Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | EMÍLIA RAMOS COSTA | ||
Descritores: | CONTRA-ORDENAÇÕES LABORAIS RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA INCONSTITUCIONALIDADE SEGURO DE ACIDENTES DE TRABALHO | ||
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Data do Acordão: | 10/25/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | I – Nos termos do art. 551.º, n.º 4, do Código do Trabalho, o contratante de uma outra empresa é solidariamente responsável, não só pelo pagamento das coimas, como pelo próprio cumprimento das disposições legais e por eventuais violações cometidas pelo subcontratante que executa todo ou parte do contrato nas instalações do contraente ou sob a responsabilidade do mesmo. II – Não está em causa, por isso, uma transmissão de responsabilidade contraordenacional, antes sim, a existência de uma responsabilidade própria e autónoma por parte do contratante. III – Compete, assim, ao contratante assegurar-se, quer no início do contrato quer durante a execução do contrato, de que as normas legais se mostram cumpridas pela sociedade subcontratada, exigindo-se, por isso, ao contratante um comportamento de fiscalização permanente desse cumprimento. IV – Age, nesta conformidade, sem a diligência devida, a entidade contratante que não exigiu à empresa subcontratada o cumprimento de todas as normas legais imperativas, designadamente, solicitando-lhe os respetivos comprovativos. V – Exatamente por existir uma violação autónoma e individual do dever de diligência por parte do contratante, não se mostra violada a disposição constitucional de proibição da transmissão da responsabilidade penal, ou o princípio da culpa. (Sumário elaborado pela relatora) | ||
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Decisão Texto Integral: | Proc. n.º 1094/23.6Y2STR.E1 Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1] ♣ Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:I – Relatório A recorrente “EMP01..., Lda.” (arguida) veio impugnar judicialmente a decisão da Autoridade para as Condições de Trabalho (doravante designada ACT) que lhe imputou, nos termos do art. 551.º, n.º 4, do Código do Trabalho, a prática de uma contraordenação muito grave, p. e p. pelos arts. 79.º, nºs. 1 e 2 e 171.º, n.º 1, da Lei n.º 98/2009, de 04-09, na versão da Lei n.º 83/2021, de 06-12, condenando-a no pagamento de uma coima no montante de €9.486,00, sendo solidariamente responsáveis por tal pagamento, nos termos do n.º 3 do art. 551.º do Código do Trabalho, os representantes legais da arguida, AA e BB. … O Tribunal de 1.ª instância, por sentença proferida em 27-02-2024, julgou nos seguintes termos:Nestes termos e pelos fundamentos expostos, julga-se improcedente o recurso de impugnação interposto por EMP01... LDA, arguida melhor identificada nos autos, e, por conseguinte, mantendo-se a decisão da AUTORIDADE PARA AS CONDIÇÕES DO TRABALHO, decide-se: 1. Julgar improcedente a nulidade da notificação do auto de notícia; 2. Julgar improcedente a inconstitucionalidade da norma do n.º 4 do artigo 551.º do Código do Trabalho. 3. Condenar a arguida, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 551.º do Código do Trabalho, pela prática de uma contraordenação laboral muito grave, prevista nos n.ºs 1 e 2 do art.º 79.º da Lei 98/2009 de 4/9, e punida pelo n.º 1 do art.º 171.º do mesmo diploma, na coima de € 9.486,00 (nove mil quatrocentos e oitenta e seis euros). 4. Condenar a arguida nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça no mínimo legal – arts. 93.º, n.º 3 e 94.º, n.º 3, do RGCO e artigo 8.º, n.º 7, do RCP. 5. Deposite e notifique. 6. Comunique à ACT, remetendo cópia da sentença – art. 45.º, n.º 3 do RPCOL. … Inconformada, veio a arguida “EMP01..., Lda.” interpor recurso da sentença, apresentando as seguintes conclusões:1- A Recorrente não se conforma com a decisão de ser condenada por contraordenação. 2- O processo contraordenacional padece de nulidade por não cumprimento do disposto no artigo 50º do RGCO. 3- Ao abrigo do artigo 551.º, n.º 4 do CT, imputa-se a uma autoria solidária na prática das contraordenações. 