Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2076/08-3
Relator: JOÃO MARQUES
Descritores: GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
CRÉDITOS LABORAIS
Data do Acordão: 12/03/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO CÍVEL
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário:
I – A partir da entrada em vigor da Lei nº 96/2001, a generalidade dos créditos laborais (incluindo as indemnizações devidas aos trabalhadores em resultado da cessação da cessação dos respectivos vínculos, independentemente do motivo invocado para essa ruptura e ainda que nada tenha a ver com a existência de salários em atraso), passou a ter carácter privilegiado.

II – Antes da entrada em vigor da Lei nº 96/2001, os trabalhadores só poderiam contar com as garantias e privilégios então vigentes, no contexto das quais o créditos laborais que não estivessem compreendidos nos art.ºs 1° e 12° da Lei n° 16/86, eram créditos comuns.
Decisão Texto Integral:
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PROCESSO Nº 2076/08- 3
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ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA
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Declarada a falência de “A”, com sede em …, por sentença de 7 de Março de 1998 e aberto o concurso de credores sobre a massa falida, foram apresentadas 327 reclamações, entre as quais as da “B”, por créditos garantidos por hipoteca e penhor e, além de outros, os seguintes trabalhadores, por créditos emergentes de contrato de trabalho:
“C”, no montante de 12. 598.850$00, proveniente:
12.395.100$00, de compensação;
203.750$00, de juros
“D”, no montante de 5.588.340$00, proveniente:
4.644.000$00, de indemnização por despedimento;
154.800$00, vencimento;
154.800$00, de subsídio de férias;
38.700$00, de proporcionais de férias, subsídio de férias e de natal; 596.040$00, de juros.
“E”, no montante de 4.059.726$00, proveniente:
3.422.100$00, de indemnização por despedimento;
103.700$00, de vencimento;
103.700$00, de subsídio de férias;
25.926$00, de proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal; 404.300$00, de juros.
“E”, “F”, “G” e “H”, na qualidade de sucessores do falecido trabalhador “I”, no montante de 15.536.135$00, proveniente:
14.408.688$00, de indemnização por despedimento;
389.424$00, de vencimento;
389.424$00, de subsídio de férias;
97.356$00, de proporcionais de férias, subsídio de férias e de natal; 251.243$00, de juros.

Seguindo-se os ulteriores termos, veio a ser proferida sentença graduando em primeiro lugar os créditos dos trabalhadores e só depois os da “B”, a qual foi objecto de recurso para esta Relação por parte da “B” e do M. Público e, depois, por parte da “B” e dos trabalhadores para o Supremo Tribunal de Justiça, onde foi proferido o acórdão de fls. 4.056 a 4.062 mandando graduar os créditos da “B” garantidos por hipoteca e penhor "com precedência em relação aos créditos dos demais recorrentes até à confluência das importâncias que garantem".
Baixados os autos à 1ª instância, foi proferida nova sentença (fls. 4.130 a 4198, com a aclaração de fls. 4704 a 4712, requerida pelos credores trabalhadores acima identificados) que, depois de dar como verificados os créditos de 12.395.100$00 a favor de “C”, 5.497.980$00 a favor de “D”, 3.994.179$00 a favor de “E” e 15.824.892$00 a favor dos sucessores de “I”, procedeu à seguinte graduação:
A - Relativamente ao produto dos bens imóveis, repetindo o decidido nesta Relação na parte não alterada pelo acórdão do STJ:
I - Prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n° 3665 a fls. 146 VO do Livro R-H, actualmente ficha 00867/131086:
1° - Os créditos dos trabalhadores relativos a retribuições decorrentes da resolução dos respectivos contratos de trabalho com base em justa causa (LSA) ou por caducidade emergente da declaração de falência, nestes se incluindo férias e Natal e respectivos subsídios;
2° - Os créditos referenciados pelo Mº Pº nas suas conclusões de recurso (para o Tribunal da Relação de Évora);
3° - O crédito do Instituto de Financiamento e Apoio ao Desenvolvimento da Agricultura e Pescas (IFADAP), referente ao contrato celebrado em 30/7/86 com o IGEF;
4° - Os restantes créditos reclamados, incluindo os demais créditos indemnizatórios de todos os trabalhadores referentes a reparação pela antiguidade relativa às causas da caducidade/cessação dos contratos de trabalho, complementos de reforma ou outras liberalidades de certa regularidade.

