Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
480/23.6YLPRT-E.E1
Relator: JOSÉ ANTÓNIO MOITA
Descritores: NULIDADE DA SENTENÇA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
EXTINÇÃO DO PODER JURISDICIONAL
Data do Acordão: 07/10/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO RECORRIDA
Área Temática: CÍVEL
Sumário: Sumário do Acórdão

(Da exclusiva responsabilidade do relator – artigo 663º, nº 7, do CPC)


Não se verifica a invalidade formal traduzida na causa de nulidade de sentença/despacho por omissão de pronúncia quando o Tribunal recorrido por ter apreciado certa pretensão e respectivos fundamentos em despacho anterior, os quais vêm a ser renovada(os) pela Apelante em requerimento posterior, menciona no despacho recorrido ter já tomado posição sobre tal assunto, impondo-se, inclusive, como o fez, recordar a regra de extinção/esgotamento do poder jurisdicional prevista no n.º 1 do artigo 613.º do CPC.

Decisão Texto Integral: Apelação nº 480/23.6YLPRT-E.E1

Tribunal Judicial da Comarca de Faro-Juízo de Competência Genérica de Cidade 1


Apelante: AA


Apelada: Zip Reoco Rezi Portfolio, Sicafi, SA


***


*


Acordam os Juízes na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora no seguinte:


I – RELATÓRIO


No âmbito do processo especial de despejo, que constitui o processo principal a que estes autos se encontram apensados, instaurado por Zip Reoco Rezi Portfolio, Sicafi, SA, contra AA e BB, foi proferido no Tribunal a quo a 25/07/2023 sentença, que incluiu o seguinte dispositivo:


“Face a todo o exposto, com estes fundamentos, julgando-se procedente o procedimento especial de despejo:


a) Declara-se cessado o referido contrato de arrendamento celebrado entre as partes, nos termos sobreditos, com fundamento na eficácia da oposição da locadora à sua renovação, com efeitos a 30/11/2022; e


b) Condenam-se os Requeridos AA e BB a entregarem o locado à Requerente Zip Reoco Resi Portfolio Sicafi, S.A., livre e devoluto de pessoas e bens;


Custas pela Requerida/Oponente AA, face ao decaimento.”


Em 17/12/2024 o Tribunal recorrido proferiu despacho com o seguinte teor:


“Este processo foi remetido pelo BAS e apresentado a juízo para ser proferida decisão judicial sobre o pedido da Srª agente de execução para entrada imediata no domicílio/locado, com recurso às autoridades policiais e ao arrombamento de portas, se necessário, em virtude de não ter sido voluntariamente desocupado.


Trata-se da habitação com entrada pelo n° 51 da Rua 1 Local 1, concelho de Cidade 1, do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Cidade 1 sob o n° 3650, da freguesia da Local 1.


Notificou-se os Requeridos AA e BB para, em prazo, se pronunciarem acerca do assim requerido.


Apreciando.


No caso, a Requerente Zip Reoco Resi Portfolio Sicafi, S.A., intentou o procedimento especial de despejo contra os Requeridos AA e BB, visando o despejo com base na cessação do contrato de arrendamento com eles celebrados, e a consequente desocupação do locado.


Deduzida oposição pela Requerida AA, a 25/07/2023 foi proferida a sentença que julgou procedente o procedimento especial de despejo, declarou cessado o referido contrato de arrendamento celebrado entre as partes, com fundamento na eficácia da oposição da locadora à sua renovação, com efeitos a 30/11/2022; e condenou os Requeridos AA e BB a entregarem o locado à Requerente Zip Reoco Resi Portfolio Sicafi, S.A., livre e devoluto de pessoas e bens.


Tal sentença transitou em julgado a 21/05/2024.


Foi emitido título de desocupação do locado, o locado não foi voluntariamente desocupado, e mostra-se comprovado o pagamento da respectiva taxa de justiça pela Requerente Zip Reoco Resi Portfolio Sicafi, S.A..


Atento o regime em vigor à data em que os Requeridos foram notificados para se oporem ao procedimento especial de despejo, e também em vigor à data em que a Requerida deduziu a sua oposição ao procedimento especial de despejo - Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro, na redacção anterior à Lei nº 56/2023, de 6 de Outubro -, constituiu ónus dos Requeridos a formulação com a oposição do pedido de diferimento da desocupação com fundamento em razões sociais imperiosas - art. 15º - N da Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro, na redacção anterior à Lei nº 56/2023, de 6 de Outubro.


