Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
269/06-2
Relator: SÍLVIO SOUSA
Descritores: INABILIDADE DAS TESTEMUNHAS
REPRESENTANTE DE SOCIEDADE
ADVOGADO
VIOLAÇÃO DE SEGREDO PROFISSIONAL
Data do Acordão: 11/02/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário:
I - São inábeis para depor como testemunhas os que o podem fazer como partes. Podem prestar “depoimento de parte” (prova por confissão), entre outros, o representante de pessoa colectiva ou sociedade. Não podem depor como testemunhas os representantes legais de uma sociedade, quando a sociedade é parte.
II - As inabilidades devem ser apreciadas no momento em que o depoimento é prestado. Se o depoente já não tem a qualidade de legal representante da sociedade comercial, nada obsta que seja inquirido, na qualidade de testemunha.
III - O advogado - incluindo os da União Europeia que exerçam a sua actividade em Portugal, com o seu título profissional de origem - é obrigado a guardar sigilo profissional, no que se refere a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços independentemente do serviço solicitado ou cometido - com ou sem remuneração -, envolver ou não representação judicial ou extrajudicial.
IV- Os actos praticados por advogado, com violação do segredo profissional não podem fazer prova em juízo, porém a irregularidade deve ser arguida tempestivamente sob pena de se considerar sanada
Decisão Texto Integral:
Apelação nº 269/06-2

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Évora:

Relatório
António …………….., morador na Rua Padre António ………….., demandou, no Tribunal Judicial da Comarca de Loulé, “Aquamarina, ………………, S.A.”, com sede na Avenida Marques ……………, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de € 255.645,94, acrescida de juros moratórios, à taxa acordada de 6%, contados desde 9 de Julho de 1995 até integral pagamento, a título de preço de serviços de consultadoria prestados, para tanto alegando factos que, em seu critério, conduzem à procedência do pedido.
Contestou a Ré, votando pela improcedência da acção, a pretexto de não ter celebrado o contrato junto com a petição inicial e, subsidiariamente, da invalidade do mesmo, por nulidade do seu objecto, da sua suspensão, devido à circunstância de, entretanto, o demandante ter sido eleito seu administrador, e de litigância com manifesto abuso de direito, por, enquanto administrador, no triénio 1993/95, não ter diligenciado pelo pagamento da importância ora reclamada.
A acção foi julgada procedente, por provada, e, em consequência, condenada a demandada “Aquamarina, ……………, S.A.” a pagar ao demandante António …………..a importância de € 255.645,94, acrescida de juros, à taxa de 6%, contados desde 22 de Novembro de 1997 até integral pagamento, sendo, além disso, condenada na multa de vinte e cinco (25) unidades de conta, por litigância de má fé.
Inconformada com esta decisão, interpôs a Ré a presente apelação, culminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
Quanto à condenação como litigante de má fé
- O Meritíssimo Juiz, no decorrer da audiência de julgamento, não deu conhecimento do teor dos depoimentos das testemunhas inquiridas, apenas referiu à mandatária da Ré que as testemunhas que já tinham sido ouvidas praticamente disseram a tudo que sim, dos quesitos;
- A Ré e os seus mandatários não foram notificados do rol de testemunhas, conforme é obrigação do mandatário do Autor (artigos 229º-A e 260º do Código de Processo Civil). Logo desconheciam que os senhores Peter Stehling, Karl Weber e Klaus Hackenberg iam ser testemunhas nos autos;
- Só após a audição das cassetes e logo na sessão seguinte da audiência, é que a Ré veio requerer a inabilidade das testemunhas Peter Stehling e Karl Weber e a anulação do depoimento do advogado Klaus Hackenberg, este por violação do sigilo profissional;
- E como não tinha dado conhecimento do teor das declarações da testemunha Peter Stehling e como o Meritíssimo Juiz não perguntou à testemunha o que a lei obriga pelo artigo 635º do Código de Processo Civil, apenas “se conhece a Ré Aquamarina”, a Ré requereu o que pensava que tinha de requerer e recorrer, pelo que no nosso modesto entender tinha e tem legitimidade e é legal;
- Em relação à prova pericial, do dito contrato, doc. nº1, junto com a petição inicial, a Ré sempre se referiu ao mesmo, como “pretenso contrato”, e que não tinha “celebrado o dito contrato”;
- A Ré desde sempre duvidou do dito contrato, pois o mesmo nunca constou dos arquivos da Ré nem nunca o Autor solicitou o dito pagamento, aonde está o dolo;
- A Ré sempre pretendeu e pretende que a justiça material se faça, com toda a certeza;
- A Ré não violou qualquer dever de cooperação nem concretamente lhe é apontado pelo Meritíssimo Juiz, nem pretendeu litigar de má fé, pois também concretamente não lhe é apontado um facto concreto que configure qualquer tipo de dolo;

Quanto à reapreciação da prova gravada
- Requer-se a reapreciação da prova gravada, porquanto as testemunhas Peter Stehling e Karl Weber, referem nos seus depoimentos, respectivamente, Cas.1, lado A, coord. 0007 a 1 126 e Cas. 1, lado A, coord. 1 127 a 2 234, que os 500.000 marcos alemães, só seriam pagos se o Autor conseguisse a aprovação do loteamento e as licenças de construção e também conforme consta das alíneas D e E da matéria especificada, os mesmos só foram emitidos respectivamente em 13 de Outubro de 1993 e em 9 Julho de 1995;
- Assim sendo, não poderia o Meritíssimo Juiz dar como provado “que em 17 de Junho de 1993, já estavam prestados pelo Autor todos os serviços que permitiram que viesse a ser emitido em 13 de Outubro de 1993 o alvará de loteamento”;
- Pois que só após as ditas licenças de aprovação do loteamento e da construção, e não apenas uma, terem sido emitidas é que os objectivos tinham sido alcançados, e a partir daí, a Ré poderia ser devedora da importância acima referida;
- Conforme referiram as ditas “testemunhas” os serviços do Autor só se consumavam com a emissão do Alvará de Loteamento e o Alvará de Licença de Construção, conforme também consta do dito “contrato”, cláusula terceira. Assim não poderia dar provado o quesito 21 da base instrutória;
- O Meritíssimo Juiz deu também como provado que “o referido Peter Stehling outorgou também na qualidade de procurador de Karl A. Weber, resposta ao artigo 2 da base instrutória;
- Onde está o documento a dar poderes nesse sentido?