II - Restantes Imóveis apreendidos para a massa:
1 ° - Os créditos dos trabalhadores relativos a retribuições decorrentes da resolução dos respectivos contratos de trabalho com base em justa causa (LSA) ou por caducidade emergente da declaração de falência, nestes se incluindo férias e Natal e respectivos subsídios.
2° Os créditos referenciados pelo Mº Pº nas suas conclusões de recurso (para o Tribunal da relação de Évora)
3° Os restantes créditos reclamados, incluindo os demais créditos indemnizatórios de todos os trabalhadores, referentes a reparação pela antiguidade relativa às causas da caducidade/cessação de contratos de trabalho, complementos de reforma ou outras liberalidades de certa regularidade.
Consigna-se que na redacção anterior à aclaração, relativamente aos imóveis aqui em causa a sentença tinha a seguinte redacção:
"1°. Os créditos dos trabalhadores;
2°. Os restantes créditos reclamados.

B- Relativamente aos bens móveis:

I - Viatura RH:
1° - Os créditos dos trabalhadores relativos a retribuições decorrentes da resolução dos respectivos contratos de trabalho com base em justa causa (LSA) ou por caducidade emergente de declaração de falência, nestes se incluindo férias e Natal e respectivos subsídios;
2° - Crédito do Banco “J” respeitante ao contrato celebrado em 3/10/90;
3° - O crédito pignoratício da “B” se e na medida em que não se mostre satisfeito pelos demais bens II e III, que se irão referir;
4º - Os créditos referenciados pelo Mº Pº nas suas conclusões de recurso (para o Tribunal da Relação de Évora).
5° - Os restantes créditos reclamados, incluindo os demais créditos indemnizatórios de todos os trabalhadores, referentes a reparação pela antiguidade relativa às causas de caducidade/cessação de contratos de trabalho, complementos de reforma ou outras liberalidades de certa regularidade.

II - Viaturas GQ, CQ e QB:
1° - O crédito da “B” até ao montante de 25.000.000$00 e respectivos juros;
2°- Os créditos dos trabalhadores relativos a retribuições decorrentes da resolução dos respectivos contratos de trabalho com base em justa causa (LSA) ou por caducidade emergente da declaração da falência nestes se incluindo férias e Natal e respectivos subsídios;
3° - Os créditos referenciados pelo Mº Pº nas conclusões de recurso (para o Tribunal da Relação de Évora;
4° - Os restantes créditos reclamados, incluindo os demais créditos indemnizatórios de todos os trabalhadores, referentes a reparação pela antiguidade relativa às causas da caducidade/cessação de contratos de trabalho, complementos de reforma ou outras liberalidades de certa regularidade.

III - Móveis sobre os quais foi constituído penhor mercantil:
1 ° - Os créditos da “B” garantidos por penhor;
2° - Os créditos dos trabalhadores relativos a retribuições, decorrentes da resolução dos respectivos contratos de trabalho com base em justa causa (LSA) ou por caducidade emergente da declaração de falência, nestes se incluindo férias de Natal e respectivos subsídios;
3° Os créditos do IFADAP abrangidos na Hipoteca do imóvel. “K”, “J”, “L” e “M”, sendo-o por ordem cronológica da constituição dos respectivos penhores para aqueles em que recaiu mais que um penhor;
4 ° Os créditos referenciados pelo Mº Pº nas suas conclusões de recurso (para o Tribunal da Relação de Évora);
5° - Os restantes créditos reclamados, incluindo os demais créditos indemnizatórios de todos os trabalhadores, referentes a reparação pela antiguidade relativa às causas da caducidade/cessação de contratos de trabalho, complementos de reforma ou outras liberalidades de certa regularidade.

IV - Demais bens móveis apreendidos para a massa:
1º - As custas da falência e todas as demais que devam ser suportadas pela massa falida, bem como as despesas de liquidação;
2° - Os créditos dos trabalhadores relativos a retribuições, decorrentes da resolução dos respectivos contratos de trabalho com base em justa causa (LSA) ou por caducidade emergente da declaração da falência, nestes se incluindo férias e Natal e respectivos subsídios;
3° Eventual remanescente do crédito da “B”, não satisfeito pelo valor dos bens dados de penhor e de hipoteca,
4° - Os restantes créditos reclamados, incluindo os demais créditos indemnizatórios de todos os trabalhadores, referentes a reparação pela antiguidade relativa às causas da caducidade/cessação de contratos de trabalho, complementos de reforma ou outras liberalidades de certa regularidade.