Contudo, no caso, nenhum dos requeridos deduziu oposição ao procedimento especial de despejo pedindo o diferimento da desocupação com a invocação de razões sociais imperiosas, pelo que precludiu tal faculdade.


O que a Requerida AA veio agora invocar foi que intentou ação contra a aqui Autora na qual peticionou fosse declarado que o contrato celebrado entre as partes é um contrato promessa de compra e venda; o reconhecimento de que é promitente adquirente do imóvel, que procedeu a esse título à entrega de 53.500,00 (cinquenta e três mil e quinhentos euros), que tal valor se destinou à aquisição do imóvel; e, cumulativamente, ali peticionou também a condenação da aqui Requerente a celebrar escritura pública pelo valor de 53.500,00 (cinquenta e três mil e quinhentos euros); ou, no caso de se considerar que a Ré já não tem interesse, foi peticionado o pagamento do sinal em dobro no valor de 107.000,00€ (cento e sete mil euros). Ação, essa, que alega ter sido sujeita a registo e se encontra a correr termos no Juízo Central Cível de Cidade 2 – Juiz 2 sob n.º 3310/23.5... na fase de recurso.


Ora, o certo é que, uma tal acção, não constitui nem pode constituir causa prejudicial da entrega do imóvel locado à Requerente, desde logo por virtude do efeito do caso julgado anterior formado pela decisão judicial, transitada em julgado, que apreciou a oposição ao procedimento especial de despejo, e que condenou os Requeridos AA e BB a entregarem o locado à Requerente Zip Reoco Resi Portfolio Sicafi, S.A., livre e devoluto de pessoas e bens.


Ambos os Requeridos AA e BB tiveram oportunidade de deduzir oposição ao procedimento especial de despejo, apenas a Requerida AA deduziu uma tal oposição, e, nela, não chegou a invocar qualquer direito ao gozo do imóvel que fosse emergente de um contrato promessa (aliás, nem tão pouco o invoca agora).


Por fim, a Requerida veio agora alegar que o imóvel em apreço é a sua casa de morada de família, onde reside com o seu filho menor de idade e mantém todos os seus pertences, não dispondo de nenhuma outra habitação onde habitar, e encontrando-se com sérias dificuldades no realojamento, o que entende deve ser comunicado à Câmara Municipal e às entidades assistenciais competentes,


conforme prevê o artigo 861.º, n.º 6 do Código de Processo Civil; verificando-se uma necessidade de alojamento urgente em obediência ao artigo 65.º da nossa Constituição, que consagra o direito à habitação.


Diga-se que, o nº 6 do art. 861º, do NCPC (“6 - Tratando-se da casa de habitação principal do executado, é aplicável o disposto nos nºs 3 a 5 do artigo 863.º e, caso se suscitem sérias dificuldades no realojamento do executado, o agente de execução comunica antecipadamente o facto à câmara municipal e às entidades assistenciais competentes.”), é uma norma que prevê uma comunicação a efectuar pelo agente de execução quando se suscitem sérias dificuldades no realojamento do executado, mas não é uma norma que constitua fundamento para o tribunal determinar a suspensão e/ou o diferimento da desocupação do locado, e não cabe ao proprietário do locado assegurar a habitação da Requerida.


É certo que, com a actual redacção do NRAU, introduzida pela Lei nº 56/2023, de 6 de Outubro, o art. 15º-M manda aplicar com as devidas adaptações o regime previsto nos arts. 863º a 865º, do NCPC, à suspensão e diferimento da desocupação do locado.


Sucede que, nenhum dos fundamentos invocados pela Requerida se encontra nos termos em que, de acordo com o regime previsto nos arts. 863º a 865º, do NCPC, seria possível a suspensão e diferimento da desocupação do locado, além de que, a Requerida AA não ofereceu provas nem indicou testemunhas no requerimento em que, agora, se pronunciou acerca do pedido de autorização judicial para entrada no domicílio.


Não se apuram assim fundamentos que obstem à autorização de entrada no domicílio da Requerida, ou seja, no locado, com vista à efectivação da sua desocupação, isto, quando é certo que a decisão judicial, transitada em julgado, que apreciou a oposição ao procedimento especial de despejo (e que condenou os Requeridos AA e BB a entregarem o locado à Requerente Zip Reoco Resi Portfolio Sicafi, S.A., livre e devoluto de pessoas e bens) valia já como autorização de entrada no domicílio.