4- A Recorrente tudo fez para que fossem cumpridas as normas legais pela Arguida, sendo que as infrações imputadas ou não existiram ou foram praticadas contra a sua vontade e conhecimento e contra instruções expressas dadas. 5- Não lhes pode ser imputada a responsabilidade contraordenacional. 6- A Recorrente não têm qualquer poder de direção sobre a Arguida nem sobre a sua organização. 7- Nas contraordenações laborais, tal como nas contraordenações em geral para que exista responsabilidade é necessária a prática pelo agente de um facto ilícito, típico e culposo, que a lei declare como contraordenação. 8- O artigo 8.º do RGCO refere que “Só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos excecionalmente previstos na lei, com negligência”. 9- A Recorrente não praticou qualquer contraordenação, nem as condutas da Arguida lhe são imputáveis. 10- A responsabilidade imputada à Recorrente só pode ocorrer por transmissão da responsabilidade da Arguida. 11- Transmissão essa constitucionalmente proibida, nos termos do artigo 30.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa. 12- Logo, a norma do artigo 551.º, n.º 4 do Código do Trabalho é inconstitucional por violar as normas 30.º, n.º 3 e 32.º, n.º 10 da CRP. 13- Não pode, por isso, ser aplicada a norma supracitada do CT por violação das supracitadas normas constitucionais. 14- Como não pode haver punição a título de contraordenação sem culpa. 15- O artigo 551.º do CT tem a epígrafe “Sujeito responsável por contraordenação laboral” e imputa a responsabilidade às entidades que contratam serviços terceiros por atos destas. 16- Ou seja, transfere a responsabilidade pela contraordenação para quem não a praticou e que na maioria dos casos não pode sequer defender-se da mesma porque não deu aso às condutas puníveis como contraordenação. 17- Ficam os responsáveis solidários dependentes da Autora da contraordenação para se poder defender e justificar as condutas que não são suas e na maior parte dos casos sem meios de prova para a sua defesa. 18- Sendo a norma do artigo 551.º nº 4 do CT inconstitucional, não pode a mesma ser aplicada. 19- Em respeito do disposto no artigo 204.º da CRP, não podendo os tribunais aplicar normas inconstitucionais. 20- Como tal deve a Recorrente ser absolvida da contraordenação que lhe é imputada. 21- A Recorrente tudo fez para garantir o cumprimento das normas legais relativas aos trabalhadores da Arguida . 22- Aplicação desta norma viola princípios basilares e elementares de um Estado de Direito consagrados na nossa Constituição Termos em que se requer a Vossa Excelência seja revoada a douta sentença recorrida e : • Declaração de inconstitucionalidade da norma 541.º, n.º 4 do Código do Trabalho, por violação do disposto nos artigos 30.º, n.º 3 e 32.º, n.º 4 da CRP e consequente absolvição das Recorrente. • Caso assim não se entenda, deverá a Recorrente ser absolvida do pagamento da contra ordenação por ter cumprido todas as normas legais a que estava obrigada; … O M.º P.º apresentou contra-alegações, pugnando, a final, pela improcedência do recurso.… O tribunal de 1.ª instância admitiu o recurso, e, após a subida dos autos ao tribunal da relação, a Exma. Sra. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, pugnando pela improcedência do recurso, devendo ser mantida a sentença recorrida.… A recorrente não veio responder a tal parecer.… Admitido o recurso nos seus precisos termos e colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar e decidir.♣ II – Objeto do recursoNos termos dos arts. 403.º e 412.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal, ex vi do art. 41.º, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27-10 (RGCO) e arts. 50.º, n.º 4 e 60.º da Lei n.º 107/2009, de 14-09, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da recorrente, ressalvada a matéria de conhecimento oficioso (art. 410.º, nºs. 2 e 3, do Código de Processo Penal). No caso em apreço, as questões que importa decidir são: 1) Nulidade do processo contraordenacional; 2) Inconstitucionalidade do art. 551.º, n.º 4, do Código do Trabalho; e 3) Inexistência de comportamento negligente por parte da recorrente. ♣ III. Matéria de FactoA matéria de facto mostra-se fixada pela 1.