- A assinatura do dito contrato no valor de 500.000 marcos alemães, ou seja, € 255.645,94, não é um simples acto de mera gestão;
- A sociedade Ré “obriga-se com assinatura de dois administradores que compõem o conselho de administração e o conselho de administração poderá delegar em um ou mais dos seus membros, quando o considerar necessário, todos ou parte dos seus poderes, podendo também constituir mandatários da sociedade (alínea h) dos factos assentes);
-Teria de haver uma deliberação por escrito do conselho para a assinatura do dito contrato e teria de haver também um acto formal do mesmo conselho a dar-lhe os poderes para assinatura do dito contrato em representação da Ré;
- A lei proíbe aos administradores de fazerem-se representar no exercício do cargo, com excepção do caso previsto no artigo 410º, nº 5 e sem prejuízo da delegação de poderes, nos casos previstos na lei, vide artigo 391º, nº 6 do Código das Sociedades Comerciais;
- Assim sendo, o Meritíssimo Juiz não aplicou correctamente a lei ao considerar que o Sr. Karl Weber deu poderes ao Sr. Peter Stehling, quando o mesmo como administrador da Ré só pode delegar poderes depois de ter havido uma deliberação do conselho de administração que nunca existiu. Nem a deliberação para a delegação de poderes, nem poderia sozinho conceder poderes que estão apenas no âmbito do conselho de administração;
- O objecto do dito “contrato” parece mais uma “compra” de influências do que outra coisa;
- O Autor, ora apelado, ao ter sido nomeado administrador da Ré, ora apelante, em 17 de Junho de 1993, os efeitos do dito “contrato” suspendem-se por efeito do artigo 398º, nº 2 do Código das Sociedades Comerciais;
- Ao terem as licenças sido concedidas durante o período em que o Autor era administrador da Ré, estando o dito “contrato” os seus efeitos suspensos, por força do artigo 398º do Código das Sociedades Comerciais, não o tinham os objectivos sido alcançados, nunca a Ré, por mera hipótese, caso o contrato tivesse sido celebrado, estaria em dívida para com o Autor;
- E tanto assim aconteceu que o Autor assinou vários balanços da Ré e nunca neles constou que fosse credor daquela;
- Se nem nos balanços, nem nunca houve qualquer manifestação escrita que provasse tal dívida da Ré para com o Autor, se existisse esse direito, seria claramente uma actuação do Autor juridicamente intolerável, uma chocante contradição entre o comportamento adoptado pelo Autor anteriormente e o que agora adopta, logo estaria actuar em manifesto abuso de direito, em clara violação do artigo 334º do Código Civil;
- Quanto aos juros se por mera hipótese fossem devidos os mesmos só poderiam ser considerados a partir da citação;
- O Meritíssimo Juiz “a quo” violou as seguintes normas: artigos 266º-A, 635º do Código de Processo Civil, 262º, 334ºdo Código Civil, 406º, 407º, 398º e 391º do Código das Sociedades Comerciais.
O Autor contra alegou, votando pela improcedência da apelação.

Agravou ainda a Ré “Aquamarina,………………., S.A.” do despacho de fls. 411 e 412, proferido na acta da segunda sessão da audiência de julgamento, ocorrida em 15 de Abril de 2005, culminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
- Quando as testemunhas Peter Stehling e Karl Weber, prestaram as suas declarações, no dia 11/04, não estava presente, nem a mandatária da Ré, nem o representante da Ré, ora recorrente;
- O mandatário do Autor, ora recorrido, não notificou os mandatários da Ré, nem estes foram notificados pelo Tribunal, quanto ao rol de testemunhas, em que constavam os senhores Peter Stehling, Karl Weber e Klaus Hackenberg. Por isso, desconheciam que os mesmos eram testemunhas;
- A mandatária da Ré só assistiu à parte final das declarações do Dr. Hackenberg, não ouviu os depoimentos das testemunhas Peter Stehling e Karl Weber, nem em que qualidade prestaram o seu depoimento, nem o que disseram. Quanto ao Dr. Hackenberg, não ouviu a quase totalidade do que ele disse, nem em que qualidade ele tomou conhecimento dos factos a que se referiu;
- Só após a audição das cassetes da primeira sessão de 04/04, e quando lhe foram postas à disposição, visto que a audiência de julgamento iria continuar em 15/04, como aconteceu, é que os mandatários tomaram conhecimento do que lá foi dito;
- E de imediato e antes da segunda sessão, e com a diligência necessária, interpuseram o requerimento que deu entrada em 11/04, requerendo quanto aos senhores Peter Stehling e Karl Weber que fossem considerados inábeis como testemunhas, pelas razões que se expôs e quanto ao Dr. Klaus Hackenberg, a anulação do seu depoimento, por violação do sigilo profissional a que está obrigado;
- Deste modo e nos termos do art. 205º, nº 1 do Código de Processo Civil, quando as nulidades forem cometidas, a parte e a sua mandatária não estavam presentes, e só tomaram conhecimento e só puderam conhecê-las, após a audição das cassetes, tendo de imediato e dias antes do início da segunda sessão entrado com o requerimento de 11/04, bem de acordo com a segunda parte do nº1 do acima citado preceito legal;
- O Meritíssimo Juiz que presidiu à audiência, não perguntou, como é a da lei, artigo 635º do Código de Processo Civil, às três testemunhas se tinham interesse na causa, eram inimigos, etc., apenas se conhece a Ré Aquamarina ao senhor Peter Stehling, não tendo este referido que foi administrador durante vários anos da Ré e seu accionista;
- Quanto ao sr. Karl Weber, foi-lhe apenas perguntado se conhecia a empresa Aquamarina, tendo este respondido que foi ele que fundou a empresa. O Meritíssimo Juiz nada mais pretendeu saber;
- No nosso modesto entender os senhores Peter Stehling e Karl Weber não podiam testemunhar, visto que ao tempo dos factos em litígio, eram administradores e accionistas da Ré, pelo menos entre 1990/1995;
- Os mesmos têm interesse na causa, pois poderão ser chamados a uma eventual responsabilidade pelos seus actos, durante o “período subjudice”;
- A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça é inequívoca ao apontar como “inábil” para depor como testemunha, o sócio - gerente, o administrador, o representante legal, de uma sociedade comercial em que esta é parte;
- O Meritíssimo Juiz ao contrário do que afirma no despacho ora em recurso, e conforme consta da gravação, não deu conhecimento do teor dos depoimentos das testemunhas já inquiridas tendo-se limitado apenas a afirmar “que as testemunhas praticamente disseram a tudo que sim dos quesitos”;
- No que concerne “às qualidades de ex-administradores das duas primeiras testemunhas…não foram escondidas pelas testemunhas” afirma-se no despacho ora em recurso. Só que a realidade é bem outra, o mandatário do Autor não deu conhecimento do dito rol aos mandatários da Ré, com era sua obrigação, nem a mandatária assistiu aos seus depoimentos, nem pelo Meritíssimo Juiz foi dado conhecimento do teor dos depoimentos;
- O Dr. Klaus Hackenberg como cidadão e não é por ser advogado que não pode testemunha;
- A questão é que o Dr. Klaus Hackenberg, por ser advogado, está sujeito ao sigilo profissional, sigilo que abrange todos os factos, que directa ou indirectamente, tenha tomado conhecimento, pelo seu cliente, como os referidos pela parte contrária, como os conhecidos por causa do exercício profissional, etc.;
- Sem necessitar de muitos mais factos, temos a referir que é o próprio mandatário do Autor ora recorrido quem em pergunta logo no início do depoimento ao Dr. Hackenberg, se refere ao acompanhamento jurídico feito pelo dito Hackenberg ao Sr. Weber, tendo aquele respondido afirmativamente. E é o Dr. Hackenberg quem logo nas suas declarações se refere que estava obrigado a sigilo profissional;
- O depoimento do Dr. Hackenberg é um clara e flagrante violação do sigilo profissional. Já anteriormente o Autor tinha tentado juntar a correspondência trocada entre este advogado Hackenberg e o advogado Fedke, e este mesmo Tribunal mandou desentranhar o dito documento a fls. 250 dos autos, por violação do sigilo profissional;
- O Dr. Hackenberg não acompanhou o Sr. Weber como tradutor, mas sim como advogado, só estes podem prestar consulta jurídica, art. 3º da Lei nº 49/2004 de 24 de Agosto;
- E o sigilo profissional abrange os factos revelados pelo cliente, pela parte contrária, por conhecimento durante as negociações, quer se relacionem directa ou indirectamente com factos sujeitos a sigilo, etc. (artigo 87º da Lei nº 15/2005);
- E não é por o advogado Dr. Hackenberg ter nacionalidade alemã que não está sujeito ao sigilo profissional. Ele próprio referiu que estava obrigado ao sigilo profissional, pois o seu estatuto assim o obriga, como pela Directiva 77/249/CEE do Conselho, no nº 2 do artigo 4º “o advogado respeitará as regras do Estado - membro do acolhimento, sem prejuízo das obrigações a que está sujeito no Estado - membro de proveniência, como é regra comum a todos os advogados da União Europeia, pelo CCBE, publicado no D.R. nº 271, 2ª série, de 22/11/2001, como pelo artigo 199º da Lei nº 15/2005, de 26 de Janeiro, se refere que os advogados da União Europeia estão sujeitos às regras profissionais e deontológicas aplicáveis aos advogados portugueses;
- Assim sendo o depoimento do advogado Klaus Hackenberg, deve ser anulado, por violação clara do sigilo profissional, pelo que não poder fazer prova em juízo, artigo 87º, nº 5 da Lei nº 15/2005;
- O Meritíssimo Juiz no despacho ora em recurso, não aplicou convenientemente as seguintes disposições legais, artigos 205º, nº 1, 635 do Código de Processo Civil, 87º e 199º da Lei nº 15/2005, de 26 de Janeiro.
