na lei constitui o Estado em dever de indemnizar (nos termos em que a lei estabelecer), integra um desses deveres de proteção, impendentes sobre o legislador ordinário, e cujo cumprimento é exigido pelo particular relevo que o bem jusfundamentalmente tutelado assume. Perante este relevo – e perante a natureza dos prejuízos decorrentes de prisão preventiva injustificada – poder-se-ia à primeira vista pensar que a restrição da indemnização, em casos de prisão preventiva legal, às situações de ocorrência de erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto que determinaram a aplicação da medida de coação, não seria, de acordo com o princípio da proibição do excesso, nem necessária nem proporcional (em sentido estrito) face aos valores e interesses constitucionais que justificam a restrição. Sendo estes valores a proteção da segurança, das liberdades dos outros e da eficácia da justiça penal, dir-se-ia que a repartição solidária do sacrifício por via da atribuição de uma indemnização ao indivíduo que esteve sujeito a prisão preventiva que se viesse a revelar ex post, materialmente injustificada, em nada afetaria a prossecução dos valores constitucionais justificativos da restrição, pelo que seria desde logo desnecessária a suportação, em exclusivo, pelo arguido, do prejuízo decorrente de privação da liberdade fora das circunstâncias previstas no n.º 2 do artigo 225.º do CPP. (…) Tal conclusão seria, porém, apressada. É que a apreciação da questão de saber se a repartição solidária do sacrifício afeta ou não a eficácia do sistema criminal, ou a segurança, e fundamentalmente, a liberdade individual dos demais membros da comunidade implica, dada a estrutura multipolar das relações jurídicas envolvidas, arbitrar um verdadeiro conflito de liberdades, algo que o Tribunal Constitucional não está em condições de efetuar. Dito de outra maneira, o controlo sobre o modo como o legislador ordinário cumpriu os seus deveres de proteção de bens jurídicos tutelados constitucionalmente, ainda que com restrição de direitos, liberdades e garantias individuais, não pode ter como consequência ser o poder judicial a proceder a avaliações sobre factos, a efetuar ponderações entre bens e a formular juízos de prognose que integram, na sua essência, a função legislativa do Estado. Fazê-lo equivaleria a substituir um equilíbrio sistémico, intrinsecamente complexo e politicamente sensível, estabelecido pelo legislador ordinário, por um novo equilíbrio a estabelecer pelo próprio Tribunal Constitucional. (…) sabendo que a sujeição de um indivíduo a prisão preventiva, em caso de posterior absolvição, daria sempre lugar à atribuição de uma indemnização, o magistrado judicial poderia, consciente ou inconscientemente, sentir-se menos compelido a moderar o recurso a essa medida de coação comparativamente com o que sucede face ao regime atualmente em vigor, verificando-se, inclusive, um aumento do número de prisões preventivas decretadas e, portanto, uma afetação mais intensa da própria liberdade individual do indivíduo. Não interessa saber se tal cenário é certo, provável ou apenas hipnotizável. A mera incerteza basta para que o Tribunal Constitucional não possa senão deferir perante o juízo formulado pelo legislador, gozando este último de ampla liberdade de conformação relativamente ao próprio juízo quanto à necessidade do regime contido no n.º 2 do artigo 225.º do CPP. (…) o artigo 22.º da Constituição consagra antes do mais uma garantia do instituto. A Constituição recebe e protege aí o instituto infraconstitucional da responsabilidade civil extracontratual do Estado, impedindo dessa forma que o legislador ordinário o aniquile ou o desfigure nos seus traços essenciais. (…) É à lei que cabe determinar em que casos deve o Estado responder civilmente por prejuízos causados às pessoas por atos da função judicial, determinando os respetivos pressupostos e a medida da indemnização. (…)». E referindo-se ao artigo 5.º, n.º 5, da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais , diz-se no acórdão: «Neste domínio, a norma da Convenção nada acrescenta face ao disposto no artigo 27.º da Constituição Portuguesa; assim sendo, o juízo que se fez quanto à inexistência de qualquer desconformidade do regime contido no n.º 2 do artigo 225.º do CPP face ao parâmetro contido no artigo 27.º da CRP é extensivo, pela própria natureza das coisas, às normas pertinentes da Convenção Europeia».