Face a todo o exposto, autoriza-se a entrada no referido domicílio (o locado) (habitação com entrada pelo n° 51 da Rua 1 Local 1, concelho de Cidade 1, do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Cidade 1 sob o n° 3650, da freguesia da Local 1) com vista à concretização do despejo e sua desocupação pelos Requeridos AA e BB, podendo a Srª agente de execução solicitar directamente o auxílio das autoridades policiais sempre que seja necessário o arrombamento da porta e a substituição da fechadura para efectivar a posse do imóvel.


Notifique.


Comunique.”


Em 11/04/2025 a Requerida dirigiu aos autos principais o seguinte requerimento:


AARé nos autos supra referenciados e aí melhor identificada vem aos autos requerer a sustação da decisão datada de 17-12-2024 que ordenou a entrada no referido domicílio (o locado) (habitação com entrada pelo n° 51 da Rua 1 Local 1, concelho de Cidade 1), o que faz nos termos e com os fundamentos seguintes:


1. Por decisão datada de 17-12-2024 o tribunal autorizou a entrada no referido domicílio (o locado) (habitação com entrada pelo n° 51 da Rua 1 Local 1, concelho de Cidade 1, do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Cidade 1 sob o n° 3650, da freguesia da Local 1) com vista à concretização do despejo e sua desocupação pelos Requeridos AA e BB, podendo a Srª agente de execução solicitar directamente o auxílio das autoridades policiais sempre que seja necessário o arrombamento da porta e a substituição da fechadura para efectivar a posse do imóvel.


2. Inconformada com a decisão supra referida a Ré apresentou recurso de apelação e requereu o efeito suspensivo do mesmo.


3. Por despacho datado de 17-01-2025 o tribunal de 1.ª instância decidiu indeferir a atribuição de efeito suspensivo ao presente recurso, nos termos do artigo 647.º, n.º 4, do Código de Processo Civil.


4. Motivo pelo qual foi apresentado recurso de apelação.


5. Recurso esse que ainda não foi admitido.


6. Sendo certo que se encontra pendente o processo n.º 3310/23.5... que corre termos no Juízo Central Cível de Cidade 2 - Juiz 2.


7. No qual também foi apresentado recurso de apelação.


8. O qual foi admitido com efeito devolutivo, porém após apresentação de recurso o tribunal considerou que o tribunal de 2.ª instância deveria fixar efeito suspensivo, conforme Doc. 1 que ora se junta e aqui se dá por integralmente reproduzido.


9. Devendo a decisão em apreço ser sustada de imediato.


10. O imóvel em apreço é casa de morada de família da Ré, onde reside com o seu filho menor de idade e mantém todos os seus pertences, não dispondo de nenhuma outra habitação onde habitar.


11. Encontrando-se com sérias dificuldades no realojamento, o que entende deve ser comunicado à Câmara Municipal e às entidades assistenciais competentes, conforme prevê o artigo 861.º, n.º 6 do Código de Processo Civil.


12. Verificando-se uma necessidade de alojamento urgente em obediência ao artigo 65.º da nossa Constituição, que consagra o direito à habitação.


13. Diga-se que, o n.º 6 do artigo 861º, do NCPC (“6 - Tratando-se da casa de habitação principal do executado, é aplicável o disposto nos nºs 3 a 5 do artigo 863.º e, caso se suscitem sérias dificuldades no realojamento do executado, o agente de execução comunica antecipadamente o facto à câmara municipal e às entidades assistenciais competentes.”), é uma norma que prevê uma comunicação a efectuar pelo agente de execução quando se suscitem sérias dificuldades no realojamento do executado, mas não é uma norma que constitua fundamento para o tribunal determinar a suspensão e/ou o diferimento da desocupação do locado, e não cabe ao proprietário do locado assegurar a habitação da Requerida.


14. Termos em que e face ao supra exposto deverá ser determinado o diferimento da desocupação do locado.”


Em 12/05/2025 o Tribunal recorrido proferiu o seguinte despacho:


“Requerimento da Ré de 4.02.2025:


A Autora vem recorrer do despacho que decretou efeito devolutivo ao recurso admitido nos autos, entendendo que o mesmo deve ter efeito suspensivo.


Ora, a alteração do efeito fixado no recurso só pode ser corrigida pelo Exmo. Desembargador a quem o recurso seja atribuído, não podendo ser objeto de recuso autónomo, pelo que não admito o recurso em causa (artigos 644º, 647º, 652º, n.º 1 al. a) e 654º do Código de Processo Civil).