O Autor contra alegou, manifestando-se, nomeadamente, pela inexistência de inabilidades, não violação do sigilo profissional e arguição intempestiva das alegadas irregularidades processuais.

Face às conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento é oficioso [1] , o objecto do recurso circunscreve-se à apreciação das seguintes questões:
Quanto ao agravo
A - Inabilidade ou não das testemunhas Peter Stehling e Karl Weber;
B - Violação ou não do segredo profissional por parte da testemunha Klaus Dieter Hackenberg;
C - Prazo para a arguição de irregularidade processuais.
Quanto à apelação
A- Eventual alteração da resposta dada ao quesito 21º;
B - Eventual alteração da resposta dada ao quesito 2º;
C - Vinculação contratual da Ré;
D- Eventual nulidade do objecto (mediato) do contrato;
E - Eleição do Autor como administrador da Ré / incompatibilidade;
F- Abuso de direito;
G - Eventual necessidade de interpelação da Ré para cumprir;
H - Litigância de má-fé.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Fundamentação

O despacho recorrido de fls. 411 e 412, proferido na acta da segunda sessão da audiência de julgamento, que teve lugar no dia 15 de Abril de 2005, tem o seguinte teor: “Após o cumprimento do contraditório relativamente ao requerido a fls. 344 e seguinte pela ré, cumpre apreciar e decidir.
Na audiência de discussão e julgamento que teve início no dia 04-04-2005, apesar de não ter estado presente desde o início dessa diligência, a Ilustre Mandatária da ré (ilustre subscritora da contestação apresentada) compareceu na sala de audiências quando decorria o interrogatório da 3ª testemunha.
De seguida, como, aliás, ficou expresso na acta que documentou aquele acto processual (fls. 333) foi dado conhecimento do teor dos depoimentos das testemunhas inquiridas na sua ausência. Perante isto, a Ilustre Mandatária da ré disse nada ter a requerer e que apenas desejava contra-inquirir a 2ª testemunha o que foi deferido e realizado de imediato.
Nessa altura nada mais requereu a Ilustre Mandatária da ré.
Vem agora a ré a fls. 344 e seguintes, invocar a nulidade do depoimento das 3 primeiras testemunhas inquiridas.
Em primeiro lugar, e decisivamente, haverá que atender ao disposto no art.º 205º, nº 1 do CPC para dizer que não tendo sido arguida qualquer nulidade ou irregularidade no decurso da audiência de 04-04-2005, já não o pode ser.
De todo o modo e ainda que a 1ª questão leve à necessária improcedência do requerido, importa dizer que não se vislumbra qualquer inabilidade para depor como testemunha de Peter Stehling e Karl Weber, atento o disposto no art.º 617 do C.P.C..
Também não se vislumbra qualquer impedimento ou ilegalidade em um cidadão, por ser advogado, testemunhar em Tribunal. Não se vislumbrou, ao longo do interrogatório da testemunha Klaus Hackenberg qualquer violação do sigilo profissional.
Acresce que as qualidades de ex-administradores das duas primeiras testemunhas e de advogado da terceira não foram escondidas pelas testemunhas, pelo que nem seria o caso de aplicação do disposto no art.º 640º do C.P.C..
Finalmente dir-se-á que a posição de uma parte que em audiência de julgamento diz quanto ao seu depoimento nada tem a requerer e que finda essa diligência e passados dias vem surpreendentemente, requerer a anulação dos seus depoimentos, viola, claramente o dever do cooperação ínsito no art.º 266º, nº 1, do C.P.C..
Tal violação poderá, eventualmente, ser enquadrada no disposto no art.º 456, nº 1 do C.P.C..
Por tudo o exposto, indefere-se o requerido a fls. 344 e seguintes.
Dado o seu carácter impertinente e dilatória, vai a ré condenada em multa de 4 Uc´s pelo incidente anormal a que deu causa e em que ficou vencida - art.º 446º do C.P.C. e art.º 16º do C.C.J..
Para evitar decisões surpresa quanto a uma eventual litigância de má-fé, tendo presente o disposto no art.º 3º, nºs 2 e 3 do C.P.C., determina-se que se notifique a ré para se pronunciar, querendo, sobre esta questão.”
Por seu turno, da acta da primeira sessão da audiência de julgamento, realizada no dia 4 de Abril de 2005, consta, nomeadamente, o seguinte: “Faltosos: o Ilustre Mandatário da Ré, Dr. Victor ……….., o legal representante da ré, Fernando……….. e as testemunhas Soares Alves, Maria João Carrapeto, Sr. Alves e José Alberto Fernandes.
Dada a palavra ao Ilustre Mandatário do autor pelo mesmo foi dito que se opõe ao adiamento da presente audiência.
Seguidamente, pelo Mm. Juiz foi proferido o seguinte: despacho “A presente audiência foi designada por acordo de agendas com os Ilustres Mandatários - ver fls. 290, 296, 300, 304 e 305. Notificado da data da audiência no dia 25 de Janeiro de 2005, o Ilustre Mandatário da ré apenas a 4 de Abril de 2005 veio apresentar o requerimento de fls. 320. Nesse requerimento apenas alude a outras diligências anteriormente marcadas. No entanto, essa justificação não pode colher pois que a presente diligência foi marcada por acordo e se o Ilustre Mandatário da ré tinha, à data, outras diligência marcadas, haveria de o ter dito anteriormente. De todo o modo, não comprovou minimamente o que alega.
Por todo o exposto, entende-se não haver razões para o adiamento da presente audiência, devendo iniciar-se a discussão da causa com a gravação dos depoimentos prestados.
Vai a legal representante da ré condenado na multa de 3 Uc´s caso não justifique a falta no prazo legal.”
Neste momento, pelo Ilustre Mandatário do autor foi requerida a alteração da produção de prova, requerendo que sejam ouvidas antes do depoimento de parte as testemunhas Peter Stehling, Alexander Weber e Klaus Hackenberg, que vieram expressamente da Alemanha e têm urgência, o qual pelo Mm. Juiz foi deferido.
Neste momento, o Mm Juiz passou a ouvir as testemunhas que se identificaram pela seguinte forma:
Peter Stehling, gerente e residente na Estrada da Fonte Santa, 8135 Almancil.
Aos costumes disse conhecer o autor desde 1988/89, por motivos profissionais, mas tal facto não o impede de dizer a verdade.
Prestou juramento legal e depôs a toda à matéria dos quesitos.
Carl Alexander Weber, arquitecto e residente em Sonnenberger Sttr 80 A, 6200 Wiesbaden, Alemanha.