ª instância, uma vez que o tribunal da relação, em sede contraordenacional laboral, apenas conhece da matéria de direito (art. 51.º, n.º 1, da Lei n.º 107/2009, de 14-09), com exceção das situações previstas no art. 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal. A decisão da 1.ª instância considerou provados os seguintes factos: 1. No dia 27 de abril de 2021, pelas 10:00, num local de trabalho pertença da entidade empregadora EMP01..., Sociedade Unipessoal, LDA sito em Zona Industrial ..., Rua F, lote ...28, Código Postal Local 1, esta entidade possuía ao seu serviço, sob suas ordens, direção e fiscalização, as trabalhadoras CC – com NISS ...40 - e DD – com NISS ...90 -, possuindo ainda ao seu serviço, sob suas ordens, direção, fiscalização e mediante retribuição o(a)s trabalhadore(a)s EE d’Avó, FF, GG, HH – de nacionalidade romena -, II, JJ, KK, LL – de nacionalidade brasileira -, MM - responsável pelo departamento de qualidade - e NN – responsável dos recursos humanos. 2. O estabelecimento visitado é uma unidade agroindustrial da entidade EMP01..., Sociedade Unipessoal, LDA que recebe produtos hortícolas provenientes do campo - couve coração, couve coração roxo, couve lombardo, couve roxa, couve branca, abóbora butternut, abóbora hokkaido, abóbora musquee, abóbora comprida e alho francês - e trata-os – designadamente, apara, lava e embala -, de modo a poder depois colocá-los no mercado. 3. Quem pagava as retribuições das trabalhadoras CC e DD era a entidade infratora EMP02..., Unipessoal, Lda. 4. Na realidade, quando identificadas, as trabalhadoras CC e DD assumiram-se como trabalhadoras pertencentes à entidade infratora, EMP02..., Unipessoal, Lda, facto que foi confirmado pelas restantes trabalhadoras que iam sendo identificadas e, sobretudo, pelas trabalhadoras MM e NN. 5. A trabalhadora DD foi declarada na Segurança Social pela entidade infratora EMP02..., Unipessoal, Lda nos meses de abril e maio de 2021. 6. A trabalhadora CC não foi declarada pela entidade infratora EMP02..., Unipessoal, Lda à Segurança Social nos meses de abril de maio de 2021, fazendo, no entanto, parte do registo dos tempos de trabalho relativos à arguida realizados pela entidade EMP01..., Sociedade Unipessoal, LDA. 7. A arguida EMP01..., Sociedade Unipessoal, LDA. é que procedia aos registos dos tempos de trabalho das trabalhadoras pertencentes à arguida. 8. Quando da visita inspetiva, a trabalhadora CC – da entidade EMP02..., Unipessoal, Lda - encontrava-se na linha das couves a apará-las, ao lado de outras trabalhadoras pertenças da arguida EMP01..., Sociedade Unipessoal, LDA, como eram os casos de EE d’Avó e FF. 9. As trabalhadoras EE d’Avó e FF, pertencentes à entidade empregadora e arguida EMP01..., Sociedade Unipessoal, LDA estavam a desempenhar exatamente as mesmas tarefas que a trabalhadora CC, que pertencia á entidade infratora EMP02..., Unipessoal, Lda. 10. Na sequência da visita inspetiva descrita nos pontos anteriores, foi enviada uma outra Notificação para Apresentação de Documentos à entidade infratora EMP02..., Unipessoal, Lda, a qual foi devidamente recebida pela arguida. A Notificação para Apresentação de Documentos foi enviada em data anterior à outra Notificação onde se solicitou a apresentação do volume de negócios, Notificação essa já supra referida. 11. Entre outros documentos, foi solicitado à arguida a apresentação da apólice de seguro de acidentes de trabalho, a declaração de retribuições à seguradora onde constasse o nome e a retribuição dos trabalhadores e o último recibo pago, concernentes aos seus trabalhadores ao serviço na entidade empregadora e arguida EMP01..., Sociedade Unipessoal, LDA. 12. Até à data em que o Inspetor autuante lavrou auto de notícia, a arguida nada apresentou, remetendo-se ao silêncio. 13. A entidade infratora EMP02..., Unipessoal, Lda, tinha contratualizado com a companhia de seguros Fidelidade a apólice de AT ...55, na modalidade de prémio variável, sendo que as pessoas seguras a que constam da folha de retribuições que o Tomador remete, até ao dia 15 de cada mês e em suporte eletrónico, ao Segurador. 14. As trabalhadoras CC e DD não constam da folha de férias referente aos mês de abril de 2021. 