Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
236/20.8T8GDL.E1-A
Relator: TOMÉ DE CARVALHO
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
DOCUMENTO
SENTENÇA
PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DO RECURSO
Data do Acordão: 05/23/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1 – Uma sentença não pode servir de fundamento a recurso extraordinário de revisão por não poder ser qualificada como um documento.
2 – Já assim não será se a parte deposita confiança num acto do Tribunal e definiu a sua actuação processual com base nessa decisão, sob pena de infracção de princípios processuais tão relevantes como o da boa fé ou da cooperação.
3 – Nos recursos de reparação existe uma malha apertada de fundamentos e de prazos para a interposição do recurso de revisão.
4 – Quanto ao prazo de interposição consignado no artigo 697.º do Código de Processo Civil, dando aplicação prática ao preceito inscrito no artigo 329.º do Código Civil, o mesmo é contado a partir do momento em que a parte obteve o documento ou teve conhecimento do facto que serve de fundamento à revisão e não do trânsito em julgado da decisão a rever.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 236/20.8T8GDL.E1-A
Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal – Juízo Local de Competência Cível de Grândola – J1
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Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Évora:
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I – Relatório:
(…) e (…) vieram interpor recurso extraordinário de revisão, nos termos e para os efeitos conjugados dos artigos 627.º e 696.º, alínea c), do Código de Processo Civil de acórdão proferido por este Tribunal da Relação de Évora.
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O presente recurso de revisão deu entrada em juízo em 02/05/2023.
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(…) e (…) intentaram acção de preferência sob a forma de processo comum contra (…), (…) e (…).
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Os Autores pediram:
i) que lhes fosse reconhecido o direito de preferência sobre o prédio rústico designado (…) – Courela do (…) e, em consequência, que se substituíssem os Autores ao Réu (…) na escritura de compra e venda, condenando-se este a entregar o referido prédio livre de quaisquer ónus ou encargos.
ii) fosse declarado o cancelamento de todos e quaisquer registos que o 3.º Réu comprador haja feito a seu favor em consequência da compra do referido prédio, designadamente o constante da apresentação (…), de 2019/07/29 e outras que venha a fazer, sempre com todas as demais consequências que ao caso couberem, averbando-se, posteriormente a aquisição dos Autores de modo a substituir a inscrição que ali consta o ora 3.º Réu a favor dos Autores, na qualidade de adquirentes.
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Para tanto, os Autores alegaram ser proprietários de um prédio rústico com uma área de 1,25 hectares que confina pelo lado nascente com o prédio rústico designado (…) – Courela do (…), com uma área de 0,121900 hectares que foi vendido ao Réu (…) sem que lhes tenha sido dado a possibilidade de exercer direito de preferência.
Adiantam ainda que este Réu não era, em data anterior à aquisição, proprietário de qualquer prédio, mormente confinante com o que adquiriu e que apenas tiveram conhecimento que o prédio tinha sido vendido em Fevereiro de 2020 e que, a partir de então, após diligências junto da Conservatória, tomaram conhecimento dos termos do negócio em 14/03/2020.
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Devidamente citado, o Réu (…) defendeu-se por excepção ao invocar a caducidade de os Autores exercerem o direito de preferência e que era dono de um terreno confinante, impugnando a restante matéria de facto contida na petição inicial.
Após ter invocado que realizou diversas benfeitorias, deduziu reconvenção em que pediu que os Autores fossem condenados a pagar-lhe o preço pago pela aquisição do imóvel, bem como todas as despesas efectuadas com impostos, registos e emolumentos associados à escritura de compra e ainda as despesas de limpeza e desmatação do terreno e vedação. *
A parte activa exerceu o contraditório, pugnando pela inadmissibilidade do pedido reconvencional e respondeu à excepção de caducidade invocada.
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Realizada audiência prévia, não foi admitido o pedido reconvencional e proferiu-se despacho saneador que procedeu à identificação do litígio e aos temas de prova.
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Realizado julgamento, o Tribunal a quo decidiu julgar improcedente a excepção de caducidade e, de igual modo, absolveu os Réus dos pedidos contra si formulados.
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A razão fundamental desta decisão assentou no facto de «à data da compra e venda a que os presentes autos se reportam, o Réu era proprietário de um prédio confinante adquirido em data anterior e, nessa medida, os vendedores não estavam obrigados a proceder a denuntiatio, ou seja, à comunicação aos outros proprietários confinantes, para querendo, preferirem. Deste modo, imperioso é concluir que não existiu qualquer incumprimento ou direito a ser preterido, que possa ser exercido, coercivamente, através da presente acção de preferência, não sendo equacionável a repristinação de tal direito por via da acção de preferência intentada sobra a primeira aquisição».
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Interposto recurso desta decisão, por acórdão de 12/01/2023 – notificado em 16/01/2023 e transitado em 20/02/2023 –, o Tribunal da Relação de Évora julgou a apelação improcedente e confirmou a sentença recorrida.
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Na análise problemática o Tribunal da Relação de Évora afirmou que «a grande questão que motiva a discordância dos recorrentes com a decisão em crise é o facto de ter sido proposta uma outra ação, pelos ora recorrentes contra o mesmo 3.º réu, ação em que este ficou vencido, pelo que consideram este 3.º réu como terceiro adquirente do prédio em causa nos presentes autos.
(…)
O que implica, no seu entendimento, mostrar-se também preenchido o requisito de que o prédio tenha sido vendido a um terceiro que não goza do direito de preferência.
Com efeito, a referida ação já foi julgada procedente na primeira instância, o que implica não poder o tribunal a quo ignorar tal questão até porque foi a mesma sra. juiz que julgou a causa e proferiu a decisão, com o que se mostra violado o que dispõe o artigo 611.º/1, do CPC – que estipula deverem ser tomados em consideração na sentença todos os factos que se produzam posteriormente à propositura da ação, de modo a que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão.
Assim sendo, o adquirente nos presentes autos, apesar de ainda constar como tal no registo predial, não é proprietário do prédio que na presente ação o classifica como tal, porque o efeito da decisão irá retroagir ao momento da aquisição (efeito ex tunc), sendo nela substituído o adquirente pelos ora recorrentes, mostrando-se, por isso, verificados todos os requisitos exigidos pelo artigo 1380.º/1.
(…).
A sentença proferida, que teve como objeto um outro prédio adquirido pelo 3.º réu na presente ação, foi junta pelos recorrentes e nela não consta que tenha transitado em julgado, consta apenas que foi proferida em 06-06-2022 e que foi registada no livro de sentenças do tribunal no dia seguinte.
Ora, não tendo transitado em julgado tal decisão, não produziu qualquer modificação na ordem jurídica, o que implica manter-se ainda, no momento em que o tribunal a quo decidiu, o 3.º réu – (…) – como proprietário de um prédio rústico que confina com o prédio objeto da venda, não sendo, por isso, terceiro, nos termos exigidos pelo inciso legal acima transcrito.