Notifique.


Requerimento da Ré de 11.04.2025:


Pretende a Ré a sustação da decisão de 17.12.2024 (que autorizou a entrada no domicílio para concretização da decisão de despejo) porquanto ainda não foi admitido o recurso interposto da decisão que indeferiu a fixação do efeito suspensivo ao recurso interposto daquela decisão; por, no processo nº 3310/23.5..., que corre termos no Juízo Central Cível de Cidade 2 – Juiz 2, ter sido admitido o recurso interposto da decisão final aí proferida e, pese embora tenha sido fixado efeito meramente devolutivo, o tribunal de 1ª instância considerou que tal efeito deve ser alterado para suspensivo e, por último, por o imóvel em causa ser a casa de morada de família da Ré e do seu filho menor, enfrentando esta sérias dificuldades no realojamento, pelo que entende que deve ser dado cumprimento ao disposto no art. 861º/6, do Código de Processo Civil e ser determinado o diferimento da desocupação.


Notificada, a Autora nada disse.


Cumpre decidir.


Relativamente ao recurso interposto pela Ré em 4.02.2025, conforme resulta da decisão supra, não foi o mesmo admitido.


Relativamente à sustação da decisão de 17.12.2024 com fundamento na existência do processo nº 3310/23.5... do JCC de Cidade 2-J2 e com a necessidade de cumprimento do disposto no art. 861, nº6, do Código de Processo Civil e do diferimento da desocupação, tais fundamentos foram apreciados, e afastados, precisamente no despacho de 17.12.2024, pelo que o tribunal já tomou posição sobre o assunto, mostrando-se esgotado o poder jurisdicional e, assim sendo, nada mais cumpre apreciar.


Notifique.”


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Inconformada com o despacho datado de 12/05/2025 veio a Requerida apresentar requerimento de recurso para este Tribunal da Relação de Évora, alinhando no final as seguintes conclusões:


“Conclusões:


1. Por despacho datado de 17-12-2024 o tribunal “a quo” autorizou a entrada no referido domicílio (o locado) (habitação com entrada pelo n° 51 da Rua 1 Local 1, concelho deCidade 1, do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Cidade 1 sob o n° 3650, da freguesia da Local 1) com vista à concretização do despejo e sua desocupação pelos Requeridos AA e BB,


podendo a Srª agente de execução solicitar directamente o auxílio das autoridades policiais sempre que seja necessário o arrombamento da porta e a substituição da fechadura para efectivar a posse do imóvel.


2. Inconformada a Ré ora Recorrente apresentou recurso de apelação e requereu que a apelação tivesse efeito suspensivo.


3. Por despacho datado de 17-1-2025 o tribunal “a quo” admitiu o recurso interposto pela Autora e indeferiu a atribuição de efeito suspensivo ao presente recurso nos termos do disposto no artigo


647.º, n.º 4 do Código de Processo Civil


4. Inconformada a ora Recorrente apresentou recurso do despacho que fixou o efeito devolutivo ao recurso apresentado.


5. Por despacho datado de 12-05-2025 o tribunal “a quo” não admitiu o recurso em causa, tendo sido apresentada a competente reclamação.


6. Por requerimento datado de 11-04-2025 a ora Recorrente requereu a sustação da decisão de 17-12-2024.


7. Por decisão datada de 12-05-2025 o tribunal “a quo” decidiu que relativamente ao pedido de sustação da decisão datada de 17-12-2024 o tribunal já tomou posição sobre o assunto, mostrando-se esgotado o poder jurisdicional e que nada mais cumpria apreciar.


8. A ora Recorrente não se conforma com o despacho proferido pelo tribunal “a quo” de que ora se recorre.


9. Andou mal o tribunal “a quo” ao considerar que o tribunal já havia tomado posição sobre o assunto e que se mostrava esgotado o poder jurisdicional e que assim sendo nada mais cumpria apreciar porquanto a questão suscitada no requerimento apresentado a 11-04- 2025 é distinta da questão decidida no despacho datado de 17-12-2025.


10. A decisão de 17-12-2025 autoriza a entrada no domicílio para concretização da decisão de despejo.


11. E o requerimento datado de 11-04-2025 vem solicitar a sustação da decisão de 17-12-2024 em virtude de ter sido apresentado recurso da mesma e até ser proferida decisão transitada em julgada.