15. Assim, objetivamente, a arguida EMP02..., Unipessoal, Lda, na qualidade de entidade empregadora, não transferiu a responsabilidade pela reparação de acidentes de trabalho prevista na lei para entidades legalmente autorizadas a realizar este seguro, desprotegendo e fragilizando desse modo as suas trabalhadoras CC e DD. 16. E, subjetivamente, a arguida não agiu com a diligência que lhe era devida e de que era capaz, pois não se pode considerar como lapso desculpável o facto de as trabalhadoras terem iniciado funções e que a arguida não as fizesse constar da folha de remunerações remetida ao Segurador, pois na qualidade de entidade empregadora que pelo menos no mês de abril de 2021 teve ao seu serviço pelo menos cerca de 74 trabalhadores, o pressupõe já existir uma adequada organização interna, nomeadamente na gestão de recursos humanos. 17. A arguida tendo sido formalmente constituída no dia 15 de junho de 2018, nunca entregou o Relatório Único, nem em 2019, nem em 2020 onde, no seu “anexo Zero – dados da entidade”, constaria o respetivo volume de negócios. Nessa sequência foi formalmente notificada por esta ACT para apresentar o volume de negócios do ano 2020, notificação essa que não obteve resposta. 18. É solidariamente responsável pelo cumprimento das disposições legais, assim como pelo pagamento da respetiva coima, nos termos do n.º 4 do art.º 551.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, na sua atual redação, a EMP01..., Sociedade Unipessoal, Lda, com o NIPC ...20, na qualidade de contratante. 19. O representante legal da arguida de EMP01..., Sociedade Unipessoal, Lda, AA, com o NIF ...80, na qualidade de sócio gerente, por ser solidariamente responsável pelo pagamento da coima nos termos do n.º 3 do art.º 551.º da Lei 7/2009 de 12/2. 20. O representante legal da arguida de EMP01..., Sociedade Unipessoal, Lda, BB, com o NIF ...32, na qualidade de sócio gerente, por ser solidariamente responsável pelo pagamento da coima nos termos do n.º 3 do art.º 551.º da Lei 7/2009 de 12/2. 21. A EMP01..., Sociedade Unipessoal, Lda, no ano 2020 apresentou 17 000 000 € de volume de negócios. 22. No ano de 2020, a EMP01..., Sociedade Unipessoal, Lda, teve um n.º médio de 50 trabalhadores ao seu serviço. 23. A entidade contratante ora arguida é solidariamente responsável pela violação da disposição legal em causa, assim como é responsável pelo pagamento da respetiva coima por força da aplicação do n.º 4 do art.º 551.º do Código do Trabalho, aprovado pela lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, na sua redação atual, pois também não observou os deveres de cuidado que as circunstâncias exigiam, mormente o de verificar se a entidade infratora EMP02..., Unipessoal Lda, enquanto entidade empregadora, havia cedido licitamente trabalhadores para utilização sua utilização, subvertendo a sã competição entre empresas. ♣ IV – Enquadramento jurídico1) Nulidade do processo contraordenacional A recorrente veio invocar a nulidade do processo contraordenacional por violação do disposto nos arts. 46.º e 50.º do RGCO, uma vez que o auto de notícia que lhe foi notificado tinha como arguida outra entidade que não a recorrente, a identificação de trabalhadores que não são seus trabalhadores, um despacho de arquivamento incompleto e um despacho ininteligível. Referiu ainda que os factos imputados não se referem à recorrente, não se mostra identificada, de modo claro e suficiente, a infração que lhe é imputada, pelo que, devido à inteligibilidade desse auto de notícia, não foi permitido à recorrente exercer, de forma correta, o seu direito de defesa. Na sentença recorrida esta questão foi decidida nos seguintes termos: Dispõe o artigo 15.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro [RPCOLSS], sob a epígrafe “Elementos do auto de notícia, da participação e do auto de infração”, o seguinte: 1 - O auto de notícia, a participação e o auto de infracção referidos nos artigos anteriores mencionam especificadamente os factos que constituem a contra-ordenação, o dia, a hora, o local e as circunstâncias em que foram cometidos e o que puder ser averiguado acerca da identificação e residência do arguido, o nome e categoria do autuante ou participante e, ainda, relativamente à participação, a identificação e a residência das testemunhas. 