Com efeito, apesar de o registo não ser constitutivo de direitos no nosso sistema jurídico, a inscrição no registo predial de um prédio a favor de certa pessoa é uma presunção de propriedade e esta presunção não se mostra ilidida.
Logo, o ora 3.º réu e recorrido, mantém-se como proprietário confinante e, por isso, beneficia do direito de preferência na aquisição do imóvel.
(…)
Aqui chegados, conclui-se também que o regime previsto no artigo 1380.º/2, do CC e o processo previsto no artigo 1037.º do CPC, visam o exercício do direito de preferência sempre que a alienação tenha sido concretizada a um terceiro não confinante.
Não obstante, no caso dos autos, assiste sempre aos recorrentes o direito de interpor recurso de revisão, caso a sentença acima referida e proferida pelo mesmo tribunal, venha a transitar em julgado, como o permite e prevê o artigo 696.º/c), do CPC.
Resta concluir pela improcedência da apelação pelos motivos expostos, com a consequente confirmação da sentença recorrida, por se não verificarem também quaisquer contradições entre os fundamentos e a decisão».
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Na acção registada sob o n.º 235/20.0T8GDL proposta por (…) e (…) contra (…), (…), (…), (…) e (…) foram deduzidos os seguintes pedidos:
i) o reconhecimento aos Autores do direito de preferir sobre o prédio rústico objecto da escritura de compra e venda realizada entre os Réus e a substituição dos Autores ao 5.º Réu na escritura de compra e venda.
ii) a condenação do Réus a entregar o prédio livre de quaisquer ónus e desocupado.
iii) o cancelamento de todo e qualquer registo que o 5.º Réu haja feito a seu favor, designadamente a constante da Ap. (…), de 2018/08/08 e outras que este venha a fazer, sempre com todas as demais consequências que ao caso couberem, averbando-se posteriormente, a aquisição dos Autores, de modo a substituir na inscrição em que ali consta o 5.º Réu a favor dos Autores, na qualidade de adquirentes.
Devidamente citado, o Réu alegou a caducidade do exercício do direito de preferência, apresentando reconvenção em que pedia a condenação do preço pago pela aquisição do imóvel, bem como de todas as despesas efectuadas com impostos, registo e emolumentos associada à realização da escritura de compra e venda e das despesas de limpeza e desmatação do terreno, vedação, colocação da rede eléctrica, portão, pavimentos exteriores tudo no valor final de € 50.202,48.
Após o exercício do contraditório, foi lavrado despacho a admitir o pedido reconvencional.
Foi proferido despacho saneador, que identificou o objecto do litígio e os respectivos temas de prova.
Realizado o julgamento o Tribunal, por sentença datada de 06/06/2022, transitada em 07/11/2022, o Juízo Local de Competência Cível de Grândola decidiu:
A) reconhecer aos Autores do direito de preferir sobre o prédio rústico objecto da escritura de compra e venda realizada entre os Réus e a substituição dos Autores ao 5.º Réu na escritura de compra e venda.
B) condenar os Réus a entregar o prédio livre de quaisquer ónus e desocupado aos Autores.
C) determinar que se proceda ao averbamento da aquisição dos Autores, de modo a substituir na inscrição predial a aquisição do 5º R. constante da Ap. (…), de 2018/08/08.
D) absolver os Autores/reconvindos dos pedidos contra si formulados.
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Nesta sequência em 02/05/2023, (…) e (…) interpuseram o presente recurso extraordinário de revisão, juntando certidão da acção registada sob o n.º 235/20.0T8GDL.
Em benefício do pedido de revisão, os recorrentes apresentaram as seguintes conclusões:
«I. Vem o presente recurso impugnar a decisão final proferida em Acórdão transitado em julgado, que julgou improcedente por não provada a presente ação e, em consequência, absolveu os Réus dos pedidos contra si formulados, com o seguinte sumário que se transcreve:
“Sumário:
I – É requisito essencial da constituição do direito de preferência a alienação do prédio a terceiro não confinante, nos termos previstos pelo artigo 1380.º/1, do CC
II – O regime previsto no artigo 1380.º/2, do CC e o processo previsto no artigo 1037.º do CPC, visam o exercício do direito de preferência sempre que a alienação tenha sido concretizada a um terceiro não confinante.
E decisão:
Em face do exposto, a 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora julga a apelação improcedente e confirma a sentença recorrida
II. Os AA, ora recorrentes, não podem admitir a justeza e legalidade de tal decisão, face aos novos elementos factuais ora comprovados por documentos a que os Recorrentes só tiveram acesso após proferida esta decisão.
III. Estando em causa na decisão a procedência do direito de preferir invocado pelos Autores e se o mesmo foi exercido tempestivamente ou se pelo contrário, caducou, exceção invocada pelos RR na ação.
IV. e se existe direito de preferência por banda dos Autores por se verificarem os respetivos pressupostos conforme os mesmos alegaram – e lograram provar – ou, se existe alguma circunstância que exclua o exercício de tal direito, designadamente, no entender das decisões proferidas, se por virtude de se considerar o R. (…) proprietário confinante do prédio em causa, este não pode ser exercido.
V. Quanto a um dos temas de prova a convicção do tribunal após apreciação de toda a prova realizada e não realizada não podia ser senão a que foi e bem, ou seja, encontrando-se o Réu (…) onerado com o ónus da prova sobre a data relativa ao conhecimento do Autor sobre a venda e os elementos essenciais do negócio, facto constitutivo da exceção de caducidade invocada pelo Réu, não logrou fazer prova do mesmo, pelo que, cfr. artigo 414.º do Código de Processo Civil, improcede a exceção de caducidade invocada pelo Réu (…).
Aliás, os demais RR na ação, ou seja, os vendedores, que eram os sujeitos que, de acordo com a lei, tinham a obrigação de ter dado conhecimento aos AA. de todas as condições do contrato para exercício do direito de preferência, confessam, quer pela sua revelia, quer pelos depoimentos prestados.
VI. A convicção do Tribunal “alicerçou-se no conjunto da prova produzida, analisada de forma critica e conjugada, apreciada segundo juízos de lógica, probabilidade e normalidade social”.
VII. O Tribunal a quo debruçou-se então na análise do restante tema de prova relevante na ação proposta: a existência de todos os pressupostos e requisitos para o reconhecimento do direito de preferência a favor dos Réus.
VIII. Foi reconhecido na sentença do tribunal a quo e bem assim no Acórdão de que se recorre que os requisitos ou pressupostos supra citados, constantes do artigo 1380.º do CC, bem como todos os que a doutrina e jurisprudência tem dado como assentes, foram preenchidos, salvo melhor opinião, na íntegra para que seja julgada procedente a ação e reconhecido aos AA. o exercício do direito de preferência.