É inegável que o legislador ordinário, no exercício do poder conformador que lhe compete, concede ao lesado que esteve privado da sua liberdade em virtude da aplicação de medida de coação o direito a ser indemnizado. Direito (previsto no referido artigo 27.º/5, da Constituição) que se fundamenta na repartição solidária do sacrifício que decorre da privação da liberdade; quer dizer, as faltas de justificação material para a privação da liberdade não devem ser suportadas apenas pelo arguido mas devem também ser compensadas por toda a comunidade política na medida em que ela se revelou necessária para a salvaguarda de outros valores protegidos constitucionalmente, como os da eficácia da justiça, da segurança e da própria liberdade individual dos demais membros da comunidade política. Simplesmente, na alínea c) do artigo 225.º/1, do CPP, o legislador condiciona esse direito à comprovação de que aquele não praticou o ilícito criminal ou que atuou justificadamente; destarte, se no acórdão absolutório do processo criminal o arguido foi absolvido apenas em obediência ao princípio in dubio pro reu, querendo ser indemnizado terá de provar, em ulterior ação cível, que efetivamente não praticou o crime ou que atuou justificadamente. É que, como é consabido, existem muitos casos em que os arguidos são absolvidos apenas por falta de provas, o que não significa que sejam inocentes. E se é evidente que o arguido inocente deve ser indemnizado, também nos parece óbvio que o culpado, se bem que absolvido por força do princípio in dubio pro reu, não o deva ser sem que tenha de provar, junto do tribunal competente, a sua inocência ou que atuou justificadamente. Desta forma se estabelece um equilíbrio entre o dever de indemnizar, por um lado, e o ónus de o arguido fazer aquela prova, por outro[16].
O que não parece razoável é que o interessado em ser indemnizado beneficiasse «como que se uma dupla presunção, em detrimento do Estado, o que, para este também poderia ser considerado desproporcional» – assim, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02-02-2023, proc. nº 4064/18.2T8SNT.L1.S1, consultável em www.dgsi.pt. Como se diz neste último aresto, e que inteiramente subscrevemos, «se o princípio da inocência (artigo 32.º, n.º 2, da CRP) se estendesse à própria ação de indemnização (e é verdadeiramente essa, a das repercussões externas à decisão de absolvição/não pronúncia, a base da análise feita pelo TC) criar-se-ia uma verdadeira presunção contra o Estado, ainda que este tenha agido no estrito cumprimento das normas relativas à aplicação de medida de coação, ou seja, sem culpa. O estado responderia, pois, pelo risco da própria atividade pública que constitucionalmente lhe é cometida».
Ademais, e como se escreveu na declaração de voto anexa ao Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 284/2020, subscrita pelo sr. Juiz Conselheiro Manuel da Costa Andrade: «O princípio in dubio pro reu, como instituição do processo criminal, não pode impor-se aos demais ramos do direito, no sentido de predeterminar juízos, valorações e consequências pragmáticas próprias destes outros ramos do direito. Até porque se trata de ramos de direito que obedecem a racionalidades e códigos próprios e se inscrevem em horizontes axiológicos-normativos distintos, por vezes antinómicos. Tal vale sobremaneira e de forma paradigmática para os pertinentes regimes probatórios. Sabe-se como, diferentemente do processo penal, o processo civil assenta no princípio da autorresponsabilidade probatória das partes e conhece um régie de proibições de prova não sobreponível ao do processo penal. Estão em causa sistemas normativos diferentes vocacionados para interpretarem e julgarem em termos assimétricos os mesmos pedações de vida sobre que venham a convergir. Por ser assim, factos que é forçoso dar como não provados em processo penal e tratá-los como se eles, pura e simplesmente não existissem, podem perfeitamente ser dados como provados noutros ramos do direito e aí valorados como cumprindo fattispecie das pertinentes previsões legais. Só pode ser assim em homenagem à separação, autonomia e autorreferência da lei civil (substantiva ou adjetiva) ou outra, face ao desempenho do sistema penal (substantivo ou adjetivo). (…)».