2 - Quando o responsável pela contra-ordenação seja uma pessoa colectiva ou equiparada, indica-se, sempre que possível, a sede da pessoa colectiva e a identificação e a residência dos respectivos gerentes, administradores ou directores. 3 - No caso de subcontrato, indica-se, sempre que possível, a identificação e a residência do subcontratante e do contratante principal. O artigo 17.º do mesmo diploma legal, sob a epígrafe “Notificação ao arguido das infrações laborais”, no que aqui releva, dispõe o seguinte: 1 - O auto de notícia, a participação e o auto de infração são notificados ao arguido, para, no prazo de 15 dias, proceder ao pagamento voluntário da coima. E o artigo 20.º do mesmo diploma legal, sob a epígrafe “Responsabilidade solidária pelo pagamento da coima”, o seguinte: O disposto nos artigos 17.º, 18.º e 19.º é aplicável, com as necessárias adaptações, ao sujeito solidariamente responsável pelo pagamento da coima. Perscrutados os autos, no que aqui releva, observa-se o seguinte: - O auto de notícia, junto a fls. 4 e ss, contem, entre outros, os factos que constituem a contraordenação aí identificada, o dia, a hora, o local e as circunstâncias em que foram cometidos, a identificação da entidade infratora, a identificação dos responsáveis pelo pagamento da coima nos termos do disposto no n.º 4 do art. 551.º do Código do Trabalho, entre os quais, a aqui Recorrente, cuja responsabilidade se mostra fundamentada nos factos aí descritos sob os pontos 2. e 10., isto é, enquanto entidade exploradora da unidade agroindustrial onde os trabalhadores aí identificados, por conta da entidade EMP02... Unipessoal, Lda, prestavam as suas funções. - A notificação dirigida à Recorrente, junta a fls. 82 e 83, devida nos termos do artigo 20.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, acompanhada da cópia do auto de notícia e da guia para pagamento da coima, cumpre o disposto no artigo 17.º do mesmo diploma legal, indicando o prazo para pagamento voluntário da coima, a possibilidade de apresentar defesa, com indicação do prazo e da prova passível de ser oferecida, no respeito pelo disposto no invocado artigo 46.º e 47.º do RGCO. Pelo que, não se alcança a nulidade invocada, cujo conhecimento pela autoridade administrativa se mostra devidamente fundamentado na proposta de decisão, junta a fls. 123 e ss., que recebeu concordância a fls. 142., e cujos fundamentos aqui se reiteram. Improcede, assim, a apontada nulidade da notificação do auto de notícia. Diga-se, desde já, que se concorda com a bem fundamentada decisão. Atente-se que, fazendo letra morta dos fundamentos de facto e de direito apresentados na sentença recorrida, a recorrente continua a repetir, em sede recursiva, os fundamentos de facto e de direito apresentados em sede de impugnação judicial. Ora, desde logo, as normas aplicáveis não são as constantes dos arts. 46.º e 50.º do RGCO,[2] antes sim, as constantes dos arts. 15.º, 17.º e 20.º da Lei n.º 107/2009, de 14-09, por ser esse o regime aplicável às contraordenações laborais, só se aplicando o que dispõe a RGCO em caso de omissão da referida Lei das Contraordenações Laborais, o que não acontece com os elementos que devem constar do auto de notícia, com o modo de notificação ao arguido das infrações laborais e como deve tal notificação ocorrer relativamente à responsabilidade solidária pelo pagamento da coima. Ora, no caso dos autos, apesar de indicar outra entidade que não a recorrente como arguida, identificou a recorrente, nos termos do art. 551.º, n.º 4, do Código do Trabalho, como entidade igualmente responsável pelo pagamento das coimas, especificando a razão para tal: “porque entidade contratante da arguida”. Relativamente aos factos que foram imputados à recorrente constam os mesmos dos pontos 1 a 13, ou seja, por ter contratado, à arguida “EMP02..., Unipessoal, Lda.”, duas trabalhadoras, que no dia e hora dos factos, se encontravam a trabalhar nas suas instalações, sendo que tais trabalhadoras não tinham apólice de seguro de acidentes de trabalho. Não corresponde, por isso, à realidade que o auto de notícia não possua factos que lhe sejam imputados. Por fim, da leitura do auto de notícia, não se compreende a que despacho de arquivamento incompleto ou ininteligível se refere a recorrente. Pelo exposto, por inexistir qualquer nulidade na notificação do auto de notícia à recorrente, visto terem sido integralmente respeitadas as normas constantes dos arts. 15.