IX. É um facto, dado como provado aliás que o Réu (…) se encontrava, à data da propositura desta ação, na posse e registo de prédio confinante com o ora em causa.
X. Porém relativamente a este prédio anteriormente adquirido os AA. também intentaram ação de preferência.
XI. cuja litispendência não poderia ser aceite nesta ação pelo facto de na mesma, obviamente não constarem os mesmos RR vendedores que na actual ação, sendo as restantes partes semelhantes: AA e Réu (…) são os mesmos em ambas as ações, mas não deixam os AA. de articular esta situação, que pode entender-se que condiciona a decisão desta ação,
XII. situação que era do conhecimento oficioso do tribunal a quo, até porque foi a mesma Mmª Juiz a julgar e decidir em ambas as ações, sendo que a sentença proferida na ação anterior julgou procedente o exercício da preferência pelos AA, e veio a ser julgada em sede de recurso de apelação pela mesma forma confirmando a sentença a quo, conforme documento que ora se junta e fundamenta este recurso, devendo, por consequência, ter-se em consideração nesta ação que o R. (…) nunca foi proprietário confinante do prédio ora em causa, atento o efeito ex tunc daquela sentença.
XIII. Aliás, por efeito daquela ação os Autores, desde a data de venda pelos vendedores ao Réu (…) do terreno em que preferiram, devem substituir o mesmo em todas as obrigações e direitos fiscais e outros, bem como no registo predial, com inscrição que deve retroagir a esta data,
XIV. sob pena de esvaziamento de todos os princípios de direito em causa, deve atender-se a que o desfecho daquela ação, conforme foi considerado pelo douto Acórdão de decisão da apelação nesta ação é relevante ao que aqui importa, na medida em que a decisão da mesma funciona e tem efeitos “ex tunc”.
XV. consubstanciando um facto extintivo do direito que baseia e fundamente a convicção do Tribunal.
XVI. Pelo que não pode considerar-se adequada a afirmação isolada na sentença a quo de que: “Resultou provado, à data da aquisição do prédio a que se refere a presente preferência – 22 de Julho de 2022 – o Réu era já proprietário confinante do prédio que havia adquirido anteriormente e sobre o qual, tal como alegam os Autores, estes igualmente intentaram acção de preferência” (sic, sentença a quo) justificando a errada conclusão , s.m.o., de que “ora, sendo o Réu proprietário confinante, não se reconhece o direito de preferência exercido pelos Autores” (sic, sentença).
XVII. Não podem os AA. admitir tal conclusão por duas ordens de razões: A primeira prende-se com a interpretação, restritiva do artigo 1380.º, n.º 1, em conjugação com o n.º 2.
XVIII. Aliás como a sentença a quo refere (para depois, surpreendentemente e sem fundamento ou justificação material ou jurídica, contradizer):
“É óbvio que se poderia discutir qual o efeito que a acção: procedendo a primeira acção de preferência e perdendo o Réu a qualidade de proprietário confinante, poderão os Autores igualmente preferir na segunda aquisição?” (sic, sentença a quo).
XIX. Parece-nos que obviamente que sim, uma vez que a procedência de tal ação determina o “apagamento” de tudo o que conste em Registo, Finanças e demais instituições acerca da “posse e propriedade” do Réu (…) no dito prédio confinante, tudo se passando, pois, como se aquele R. (…) nunca tivesse sequer tido a posse da propriedade em causa.
XX. sob pena de esvaziamento de todos os princípios legais sobre o que significa o efeito ex tunc de uma decisão, sobre a natureza e razão de ser do direito de preferência e sobre a intenção do legislador ao tutelar este direito.
XXI. Parece-nos, sobretudo que favorecer uma “propriedade” que não o foi nunca afinal, adquirida de forma ilegal e anulada, para fundamentar uma outra aquisição, igualmente ilegal, não cumpre os desígnios do direito e da justiça.
XXII. Parece que não existe doutrina ou jurisprudência sobre este caso concerto.
XXIII. Mas existem princípios de legalidade e conceitos há muito estabelecidos como a importância do efeito ex tunc de uma decisão e o facto de a restrição do mesmo só ser aplicável excecionalmente e em casos em que não afeta os direitos de terceiros e as normas legais aplicáveis, sob pena de esse efeito ser esvaziado de conteúdo e a sua restrição originar distorções graves à legalidade e validade de atos jurídicos que afetam a esfera de terceiros.
XXIV. Ora, a aquisição da qualidade de proprietário ou não do réu (…), cerne desta questão porque o torna ou não proprietário confinante quanto à presente aquisição, parece-nos matéria demasiado importante para fazer parte das restrições ao efeito ex tunc de uma sentença, por todas as razões que se alegaram e pelo facto de gerar prejuízo grave e irreparável ao direito de terceiros, os AA ou quaisquer outros que podem exercer o seu direito de preferência.
XXV. Não pode ser aceitável que se baseie numa situação ilegal à partida a perpetuação de uma aquisição, também ela contra a legalidade imposta pelo cumprimento do direito de preferência.
XXVI. Decidir deste modo desvirtua todos os princípios legais aplicáveis ao caso concreto, e viola as normas do artigo 1380.º do Código Civil.
XXVII. Por outro lado este facto (a não propriedade confinante do R …, conforme julgado) é ora comprovado pela junção de certidão judicial sobre o trânsito em julgado da decisão que concede provimento à acção intentada pelos ora recorrentes sobre o exercício do direito de preferência na aquisição anterior (que legitimava a condição de proprietário confinante ao Recorrido (…), único fundamento para a improcedência desta ação, bem como de documento essencial e suficiente para a modificação da decisão proferida no Acórdão de que se recorre , que ora se junta igualmente, ou seja certidão de registo predial realizado em 28/02/2023, a favor dos ora Recorrentes, a qual anula a qualidade de proprietário confinante do Recorrido (…).
XXVIII. Parece-nos, no modesto entender dos AA. que as considerações do douto acórdão entre as quais e cita-se: “conclui-se também que o regime previsto no artigo 1380.º/2, do CC e o processo previsto no artigo 1037.º do CPC, visam o exercício do direito de preferência sempre que a alienação tenha sido concretizada a um terceiro não confinante.
Não obstante, no caso dos autos, assiste sempre aos recorrentes o direito de interpor recurso de revisão, caso a sentença acima referida e proferida pelo mesmo tribunal, venha a transitar em julgado, como o permite e prevê o artigo 696.º/c), do CPC. É precisamente este direito que os Recorrentes vêm exercer.
