Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1118/17.6T9EVR.E1
Relator: ALBERTO BORGES
Descritores: INSTRUÇÃO
INADMISSIBILIDADE LEGAL
CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO
Data do Acordão: 01/12/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: No caso em apreço, o requerimento de abertura de instrução limita-se a manifestar a sua divergência quanto ao despacho de arquivamento do inquérito; ele não contém, manifestamente, quer a narração dos factos pelos quais se pretende que o arguido seja pronunciado/submetido a julgamento (os factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança), quer as disposições legais aplicáveis, em suma, tal requerimento não reveste os requisitos de uma verdadeira acusação “alternativa, onde constem os factos que se consideram indiciados e que integrem o crime, de forma a possibilitar a realização da instrução, fixando os termos do debate e o exercício do contraditório”, para usar as palavras de Germano Marques da Silva a que acima já se fez referência.
E sendo assim, bem se decidiu ao rejeitar tal requerimento, nos termos do disposto no art.º 287 n.º 3 do CPP

Nestas circunstâncias não se pode dizer que a rejeição da instrução assenta num mero formalismo processual ou numa antecipação ilegítima do juízo de prognose que se relega para o final da fase de instrução, do que se trata é de obstar à prática de uma fase processual inútil, que redundaria, necessariamente, numa decisão de não pronúncia, por falta de um pressuposto essencial: a narração de factos que integrem a prática de um ilícito penal, que fundamentem a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança.

A possibilidade do convite ao aperfeiçoamento do requerimento de abertura de instrução – que durante algum tempo dividiu a jurisprudência portuguesa – está hoje afastada pela posição que fez vencimento no acórdão para fixação de jurisprudência do STJ de 12.05.2005, DR, I Série – A, de 4.11.2005, onde se decidiu que “não há lugar a convite ao assistente para aperfeiçoar o requerimento de abertura de instrução apresentado nos termos do art.º 287 n.º 2 do Código de Processo Penal quando for omisso relativamente à narração sintética dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ao arguido”.

A não se entender assim violar-se-iam de modo desproporcionado as garantias de defesa do arguido e as regras dos art.ºs 18 e 32 n.ºs 1 e 5 da CRP, colocando, ao fim e ao cabo, nas mãos do juiz o estatuto de acusador, o que a lei não permite.

Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a 1.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

1. No Tribunal Judicial da Comarca de Évora, Juízo de Instrução Criminal, correu termos o Proc. n.º 1118/17.6T9EVR, no qual foi decidido, por despacho de 10.07.2020, rejeitar, por inadmissibilidade legal, o requerimento de abertura de instrução apresentado pela assistente M…, nos autos melhor identificada (fol.ªs 474 a 475).

2. Recorreu a assistente dessa decisão - que rejeitou o requerimento de abertura da instrução - concluindo a motivação do recurso com as seguintes conclusões:

1 - Nos autos de instrução criminal supra identificados, que correm termos na comarca da Évora, o Exm.º Juiz de Instrução, por despacho udicial de 10/07/2020, decidiu rejeitar o requerimento de abertura de instrução apresentado pela ora recorrente, por inadmissibilidade legal de instrução (por falta de objeto de instrução) – cfr. art.ºs 287 n.º 2 e 303 do CPP.

2 - Refere o douto despacho judicial recorrido que no requerimento de abertura de instrução formulado pela assistente “não é a feita a descrição factual com vista a satisfazer os requisitos legalmente exigidos, designadamente o elemento objetivo, o elemento volitivo do dolo (a vontade de praticar todos os elementos importantes do tipo criminal) e a culpa dolosa (a atuação forma livre, deliberada e consciente que a conduta em causa é prevista e punida por lei)”.

3 - E o douto despacho judicial refere ainda que “o requerimento não descreve os factos que legitimam uma aplicação de uma pena ao denunciado”.

4 - Contudo, não pode a ora recorrente concordar com tal juízo, em virtude do requerimento para abertura da instrução formulado pela ora recorrente, independentemente dos estilos, cumpre todos os requisitos legais, quer formais quer substantivos.

5 - Mais, o que nem por motivos esquemáticos foge ao quadro geral comum deste tipo de atos e, não obstante, estabelece a lei, no art.º 287 n.º 2 do CPP, que o requerimento para abertura da instrução não está sujeito a formalidades especiais, mas deve conter, em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação ou não acusação, bem como, sempre que disso for o caso, a indicação dos atos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e de outros, se espera provar, sendo ainda aplicável no requerimento do assistente o disposto nas al.ªs b) e c) do n.º 3 do art.º 283.