º, 17.º e 20.º da Lei n.º 107/2009, de 14-09, improcede, nesta parte, a sua pretensão. 2) Inconstitucionalidade do art. 551.º, n.º 4, do Código do Trabalho Considera a recorrente que, por não ter qualquer poder de direção relativamente a entidade empregadora das duas trabalhadoras que não tinha seguro de acidente de trabalho, não lhe pode ser imputada qualquer responsabilidade contraordenacional, sendo que a transmissão de responsabilidade prevista no n.º 4 do art. 551.º do Código do Trabalho é inconstitucional, não só por violar o disposto no art. 30.º, n.º 3 da CRP, como também por violar o disposto no art. 32.º, n.º 10 da CRP, visto admitir a punição a título de contraordenação sem culpa. Estipula o art. 551.º, n.º 4, do Código do Trabalho, que: […] 4 - O contratante e o dono da obra, empresa ou exploração agrícola, bem como os respetivos gerentes, administradores ou diretores, assim como as sociedades que com o contratante, dono da obra, empresa ou exploração agrícola se encontrem em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, são solidariamente responsáveis pelo cumprimento das disposições legais e por eventuais violações cometidas pelo subcontratante que executa todo ou parte do contrato nas instalações daquele ou sob responsabilidade do mesmo, assim como pelo pagamento das respetivas coimas. Dispõe também o art. 30.º, n.º 3, da CRP, que: […] 3. A responsabilidade penal é insusceptível de transmissão. Por sua vez, dispõe o art. 32.º, n.º 10, da CRP, que: 10. Nos processos de contra-ordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa. Em primeiro, não se compreende como possa o art. 551.º, n.º 4, do Código do Trabalho, violar o disposto no art. 32.º, n.º 10, da CRP, visto não estar aqui mencionada qualquer norma processual. Por sua vez, em face do que dispõe o referido art. 551.º, n.º 4, o contratante de uma outra empresa é solidariamente responsável, não só pelo pagamento das coimas, como pelo próprio cumprimento das disposições legais e por eventuais violações cometidas pelo subcontratante que executa todo ou parte do contrato nas instalações do contraente ou sob a responsabilidade do mesmo. Deste modo, não está em causa uma transmissão de responsabilidade contraordenacional, antes sim, a existência de uma responsabilidade própria e autónoma por parte do contratante. Assim, compete ao contratante assegurar-se, quer no início do contrato quer durante a execução do contrato, de que as normas legais se mostram cumpridas pela sociedade subcontratada, exigindo-se, por isso, ao contratante um comportamento de fiscalização permanente desse cumprimento. Age, nesta conformidade, sem a diligência devida, a entidade contratante que não exigiu à empresa subcontratada o cumprimento de todas as normas legais imperativas, designadamente, solicitando-lhe os respetivos comprovativos. Pelo exposto, por existir uma violação autónoma e individual do dever de diligência por parte do contratante, não se vislumbra como possa estar a ser violada qualquer disposição constitucional, como a que proíbe a transmissão da responsabilidade penal, ou o princípio da culpa. Neste sentido já se pronunciou o Tribunal Constitucional no âmbito do processo n.º 698/22, de 02-12, concluindo: a) Não julgar inconstitucional a norma contida no artigo 551.º, n.º 4, do Código do Trabalho, na redação dada pela Lei n.º 28/2016, de 23 de agosto, na parte em que prevê que o contratante é solidariamente responsável pelo cumprimento das disposições legais e por eventuais violações cometidas pelo subcontratante que executa todo ou parte do contrato nas instalações daquele ou sob responsabilidade do mesmo, assim como pelo pagamento das respetivas coimas; Conforme bem se refere em tal acórdão: 21. Os deveres de coordenação global, acompanhamento e fiscalização que impendem sobre o contratante, em relação ao subcontratante, emergem da direta e intrínseca conexão funcional existente entre ambos os sujeitos. 