XXIX. Mais, não podem os AA concordar que “a repristinação de tal direito por via da ação de preferência intentada sobra a primeira aquisição seria sancionar os vendedores por incumprir”. Na modesta opinião dos AA, apesar de a violação do exercício do direito de preferência ser imputável a omissão dos vendedores, não pretende a lei ou o legislador que oferece a tutela do direito a esta questão , “punir” ou “condenar “os vendedores, cuja esfera jurídica não é, de todo, beliscada, alterada ou punida com o exercício deste direito, nada se alterando para os mesmos”.
XXX. E não podendo o R. (…) ser definido como proprietário confinante, verifica-se a existência de todos os requisitos e pressupostos para o exercício, atempado e justificado, do direito de preferência pelo meio que os AA. usaram, devendo a esta ação ser dado provimento total.
XXXI. Não deve ser validada por decisão judicial uma situação de clara violação da lei, a favor de quem nunca foi proprietário legal, e em prejuízo dos AA, quem sempre teve e tem a qualidade de proprietário confinante, e reúne todos os demais pressupostos para o exercício deste direito de preferência, ou seja, os AA. ora recorrentes.
XXXII. A esmagadora maioria dos autores parece aceitar que o ganho de causa pelo preferente na respetiva ação tem como efeito a substituição do adquirente pelo titular do direito de preferir, substituição essa que se opera com eficácia retroativa à data da celebração do contrato entre o sujeito passivo e o adquirente, tudo se passando como se o contrato tivesse sido originariamente celebrado entre aquele e o titular da prelação.
XXXIV. Os ora Recorrentes usam este meio processual, que é extraordinário.
XXXV. Esta decisão viola a interpretação das normas aplicáveis.
Pelo que o Recorrente vem impugnar essa decisão e a matéria de facto dada como não provada que motiva erro na decisão a quo que deve ser revogada e substituída.
XXXVI. Os documentos ora juntos, a que os Recorrentes só tiveram acesso após a decisão proferida de que se recorre são novos e suficientes para implicarem modificação da decisão, infirmando por si só os fundamentos da decisão anterior.
XXXVII. O recurso de revisão constitui um meio extraordinário de reapreciação de uma decisão judicial transitada em julgado, tendo, por fundamento principal, a necessidade de se evitar uma sentença injusta e de se reparar um erro judiciário, quando o primado da justiça – da verdade material –, se sobreponha ao primado da segurança – da certeza da decisão.
É precisamente o que sucede no presente caso.
XXXVII. O erro manifesto na interpretação e consideração dos conceitos jurídicos e das normas legais baseado em factos errados não pode ser admitido.
E, por consequência, deverá aplicar-se o direito de forma distinta, conforme alegado porquanto a lei aplicável indica que todos os pressupostos e requisitos para o exercício da ação de preferência se verificam, quer por correta interpretação das normas do artigo 1380.º, n.ºs 1 e 2, por o R. (…) nunca ter sido proprietário confinante, conforme ora se comprova com os documentos juntos:
- certidão de trânsito em julgado em ação cuja procedência altera o desfecho da presente.
- certidão predial comprovativa do facto antes desconsiderado (por não cabalmente ou formalmente comprovado) que ora se prova, de que o recorrido (…) nunca pôde ou poderá ser considerado ou qualificado como proprietário confinante para os efeitos do disposto no artigo 1380.º do Código Civil.
Deve a sentença a quo ser revogada e substituída concedendo provimento ao peticionado pelos AA, com todos os efeitos legais ex tunc, reconhecendo o seu direito de preferência e ordenando a entrega e o registo do prédio a favor dos AA, julgando procedente o presente recurso, e por consequência substituindo a decisão anterior em conformidade com os documentos comprovativos dos factos ora juntos nos termos do disposto no artigo 696.º, alínea c), do CPC e demais legislação aplicável, assim se fazendo a costumada Justiça».
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Foi solicitado à Primeira Instância o envio dos autos principais.
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Foi admitido o recurso de revisão ao abrigo do disposto nos artigos 696.º, alínea c) e 699.º do Código de Processo Civil.
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Procedeu-se à notificação dos recorridos para, no prazo de 20 dias, apresentarem resposta.
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(…) veio apresentar resposta que continha as seguintes conclusões:
«A – O Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo e o Venerando Tribunal de Recurso decidiram correctamente.
B – A douta sentença e o Acórdão recorridos são absolutamente válidos, interpretando e aplicando correctamente o direito.
C – A douta sentença recorrida não violou as disposições legais aplicáveis sendo certo que o douto Acórdão não a revogou.
D – Não se verifica ao longo da douta sentença infracção a qualquer normativo legal, para além de que o facto invocado pelos Recorrentes para recorrer ao regime dos Recursos Extraordinários de Revisão era de conhecimento da parte e do douto Tribunal de Recurso.
E – Deverá, pois, ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a douta sentença recorrida».
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Os interessados (…) e (…) foram citados, mas não deduziram oposição.
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Os Autores foram notificados para se pronunciarem sobre a matéria da caducidade e não apresentaram resposta à matéria de excepção.
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Foi dispensada a realização de audiência prévia, por a questão em análise apenas a matéria de direito e não ter sido requerida nem existir qualquer prova a produzir.
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Foi fixado o valor à causa.
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O acórdão do Tribunal da Relação foi proferido em 12/01/2023 e o respectivo trânsito ocorreu em 20/02/2023, a sentença proferida no âmbito do processo registado sob o n.º 235/20.0T8GDL teve o trânsito em julgado em 07/11/2022.
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Admitido o recurso, foram observados os vistos legais.
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II – Factualidade com interesse para a justa resolução do recurso de revisão
Os factos com interesse para a justa resolução do recurso de revisão são os que constam do relatório inicial.
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III – Julgamento da revisão:
O Tribunal competente para o recurso de revisão é o Tribunal que proferiu a decisão objecto deste recurso de harmonia com a previsão do n.º 1 do artigo 697.º do Código de Processo Civil. E, assim, tendo havido recurso de apelação ou de revista, independentemente de a decisão ser confirmatória ou revogatória, o Tribunal competente é, respectivamente, o da Relação ou o Supremo Tribunal de Justiça, corrigindo-se o lapso manifesto do despacho proferido a 05/05/2023 pelo precedente relator.
O recurso extraordinário de revisão interpõe-se de decisões transitadas em julgado (sentenças, despachos e acórdãos) e representa uma possibilidade de reabertura do processo que escapa ao axioma da res iudicata pro veritate habetur.
Neste domínio, existe o princípio fundamental que aquilo que foi objecto de julgamento definitivo não pode ser novamente submetido à discussão, salvo se se verificar um conjunto restrito de fundamentos que «visa combater um vício ou anomalia processual de especial gravidade, de entre um elenco taxativamente previsto»[1].