Inconformados, interpuseram os trabalhadores acima identificados o presente recurso, em cuja alegação formulam as seguintes conclusões: I
A) De acordo com o douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, que o declarou expressamente, existe uma precedência de pagamento aos trabalhadores por todos os créditos (salários e indemnizações) em relação aos credores comuns, beneficiando da aplicação do art° 749° do Código Civil.
B) Ali ficou decidido tal precedência de pagamentos, pelo que estes créditos não poderiam ter sido graduados em pé de igualdade com os demais créditos comuns.
C) Assim, parece inquestionável que se impõe, em face da decisão do Supremo Tribunal de Justiça, que estes créditos tenham de ser graduados em lugar anterior aos demais créditos comuns, a fim de ser efectivada a precedência do pagamento em relação a estes.
D) Tal entendimento do Supremo Tribunal de Justiça só pode ser entendido como tendo revogado o decidido pelo Tribunal da Relação de Évora, tendo inclusivamente declarado qual o direito aplicável.
E) Caso assim não seja entendido, não se mostra observado e não se conjuga o que foi decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça e o que consta da douta sentença recorrida, de modo a acautelar os direitos reconhecidos aos trabalhadores.
F) Não foi dado cumprimento ao comando do Supremo Tribunal de Justiça, violando-se assim uma decisão transitada em julgado.
G) Quanto à inserção dos créditos do Ministério Público, apenas a parte, neste caso o Ministério Público poderia ter levantado a questão de não estarem contemplados na verba A.II, em sede de recurso, o que não aconteceu.
H) Assim, salvo o devido respeito, não poderia o Mmo juiz "a quo" ter proferido o despacho que proferiu sobre esta matéria, por exceder o seu poder jurisdicional.
I) Ao ter proferido tal despacho, não foi dado cumprimento ao disposto na lei processual civil, tendo em consequência sido violado o disposto nos art°s 666° e 669°, ambos do CPC.

Terminam impetrando a revogação da sentença substituindo-a por outra que gradue em conformidade com o decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça os créditos reclamados pelos ora recorrentes relativos às indemnizações bem como na parte relativa à inserção dos créditos reclamados pelo Ministério Público, mantendo a sentença inicialmente proferida quanto a esta matéria.
Respondeu a Exma Magistrada do Mº Pº pugnando pela confirmação da sentença.

Colhidos os vistos cumpre apreciar a decidir, mostrando-se para o efeito suficiente o que consta do precedente relatório quanto às questões a decidir e que são as de saber:
A- qual o alcance do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça no que diz respeito à graduação dos créditos dos trabalhadores relativamente às indemnizações por antiguidade.
B- Se podia o despacho de aclaração da sentença incluir os créditos reclamados pelo Mº Pº na graduação sobre o produto dos bens imóveis a que se refere o ponto A-II da sentença impugnada.

Relativamente à primeira questão entende-se que só o confronto da sentença inicial e dos acórdãos da Relação e do Supremo poderá proporcionar o necessário esclarecimento do que está em causa:
Assim, a referida sentença procedera à graduação pela forma seguinte:
A - BENS IMÓVEIS.
I - Relativamente ao prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de …, sob o n° 3665, a fls, 146v. do Livro B-11, actualmente ficha nº 007/131086:
. Os créditos dos Trabalhadores,
2º. O crédito do Instituto de Financiamento e Apoio ao Desenvolvimento da Agricultura e Pescas (IFADAP), referente ao contrato celebrado em 30/7/86 com o IGEF;
3°. Os restantes créditos reclamados.

II- Em relação aos restantes imóveis apreendidos para a massa:
Os créditos dos trabalhadores;
Os restantes créditos reclamados.

B - BENS MÓVEIS.
I - Relativamente à viatura RH:
Os créditos dos trabalhadores.
O crédito do “J”, respeitante ao contrato celebrado em 3.10.90;
Os restantes créditos reclamados.