Aos costumes disse conhecer o Autor há cerca de 30 anos e que foi fundador da Ré, embora já não tenha qualquer tipo de ligação à mesma, mas que tais factos não o impedem de dizer a verdade.
Prestou juramento legal de depôs a toda a matéria dos quesitos.
Klaus Dieter Hackenberg, advogado e notário e residente em Schwalbach AM Taunus, Grabenstr 3, Alemanha.
Aos costumes disse nada.
Prestou juramento legal e depôs à matéria do quesitos 18º.
Neste momento compareceu no Tribunal a Drª. Maria Teresa Gonçalves, Ilustre Mandatária da ré, a qual tem procuração conjunta nos autos.
Pelo Mm. Juiz foi-lhe dado conhecimento do teor dos depoimentos das testemunhas já inquiridas.
Quanto à 1ª testemunha, a Ilustre Mandatária da ré declarou nada ter a requerer, não desejando ouvi-la, apenas desejando contra-inquirir a 2ª testemunha, o que foi deferido e realizado de imediato.
Carl Alexander Weber
Foi informado que continuava sob juramento.”
Por seu turno, na sentença recorrida, foi considerado provado o seguinte quadro factual:
- O Autor celebrou o contrato, cuja tradução consta de fls. 211 e 212, que aqui se dá por reproduzido, o qual se encontra assinado por alguém cuja assinatura se mostra ilegível, encontrando-se, ainda, referido no contrato que a “Aquamarina - ………………., S.A.” se encontra representada pelos Srs. Presidentes (alínea a) dos factos assentes);
- O terreno, sito em Várzeas de Quarteira ou Arneiros, na freguesia e concelho de Albufeira, tinha a área de 119.576 m2 e estava registado a favor da Ré na Conservatória do Registo Predial de Albufeira (alínea b) dos factos assentes);
- O mesmo terreno era o aí descrito sob o nº 9 049, a fls.124 verso do Livro B-24 da Conservatória do Registo Predial de Albufeira e depois sob a ficha nº 93 334/941013 da freguesia de Albufeira e inscrito na respectiva matriz sob o artigo 15 471 (alínea c) dos factos assentes);
- A Câmara Municipal de Albufeira aprovou o loteamento e a urbanização do prédio em causa e emitiu para ele o Alvará de Loteamento nº 9/93, em 13 de Outubro de 1993 (alínea d) dos factos assentes);
- A Câmara Municipal de Albufeira aprovou para o prédio as construções pretendidas pela Ré e destinadas a integrar o empreendimento turístico que ela tinha em vista, tendo para elas emitido o Alvará de Licença de Construção nº 314/95, de 9 de Julho de 1995, sendo a área de construção de 25.112 m2 e o volume de construção de 70.313 m3 (alínea e) dos factos assentes);
- Após a emissão dos referidos licenciamentos, a Ré iniciou a execução das obras de urbanização do prédio em Abril de 1994 e, após a emissão do alvará de licença de construção, procedeu ao início das construções a partir de Julho de 1995, vindo a construir nele o empreendimento turístico por ela pretendido (alínea f) dos factos assentes);
- O Autor foi eleito membro do conselho de Administração da Ré, em 16 de Junho de 1993 (alínea g) dos factos assentes);
- A sociedade Ré obriga-se com a assinatura conjunta de dois ou três administradores que compõem o conselho de administração; o conselho de administração poderá delegar em um ou dois membros, quando o considerar necessário, todos ou parte dos seus poderes, podendo também constituir mandatários da sociedade (alínea h) dos factos assentes);
-As assinaturas apostas no contrato referido em A) pertencem a Peter Stehling (resposta ao quesito 1º);
- O referido Peter Stehling outorgou também na qualidade de procurador do Sr. Karl Alexander Weber, o qual concordou como conteúdo do contrato em causa (resposta ao quesito 2º);
- Os serviços que o Autor se obrigou a prestar à Ré compreendiam, nomeadamente, influenciar entrevistas com a Câmara Municipal, a autoridade ambiental, o Ministério do Turismo e com os arquitectos e engenheiros no sentido de garantir a autorização do projecto (resposta ao quesito 3º);
- Foi acordado entre o Autor e a Ré que esta reembolsaria o Autor dos custos das despesas que realizasse, mediante a presentação das respectivas facturas (resposta ao quesito 4º);
- Foi ainda acordado que o preço da prestação de serviços acordada era de 500.000 marcos alemães, que seria pago caso a Ré obtivesse a autorização para a execução do projecto (resposta ao quesito 5º);
- A Ré obrigou-se a pagar ao Autor o referido preço da seguinte forma: a parte de 50% seria paga com a autorização para a execução do projecto dado pela Câmara Municipal de Albufeira; a parte de 50% seria paga como início da construção (resposta ao quesito 6º);
- Em caso de atraso no pagamento, foi convencionada a taxa de juros moratórios de 6% ao ano (resposta ao quesito 7º);
- O Autor prestou os serviços de consultadoria à Ré relacionados com as medidas necessárias à concessão da licença para a execução do projecto, para a construção do empreendimento turístico põe ela pretendido no terreno de que era proprietária (resposta ao quesito 8º);
- E prestou-lhe serviços de consultadoria nas negociações e contactos tidos com as entidades municipais, os organismos governamentais de turismo e com arquitectos e engenheiros envolvidos no projecto, tendo em vista a obtenção da licença para a sua execução (resposta ao quesito 9º);
- O Autor procedeu a negociações e contactos com a Câmara Municipal de Albufeira, compreendendo, entre outras diligências, reuniões de trabalho com o Presidente da Câmara, Vereadores e técnicos dos Serviços Técnicos desse Município (resposta ao quesito 10º);
- Procedeu, também, a reuniões e contactos com a Direcção-Geral do Turismo (resposta ao quesito 11º);
- E procedeu também, ao longo de cerca de três anos, a reuniões e contactos com a comissão de coordenação da região do Algarve, na pessoa do Sr. Arquitecto Pacheco, tendo em vista a definição do índice de ocupação do terreno e a solução de outras questões técnicas relativas a áreas de reserva ecológica nacional (REN) e de reserva agrícola nacional (RAN) que condicionavam a execução do projecto (resposta ao quesito 12º);
- E negociações e contactos com “Línea, Atelier de Arquitectura, Engenharia e Gestão, Lda.”, com sede na Rua General Teófilo Trindade, nº 11, 3º Dto., em Faro, na pessoa do Sr. Arquitecto Alves, que procedeu à execução dos projectos necessários para o empreendimento - projectos de loteamento e arquitectura (resposta ao quesito 13º);
- E negociações e contactos como Sr. Eng. Luís Palma Santos, com gabinete em Faro, tendo em vista a execução dos projectos da especialidade (estabilidade, electricidade, água e esgotos e outros), necessários à emissão da licença de construção (resposta ao quesito 14º);
- O referido na alínea D) dos factos assentes ocorreu como consequência das diligências feitas pelo Autor (resposta ao quesito 15º);
- A circunstância referida em E) dos factos assentes ocorreu como consequência das diligências feitas pelo Autor (resposta ao quesito 16º);
- O Autor interveio em todas as diligências que conduziram à aprovação das licenças que permitiram a execução do projecto pretendido pela Ré e durante elas prestou-lhe os serviços de apoio e consulta que permitiram que tal projecto viesse a ser aprovado e que fossem emitidas as licenças para a sua execução (resposta ao quesito 17º);
- O então Presidente do Conselho de Administração da Ré, Karl Alexander Weber, reconheceu a dívida para com o Autor (resposta ao quesito 18º);
- Em Junho de 1993, já estavam prestados pelo Autor todos os serviços que permitiram que viesse a ser emitido em 13 de Outubro de 1993 o alvará de loteamento (resposta ao quesito 21º);
- Peter Stehling era, à data, administrador da Ré.