Efectivamente, alvitrava Alberto dos Reis que o recurso extraordinário de revisão apresentava «o aspecto de atentado contra a autoridade do caso julgado» e se situava no âmbito do «conflito entre as exigências da justiça e a necessidade da segurança ou da certeza»[2].
A revisão de uma decisão transitada em julgado deverá ser algo de excepcional, sendo que a regra é que o caso julgado, a bem da segurança jurídica, torne a decisão indiscutível. Estando-se perante um recurso que é extraordinário e que existe precisamente para que o caso julgado possa ser ultrapassado, as exigências para a admissão do mesmo têm de ser particularmente cuidadas, para que não se faça da excepção a regra[3].
No fundo, apesar da denominação, trata-se de uma verdadeira acção e não de um recurso no sentido técnico-jurídico de rigor[4] e os fundamentos de recurso são acolhidos no artigo 696.º[5] do Código de Processo Civil.
A questão matricial deste procedimento recursal reside na resposta diferente de dois Tribunais quanto à questão do exercício da preferência por parte dos Autores e que obteve duas respostas discordantes sobre a mesma questão essencial, uma confirmatória da pretensão por entender que o adquirente não era dono de nenhum prédio confinante e outra negatória na medida em que se provou existir uma prévia relação de vizinhança impeditiva da procedência da acção.
É de salientar que o prédio decisivo para formular o juízo de confinância era o que deu origem à acção registada sob n.º 235/20.0T8GDL. O dito imóvel constituía o fundamento da defesa por excepção ao exercício do pedido do direito de prelação na acção aqui em discussão. Porém, naquele outro procedimento foi reconhecido à parte activa o direito de haver para si, pelo referenciado preço, o prédio em causa, em substituição dos prévios adquirentes. E, em determinada concepção, com essa adjudicação terá desaparecido o motivo determinante da improcedência ocorrida na acção registada sob o n.º 236/20.8T8GDL.
Os recorrentes encaixam a sua pretensão na alínea c) do artigo 696.º do Código de Processo Civil que estabelece que a decisão transitada em julgado só pode ser objecto de revisão quando se apresente documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida.
Quanto ao requisito novidade, João Espírito Santo refere que o mesmo não significa a necessidade de o documento se haver formado depois do trânsito em julgado da sentença a rever, porque as palavras «de que a parte não dispusesse nem tivesse conhecimento», inculcavam precisamente que «o documento já existia, mas a parte não pôde socorrer-se dele, ou porque o desconhecia ou porque não o teve à sua disposição»[6].
Um dos documentos apresentados corresponde a uma certidão permanente da Conservatória do Registo Predial referente ao prédio sub judice, que revela a aquisição a favor de (…) e mulher (…), por decisão judicial na sequência da procedência da acção de preferência.
É ideia consolidada que a força probatória material dos documentos autênticos se cinge às percepções da entidade documentadora (quorum notitiam et scientiam habet propiis sensibus, visus et auditus), razão pela qual a jurisprudência dos nossos Tribunais se tem pronunciado pela negação da presunção a que se refere o artigo 7.º do Código do Registo Predial relativamente às áreas e às confrontações, mas sublinham que abrange a presunção da titularidade.
Contudo, este documento não é susceptível de «por si só, alterar em sentido mais favorável a decisão revidenda em que o recorrente foi vencido»[7]. Ou, nas palavras de Abrantes Geraldes, este documento deveria «ser de tal modo antagónico com aquela, no seu alcance probatório, que justifique, sem qualquer relação com a prova produzida no processo, a decisão em sentido contrário»[8]. E isso não acontece, dado que a situação exige a interacção com outros elementos factuais e probatórios para que seja formulado um silogismo judiciário distinto.
Resta assim o documento que contém a sentença proferida. No entanto, tanto a doutrina[9] [10] [11] como a jurisprudência[12] [13] [14] [15] [16] defendem que uma sentença não pode servir de fundamento a recurso extraordinário de revisão por não poder ser qualificada como um documento, ficando assim, desde 2007, em especial após a eliminação da alínea f) do Código de Processo Civil de 1961, vedada a possibilidade de revisão de sentença ser fundada num suporte que não corporize uma declaração de verdade ou ciência.
Para além desta restrição quanto à apresentação de sentença, um dos fundamentos do recurso de revisão é a apresentação de documento novo, no sentido em que não foi apresentado no processo onde se emitiu a decisão a rever, porque ainda não existia, ou, porque existindo, a parte não pôde socorrer-se dele, por não ter tido conhecimento da sua existência[17].
A decisão transitada em julgado só pode ser objecto de revisão quando se apresente documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida.
Retornemos então à matéria do acórdão anteriormente proferido por este Tribunal da Relação de Évora, para afirmar que cremos que, não tendo transitado a decisão, a solução processual mais razoável seria a de suspender os actos por via da existência de uma causa prejudicial e isso, certamente, evitaria o recurso ao recurso de revisão e poderia balançar a resultados distintos.
O que é certo é que, em função daquilo que ali ficou escrito, temos aqui de excepcionalmente seguir a linha de pensamento e de orientação presente no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência de 31/03/2009, depois reproduzida no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08/05/2013.
Estamos perante um caso em que a confiança que a parte deposita num “acto do juiz, que lhe foi notificado, e em função do qual definiu a sua actuação processual” tem de ser tutelada, sob pena de infracção de princípios processuais tão relevantes como o da boa fé ou da cooperação[18].
Neste parâmetro, note-se que, de acordo com o comentário de Lebre de Freitas[19], neste caso, a prevalência da confiança e da boa fé sobre o rigor formal impõe-se dado que a propositura da acção de revisão assenta numa possível errónea interpretação do Tribunal quanto aos fundamentos da reapreciação da prova baseada em documento superveniente ao da produção de prova na Primeira Instância[20].
Por isso, como se disse, excepcionalmente, admite-se a decisão judicial como fundamento formal do pedido de revisão.
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O requerido (…) veio sustentar a caducidade da possibilidade de interpor recurso de revisão. Para tanto, para além de outro argumentário, este interessado sublinha que os Recorrentes interpuseram extemporaneamente o presente recurso de revisão, «pois o despacho que ordena o desentranhamento das alegações de Recurso, proferido no processo n.º 235/20.0T8GDL e que determinou o trânsito em julgado da sentença foi notificado à Mandatária daqueles em 28 de outubro de 2022, sendo que a emissão da certidão foi requerida decorridos mais de 120 dias!».
Importa assim apurar se, como afirma a parte contrária, existe uma questão de caducidade, que impede a procedência do pedido formulado.
O decurso do prazo fixado na lei ou por vontade das partes para o exercício de um direito, sem que o seu titular o exerça e não se referindo a lei à prescrição, acarreta a extinção do direito por caducidade.