II - Relativamente às viaturas CQ…29, CQ…30 e QB:
Os créditos dos trabalhadores;
O Crédito da “B”, até ao montante de 25.000.000$00 e respectivos juros;
Os restantes créditos reclamados.

III Relativamente aos bens móveis sobre os quais foi constituído penhor mercantil:
- Os créditos dos trabalhadores;
- Os créditos do IFADAP abrangidos na hipoteca do imóvel, “K”, “J”, “B”, “L” e “M”, sendo-o por ordem cronológica da constituição dos respectivos penhores para aqueles em que recaiu mais que um penhor;
Os restantes créditos reclamados.

IV - Relativamente aos demais bens móveis apreendidos para a massa:
As custas da falência e todas as demais que devam ser suportadas pela massa falida, bem como as despesas de liquidação;
Os créditos dos trabalhadores;
Os restantes créditos reclamados.

Na sequência do recurso interposto, como se disse, pela “B”, pretendendo que os seus créditos fossem graduados sobre os créditos dos trabalhadores e pelo Ministério Público, pretendendo que deveriam ter sido respeitados os privilégios de que gozam os créditos reclamados pelo Estado referentes ao IVA, IRS, Imposto de Circulação, Contribuição Autárquica, Créditos da Segurança Social e respectivos juros e que os créditos dos trabalhadores por indemnização não são abrangidos pelos privilégios a que alude o art° 12° da Lei nº 17/86, de 14 de Junho, já que este normativo apenas se refere aos créditos por retribuições, alcança-se do texto do acórdão de fls. 3917-3930 que foi dado provimento total à apelação do Mº Pº e parcial à apelação a “B”, e que, acolhendo a tese do Mº Pº relativamente à referida indemnização, pesem embora algumas dificuldade de interpretação do respectivo texto, ficaram os créditos graduados da seguinte forma:

A - BENS IMÓVEIS
I- Relativamente ao prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de …, sob o nº 3665, a fls, 146 vº, do Livro B-11, actualmente ficha 00867/131086:
1° - Os créditos dos trabalhadores relativos a retribuições decorrentes da resolução dos respectivos contratos de trabalho com base em justa causa (LSA) ou por caducidade emergente da declaração da falência, nestes se incluindo férias e Natal e respectivos subsídios;
2° - Os créditos reclamados pelo Estado referentes a receitas do IVA, IRS, Imposto de Circulação, Contribuição Autárquica, Créditos da Segurança Social e respectivos juros que se constituíram durante o processo de recuperação de empresa e falência;
3°- O crédito do IFADAP referente ao contrato celebrado em 30.07.86.
4°- Os restantes créditos, incluindo os demais créditos dos trabalhadores não incluídos em 1°;
2 - Relativamente aos restantes imóveis apreendidos para a massa:
1 ° - Os créditos dos trabalhadores;
2° - Os restantes créditos reclamados.

B - BENS MÓVEIS:
I -Relativamente à viatura RH:
1 ° Os créditos dos trabalhadores referidos no ponto A - I, 1°;
2 - O crédito do “J” respeitante ao contrato celebrado em 3/10/90;
3° O Crédito pignoratício da “B” se e na medida em que se não mostre satisfeito pelos demais bens II e III que se vão referir;
4° Os créditos reclamados pelo Estado referidos em A-I, 2°;
5° Os restantes créditos, incluindo os demais créditos dos trabalhadores, nos termos do ponto A-I, 4°.

II - Relativamente às viaturas CQ 29, CQ 30 e QB:
Os créditos dos trabalhadores referidos no ponto A.I, 1°;
2° O crédito da “B” até ao montante de 25.000.000$00 e respectivos juros;
3° Os créditos reclamados pelo Estado referidos em A-I, 2°;
4° Os restantes créditos, incluindo os demais créditos dos trabalhadores, nos termos do ponto A-I, 4°;

III - Relativamente aos bens sobre os quais foi constituído penhor mercantil:
1° Os créditos dos trabalhadores referidos no ponto A -I, 1 °
2° Os créditos do IFADAP abrangidos na hipoteca do imóvel, “K”, “J”, “B”, “L” e “M”, sendo-o por ordem cronológica da constituição dos respectivos penhores para aqueles em que recaiu mais que um penhor;
3° Os créditos reclamados pelo Estado referidos em A-I, 2°;
4 ° Os restantes créditos, incluindo os demais créditos dos trabalhadores nos termos do ponto A -I, 4°.