6 - E a realidade, é que o requerimento para abertura da instrução só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução, conforme estabelece o n.º 3 do art. 287.º do C.P.P., não ocorrendo no caso concreto nenhuma dessas situações.

7 - Nem sequer se pode concordar com a imputação das deficiências do requerimento para abertura de instrução, maxime a alegada falta de descrição factual com vista a satisfazer os requisitos legalmente exigidos, nem com a falta dos factos que legitimam uma aplicação de uma pena ao denunciado.

8 - Com efeito, o requerimento de abertura de instrução faz uma breve descrição dos factos, das diligências desenvolvidas em sede de inquérito, bem como das diligências que deverão ser realizadas em sede de instrução, face à inexistência das mesmas naquela sede.

9 - E sublinhe-se que as diligências requeridas no requerimento de abertura de instrução que para além de terem sido preteridas em sede de inquérito, constituem, de per si, autênticos atos de instrução, imprescindíveis para uma completa aferição da pronúncia ou não do denunciado.

10 - Pelo que descrição factual com vista a satisfazer os requisitos legalmente exigidos, bem como, os factos que legitimam uma aplicação de uma pena ao denunciado constam do requerimento de abertura de instrução, ao contrário, com o devido respeito, do sentido em que decidiu a Mm.º Juiz de Instrução.

11 - Pelo que jamais se pode concordar com a fundamentação do despacho ora recorrido e o qual rejeitou assim o requerimento formulado pela ora recorrente.

12 - E nestes termos, a decisão recorrida é ilegal, violando assim as disposições dos art.ºs 69 n.º 2 alínea a), 287 n.ºs 2 e 3 e 286, ambos do CPP, e bem assim o disposto no art.º 20 da Constituição da República Portuguesa.

13 - Por seu turno e por dever de patrocínio, atentos a que douto despacho judicial ainda pugna pela impossibilidade de prolação de despacho de aperfeiçoamento, atenta a jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça.

14 - Ora, de acordo com a Jurisprudência Uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça, prolatada nos acórdãos n.º 7/2005, de 12 maio, e n.º 1/2015, de 20 de novembro de 2014, e que veio preencher as lacunas de interpretação relativamente à possibilidade de utilização do mecanismo de aperfeiçoamento no art.º 287 do CPP, apenas se restringe tal possibilidade à "narração sintética dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ao arguido" e à falta de descrição, na acusação, dos elementos subjetivos do crime.

15 - Assim, tal como explanado no douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto. de 13-01-2016, no Processo n.º 136/14, "Esta redação restritiva exclui todas as outras passiveis deficiências de que possa sofrer o requerimento de abertura de Instrução do assistente, não impedindo o convite ao aperfeiçoamento, quanto às mesmas".

16 – E como ensina o Prof. Germano Marques da silva, “entre as causas de rejeição do requerimento para abertura de instrução previstas taxativamente no n.º 3 do art.º 287 conta-se a “inadmissibilidade legal da instrução”. Neste conceito cabem apenas as deficiências de conteúdo de tal requerimento, nomeadamente, quando dele resultar falta da tipicidade da conduta – e não as suas deficiências formais”.

17 - Como também no douto acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 24-10-2017, no Processo n.º 1383/16.6T9BJA.E1, é afirmado que “Tudo o mais são factos, relevantes mas não essenciais ao preenchimento do tipo (que se enquadram naqueles que devem ser narrados na acusação, e portanto também no RAI do assistente, se possível – al. b) do nº 3 do art. 283º do C.P.P.), cuja indagação e acrescento é possível (seja por via do convite ao aperfeiçoamento – que não é afastado nos casos como o presente pela jurisprudência fixada pelo AUJ nº 1/2015 -, seja oficiosamente, ao abrigo do disposto no art. 303º do C.P.P. e com observância do dever de comunicação estabelecido no seu nº 1), em virtude de não se traduzirem numa alteração substancial dos factos descritos no RAI (essa não permitida porque redundaria na transformação de factos inócuos em factos juridicamente relevantes, o que não sucede no caso, na medida em que aqueles que foram descritos, de per si, já se integram nesta última categoria).