12. Pelo que e ao obviar-se de decidir acerca do pedido de sustação faz com que estejamos perante uma omissão de pronúncia, isto é o tribunal "a quo" deixou de decidir sobre essa questão e assim sendo estamos perante uma causa de nulidade da decisão recorrida e mesma deverá ser revogada nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil.


13. No presente caso concreto verifica-se que a decisão de que ora se recorre não se pronunciou acerca da requerida sustação, escudando-se no facto do poder jurisdicional se encontrar esgotado.


14. Todavia, este modo de proceder não corresponde à satisfação da exigência estabelecida na lei.


15. Devendo a decisão recorrida ser revogada nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alíneas d) do Código de Processo Civil.


16. Ao que acresce que o despacho recorrido viola o disposto no artigo 613.º n.º 1 do Código de Processo Civil, pois entendemos que não foi proferida qualquer decisão acerca do requerimento apresentado pela ora Recorrente em 11-04-2025 e como tal não se pode considerar que o poder jurisdicional se encontra esgotado.


17. Termos em que deverá o despacho de que ora se recorre ser revogado e em consequência deverá ser proferido outro que determine asuspensão dos presentes autos.


Nestes termos e nos melhores de direito deverá V. Exa. dar provimento ao presente recurso e revogar o despacho recorrido e consequentemente determinar o diferimento da desocupação do imóvel, seguindo os autos seus ulteriores termos, assim se fazendo Justiça!”


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Não foi apresentada resposta ao recurso


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Em 24/06/2025 o Tribunal recorrido proferiu o seguinte despacho:


Do recurso interposto em 27.05.2025


Por legal, tempestivo e interposto por quem tem legitimidade, admito o recurso interposto pela Ré do despacho de 12.05.2025, o qual é de apelação, a subir imediatamente, em separado (arts. 627º, nº1, 629º, nº1, 631º, nº2, 638º, nº1 2ª parte, 639º, nºs 1 e 2 e 644º, nº2, al. g), e 645º, nº2, do Código de Processo Civil).


Do efeito suspensivo do recurso


Pretende a recorrente que seja fixado efeito suspensivo ao recurso escudando-se no disposto no art. 647º, nº3, al. b) e 4 do Código de Processo Civil.


Cumpre apreciar o efeito do recurso.


Dispõe a alínea a), do n.º 3, do art. 629º, por remissão do art. 647º, n.º 3, alínea b), ambos do CPC, que é sempre admissível recurso para a Relação, independentemente do valor da causa e da sucumbência, «nas causas em que se aprecie a validade, a subsistência ou a cessação de contratos de arrendamento, com excepção dos arrendamentos para a habitação não permanente ou para fins


especiais transitórios».


Na medida em que nos presentes autos já foi proferida sentença, a qual transitou em julgado em


21.05.2024, que, conhecendo do mérito da causa, julgou procedente o procedimento especial de


despejo e declarou cessado o contrato de arrendamento celebrado entre as partes e condenou os


Requeridos na entrega do locado à Requerente, e que o despacho objecto do recurso (despacho de 12.05.2025) limita-se a indeferir o novo pedido de sustação da decisão de 17.12.2024 (também ela objecto de recurso, admitido por despacho de 17.01.2025, ao qual foi fixado efeito meramente


devolutivo), que autorizou a Agente de Execução na entrada do locado para efetivação do despejo,


haverá que concluir que no despacho recorrido não se discute nem se aprecia a validade, a subsistência ou a cessação de contratos de arrendamento. Tais questões foram já decididas oportunamente em sede de sentença final.


Assim, tal despacho não se enquadra na previsão da alínea a), do n.º 3, do art. 629º, por remissão do art. 647º, n.º 3, alínea b), ambos do CPC, sendo que o nº 4 do mesmo preceito legal exige que o recorrente invoque prejuízo considerável decorrente da execução da decisão recorrida e que o


recorrente se ofereça para prestar caução, o que a recorrente não fez.


Nestes termos, ao abrigo do disposto no art. 647º, n.º 1, do CPC, a presente apelação tem efeito


meramente devolutivo, indeferindo-se a pretendida atribuição de efeito suspensivo.


Notifique.”


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O recurso é o próprio e foi adequadamente recebido quanto ao modo de subida e efeito fixado, convocando-se ainda, quanto a este último, o disposto no artigo 15 – Q do Novo Regime Jurídico do Arrendamento Urbano aprovado em anexo ao Dec.Lei n.º 6/2006 de 27/02, pelo que nada nos assiste alterar.


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Correram Vistos.