IV - Relativamente aos demais bens móveis apreendidos para a amassa:
1° - As custas da falência e todas as demais que devem ser suportadas pela massa falida bem como as despesas de liquidação;
2 ° Os créditos dos trabalhadores referidos no ponto A -I, 1 °
3° - Os restantes créditos, incluindo os demais créditos dos trabalhadores nos termos do ponto A - 1,4°.

Como facilmente se consta, não se extraíram no acórdão, quanto ao ponto A – II, as consequências da total procedência da apelação do Mº Pº bem como do entendimento nele perfilhado quanto aos créditos laborais por indemnização.
Face a esta graduação, e em discordância com ela, as pretensões levadas ao Supremo Tribunal de Justiça pela “B” e pelos trabalhadores foram, no que tange à primeira, a de que os seus créditos hipotecários e penhoratícios devem ficar graduados antes dos créditos dos trabalhadores, independentemente de terem natureza salarial ou não e, no que tange aos trabalhadores, a de que os seus créditos são prioritários sobre os da “B”, sejam de salários e de subsídios de Férias e de Natal, sejam de indemnizações por antiguidade na empresa.
Debruçando-se sobre elas, o Supremo, considerando que os créditos dos trabalhadores gozam de privilégio geral, mobiliário e imobiliário, sobre os bens apreendidos para a massa falida, conforme dispõem as leis n°.s 17/86 de 14 de Junho e 96/01, de 20 de Agosto debruçou-se sobre respectiva extensão e eficácia face a direitos de terceiros com garantia real sobre os bens apreendidos e concluiu que sendo os privilégios imobiliários sempre especiais e os art°s 12° da Lei n° 17/86 (créditos de salários) e 4°, 1, al.b) da Lei n° 96/2001 (créditos relativos a indemnização por antiguidade na empresa) referenciados a privilégios gerais, não constituindo verdadeiros direitos reais de garantia sobre coisa certa e determinada, cedem perante os direitos reais de garantia de terceiros, estes sim - circunscritos, delimitados, individualizados sobre bens concretos (v. pontos 5 e 6 do respectivo acórdão - fls. 4057-4061).
E surge depois a parte dispositiva do acórdão com a seguinte redacção:
"Termos em que, sem necessidade de maiores desenvolvimentos, se revoga o acórdão recorrido, devendo os créditos reclamados pela “B”, garantidos por hipoteca e por penhor serem graduados com precedência em relação aos créditos dos demais recorrentes, até à confluência das importâncias que garantam".
Vista esta formulação, sentiram os recorrentes trabalhadores a necessidade de pedirem a reforma do acórdão alegando que "o tribunal não examinou as questões relacionadas com a graduação dos créditos dos trabalhadores quanto a salários e indemnizações por antiguidade", vindo a ser proferido o acórdão de fls. 4100-4103, em que, no essencial, se observa:
- não é verdade o que dizem os reclamantes relativamente à falta de apreciação dos seus pedidos, queixando-se de que os seus créditos, por salários e indemnizações, tenham sido relegados para o estatuto de créditos comuns;
- o núcleo da revista era o de saber se os trabalhadores da insolvente (entre eles os requerentes) gozavam de garantia comum ou preferencial por salários e indemnizações, no contexto dos créditos reclamados sobre a massa falida;
- beneficiando os trabalhadores (todos e relativamente aos créditos que reclamaram, por salários e indemnizações) da aplicação do art° 749°, tal significa não uma garantia real, mas apenas a precedência de pagamento em relação a credores comuns, ou o rateio entre credores com esta mesma precedência;
- o que este Tribunal não tem é que posicionar cada qual dos credores reclamantes no ranking correspondente do respectivos créditos garantidos pelo art° 749a, cabendo à 1ª Instância proceder aos ajustamentos adequados, considerando a precedência acolhida por este artigo, independentemente de o credor ser o Estado, a Autarquia ou os trabalhadores conforme a massa de bens sobre os quais a graduação se refizer.
Mas a verdade é que, com todo o respeito, a parte dispositiva do acórdão apenas contempla e resolve a questão da precedência dos créditos da “B” garantidos por hipoteca ou penhor sobre os créditos laborais, que gozem de privilégios mobiliários ao imobiliários, não se pronunciando sobre se é esse o caso das indemnizações por antiguidade, contexto em que não pode considerar-se que a revogação do acórdão da Relação é extensiva à parte em que gradua tal indemnização juntamente com os demais créditos comuns.
Com efeito, tendo presente o conceito de caso julgado e a questão dos seus efeitos quanto aos fundamentos da decisão, é sabido que a rigidez patente na letra do art° 673° do C. P. Civil na parte em que prescreve que a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga só tem sido quebrada pelo entendimento de que a eficácia do caso julgado se deve considerar extensiva às questões que forem antecedente lógico indispensável à emissão da parte dispositiva, logo se constata que não é o caso do acórdão em apreço.
E a verdade é que a questão fulcral levada ao supremo pelos recorrentes trabalhadores era a da prioridade dos seus créditos, mesmo sobre os que gozassem de garantia real e foi essa que o acórdão em causa resolveu nos termos constantes da transcrita parte decisória.