Em suma, pese embora as indesmentíveis deficiências do RAI apresentado pela ora recorrente, consideramos que elas não são de molde a inviabilizar a eventual prolação de um despacho de pronúncia e, por isso, também não constituem fundamento bastante para fundamentar a decisão de rejeição que foi proferida, a qual, por isso, não pode subsistir”.

18 – E em rigor, sendo que o requerimento de abertura de instrução é um articulado autónomo, não pode ser desentranhado do restante articulado processual.

19 - Por isso mesmo, a simples rejeição do requerimento pela alegada falta de descrição factual com vista a satisfazer os requisitos legalmente exigidos e da falta dos factos que legitimam uma aplicação de uma pena ao denunciado, traduz-se num formalismo exacerbado em detrimento da procura da justiça e verdade material, conduzindo a uma efetiva sonegação da justiça.

20 - E sendo certo que o requerimento de abertura de instrução contém todos os elementos necessários, para que ao denunciado possa vir a ser aplicada uma pena, resultando inequívoco o objeto da instrução, bem como os meios de prova e diligências que se pretendem ver realizadas.

21 - Deste modo, não sendo assim entendido, o tribunal "a quo" sempre deveria ter proferido despacho que conduzisse ao aperfeiçoamento do requerimento de abertura de instrução, na concreta situação relativa à concretização dos elementos objetivos do tipo previsto no art.º 205 do Código Penal.

22 – E o tribunal “a quo”, ao proferir a decisão judicial ora recorrida, fez uma errónea interpretação dos art.ºs 287 n.ºs 1, 2 e 3 e 283 n.º 3, ambos do CPP, bem como dos AUJ do STJ n.ºs 7/2005, de 12 de maio, e 1/2015, de 20 de novembro de 2014.

23 - Pelo que a douta decisão ora recorrida deve ser revogada, admitindo-se a Instrução requerida, ou, ser substituída por outra que formule convite ao aperfeiçoamento, para que do requerimento da abertura de instrução passe a constar a concretização dos elementos objetivos do tipo.

24 – Nestes termos:

a) deve revogar-se a decisão recorrida, substituindo-a por outra que admita a abertura da instrução, ordene a realização dos atos instrutórios requeridos, bem como o obrigatório debate instrutório por forma aferir da pronúncia ou não do denunciado;

b) ou em alternativa, deve a decisão recorrida ser substituída por outra que formule convite ao aperfeiçoamento, para que do requerimento da abertura de instrução passe a constar a concretização dos elementos objetivos do tipo.

3. Responderam o Ministério Público junto da 1.ª instância e o arguido R… ao recurso interposto, concluindo a sua resposta nos seguintes termos:

3.1. O Ministério Público:

1 - O requerimento de abertura de instrução assume a natureza de uma acusação e fixa o objeto do processo, pelo que deve conter a narração dos factos que integram o elemento objetivo e subjetivo do tipo e as disposições legais aplicáveis, nos termos do artigo 283 n.º 3 al.ªs b) e c), por referência ao artigo 287 n.º 2 do Código de Processo penal.

2 – A ausência da descrição factual dos elementos objetivos e subjetivos no requerimento de abertura de instrução impede que se mostre preenchido o tipo de crime e é causa de rejeição do requerimento de abertura de instrução.

3 – O requerimento de abertura de instrução apresentado pelo recorrente é omisso quanto à narração dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena, não existindo a referência ao lugar, tempo, motivação da sua prática, aos elementos subjetivos subjacentes e disposições legais aplicáveis.

4 – A lei não presume nem é legalmente admissível o convite ao aperfeiçoamento do requerimento de abertura de instrução quanto aos elementos constantes do art.º 283 n.º 3 al.ªs b) e c), aplicáveis pelo art.º 287 n.º 2 do Código de Processo Penal.

5 – O tribunal a quo não violou o art.º 287 n.ºs 1 a 3 e 283 n.º 3 do Código de Processo penal, pelo que deve ser negado provimento ao recurso e mantida a decisão recorrida.

3.2. O arguido (R…):

1 - Nos autos de instrução criminal supra identificados, quem corre termos pelo Tribunal da Comarca de Évora, foi proferida decisão que rejeitou o requerimento de abertura de instrução (RAI), apresentado pela recorrente.

2 - O referido RAI foi indeferido por inadmissibilidade legal.