Considerando as questões submetidas a apreciação, importa chamar à colação os seguintes princípios:
Quanto ao agravo
São inábeis para depor como testemunhas os que o podem fazer como partes. Podem prestar “depoimento de parte” (prova por confissão), entre outros, o representante de pessoa colectiva ou sociedade. Não podem depor como testemunhas os representantes legais de uma sociedade, quando a sociedade é parte [2] .
Porém, as inabilidades devem ser apreciadas no momento em que o depoimento é prestado. Se o depoente já não tem a qualidade de legal representante da sociedade comercial, nada obsta que seja inquirido, na qualidade de testemunha [3] .
O princípio é, pois, o seguinte: em “homenagem à busca da verdade material” [4] , “todas as pessoas devem ser admitidas a depor a fim de, com o seu depoimento, auxiliarem a descoberta da verdade. Se têm a posição de partes, é nessa qualidade que pode ser exigido o seu depoimento; se não têm essa posição, então hão-de poder depor como testemunhas” [5] .
"O segredo profissional é a proibição de revelar factos ou acontecimentos de que se teve conhecimento ou foram confiados em razão e no exercício de uma actividade profissional" [6] .
O advogado - incluindo os da União Europeia que exerçam a sua actividade em Portugal, com o seu título profissional de origem - é obrigado a guardar sigilo profissional, no que se refere a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços independentemente do serviço solicitado ou cometido - com ou sem remuneração -, envolver ou não representação judicial ou extrajudicial [7] .
Os actos praticados por advogado, com violação do segredo profissional não podem fazer prova em juízo [8] .
A prática de um acto que a lei não admita ou a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva - irregularidade processual - “não gera nulidade se a prática do acto inadmissível ou a omissão do acto ou da formalidade prescrita não influir no exame ou na decisão da causa, isto é, na sua instrução, discussão ou julgamento”. [9]
As irregularidades secundárias - as principais são apenas as quatro referidas no artigo 202º do Código de Processo Civil [10] - cometidas em audiência de discussão e julgamento ou em diligências a que a parte esteja presente, devem ser arguidas, no caso de audiência que ocupe mais de uma sessão, na própria sessão em que a nulidade é cometida. “Quando a nulidade é praticada na ausência da parte, tem esta, para arguir, o prazo geral de dez dias (art. 153-1), contados a partir da data em que: intervém em acto processual posterior; é notificada para acto processual posterior. No primeiro caso, embora lhe esteja subjacente a ideia de que, à data da intervenção, a parte pode ter tomado conhecimento da nulidade, a lei não atende a qualquer circunstância da qual possa resultar que esse conhecimento não deverá ter tido lugar; parte antes do princípio de que uma intervenção cuidadosa da parte implicará sempre o exame do processo e a verificação que alguma nulidade foi cometida. No segundo caso, ao invés, em alteração do regime do CPC de 1939, há que atender às circunstâncias concretas, maxime à existência duma relação de precedência entre os dois actos para se ajuizar se é razoável presumir que o conhecimento teve lugar ou se a ele levaria uma actuação normalmente diligente. A fórmula utilizada afasta a possibilidade de ilisão de qualquer presunção assim estabelecida” [11] .
Por outras palavras: se a nulidade foi cometida durante a prática do acto a que a parte assiste, “a arguição tem de ser imediata, isto é, só se admite enquanto o acto não terminar”, inexistindo, “verdadeiramente prazo para arguição: esta tem de ser deduzida, senão no próprio momento, pelo menos no próprio acto, enquanto este não findar” [12] .
Ocorrendo a falta de advogado, nos casos em que a referida ausência não fundamenta o adiamento da audiência, os depoimentos, informações e esclarecimentos são gravados, podendo o advogado faltoso requerer, após a audição do respectivo registo, a renovação de algumas das provas produzidas, se alegar e provar que não compareceu por motivo justificado que o impediu de comunicar a sua impossibilidade de comparência [13] .

Quanto à apelação
A propósito da consagração de um duplo grau de jurisdição quanto à matéria de facto, importa referir que a mesma “nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência - visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso.” [14]
Assim sendo, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode, na verdade, ser alterada pela Relação se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada a decisão com base neles proferida. Neste caso, a Relação reaprecia as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações da recorrente e do recorrido [15] .
Pode ainda a Relação alterar a decisão do tribunal de 1ª instância se os elementos fornecidos pelo processo impuserem outra decisão, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas [16] .
De referir, num parentêsis, que nada obsta que o negocio jurídico unilateral de atribuição a outrem de poderes representativos (procuração) se faça verbalmente, em relação a actos para os quais não se exija a forma escrita [17] .
Para que uma sociedade anónima fique “vinculada perante terceiros por actos dos seus administradores é necessário e suficiente: a) que os actos tenham sido praticados por administradores; b) em nome da sociedade; c) dentro dos poderes que a lei lhes confere; d) salvo se a sociedade provar que o terceiro sabia, ou não podia ignorar, tendo em conta as circunstâncias, que o acto praticado não respeita cláusula contratual limitativa e desde que a sociedade não tenha assumido o acto por deliberação dos accionistas” [18] .
“Nem podia ser doutra forma, atentas as necessidades mercantis, a imporem velocidade nas múltiplas transacções comerciais, e a protecção de terceiros que contratam com a sociedade, que geralmente não conhecem (nem lhes é exigível que conheçam) os contratos sociais de cada uma das empresas com que contratam no dia a dia” [19] .
A previsão da intervenção conjunta de vários administradores, para vinculação da sociedade, assegura melhor os interesses da sociedade e dos sócios. Todavia, a violação desse dever por qualquer os gerentes apenas produz, em regra, efeitos internos. O regime em vigor, assim interpretado, visa acautelar fundamentalmente os interesses de terceiros, atenuando o risco de serem confrontados com situações em que a representação aparente não coincide com as regras estatutárias ou com as deliberações entretanto tomadas pelos sócios.
Referir que "os poderes de representação do Conselho de Administração são exercidos conjuntamente pelos administradores" significa que todos têm a possibilidade de exercer esse poder de representação, podendo um negócio jurídico ser celebrado pela totalidade dos membros do Conselho, pela maioria deles ou por um número inferior estabelecido no contrato de sociedade.” [20] .
Acontece que não permitido aos administradores de uma sociedade anónima fazerem-se representar no exercício do seu cargo [21] .
Os sujeitos de direito, para além da faculdade de contratar ou não e, na hipótese positiva, de escolher, livremente, o outro contraente, gozam ainda da possibilidade de, “na regulamentação convencional dos seus interesses, se afastarem dos contrato típicos ou paradigmáticos disciplinados na lei (celebrando contrato atípicos) ou de incluírem em qualquer destes contratos paradigmáticos cláusulas divergentes da regulamentação supletiva” [22] .
Contudo e para impedir os abusos da autonomia privada, são nulos os negócios contrários ao conjunto de princípios fundamentais imanentes ao ordenamento jurídico e que formam as traves mestras em que se alicerça a ordem social e económica” (ordem pública) ou às exigências morais (bons costumes). São também nulos os negócios quando a lei não permite uma combinação negocial com os pretendidos efeitos (objecto imediato) ou sobre o desejado objecto mediato [23] .