22. E determinam que não seja, pois, alheia ao contratante a responsabilidade pelo incumprimento ou violação de disposições legais na execução da sua obra e, consequentemente, também a sua responsabilidade solidária pelo pagamento das coimas aplicáveis. 23. Daí que não seja possível pretender-se que a norma impugnada viola o princípio da proibição da transmissão da responsabilidade, porquanto o contratante, ao ficar responsável pelo pagamento das coimas que possam ser aplicáveis, não vê transmitida a autoria das correspondentes contraordenações mas sim assume, por força dos deveres de que está onerado, a responsabilidade que também lhe cabe, tanto pelo cumprimento, como pela não violação das disposições legais aplicáveis por força da execução da sua obra.[3] Pelo exposto, apenas nos resta concluir pelo respeito do art. 551.º, n.º 4, do Código do Trabalho, pela Constituição da República Portuguesa, determinando, também, nesta parte, a improcedência da pretensão da recorrente. 3) Inexistência de comportamento negligente por parte da recorrente Entende a recorrente que não lhe pode ser imputada a contraordenação prevista e punida pelos arts. 79.º, nºs. 1 e 2 e 171.º, n.º 1, da Lei n.º 98/2009, de 04-09, na versão da Lei n.º 83/2021, de 06-12, em face do disposto no art. 551.º, n.º 4, do Código do Trabalho, porque tudo fez para que fossem cumpridas as normas legais pela arguida “EMP02..., Unipessoal, Lda.”, sendo que qualquer infração imputada a esta foi praticada contra a sua vontade e conhecimento e contra instruções expressas por si dadas, tendo a recorrente tudo feito para garantir o cumprimento das normas legais relativas aos trabalhadores daquela arguida. Apreciemos. Em face dos factos dados como assentes, vejamos o que é imputado à recorrente. Consta, assim, dos factos provados que no dia 27 de abril de 2021, pelas 10:00, num local de trabalho pertença da recorrente estavam a trabalhar para a esta as trabalhadoras CC e DD, cuja entidade empregadora era a arguida “EMP02..., Unipessoal, Lda.”, sendo que esta entidade não tinha transferido a responsabilidade pela reparação de acidentes de trabalho destas trabalhadoras para qualquer companhia de seguros. Resultou igualmente provado que a recorrente não verificou, como as circunstâncias exigiam, se a empresa que contratara, enquanto entidade empregadora daquelas duas trabalhadoras, cumprira as suas obrigações legais, concretamente, tinha transferido a responsabilidade pela reparação de acidentes de trabalho destas trabalhadoras para qualquer companhia de seguros, sendo que, com tal comportamento omissivo, a recorrente violou os deveres de cuidado a que estava obrigada. Acresce que não consta da matéria dada como provada qualquer facto que permita concluir que a recorrente tenha alguma vez procurado verificar se as referidas trabalhadoras possuíam, ou não, o referido seguro de acidentes de trabalho. Dir-se-á que exigir o cumprimento desta obrigação legal por parte da recorrente se basta com a solicitação da apresentação do referido seguro pela sociedade que se pretenda contratar, antes da realização do referido contrato. Preenchidos, assim, os elementos objetivos e subjetivos da contraordenação imputada, nos termos do mencionado art. 551.º, n.º 4, do Código do Trabalho, à recorrente, terá de improceder, de igual modo, nesta parte, a pretensão da recorrente. ♣ V - DecisãoPelo exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente, e, consequentemente, confirmar a sentença recorrida. Custas a cargo da recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC (art. 8.º, n.º 7 e tabela III do Regulamento das Custas Processuais). Notifique. ♣ Évora, 25 de outubro de 2024Emília Ramos Costa (relatora) Paula do Paço João Luís Nunes __________________________________________________ [1] Relatora: Emília Ramos Costa; 1.ª Adjunta: Paula do Paço; 2.º Adjunto: João Luís Nunes. [2] DL n.º 433/82, de 27-10, na redação dada pela Lei n.º 109/2001, de 24-12. [3] Sublinhado nosso. |