3 - O referido despacho recorrido refere que “(…) não é feita a descrição factual com vista a satisfazer os requisitos legalmente exigidos, designadamente o elemento objetivo, o elemento volitivo do dolo (a vontade de praticar todos os elementos importantes do tipo criminal) e a culpa dolosa (a atuação forma livre, deliberada e consciente que a conduta em causa é prevista e punida por lei), nele se afirmando, também, que “o requerimento de abertura de instrução não descreve os factos que legitimam uma aplicação de uma pena ao denunciado”.

4 - O ora requerente concorda totalmente com tal decisão, pois que, na realidade, o requerimento de abertura de instrução formulado pela recorrente de forma alguma cumpre os requisitos legais, formais e substantivos exigidos por lei para a sustentação de um pedido de abertura de instrução, tal como ele é feito pela assistente.

5 - Nos termos do n.º 2 do art.º 287 do CPP, o requerimento de abertura de instrução deve conter, ainda que em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação ou não acusação, bem como, sempre que disso for caso, a indicação dos atos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e de outros, se espera provar.

6 - Ora, no RAI em causa não são descritos, ainda que de forma sumária, os factos praticados pelo arguido que possam consubstanciar a prática de um qualquer crime pela sua parte, o requerimento de abertura de instrução limita-se debruçar-se sobre um documento apresentado pelo arguido, no âmbito da sua defesa, nunca se referindo ou descrevendo qual a conduta tipificada como de criminosa praticada pelo arguido.

7 - Ao longo de todo o requerimento de abertura de instrução fala-se, tão só (com exceção dos primeiros onze parágrafos dedicados ao tema da tempestividade do próprio RAI), de um documento que, numa primeira fase, a assistente, em declarações feitas na fase de inquérito, reconheceu como tendo sido assinado por ela, e que num segundo depoimento já negou ter assinado o mesmo.

8 - O referido requerimento de abertura de instrução não descreve os factos que legitimam a aplicação de uma pena ao arguido, muito menos o faz, face ao arquivamento promovido pelo MP, sob a forma de uma verdadeira acusação.

9 - Assim sendo, torna-se óbvio que o RAI, elaborado nos termos em que foi apresentado, é nulo e, por isso, inadmissível, facto que leva o ora requerente a concordar com a fundamentação do despacho ora recorrido e que rejeitou o requerimento de abertura de instrução objeto do presente recurso.

10 - Não há lugar ao convite do assistente para aperfeiçoar o requerimento de abertura de instrução apresentado nos termos do art.º 287 n.º 2 do CPP, quando for omisso relativamente à narração sintética dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ao arguido, conforme o Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº. 7/2005, de 12/05/2005.

11 - Nos termos conjugados dos art.ºs 19, 40 e 71, todos do Código Penal, é pressuposto de aplicação/determinação da sanção criminal a verificação/apuramento do conhecimento e da vontade do agente na prática do ilícito e a culpa do agente do crime, a sua posição de contrariedade em relação ao direito, nos factos alegadamente praticados.

12 - No requerimento de abertura de instrução não é feita a descrição factual com vista a satisfazer os requisitos legalmente exigidos, designadamente, o elemento objetivo, o elemento volitivo do dolo (a vontade de praticar todos os atos relevantes do tipo criminal) e a culpa dolosa (a atuação de forma livre, deliberada e consciente de que a conduta em caus é prevista e punida por lei).

13 – Em suma, a decisão recorrida não apresenta qualquer vício, deficiência ou ilegalidade, pelo que deverá ser mantida in totum.

4. O Ministério Público junto deste tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso (parecer de 19.11.2020), manifestando a sua adesão à resposta apresentada (pelo Ministério Público) na 1.ª instância.

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5. Cumprido o disposto no art.º 417 n.º 2 do CPP e colhidos os vistos legais, cumpre decidir – em conferência (art.º 419 n.º 3 al.ª b) do CPP) - tendo em atenção as questões colocadas pela recorrente nas conclusões da motivação do recurso, pois que são as questões aí sintetizadas que delimitam o seu objeto e que, no caso, se resumem a saber:

1.ª – Se o requerimento de abertura de instrução apresentado pela assistente, face ao seu teor, contém os requisitos legais para ser admitido;

2.ª – Se, a entender-se de modo diverso, devia a assistente ser convidada a aperfeiçoar o mesmo, suprindo as eventuais deficiências de que o mesmo enferme.