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II – OBJECTO DO RECURSO


Nos termos do disposto no artigo 635º, nº 4, conjugado com o artigo 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil (doravante apenas CPC), o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recurso, salvo no que respeita à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas ao caso concreto e quando se trate de matérias de conhecimento oficioso que possam ser decididas com base em elementos constantes do processo, pelo que as únicas questões a apreciar e decidir no âmbito do presente recurso traduzem-se objectivamente apenas em saber se (1) a decisão recorrida padece da nulidade por omissão de pronúncia que lhe foi apontada pela Apelante e bem assim se houve (2) violação por parte do Tribunal a quo do disposto no artigo 613.º, n.º1, do CPC.


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III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO


Constam descritos supra no segmento do “Relatório” os factos pertinentes para a apreciação do recurso.


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IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO


1-Nulidade de sentença


Arguiu a Apelante em sede de conclusões recursivas a nulidade da decisão proferida pelo Tribunal a quo em 12/05/2025, prevista na alínea d), do n.º 1, do artigo 615.º, do CPC, sustentando que aquele Tribunal não conheceu na mesma do pedido de sustação da decisão datada de 17/12/2024 argumentando que no requerimento apresentado a 11/04/2025 solicitou a sustação da decisão proferida em 17/12/2024 em virtude de ter sido apresentado recurso da mesma e até ser proferida decisão transitada em julgado enquanto na decisão proferida em 17/12/2024 se autorizou a entrada no domicilio para concretização da decisão de despejo


Importa desde já assinalar que esta questão visa essencialmente o segmento da decisão proferida pelo Tribunal a quo em 12/05/2025 que se inicia em “Requerimento da Ré de 11/04/2025”.


Decorre do artigo 615.º do CPC, que:


“É nula a sentença quando:


[ …]


d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.


O artigo 613.º, n.º 3, do CPC, prevê que “O disposto nos números anteriores, bem como nos artigos subsequentes, aplica-se, com as necessárias adaptações aos despachos.”


Relativamente à nulidade prevista na mencionada alínea d), do n.º 1, do identificado artigo 615º, do CPC, concretamente a chamada “Omissão de pronúncia“, a que alude a primeira parte da dita alínea, diz-nos António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe de Sousa, em anotação ao mencionado artigo (in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. I, 2ª edição, 2020, Almedina, pág. 764), que a omissão de pronúncia afere-se “seja quanto às questões suscitadas, seja quanto à apreciação de alguma pretensão.“


E acrescentam ainda que “[…] o dever de decidir tem por referência as questões suscitadas e bem assim as questões de conhecimento oficioso“, não obrigando, todavia,“[…] a que se incida sobre todos os argumentos, pois que estes não se confundem com « questões » […]. “


Neste sentido saliente-se, entre vários outros, o acórdão do STJ de 27/03/2014, proferido no Processo 555/2002 e o do mesmo Tribunal de 08/02/2011, proferido no processo nº 842/04TBTMR.C1.S1 (ambos acessíveis para consulta in www.dgsi.pt).


Neste último aresto de 08/02/2011 decidiu-se de forma bastante clara o seguinte:


Não há que confundir as questões colocadas pelas partes com os argumentos ou razões que estas esgrimem em ordem à decisão dessas questões em determinado sentido: as questões submetidas à apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as excepções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio. Coisa diferente são os argumentos, as razões jurídicas alegadas pelas partes em defesa dos seus pontos de vista, que não constituem questões…”.


E acrescenta-se ainda no dito acórdão que “Se na apreciação de qualquer questão submetida ao conhecimento do julgador este não se pronuncia sobre algum ou alguns dos argumentos invocados pelas partes, tal omissão não constitui qualquer nulidade da decisão por falta de pronúncia.“


Correlacionado ainda com a questão ora em tratamento diz-nos o artigo 608.º, n.º 2, do CPC, que:


O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras […]”


Aqui chegados, percebemos que a questão levantada pela Apelante prende-se com o pedido de sustação do efeito decorrente da autorização decidida pelo Tribunal a quo em 17/12/2024, de “entrada no referido domicílio (o locado) (habitação com entrada pelo n° 51 da Rua 1 Local 1, concelho de Cidade 1, do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Cidade 1 sob o n° 3650, da freguesia da Local 1) com vista à concretização do despejo e sua desocupação pelos Requeridos AA e BB”.