Ocorre incompatibilidade entre o desempenho de funções por parte de uma mesma pessoa como administrador e como trabalhador subordinado ou autónomo de uma sociedade anónima. Por isso, quando for designado administrador uma pessoa que, na sociedade, exercia funções de trabalhalhador autónomo ou remunerado, os contratos relativos a tais funções extinguem-se, se tiverem si celebrados há menos de um ano ou suspendem-se, caso tenham durado mais do que esse ano [24] .
O poder contido na estrutura do direito não pode ser utilizado para prosseguir interesses que ultrapassam o fim social ou económico do direito que se exerce, nem em termos clamorosamente ofensivos da justiça ou do sentido ético-juridico reinante na comunidade. Excedendo o titular do direito tais limites, tal equivale da dizer que pratica um acto ilegítimo, carecido, por isso, de protecção jurídica [25] .
A constituição do devedor em mora não depende sempre da sua interpelação. Na verdade, se a obrigação tem prazo certo a dívida vence-se, sem necessidade do devedor ser interpelado para cumprir [26] .
“As partes têm o dever de pautar a sua actuação processual por regras conforme à boa fé. A lide diz-se temerária quando essas regras são violadas com culpa grave ou erro grosseiro, e dolosa, quando a violação é intencional ou consciente”.
“Constituem actuações ilícitas da parte: a dedução de pretensão ou oposição com manifesta falta de fundamento, por inconcludência ou inadmissibilidade do pedido ou da excepção; a apresentação de uma versão dos factos, deturpada ou omissa, em violação do dever de verdade; a omissão do dever de cooperação; em geral, o uso reprovável do processo ou de meios processuais, visando um objectivo ilegal, o impedimento da descoberta da verdade, o entorpecimento da acção da justiça ou o protelamento, sem fundamento sério, do trânsito em julgado da decisão” [27] ´.
"Quem invoca um direito em juízo incumbe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado, quer o facto seja positivo, quer negativo. À parte contrária compete provar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos desse direito". Em caso de dúvida sobre determinado facto, por não se saber se ele ocorreu ou não, a consequência é decidir-se contra a parte a quem incumbe o ónus da prova desse facto. [28]

De posse também dos princípios antes inventariados, é altura de apreciar e decidir [29] :

Quanto ao agravo:
A- Inabilidade ou não das testemunhas Peter Stehling e Karl Weber
As testemunhas Peter Stehling e Karl Weber foram inquiridas na sessão da audiência de julgamento que teve lugar, no dia 4 de Abril de 2005 (fls. 331 a 333).
Nesta data, estas testemunhas, de acordo com a certidão emanada da Conservatória do Registo Comercial de Albufeira, junta pela Ré, com a sua contestação (fls. 57 a 66), já tinham deixado, há alguns anos, o conselho de administração da demandada.
Se aludidos depoentes já não reuniam, na data antes citada, as qualidades de legais representantes da sociedade Ré, nada obstava a que fossem inquiridos, como o foram, na qualidade de testemunhas. É que a inabilidade deve ser apreciada no momento em que o depoimento é prestado, sob pena de a mesma perdurar para toda a vida, no que concerne a processos em que fosse parte a sociedade outrora administrada pelos referenciados, com provável sacrifício da verdade material, o que, manifestamente e de acordo com o princípio acima citado, não coincidente com o pensamento do legislador.
Assim sendo, não praticou o Tribunal a quo, ao aceitar os depoimentos, como testemunhas, de Peter Stehling e Karl Weber, um acto proibido por lei, com ofensa do ritualismo processual.
B - Violação ou não do segredo profissional por parte da testemunha Klaus Dieter Hackenberg.
Autor e Ré estão de acordo que a testemunha Klaus Hackenber, de nacionalidade alemã, é advogado.
Por outro lado, no início da audiência preliminar, que teve lugar no dia 21 de Janeiro de 2004 (fls.170), pelo Exmo. Advogado do Autor foi pedida a palavra e, no uso dela, requereu para contraprova dos artigos 29 e 32º da contestação a junção de um documento e respectiva tradução “(fax enviado da vendedora das acções à compradora das acções Aquamarina, através de advogados)”.
No exercício do contraditório, a Ré manifestou pelo “desentranhamento do documento junto, por violação do artº 81 do Estatuto da Ordem dos Advogados”, a pretexto de o mesmo constituir “uma cópia de uma eventual correspondência trocada entre advogados, que desde já se impugna pois está abrangida pelo sigilo profissional e, portanto, não pode constituir meio de prova”( fls. 242).
O Tribunal a quo determinou o desentranhamento “do documento cuja junção foi requerida na audiência preliminar e da sua tradução e a respectiva restituição à parte apresentante”, com o fundamento de tratar-se “de correspondência trocada entre advogados relativa, além do mais, ao litígio em causa nos autos, enviada na fase extrajudicial do conflito, a qual contém, sem margem para qualquer dúvida, factos revelados pelas partes e conhecidos pelos ilustres Advogados no exercício da sua profissão” (fls. 252).
O documento em causa foi assinado pelo advogado Hackenberg, testemunha nos presentes autos.
É, pois, possível afirmar, com segurança, que a razão de ciência da testemunha Klaus Hackenberg resultava do exercício da sus profissão de advogado, o que, por sinal, é corroborado pela transcrição parcial do seu depoimento, nas alegações do agravo, sem a oposição do agravado.
Assim sendo, o depoimento, em sede de audiência de discussão e julgamento, da testemunha Klaus Hackenberg, não devia ter sido admitido, por estar em causa “um dever de ordem pública” [30] .
Apesar disso, a Ré, cuja advogada se encontrava já presente na audiência e apesar de ciente do despacho de fls. 252, não manifestou, no decurso da referida sessão de julgamento, oposição ao depoimento do referenciado.
Em síntese: a testemunha Klaus Hackenberg, advogado, violou o segredo profissional a que estava vinculado, sem que a Ré, no decurso da sessão da audiência de julgamento, em que a violação ocorreu, tenha reagido contra à irregularidade processual cometida.
C - Prazo para a arguição de irregularidade processuais
A arguição de irregularidade cometida durante a prática de acto a que a parte assista tem de ser arguida de imediato, isto é, senão no próprio momento em que foi cometida, “pelo menos no próprio acto, enquanto este não findar”.
Tal equivale a dizer que a alegada irregularidade decorrente do depoimento, como testemunha de Kalus Hackenberg, violando o segredo profissional, deveria ter sido arguida, pelo menos, até ao final da audiência de julgamento que teve lugar no dia 4 de Abril de 2005.
Contudo, a Ré não o fez, razão pela qual se considera tal irregularidade sanada.
Relativamente aos depoimentos das testemunhas Peter Stehling e Karl Weber, mesmo que fosse possível considerá-las inábeis para prestarem declarações, em julgamento, na mencionada qualidade, dada a sua condição de antigos administradores da demandada, tal hipotética irregularidade estaria, pelos mesmos motivos, sanada. Na verdade, a demandada - informada, logo que a sua mandatária compareceu na audiência, dos depoimentos, como testemunhas, dos referenciados - não podia ignorar que os mesmos haviam sido seus administradores, dada a certidão emanada da Conservatória do Registo Comercial de Albufeira que ela própria juntou (fls. 57 a 66), não obstante não ter sido notificada, pelo Exmo Advogado do Autor, do rol de testemunhas por este apresentado, irregularidade que aceitou, apesar de saber que o demandante havia arrolado testemunhas (fls. 286 e 288).
De referir ainda que, para efeitos de arguição tempestiva desta irregularidade não era indispensável à Ré conhecer, palavra a palavra, os depoimentos das ditas testemunhas, sendo, igualmente irrelevante que o Tribunal a quo, em sede de identificação das mesmas, tenha praticado algum desvio formal as regras legais, apesar de um dos sujeitos processuais ser uma sociedade comercial.