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5.1. – 1.ª questão: se o requerimento de abertura de instrução apresentado pela assistente, face ao seu teor, contém os requisitos legais para ser admitido.

5.1.1. Os presentes autos tiveram origem numa queixa apresentada pela assistente contra o arguido, em 9.11.2017, onde aquela, em síntese, alega:

- em 23.03.2010 após a outorga de uma escritura em que o arguido – que tinha uma procuração passada pela assistente a seu favor - acompanhou a assistente, esta entregou àquele “um cheque em branco do banco Santander …, balcão de Évora”, que aquele preencheu, “alegando que tal valor seria para entregar nas Finanças”, e que então combinaram que que mais tarde acertariam contas;

- a denunciante limitou-se a assinar o cheque, no valor de 200.000,00 euros;

- no ano de 2016 a denunciante foi surpreendida com uma dívida às Finanças porque aquela assistente A… contra Â… e M…, aos quais imputa – pelos factos que descreve na referida queixa – a prática, em coautoria, de um crime de burla qualifica, p. e p. pelo art.º 218 do Código Penal (fol.ªs 2 a 11 dos autos).

5.1.2. Decorrida a investigação, o Ministério Público determinou:

- o arquivamento dos autos, por concluir pela insuficiência de indícios para imputar ao arguido a prática do crime de abuso de confiança qualificado;

- a extração de certidão para continuação da investigação quanto aos factos – apurados – que consubstanciam a prática de um crime de fraude qualificada, nos termos do art.º 104 da Lei 15/2001, de 5 de junho.

5.1.3. Nessa sequência, veio a assistente a requerer a abertura de instrução, nos termos que constam de fol.ªs 447 a 448 v.º, onde, em síntese, manifesta a sua divergência quanto ao arquivamento dos autos, nomeadamente, por não ter sido requerida a perícia à letra e assinatura do documento junto pelo arguido a fol.ª 232, requerendo, em consequência:

- que se declare aberta a instrução;

- que se aceite a realização de prova pericial requerida;

- que, a final, seja proferida despacho de pronúncia do arguido.

5.1.4. Sobre este requerimento recaiu o despacho recorrido (fol.ªs 474 a 475, de 10.07.2020), no qual se decidiu rejeitar o mesmo, por “inadmissibilidade legal”.

Consta desse despacho:

“O requerimento para abertura de instrução requerida pelo assistente deve conter, para além do mais, a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhes deve ser aplicada (…) o que significa que não sendo uma acusação em sentido processual formal, deve constituir uma verdadeira acusação em sentido material, que delimite o objeto do processo e que fundamente a aplicação aos arguidos de uma pena” (ac. STJ de 25.10.2006, Proc. n.º 06P3526, em www.dgsi.pt);

“Uma conduta humana só poderá punir-se se estiver prevista numa norma penal que descreva claramente a conduta proibida ou ordenada, acompanhada da cominação de uma pena. Está aqui implicado o princípio da legalidade (…) A descrição exigida para a peça acusatória e (…) aos requisitos de abertura de instrução, reporta-se a todos os factos (factos essenciais) de que dependa a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, quer dizer, todos aqueles que constituem os elementos de algum crime” (ac. TRG, de 14.02.2005, em CJ, 2005, t. 1, p. 299-300).

Como se defendeu no ac. Relação de Coimbra de 30.03.2009, “Num crime doloso da acusação ou da pronúncia há-de constar necessariamente, pela sua relevância para a possibilidade de imputação do crime ao agente, que o arguido agiu livre (afastamento das causas de exclusão da culpa - o arguido pôde determinar a sua ação), deliberada (elemento volitivo ou emocional do dolo – o agente quis o facto criminoso) e conscientemente (imputabilidade – o arguido é imputável), bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei (elemento intelectual do dolo, traduzido no conhecimento dos elementos objetivos do tipo)”.