Entendeu o legislador ordinário que a situação de um arguido que foi absolvido no processo criminal em virtude do princípio in dubio pro reu não deve ter o mesmo tratamento daquela outra em que o arguido é absolvido no processo criminal por um juízo positivo de inocência; e, de facto, as situações não são idênticas, pois o segundo beneficia de uma sentença absolutória baseada num juízo sustentado numa prova para além da dúvida razoável ao passo que o primeiro tem uma sentença de absolvição baseada na existência de dúvidas sobre a prática, por ele, do ilícito criminal, o que, por sua vez, gera também dúvidas sobre a própria injustiça da privação da liberdade.
Em síntese e concluindo, não impondo a Constituição que o Estado indemnize todas as pessoas sujeitas a prisão preventiva ou a obrigação de permanência em habitação com vigilância eletrónica e que depois venham a ser absolvidas, a opção do legislador contemplada na alínea c) do artigo 255.º/1, do Código de Processo Penal não é contrária ao texto constitucional, pelo que não nos merece censura a sentença recorrida.
*
Improcede, assim, a apelação.

Sumário: (…)


III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam em julgar a Apelação improcedente, confirmando a sentença recorrida.
As custas relativas a esta instância de recurso são da responsabilidade do apelante, nada sendo devido a esse título porquanto o apelante procedeu ao pagamento da taxa de justiça devida pelo impulso processual e não há lugar ao pagamento de custas de parte.

Notifique.
DN.
Évora, 23 de maio de 2024
Cristina Dá Mesquita (Relatora)
Anabela Luna de Carvalho (1ª Adjunta)
Francisco Matos (2º Adjunto)


__________________________________________________
[1] Este dispositivo legal tem a seguinte redação:
«1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da requerida;
A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 – No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere pertinentes.
3 – O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º».
[2] Direito Processual Civil Declaratório, Almedina, Coimbra, vol. III, 1982, pp. 268-269.
[3] O enunciado em questão é uma reprodução do teor do artigo 172.º da Petição Inicial; neste articulado o autor não concretiza que prova existia aquando da acusação e que prova existia aquando do despacho de aplicação das medidas de coação de molde a aferir da alegada similitude entre a prova que existia num e noutro momento.
[4] Dispõe este preceito que «Os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos».
[5] Vide, entre outros, Acórdão do STJ de 11.09.2008, proc. n.º 08B1747, e Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 13 de maio de 2021, proc. n.º 711/20.4T8VRL.G1, ambos consultáveis em www.dgsi.pt.
[6] Consultável em www.tribunalconstitucional.pt.
[7] Processo n.º 711/20.4T8VR.G1, consultável em www.dgsi.pt.
[8] Vide declaração de voto do sr. Juiz Conselheiro Pedro Machete anexa ao Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 284/2020.
[9] Em face do disposto no artigo 225.º, n.º 2, alínea c), do CPP, o critério de fundamentação da absolvição do arguido constitui elemento constitutivo do direito à indemnização por privação da liberdade (prisão preventiva/obrigação de permanência em habitação) legal.
[10] Este princípio impõe ao legislador que trate de forma igual situações de facto substancialmente idênticas, obrigando-o a fundamentar quaisquer diferenças de tratamento em razões objetivamente fundadas e justificadas por valores constitucionais relevantes.
[11] Por exemplo, os acórdãos n.ºs 12/2005/T, 13/2005/T e 185/2010.
[12] Proc. n.º 4064/18.2T8SNT.L1.S1, consultável em www.dgsi.pt.
[13] Consultável em www.tribunalconstitucional.pt.
[14] Constituição da República Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra Editora, 2005, pág. 314.
[15] Consultável em www.tribunalconstitucional.pt, tal como todos os demais que se vierem a invocar.
[16] Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 30-09-2014, processo n.º 2208/11.4TVLSB.L1-7.