Cabendo portanto precisar os temos da questão relativa à indemnização antiguidade, dir-se-á que os privilégios relevantes só podem ser os que eram reconhecidos por lei quando surgiu o direito ou a situação jurídica de o credor ver graduado o seu créditos. E esse momento é, no processo de falência, como bem esclarece o acórdão do mesmo Alto Tribunal de 30.11.2006, in CJ (STJ) Ano XIV, Tomo III, pago 140) o do trânsito em julgado da sentença que a declarou. Com efeito, afirma-se no douto aresto, "Com a declaração de falência os bens da falida passam a integrar a massa falida, determinando-se o encerramento dos livros do falido e tomando imediatamente exigíveis todas as obrigações do falido, procedendo-se à imediata apreensão dos elementos contabilísticos e de todos os bens, seguindo-se, depois disso, a reclamação de créditos" e ( ... ) " Com a declaração de falência surgiu um direito ou situação jurídica de os credores verem graduados os seus créditos em face das garantias constituídas" concluindo que "posteriormente a essa data, os credores, quer sejam trabalhadores, quer outros, são apenas os que o eram à data da falência".
Desta ordem de considerações se segue que, face aos princípios que regem a aplicação das leis no tempo, mormente o consagrado no n° 1 do art° 12° do C. Civil, são irrelevantes as garantias que a lei consagre depois do momento a partir do qual determinados direitos puderam ser exercidos.
Ora, no que tange aos privilégios por créditos laborais, é sabido que a Lei nº 17/86, de 14 de Junho, os restringiu aos créditos provenientes de salários em atraso, o que bem resulta da conjugação dos art°s 1° nº 1, ao esclarecer que" a presente lei rege os efeitos jurídicos especiais produzidos pelo não pagamento pontual da retribuição e 12°, n° 1, quando reporta os privilégios aos "créditos emergentes do contrato individual de trabalho regulados pela presente Lei e que, tendo presente tal restrição, o art° 4° n° 1 da Lei n° 96/2001, de 20 de Agosto, estende tais privilégios aos "créditos emergente de contrato de trabalho ou da sua violação não abrangidos pela Lei nº 17/86 de 14 de Junho", de entre os quais não se vê, efectivamente, qualquer razão para excluir a indemnização por antiguidade, quando certo é que o n° 2 do memo preceito apenas exceptua os créditos de carácter excepcional, nomeadamente as gratificações extraordinárias e a participação no lucro das empresas. "Daí que, a partir da entrada em vigor da lei nº 96/2001, a generalidade dos créditos laborais (incluindo as indemnizações devidas aos trabalhadores em resultado da cessação da cessação dos respectivos vínculos, independentemente do motivo invocado para essa ruptura e ainda que nada tenha a ver com a existência de salários em atraso), tenha passado a deter carácter privilegiado" (Cfr. Miguel Lucas Pires, Quetões Laborais, Ano XV-N° 31, / Janeiro/Junho de 2008, pag.61).
Repare-se, porém na clareza com que na antecedente citação se acentua que tal só releva a partir da entrada em vigor da lei em apreço, no que mais se não faz do que ter em conta a questão da sucessão de leis no tempo.
Ora, no presente caso, a falência foi decretada por sentença de 7 de Março de 1998, ou seja, mais de três anos antes da entrada em vigor da lei n° 96/2001, sendo certo que, a situação que lhe deu origem já se verificava em 23 de Setembro de 1993, data que, sem impugnação, foi fixada como a da falência na sentença ora em apreço.
De todo o modo, quando, a partir de 7 de Março de 1998, os credores da falida, incluindo os trabalhadores, passaram a poder reclamar os seus créditos, só poderiam contar com as garantias e privilégios então vigentes, no contexto das quais o créditos laborais que não estivessem compreendidos nos art.ºs 1° e 12° da Lei n° 16/86, eram créditos comuns. Efectivamente, não pode relevar para o caso a data da sentença de graduação, na medida em que o entendimento contrario, se traduziria em aceitar que da própria pendência do processo falimentar brotassem direitos substantivos.
Relativamente à precedência dos créditos com garantia real sobre os privilégios de que gozem os créditos laborais, consagra o douto acórdão do Supremo Tribunal o entendimento claramente dominante na jurisprudência, no sentido de que ao introduzirem aquelas leis um privilégio imobiliário geral, não resolvem o conflito de prioridades nas ordenações dos créditos concorrentes, contexto em que se depara uma lacuna a preencher, conforme o disposto no art° 10° do C. Civil, com uma formulação coincidente com a do art° 749° do C. Civil que rejeita a possibilidade e privilégios imobiliários gerais, porque figuras desconhecidas no nosso direito civil, ante a realidade de que, nos termos do art° 735° n° 3, os privilégios imobiliários são sempre especiais, o que o Código do Trabalho veio, de certo modo, a ter presente, ao precisar, no acto 377°, n° 1, al. b), que o privilégio imobiliário especial incide sobre os imóveis do empregador nos quais o trabalhador preste a sua actividade. (Cfr, Acórdãos dos STJ de 25/1 0/2005 e de 17/11/2005 in CJ, STJ, Ano XIII, tomo III, pags. 86 e 133, respectivamente e de 12/09/2006, 14/11/2006, bem como o já citado de 30/11/2006, in CJ (STJ), Ano XlV, Tomo III, pags. 47, 107 e 140, respectivamente).