Se a lei não fixar outra data, o prazo de caducidade começa a correr no momento em que o direito puder ser exercido, solução que decorre do disposto no artigo 329.º do Código Civil.
O regime jurídico da caducidade não admite a suspensão ou interrupção do respectivo prazo, senão nos casos em que a lei assim o determine (artigo 328.º do Código Civil).
E de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 331.º[21] do Código Civil só impede a caducidade a prática, dentro do prazo legal ou convencional, do acto a que a lei ou convenção atribua efeito impeditivo.
Sem embargo da iniciativa da parte contrária, estamos perante um prazo de conhecimento oficioso[22], incumbindo ao juiz avaliar a oportunidade do requerimento de interposição de recurso, face à disciplina estabelecida pelo n.º 1 do artigo 641.º[23], ex vi do n.º 1 do artigo 699.º[24] do Código de Processo Civil. E este prazo de caducidade não se suspende nem se interrompe, face ao prescrito na lei substantiva[25] e está sujeito à previsão do artigo 279.º do Código Civil[26].
Para contar o prazo de sessenta dias previsto no n.º 2 do artigo 667.º do Código de Processo Civil, é necessário determinar qual foi o facto em que os recorrentes basearam o recurso de revisão[27].
Quanto ao prazo de interposição consignado no artigo 697.º[28] do Código de Processo Civil, dando aplicação prática ao preceito inscrito no artigo 329.º[29] do Código Civil, o mesmo é contado a partir do momento em que a parte obteve o documento ou teve conhecimento do facto que serve de fundamento à revisão e não desde que a decisão em que se funda a revisão se tornou definitiva ou transitou em julgado ao contrário daquilo que é expressamente regulado para as alíneas f) e h) do artigo em apreço.
Esse prazo corre sem quaisquer descontinuidades temporais, por se tratar de um elemento integrante do regime jurídico da respectiva relação de direito substantivo ou material[30]. Como já se disse, o legislador fixou que o presente prazo de caducidade começa a correr a contar do conhecimento de certo facto ou acontecimento. Ou, nas palavras de Lebre de Freitas, a partir do momento em que a parte obteve o documento ou teve conhecimento do facto que serve de fundamento à revisão[31].
Analisados todos os dados temporais objectivos – considerando que, aqui, excepcionalmente, em nome do citado princípio da confiança, foi admitido considerar que a sentença configurava um documento –, temos que o termo inicial para a contagem do prazo ocorre no momento em que foi proferido o acórdão (12/01/2023) – rectius, a partir de 16/01/2023, data da respectiva notificação, acrescida da competente dilação de 3 dias –, dado que, não obstante a sentença do processo registado sob o n.º 235/20 seja anterior, é partir desse momento que a parte ganha a percepção que esta decisão não teve qualquer efeito na alteração do sentido decisório do acórdão cuja revisão foi pedida.
Sendo um prazo de caducidade, de sua natureza substantiva, resulta que a sua contagem se faz segundo o artigo 279.º do Código Civil (e não de acordo com o artigo 138.º[32] do Código de Processo Civil referente a prazos judiciais), não se suspendendo assim nos domingos, sábados e dias feriados, embora se suspenda nas férias judiciais por ser de duração inferior a seis meses.
E, assim, nesta equação, integrando aqui a plasticidade resultante da boa fé e do princípio da confiança, à data da apresentação do recurso de revisão (02/05/2023) já tinha decorrido o prazo de caducidade de 60 dias previsto na alínea c) do n.º 2 do artigo 697.º do Código de Processo Civil (que terminou a 20/03/2023). E o mesmo raciocínio se aplicaria caso se validasse a tese de que o documento que incorpora o registo predial era suficiente para promover o juízo positivo da fase rescindente do recurso de revisão.
E não se alegue que apenas com o trânsito em julgado pode ser perfectibilizado o recurso à revisão de sentença, pois o n.º 5 do artigo 697.º contém uma cláusula de salvaguarda que previne o risco de caducidade, ficando o interessado com o ónus de interpor recurso dentro do prazo de 60 dias e esta norma contém um princípio que é aplicado transversalmente a todas situações que possam conduzir à citada extinção por decurso do prazo.
Aliás, para além da dupla conforme, mas, essencialmente, em função da alçada prevista na Lei da Organização do Sistema Judiciário[33], por força dos critérios do valor da causa e da regra da sucumbência, a pretérita decisão do Tribunal da Relação de Évora não era passível de recurso ordinário de revista[34] [35] para o Supremo Tribunal de Justiça, o que afasta a lógica da necessidade do trânsito da decisão revidenda.
Adicionalmente, caso o legislador quisesse contar o prazo de 60 dias a partir do trânsito em julgado, teria previsto que a situação habilitante consagrada na al. c) do artigo 696.º estaria sujeita a regime idêntico aos das alíneas f) – inconciliabilidade com decisão internacional vinculativa para o Estado Português – e h) – danos decorrentes de decisões jurisdicionais manifestamente inconstitucionais ou ilegais ou injustificadas por erro grosseiro na apreciação dos respectivos pressupostos de facto ou de direito – do citado dispositivo, face à presunção que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados[36].
Por último, reitera-se que o facto juridicamente relevante é o da data do conhecimento ou da obtenção do documento – o qual não fora o sobredito entendimento da Relação nem poderia ser caracterizado como um documento para os termos habilitantes da lei – e não o do momento do trânsito da decisão judicial que se pronuncia sobre esse documento.
Em síntese, relativamente aos casos de recurso de reparação[37] existe uma malha apertada de fundamentos e de prazos para a interposição do recurso de revisão, que, in casu, neste último parâmetro, não foram respeitados, o que conduz, inevitavelmente, à caducidade do recurso de revisão, improcedendo, assim a fase rescindente do procedimento.
Nestes termos, julga-se o pedido de revisão improcedente, por via da caducidade.
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V – Sumário: (…)
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VI – Decisão:
Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, decide-se julgar improcedente o recurso de revisão extraordinário.
Custas a cargo dos recorrentes, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 527.º do Código de Processo Civil.
Notifique.
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Processei e revi
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Évora, 23/05/2024
José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho
Anabela Luna de Carvalho
Mário João Canelas Brás

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[1] José Lebre de Freitas, Armando Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. III, 3ª edição, Almedina, Coimbra, 2022, pág. 302.
[2] José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. VI, Coimbra Editora, Coimbra, reimpressão de 1980, págs. 335-336.
[3] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08/06/2021 (proc. 15/10.0TTPRT-B.P1-B.S1), pesquisável em www.dgsi.pt.
[4] José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. VI, Coimbra Editora, Coimbra, reimpressão de 1980, pág. 373.