Importa lembrar que essa decisão teve na sua base o requerimento apresentado pela Apelante em 23/09/2024 em que terminou a pedir o diferimento da desocupação do dito imóvel com base numa alegada questão prejudicial à entrega definitiva do imóvel decorrente da pendência da acção judicial n.º3310/23.5..., em fase de recurso, bem como em razões sociais imperiosas por o locado em causa ser a sua casa de morada de família onde reside com um filho menor de idade e não possuir outra habitação onde possa ficar, nem situação económica que lhe permita realojar-se de imediato.


Na decisão proferida em 17/12/2024 o Tribunal recorrido pronunciou-se sobre esses fundamentos, conforme se constata da leitura da mesma, acima integralmente reproduzida, considerando-os improcedentes, o que conduziu ao indeferimento da pretendida sustação/diferimento relembrando-se aqui e agora o essencial dessa fundamentação:


“[…]


Ora, o certo é que, uma tal acção, não constitui nem pode constituir causa prejudicial da entrega do imóvel locado à Requerente, desde logo por virtude do efeito do caso julgado anterior formado pela decisão judicial, transitada em julgado, que apreciou a oposição ao procedimento especial de despejo, e que condenou os Requeridos AA e BB a entregarem o locado à Requerente Zip Reoco Resi Portfolio Sicafi, S.A., livre e devoluto de pessoas e bens.


Ambos os Requeridos AA e BB tiveram oportunidade de deduzir oposição ao procedimento especial de despejo, apenas a Requerida AA deduziu uma tal oposição, e, nela, não chegou a invocar qualquer direito ao gozo do imóvel que fosse emergente de um contrato promessa (aliás, nem tão pouco o invoca agora).


[…]


Diga-se que, o nº 6 do art. 861º, do NCPC (“6 - Tratando-se da casa de habitação principal do executado, é aplicável o disposto nos nºs 3 a 5 do artigo 863.º e, caso se suscitem sérias dificuldades no realojamento do executado, o agente de execução comunica antecipadamente o facto à câmara municipal e às entidades assistenciais competentes.”), é uma norma que prevê uma comunicação a efectuar pelo agente de execução quando se suscitem sérias dificuldades no realojamento do executado, mas não é uma norma que constitua fundamento para o tribunal determinar a suspensão e/ou o diferimento da desocupação do locado, e não cabe ao proprietário do locado assegurar a habitação da Requerida.


É certo que, com a actual redacção do NRAU, introduzida pela Lei nº 56/2023, de 6 de Outubro, o art. 15º-M manda aplicar com as devidas adaptações o regime previsto nos arts. 863º a 865º, do NCPC, à suspensão e diferimento da desocupação do locado.


Sucede que, nenhum dos fundamentos invocados pela Requerida se encontra nos termos em que, de acordo com o regime previsto nos arts. 863º a 865º, do NCPC, seria possível a suspensão e diferimento da desocupação do locado, além de que, a Requerida AA não ofereceu provas nem indicou testemunhas no requerimento em que, agora, se pronunciou acerca do pedido de autorização judicial para entrada no domicílio.”


No requerimento endereçado aos autos principais em 11/04/2025 a Apelante volta a pedir a sustação/diferimento da entrada e desocupação do imóvel em causa e menciona como fundamentos o recurso de apelação que interpôs (a 04/02/2025), do despacho proferido pelo Tribunal a quo datado de 17/01/2025 que indeferiu a atribuição de efeito suspensivo ao recurso que apresentou contra a decisão proferida nos autos em 17/12/2024, anotando não ter aquele recurso sido até então admitido, (o que não é exactamente o mesmo que viria a invocar designadamente no ponto 11 das conclusões recursivas), bem como a pendência em juízo do processo n.º3310/23.5..., em fase de recurso e o facto de o imóvel em apreço ser a sua casa de morada de família onde reside com um filho menor de idade e não possuir outra habitação, nem condições económicas para prover ao seu realojamento.


No primeiro segmento do despacho proferido pelo Tribunal a quo em 12/05/2025 (despacho recorrido), decidiu-se de forma inequívoca e pelas razões que aí constam rejeitar o recurso interposto pela Apelante através do requerimento endereçado aos autos em 04/02/2025 que visou o despacho prolatado em 17/01/2025.


Aqui chegados convêm recordar que quer no requerimento endereçado aos autos principais em 23/09/2024, quer no requerimento enviado aos mesmos em 11/04/2025, a Apelante pediu a sustação da entrega do imóvel e diferimento da desocupação do mesmo invocando a mesma causa de prejudicialidade e as mesmas razões sociais e económicas, o que, conforme já vimos acima, foi objecto de apreciação, no sentido da improcedência, logo na decisão proferida em 17/12/2024, sendo certo ainda que (reiterando o que dissemos no anterior parágrafo), na primeira parte do despacho recorrido proferido em 12/05/2025 o Tribunal a quo decidiu igualmente pela não admissão do recurso apresentado em 04/02/2025.