Em resumo, a douta sentença ora impugnada, com a redacção que lhe foi dada pelo despacho de aclaração de fls 4704- 4712, interpretou convenientemente os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça e os seus reflexos no acórdão Relação e graduou os créditos tendo em conta o lugar que lhes cabia, designadamente no que respeita aos "demais créditos indemnizatórios de todos os trabalhadores, referentes a reparação pela antiguidade relativa às causas da caducidade/cessação de contratos de trabalho, complementos de reforma ou outras liberalidades de certa regularidade".
Como acima se referiu a propósito do Acórdão desta Relação, não se tiraram quanto ao ponto A - II, da graduação (restantes imóveis apreendidos) as consequências do provimento integral do recurso do Mº Público quantos aos créditos do Estado e do mesmo, bem como o da “B” quanto á graduação dos créditos por indemnização, o mesmo tendo acontecido na versão original da sentença ora em apreço.
Tendo-se disso apercebido, o despacho de aclaração colmatou o patente lapso, reformulando a graduação nessa parte, o que os ora recorrentes verberam, nos termos das conclusões G), H) e I).
Mas sem razão. Na verdade, se é certo que, nos termos do artº 666° do C. P. Civil, proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto á matéria da causa, dúvidas não temos de que, sendo os fundamentos por que na Relação se alterou a decisão da 1ª instância extensíveis a todos os grupos de bens sobre que incidiram as diversas graduações, só por lapso, como se disse, manifesto, se não alterou a graduação no ponto A - II. Ou seja, deixou apenas de consignar-se uma consequência necessária da decisão, com o que o acórdão e posteriormente a primeira versão da sentença ficaram, inexactos, nessa parte. Trata-se, pois, de erro material, rectificável, por iniciativa do juiz, nos termos do art° 6670 do C.P.Civil.

Por todo o exposto e sem necessidade de mais considerandos, na improcedência da apelação, confirmam a decisão recorrida nos precisos termos resultam da aclaração de fls.4704 - 4701.
Custas pelos apelantes, sem prejuízo dos benefícios de apoio de que gozem.
Évora, 3 de Dezembro de 2008