Quanto à apelação
A - Resposta ao quesito 21º
O artigo 21º da base instrutória (fls. 277) tem o seguinte teor:” Em 17 de Junho de 1993 já estavam prestados pelo autor todos os serviços que permitiram que viesse a ser emitido em 13 de Outubro de 1993 o alvará de loteamento?”
O Tribunal a quo respondeu positivamente a este quesito, fundamentando a resposta (fls. 511 e 512) na “prova produzida… pelas testemunhas Peter Stehling e Karl Weber e pela inexistência de prova em contrário (na verdade, nenhuma das outras testemunhas referiu que os serviços prestados tenham sido posteriores à sua nomeação como gerente, pelo contrário, o que resultou da prova, principalmente das duas primeiras testemunhas citadas, foi que essa nomeação só ocorreu por causa dos serviços prestados)”.
Ora, o teor dos depoimentos das testemunhas Peter Stehling e Karl Weber, transcritos pela apelante (fls. 638 e 639) e não refutados pelo apelado, não contrariam a resposta dada, sendo, por sinal, omissos quanto ao cerne da questão vertida no aludido quesito, a de saber se em 17 de Junho de 1993, o Autor tinha já prestado todos os serviços que permitiram a emissão, em 13 de Outubro do mesmo ano, do alvará de loteamento.
Acresce que, considerando a propalada morosidade da Administração Pública, não é razoável admitir que o alvará de loteamento - o único a que alude o quesito - tenha sido emitido, na sequência de serviços prestados pelo Autor, após ter sido eleito, em 17 de Junho de 1993, membro do conselho de administração da Ré.
Sucede também que a resposta a este quesito não entra em contradição com o teor das alíneas d) e e) dos factos assentes.
Finalmente, importa referir que são realidades completamente distintas a localização no tempo dos serviços prestados e as datas de emissão dos deferimentos administrativos.
Assim sendo, inexistem motivos para censurar a resposta dada ao quesito 21º da base instrutória.
B - Resposta ao quesito 2º
O artigo 2º da base instrutória (fls. 273) tem o seguinte teor: “O referido Peter Stehling outorgou também na qualidade de procurador do Sr. Karl Alexander Weber, o qual concordou com o contrato em causa?”
O tribunal a quo respondeu de forma positiva a este quesito, fundamentando a resposta do seguinte modo: “quanto à assinatura e declarações do contrato em causa nos autos (a que se referia a alínea A) dos factos assentes), no fundo, os artigos 1º a 7º da base instrutória, para além da natural análise dos mesmo (que serviu para fundar a resposta pela leitura das suas cláusulas), atendeu-se aos depoimentos seguros e sérios de Peter Stehling (que o assinou) e ao Karl Weber (então presidente do conselho de administração da ré, que o confirmou)” (fls.510).
A matéria de facto vertida neste quesito é alheia à figura da delegação de poderes por parte do conselho de administração num ou mais administradores. Está, sim, balizada pela questão de saber se o administrador Karl Weber atribuiu ou não poderes representativos ao administrador Peter Stehling, para a outorga do contrato em causa, que, por sinal e no entender da apelante (art. 52º das alegações), nada obrigava a que fosse celebrado por escrito.
Assim sendo, a “procuração” citada neste quesito podia revestir a forma verbal. Como tal, a atribuição de poderes representativos a que alude o quesito podia ser provada por testemunhas. Sucede que a apelante não indica qualquer depoimento em que fundamenta o alegado erro de julgamento.
Deste modo, não ocorrem, também, motivos para censurar a mencionada resposta.
Questão diferente, alheia à matéria de facto, é a relevância jurídica ou não da provada atribuição de poderes representativos.
C- Vinculação da Ré
Não sendo permitido aos administradores de uma sociedade anónima fazerem-se representar no exercício do seu cargo, é manifesto que a outorga de poderes representativos pelo administrador Karl Weber ao administrador Peter Stehling (procuração), para a outorga do contrato, carece de relevância jurídica. Como tal, o contrato mencionado no processo foi apenas assinado pelo administrador Peter Stehling.
Tendo o contrato sido assinado por um dos administradores, em nome da Ré e dentro dos poderes que a lei lhe confere, é manifesto que a demandada o outorgou, com as inerentes consequências. Aliás, “nem podia ser de outra forma, atentas as necessidades mercantis, a imporem velocidade nas múltiplas transacções comerciais, e a protecção de terceiros que contratam com a sociedade”. Na verdade, se “as limitações estatutárias aos poderes da administração das sociedades anónimas, incluindo as resultantes do seu objecto social, não são oponíveis a terceiros, salvo quando por estes efectivamente conhecida ou quando não devessem ignorar a existência de abuso de representação” [31] , por maioria de razão assim acontecerá nos casos em que dos livros de actas do conselho de administração nada conste no que diz respeito ao contrato efectivamente celebrado.
Acresce ainda que o facto de o administrador Karl Weber ter concordado com o conteúdo do contrato em causa tal apenas pode significar que o ratificou.
Em síntese: a Ré outorgou, com as inerentes consequências, o contrato a que aludem os autos.
D - Objecto (mediato) do contrato / nulidade
A cláusula 1ª do contrato a que aludem os autos tem o seguinte conteúdo:”Pelo presente contrato a mandante encarrega o mandatário de colaborar, como consultor, em todas as medidas relacionadas com a autorização do projecto. E em especial, de influenciar as entrevistas com a Câmara Municipal, a autoridade ambiental, o Ministério do Turismo e com os arquitectos e engenheiros no sentido de garantir a autorização do projecto”.
Contrariamente ao alegado pela apelante não é razoável afirmar que “o objecto do dito contrato parece mais uma compra de influências do que outra coisa”. Na verdade, influenciar não significa, necessariamente, determinar outras pessoas à prática de ilegalidades, e, sim, realçar os diversos méritos do projecto cuja aprovação se pretende. Aliás, nas sociedades dos nossos dias pululam as mais diversas “forças de pressão”, sem que, pelo menos até agora, as mesmas tenham sido relacionadas com a prática de actos ilícitos.
Não se subscreve, assim, a qualificação proposta pela apelante para o objecto mediato do contrato a que aludem os autos.
E - Eleição do Autor como administrador da Ré / incompatibilidade
Neste domínio, sustenta a apelante que os objectivos do contrato só foram alcançados com a emissão das licenças, o que aconteceu após a eleição do apelado para administrador da Ré, pelo que tais objectivos não foram atingidos no âmbito do contrato de prestação de serviços, não lhe sendo, por isso, devida qualquer importância.
Acontece, porém, que a apelante não teve êxito na prova do artigo 20º da base instrutória - onde se alegava que se o autor procedeu a reuniões, diligências ou contactos com a Câmara Municipal de Albufeira, Direcção - Geral do Turismo ou outras entidades oficiais ou particulares, foi a partir de 17 de Junho de 1993, na qualidade de administrador da Ré -, pelo que, em consonância com as regras do ónus da prova, importa decidir contra a Ré.
Tal equivale a dizer que não está provado que no decurso do mandato do Autor como administrador da Ré, o contrato a que aludem tenha sido executado.
Acresce que, conforme foi já referido, não é correcto confundir a localização no tempo dos serviços prestados e as datas de emissão dos deferimentos administrativos. Relevante é apenas o facto de o Autor ter colaborado, como consultor, em todas as medidas relacionadas com a autorização do projecto, sem que tenha ficado provado que o fez, após ter sido eleito para o conselho de administração da Ré.