[5] Artigo 696.º (Fundamentos do recurso)
A decisão transitada em julgado só pode ser objeto de revisão quando:
a) Outra sentença transitada em julgado tenha dado como provado que a decisão resulta de crime praticado pelo juiz no exercício das suas funções;
b) Se verifique a falsidade de documento ou ato judicial, de depoimento ou das declarações de peritos ou árbitros, que possam, em qualquer dos casos, ter determinado a decisão a rever, não tendo a matéria sido objeto de discussão no processo em que foi proferida;
c) Se apresente documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida;
d) Se verifique nulidade ou anulabilidade de confissão, desistência ou transação em que a decisão se fundou;
e) Tendo corrido o processo à revelia, por falta absoluta de intervenção do réu, se mostre que:
i) Faltou a citação ou que é nula a citação feita;
ii) O réu não teve conhecimento da citação por facto que não lhe é imputável;
iii) O réu não pode apresentar a contestação por motivo de força maior;
f) Seja inconciliável com decisão definitiva de uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português;
g) O litígio assente sobre ato simulado das partes e o tribunal não tenha feito uso do poder que lhe confere o artigo 612.º, por se não ter apercebido da fraude.
h) Seja suscetível de originar a responsabilidade civil do Estado por danos emergentes do exercício da função jurisdicional, verificando-se o disposto no artigo seguinte.
[6] João Espírito Santo, O documento superveniente, para efeito de recurso ordinário e extraordinário, Almedina, Coimbra, 2001, pág. 70.
[7] José Lebre de Freitas, Armando Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. III, 3ª edição, Almedina, Coimbra, 2022, pág. 305.
[8] António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, vol. I (Parte Geral e Processo de Declaração: artigos 1.º a 702.º), 3ª edição, Almedina, Coimbra, 2023, pág. 896.
[9] António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, vol. I (Parte Geral e Processo de Declaração: artigos 1.º a 702.º), 3ª edição, Almedina, Coimbra, 2023, pág. 896.
[10] José Lebre de Freitas, Armando Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. III, 3ª edição, Almedina, Coimbra, 2022, pág. 306.
[11] Amâncio Ferreira, Manual dos recursos em processo civil, Almedina, Coimbra, 2010, pág. 316.
[12] Um acórdão não pode servir de fundamento a um recurso extraordinário de revisão, por não poder ser qualificado como um documento, para efeitos do disposto no artigo 696.º, alínea c), do Código de Processo Civil – acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14/01/2021, proc. n.º 1012/15.5T8VRL-AU.G1-A.S1, divulgado em www.dgsi.pt.
[13] Uma sentença judicial ou um acórdão não pode qualificar-se como documento para o efeito da alínea c) do artigo 696.º do Código de Processo Civil – acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/11/2021 (Recurso n.º 1078/18.6T8STB-A.E1.S1-A), cuja leitura pode ser efectuada em www.dgsi.pt.
[14] Uma sentença (acórdão) não integra o conceito de “documento” para efeitos do recurso de revisão, previsto na alínea c) do artigo 696.º do Código de Processo Civil – acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/10/2019 (Recurso n.º 2657/15.9T8LSB-Q.L1.S1), divulgado em www.dgsi.pt.
[15] Uma sentença judicial transitada em julgada não pode ser qualificada como “documento” em vista a fundar recurso de revisão nos termos do artigo 696.º, alínea c), do Código de Processo Civil – acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21/02/2019 (Revista n.º 2020/12.3TVLSB-A.L1.S1), que pode ser consultado em www.dgsi.pt.
[16] Uma sentença não integra o conceito de “documento” para efeitos da alínea c) do artigo 696.º do Código de Processo Civil, que enumera taxativamente os fundamentos para revisão da decisão – acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11/12/2018, Revista n.º 301/14.0TJLSB-E.L1-B.S1, também visitável em www.dgsi.
[17] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19/12/2018, integrado na plataforma www.dgsi.pt.
[18] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8/05/2013, consultável em www.dgsi.pt.
[19] José Lebre de Freitas, Armando Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. III, 3ª edição, Almedina, Coimbra, 2022, págs. 169-170.
[20] No presente acórdão do Tribunal da Relação de Évora datado de ficou consignado: «no caso dos autos, assiste sempre aos recorrentes o direito de interpor recurso de revisão, caso a sentença acima referida e proferida pelo mesmo tribunal, venha a transitar em julgado, como o permite e prevê o artigo 696.º/c), do CPC».
[21] Artigo 331.º (Causas impeditivas da caducidade):
1. Só impede a caducidade a prática, dentro do prazo legal ou convencional, do acto a que a lei ou convenção atribua efeito impeditivo.
2. Quando, porém, se trate de prazo fixado por contrato ou disposição legal relativa a direito disponível, impede também a caducidade o reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido.
[22] Artigo 333.º (Apreciação oficiosa da caducidade):
1. A caducidade é apreciada oficiosamente pelo tribunal e pode ser alegada em qualquer fase do processo, se for estabelecida em matéria excluída da disponibilidade das partes.
2. Se for estabelecida em matéria não excluída da disponibilidade das partes, é aplicável à caducidade o disposto no artigo 303.º.
[23] Artigo 641.º (Despacho sobre o requerimento):
1 - Findos os prazos concedidos às partes, o juiz aprecia os requerimentos apresentados, pronuncia-se sobre as nulidades arguidas e os pedidos de reforma, ordenando a subida do recurso, se a tal nada obstar.
2 - O requerimento é indeferido quando:
a) Se entenda que a decisão não admite recurso, que este foi interposto fora de prazo ou que o requerente não tem as condições necessárias para recorrer;
b) Não contenha ou junte a alegação do recorrente ou quando esta não tenha conclusões.
3 - No despacho em que admite o recurso, deve o juiz solicitar ao conselho distrital da Ordem dos Advogados a nomeação de advogado aos ausentes, incapazes e incertos, quando estes não possam ser representados pelo Ministério Público.
4 - No caso previsto no número anterior, o prazo de resposta do recorrido ou de interposição por este de recurso subordinado conta-se da notificação ao mandatário nomeado.
5 - A decisão que admita o recurso, fixe a sua espécie e determine o efeito que lhe compete não vincula o tribunal superior nem pode ser impugnada pelas partes, salvo na situação prevista no n.º 3 do artigo 306.º.
6 - A decisão que não admita o recurso ou retenha a sua subida apenas pode ser impugnada através da reclamação prevista no artigo 643.º.
7 - No despacho em que admite o recurso referido na alínea c) do n.º 3 do artigo 629.º, deve o juiz ordenar a citação do réu ou do requerido, tanto para os termos do recurso como para os da causa, salvo nos casos em que o requerido no procedimento cautelar não deva ser ouvido antes do seu decretamento.
[24] Artigo 699.º (Admissão do recurso):
1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 1 do artigo 641.º, o tribunal a que for dirigido o requerimento indefere-o quando não tenha sido instruído nos termos do artigo anterior ou quando reconheça de imediato que não há motivo para revisão.