Destarte, não se verifica qualquer omissão de pronúncia na decisão recorrida proferida em 12/05/2025 quanto a questões anteriormente suscitadas pela Apelante, mormente através do requerimento de 11/04/2025, impondo-se julgar improcedente a arguida nulidade.


2- Da alegada violação do n.º 1 do artigo 613.º do CPC


Sustenta, ainda, a Apelante no seu recurso que não tendo o Tribunal a quo através do despacho recorrido proferido em 12/05/2025 proferido qualquer decisão sobre o requerimento por si apresentado em 11/04/2025 não podia o mesmo ter considerado o poder jurisdicional esgotado, pelo que ao decidir desse modo violou o disposto no artigo 613.º, n.º 1, do CPC.


Conforme veremos já de seguida também não colhe este fundamento do recurso da Apelante.


Dispõe o artigo 613.º do CPC, o seguinte:


“1. Proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juíz quanto à matéria da causa.


[…]


3. O disposto nos números anteriores, bem como nos artigos subsequentes, aplica-se, com as necessárias adaptações aos despachos.”


Ora atendendo ao que já ficou explanado supra aquando da apreciação da invocada nulidade por omissão de pronúncia percebemos que ao mencionar no despacho proferido em 12/05/2025 (despacho recorrido), que:


“Relativamente à sustação da decisão de 17.12.2024 com fundamento na existência do processo nº 3310/23.5... do JCC de Cidade 2-J2 e com a necessidade de cumprimento do disposto no art. 861, nº6, do Código de Processo Civil e do diferimento da desocupação, tais fundamentos foram apreciados, e afastados, precisamente no despacho de 17.12.2024, pelo que o tribunal já tomou posição sobre o assunto, mostrando-se esgotado o poder jurisdicional e, assim sendo, nada mais cumpre apreciar.” o Tribunal a quo não incorreu em qualquer violação do disposto na norma contida no n.º 1 acima transcrita.


Bem pelo contrário!


Na verdade o que fez, no tocante ao requerimento apresentado pela Apelante em 11/04/2025, foi recordar que pelo facto de já ter apreciado e por fundamentos idênticos o pedido de sustação/deferimento da entrada e desocupação do imóvel em causa em decisão proferida anteriormente estava impedido de voltar a apreciar do mérito do mesmo por se revelar esgotado o poder jurisdicional sobre tal assunto.


Por outras palavras o Tribunal a quo recordou e de forma correcta a regra respeitante à extinção do poder jurisdicional prevenida no mencionado n.º 1 do artigo 613.º do CPC.


Para concluir reveste interesse lembrar o que em comentário ao dito preceito salientam António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe de Sousa (obra acima identificada, pág. 758), concretamente o seguinte.


“Proferida a sentença esgota-se o poder jurisdicional do juiz, pelo que, em regra, apenas poderá ser modificada por via de recurso, quando este seja admissível, ou mediante incidente de reforma ou arguição de nulidade (art. 615.º, n.º 4 e 616.º).


Tal regime é de aplicar também aos despachos, tenham cunho material ou formal, por implicarem apenas com o direito adjetivo, ainda que, neste caso, possam sofrer as restrições que decorrem do art. 620.º, n.º 2.”


Em suma, tendo o Tribunal a quo anteriormente apreciado na íntegra do mérito de pretensão e respectivos fundamentos trazida novamente à colação pela Apelante no requerimento apresentado em 11/04/2025 não poderia aquele voltar a fazê-lo por se mostrar esgotado o seu poder jurisdicional para tal.


Improcede, assim, também, a segunda questão objecto do recurso e consequentemente este último in totum.


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V- DECISÃO


Termos em que, face a todo o exposto, acordam os Juízes desta 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso de apelação interposto pela Apelante AA decidindo o seguinte:


1. Confirmar a decisão recorrida;


2. Condenar a Apelante nas custas pelo decaimento no recurso interposto (artigo 527º, nºs 1- e 2-, do CPC).


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ÉVORA, 10 de JULHO de 2025


(José António Moita-Relator)


(Francisco Xavier - 1.º Adjunto)


(Maria João Sousa e Faro – 2.ª Adjunta)