F- Abuso de direito
Refere a apelante que o demandante, durante o seu mandato de administrador da Ré, não só não se pagou da quantia “que diz que a sociedade lhe era devedor”, como também não fez constar da contabilidade da apelante o contrato e a dívida, manifestando-se, em consequência, por uma “chocante contradição entre o comportamento adoptado pelo A. anteriormente e o que agora adopta”.
Não é de subscrever este juízo, quanto mais não seja devido à circunstância de, na sequência da sua eleição para o conselho de administração da Ré, o contrato a que aludem os autos se encontrar suspenso, como, aliás, alega a apelante. Quanto à omissão do contrato e da dívida da contabilidade, a responsabilidade não pode ser imputada apenas ao Autor, que, por ocasião da outorga do contrato, não fazia parte do conselho de administração da Ré, sendo certo ainda que, durante o seu mandato, partilhou a gestão, com o administrador, que, embora não assinando o contrato, o ratificou.
Mesmo que não se verificasse a suspensão do contrato, considera conforme ao sentido ético-jurídico vigente que o apelado não se tenha pago, no decurso do seu mandato, sendo certo ainda que reclamar o pagamento cerca de seis anos após o fim da sua gestão não ofende, de forma clamorosa, o antes referido sentimento.
Não ocorre, assim, abuso de direito.
G - Eventual necessidade de interpelação da Ré para cumprir
A apelante é de opinião que os juros, sendo devidos, devem ser considerados apenas a partir da citação.
Sucede, porém, que a dívida tinha prazo certo de cumprimento, pelo que a mora não está dependente de interpelação.
Por isso, não é de subscrever este juízo da apelante.
H - Litigância de má - fé
A condenação da apelante como litigante de má-fé fundamentou-se, essencialmente, nos seguintes factos:
Requerimento de fls. 344 e segs., invocando a nulidade dos depoimentos das testemunhas Peter Stehling, Karl Weber e Klaus Hackenberg, quando, anteriormente, em sede de audiência, havia declarado nada ter a requerer;
Requerimento de fls. 421 e 422, onde, sem nada requerer, suscita questões relativas ao depoimento da testemunha Peter Stehling;
Requerimento efectuado na sessão da audiência de julgamento que teve lugar no dia 15 de Abril de 2005 (fls. 413) - apesar de constituir já um facto assente a outorga pelo Autor do contrato a que aludem os autos - alegando que os documentos nºs 1, juntos com a petição inicial e com a réplica, “não foram feitos aquando da data aposta nos mesmos”, fundamentando este juízo na audição das cassetes, e solicitando, por isso, a produção de prova pericial
Alega a apelante que a audição das cassetes foi determinante para os aludidos requerimentos.
Tal não corresponde à realidade. Na verdade, a Ré sabia já que as testemunhas Peter Stehling e Karl Weber tinham sido seus administradores e que a testemunha Klaus Hackenberg estava vinculada ao sigilo profissional. Como tal, estava em condições para, na sessão da audiência de julgamento que teve lugar no dia 4 de Abril de 2005, suscitar a nulidade dos seus depoimentos. Porém, só veio a fazê-lo, em requerimento autónomo, antes do início da segunda sessão da audiência de julgamento, não obstante ter já manifestado na primeira sessão que, relativamente aos citados depoimentos, nada tinha a requerer.
Relativamente ao requerimento de prova pericial, formulado já em audiência de julgamento, a audição das cassetes, de acordo com o referido pela Ré a fls. 481, em nada contribuiu para a suspeita de que o contrato havia sido forjado.
Tal equivale a dizer que a Ré, com os aludidos requerimentos, excedeu os limites da prudência normal, não concorrendo, por isso, para a obtenção, “com brevidade e eficácia”, de uma justa composição do litígio, violando, em consequência e de forma grave, o dever de cooperação.
Considerando, porém, a natureza e efeitos violação antes referida, considera-se criterioso e ajustado reduzir a multa para dez (10) unidades de conta.

Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes desta secção do Tribunal da Relação de Évora em julgar os recursos interpostos - agravo e apelação - improcedentes, mantendo-se, em consequência, a sentença recorrida, excepto na área da fixação do quantum da multa por litigância de má fé, que é fixada em dez unidades de conta.
Custas pela recorrente.
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Évora, 2-Novembro-2006

Sílvio José Teixeira de Sousa
Francisco Maria d´Orey de Oliveira Pires
Fernando José Martins Gaito das Neves




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[1] Arts. 660º, nº 2, 661º, 664º, 684, nº3 e 690º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.
[2] Arts.553º, nº 2 e 617º do Código de Processo Civil e Acórdão do STJ de 5 de Maio de 1992, in www.dgsi.pt.
[3] Acórdãos da Relação de Lisboa, de 25 de Janeiro de 1994 e do Porto de 20 de Abril de 2006, in www.dgsi.pt.
[4] Preâmbulo do Decreto - Lei nº 329- A/95, de 12 de Dezembro.
[5] Prof. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, vol. IV, pág. 348.
[6] Parecer nº49/91 do Conselho Consultivo da Procuradoria - Geral da República.
[7] Arts. 87º, nº 1 e 2 e 199º, nº 1 da Lei nº 15/2005, de 26 de Janeiro.
[8] Art. 87º, nº 5 da Lei nº 15/2005, de 26 de Janeiro.
[9] Art. 201º, nº 1 do Código de Processo Civil e Prof. José Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil Anotado, vol. I, pág. 347.
[10] Acórdão do STJ de 28 de Novembro de 1985, in www.dgsi.pt.
[11] Art. 205º, nº 1 do Código de Processo Civil e Prof. José Lebre de Freitas, in Código Civil Anotado, vol.I, pág. 355.
[12] Prof. Alberto dos Reis, in Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 2º, pág. 500.
[13] Arts. 155º, nº 5 e 651º, nº 5 do Código de Processo Civil.
[14] Preâmbulo do Decreto - Lei nº 39/95, de 15 de Feveiro.
[15] Art.712º, nºs 1, a) e 2 do Código de Processo Civil.
[16] Art. 712º, nº 1, b) e c) do Código de Processo Civil.
[17] Art. 262º, nºs 1 e 2 do Código Civil.
[18] Art. 409º do Código das Sociedades Comerciais e Acórdão da Relação do Porto de 19 de Dezembro de 1996, in C.J., ano XXI, tomo V, pág. 224.
[19] Acórdão do STJ de 8 de Outubro de 2002, in www.dgsi.pt.
[20] Art. 408º, nº 1 do Código das Sociedades Comerciais e Acórdãos do STJ, de 14 de Março de 2006, e da Relação do Porto, de 11 de Novembro de 2003, in www.dgsi.pt.
[21] Art. 391º, nº 6 do Código das Sociedades Comerciais.
[22] Art. 405º, nº1 do Código Civil e Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, vol. I, pag. 355.
[23] Art. 280º, nºs 1 e 2 do Código CIvil
[24] Art. 398º, nºs 1 e 2 do Código das Sociedades Comerciais.
[25] Art. 334º do Código Civil.
[26] Art. 805º, nºs 1 e 2, a) do Código Cívil.
[27] Art. 456º, nº 2 do Código de Processo Civil e Prof. José Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil Anotado, vol. II, págs. 194 e 195.
[28] Art. 342º, nºs 1 a 3 do Código Civil e Prof. Antunes Varela, in Manual de Processo Civil, 2ª edição, pags. 450 e 452.
[29] Art. 710º, nº 1 do Código de Processo Civil.
[30] Acórdão do STJ de 2 de Outubro de 2003, in www.dgsi.pt.
[31] Acórdão da Relação de Lisboa de 4 de Julho de 1991, in C.J., ano XVI, tomo IV, pág. 169.