2 - Admitido o recurso, notifica-se pessoalmente o recorrido para responder no prazo de 20 dias.
3 - O recebimento do recurso não suspende a execução da decisão recorrida.
[25] Artigo 328.º (Suspensão e interrupção)
O prazo de caducidade não se suspende nem se interrompe senão nos casos em que a lei o determine.
[26] Artigo 279.º (Cômputo do termo)
À fixação do termo são aplicáveis, em caso de dúvida, as seguintes regras:
a) Se o termo se referir ao princípio, meio ou fim do mês, entende-se como tal, respectivamente, o primeiro dia, o dia 15 e o último dia do mês; se for fixado no princípio, meio ou fim do ano, entende-se, respectivamente, o primeiro dia do ano, o dia 30 de Junho e o dia 31 de Dezembro;
b) Na contagem de qualquer prazo não se inclui o dia, nem a hora, se o prazo for de horas, em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr;
c) O prazo fixado em semanas, meses ou anos, a contar de certa data, termina às 24 horas do dia que corresponda, dentro da última semana, mês ou ano, a essa data; mas, se no último mês não existir dia correspondente, o prazo finda no último dia desse mês;
d) É havido, respectivamente, como prazo de uma ou duas semanas o designado por oito ou quinze dias, sendo havido como prazo de um ou dois dias o designado por 24 ou 48 horas;
e) O prazo que termine em domingo ou dia feriado transfere-se para o primeiro dia útil; aos domingos e dias feriados são equiparadas as férias judiciais, se o acto sujeito a prazo tiver de ser praticado em juízo.
[27] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08/5/2013, pesquisável em www.dgsi.pt, com as necessárias adaptações à evolução legislativa ocorrida.
[28] Artigo 697.º (Regime do recurso):
1 - O recurso é interposto no tribunal que proferiu a decisão a rever.
2 - O recurso não pode ser interposto se tiverem decorrido mais de cinco anos sobre o trânsito em julgado da decisão, salvo se respeitar a direitos de personalidade, e o prazo para a interposição é de 60 dias, contados:
a) No caso da alínea a) do artigo 696.º, do trânsito em julgado da sentença em que se funda a revisão;
b) No caso das alíneas f) e h) do artigo 696.º, desde que a decisão em que se funda a revisão se tornou definitiva ou transitou em julgado;
c) Nos outros casos, desde que o recorrente obteve o documento ou teve conhecimento do facto que serve de base à revisão.
3 - No caso da alínea g) do artigo 696.º, o prazo para a interposição do recurso é de dois anos, contados desde o conhecimento da sentença pelo recorrente, sem prejuízo do prazo de cinco anos previsto no número anterior.
4 - Nos casos previstos na segunda parte do n.º 3 do artigo 631.º, o prazo previsto no n.º 2 não finda antes de decorrido um ano sobre a aquisição da capacidade por parte do incapaz ou sobre a mudança do seu representante legal.
5 - Se, porém, devido a demora anormal na tramitação da causa em que se funda a revisão existir risco de caducidade, pode o interessado interpor recurso mesmo antes de naquela ser proferida decisão, requerendo logo a suspensão da instância no recurso, até que essa decisão transite em julgado.
6 - As decisões proferidas no processo de revisão admitem os recursos ordinários a que estariam originariamente sujeitas no decurso da ação em que foi proferida a sentença a rever.
[29] Artigo 329.º (Começo do prazo)
O prazo de caducidade, se a lei não fixar outra data, começa a correr no momento em que o direito puder legalmente ser exercido.
[30] José Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 2º, Coimbra, 1945, pág. 56.
[31] José Lebre de Freitas, Armando Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. III, 3ª edição, Almedina, Coimbra, 2022, pág. 321.
[32] Artigo 138.º (Regra da continuidade dos prazos):
1 - O prazo processual, estabelecido por lei ou fixado por despacho do juiz, é contínuo, suspendendo-se, no entanto, durante as férias judiciais, salvo se a sua duração for igual ou superior a seis meses ou se tratar de atos a praticar em processos que a lei considere urgentes.
2 - Quando o prazo para a prática do ato processual terminar em dia em que os tribunais estiverem encerrados, transfere-se o seu termo para o 1.º dia útil seguinte.
3 - Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se encerrados os tribunais quando for concedida tolerância de ponto.
4 - Os prazos para a propositura de ações previstos neste Código seguem o regime dos números anteriores.
[33] Artigo 44.º (Alçadas):
1 - Em matéria cível, a alçada dos tribunais da Relação é de (euro) 30.000,00 e a dos tribunais de primeira instância é de (euro) 5.000,00.
2 - Em matéria criminal não há alçada, sem prejuízo das disposições processuais relativas à admissibilidade de recurso.
3 - A admissibilidade dos recursos por efeito das alçadas é regulada pela lei em vigor ao tempo em que foi instaurada a ação.
[34] Artigo 629.º (Decisões que admitem recurso):
1 - O recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal, atendendo-se, em caso de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, somente ao valor da causa.
2 - Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso:
a) Com fundamento na violação das regras de competência internacional, das regras de competência em razão da matéria ou da hierarquia, ou na ofensa de caso julgado;
b) Das decisões respeitantes ao valor da causa ou dos incidentes, com o fundamento de que o seu valor excede a alçada do tribunal de que se recorre;
c) Das decisões proferidas, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, contra jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça;
d) Do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.
3 - Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso para a Relação:
a) Nas ações em que se aprecie a validade, a subsistência ou a cessação de contratos de arrendamento, com exceção dos arrendamentos para habitação não permanente ou para fins especiais transitórios;
b) Das decisões respeitantes ao valor da causa nos procedimentos cautelares, com o fundamento de que o seu valor excede a alçada do tribunal de que se recorre;
c) Das decisões de indeferimento liminar da petição de ação ou do requerimento inicial de procedimento cautelar.
[35] Artigo 671.º (Decisões que comportam revista):
1 - Cabe revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1.ª instância, que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos.
2 - Os acórdãos da Relação que apreciem decisões interlocutórias que recaiam unicamente sobre a relação processual só podem ser objeto de revista:
a) Nos casos em que o recurso é sempre admissível;
b) Quando estejam em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.
3 - Sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte.
4 - Se não houver ou não for admissível recurso de revista das decisões previstas no n.º 1, os acórdãos proferidos na pendência do processo na Relação podem ser impugnados, caso tenham interesse para o recorrente independentemente daquela decisão, num recurso único, a interpor após o trânsito daquela decisão, no prazo de 15 dias após o referido trânsito.
[36] Artigo 9.º (Interpretação da lei)
1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
[37] Palma Carlos, Dos Recursos, Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, Lisboa, 1958, pág. 43.