Quanto a deficiências do requerimento para a abertura de instrução, «não há lugar a convite ao assistente para aperfeiçoar o requerimento de abertura de instrução, apresentado nos termos do art.º 287.º, n.º 2, do Cód. Processo Penal, quando for omisso relativamente à narração sintética dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ao arguido», conforme o Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 7/2005, de 12/05/2005, publicado no DR, I-A, de 04/11/2005. No acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 07/03/2017, Proc. n.º 533/18.2T9MMN, relatado por Maria Leonor Esteves, entendeu-se, em sumário, que “I – A doutrina fixada pelo STJ no seu AUJ n.º 1/2015 deve ser aplicada ao requerimento de abertura da instrução apresentado pelo assistente. II – Estando em causa crimes dolosos e verificando-se que o requerimento para abertura da instrução não obedece à estrutura acusatória do processo, nem assegura as garantias de defesa dos arguidos, nos termos previstos nos art.ºs 283 n.º 3 alínea b) e 287 n.º 2 do CPP, sendo omisso em relação aos elementos subjetivos de tais crimes, isto é, quanto aos elementos constitutivos do dolo, concretamente no que respeita aos elementos intelectual (representação dos factos), volitivo (vontade de praticar os factos) e emocional (consciência de estar a agir contra o direito), nenhuma censura merece a decisão recorrida quando rejeitou o requerimento para a abertura da instrução”.

Nos termos conjugados dos art.ºs 19, 40 e 71, todos do Cód. Penal, é pressuposto da aplicação/determinação da sanção criminal a verificação/apuramento do conhecimento e da vontade do agente na prática do ilícito e a culpa do agente do crime, a sua posição de contrariedade em relação ao direito, nos factos alegadamente praticados.

Analisando o requerimento de abertura de instrução, não é feita a descrição factual com vista a satisfazer os requisitos legalmente exigidos, designadamente, o elemento objetivo, o elemento volitivo do dolo (a vontade de praticar todos os elementos relevantes do tipo criminal) e a culpa dolosa (a atuação forma livre, deliberada e consciente de que a conduta em causa é prevista e punida por lei).

… o requerimento não descreve os factos que legitimam a aplicação de uma pena ao denunciado.

Tendo assente a jurisprudência uniformizada do Acórdão n.º 6/2005 do Plenário das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça, de 12/05/2005, publicado no DR, I Série-A, de 04/11/2005, inexistem os factos necessários a subsumir para efeitos de apuramento da culpa do agente e é o requerimento legalmente inadmissível, devendo ser rejeitado por tal fundamento. Não é, assim, admissível a comprovação judicial do despacho de arquivamento proferido nos autos.

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5.1.5. É sabido, mas não será demais recordar, que a instrução visa a comprovação judicial da decisão “de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito” em ordem a submeter, ou não, a causa a julgamento (art.º 286 n.º 1 do CPP); ela termina pela decisão instrutória, onde o juiz avalia os elementos de prova carreados para os autos, concretamente, se os mesmos são suficientes para se concluir que se verificam os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena (ou medida de segurança) – na afirmativa, o juiz decidirá que a causa deve ser submetida a julgamento, proferindo despacho de pronúncia, na negativa, ele optará por uma decisão de arquivamento, proferindo despacho de não pronúncia (art.º 308 do Código de Processo Penal).

Na instrução impõe-se alcançar, não a demonstração da realidade dos factos, mas apenas indícios, ou seja, sinais da ocorrência de um crime e de que este foi cometido pelo agente a quem é imputado, não constituindo, nesta fase, os dados probatórios, pressuposto da decisão de fundo, mas de simples determinação judicial de prosseguimento dos trâmites processuais até julgamento.

A lei define atualmente (art.º 283 n.º 2 do CPP) o que deve entender-se por indícios suficientes, no seguimento da orientação da doutrina e jurisprudência que vigoraram no domínio da lei processual anterior: “consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou medida de segurança”.

Não basta, pois, a existência de quaisquer indícios, é necessário que tais indícios sejam de tal modo fortes que o julgador adquira a convicção, pela análise conjugada dos mesmos, de acordo com as regras da experiência e critérios de razoabilidade, que em julgamento – com a discussão ampla – se poderão vir a provar, com um juízo de certeza (e não de mera probabilidade), os elementos constitutivos da infração.

Por outro lado, divergindo o recorrente da decisão tomada – de arquivamento do processo por parte do Ministério Público – ou reclama hierarquicamente dessa decisão, indicando as razões pelas quais outra devia ser a decisão, ex vi art.º 278 do CPP, designadamente, quando entenda que outras diligências deviam ter sido levadas a cabo e não o foram, sendo por isso insuficientes os elementos de prova para requerer a instrução, ou requer a instrução, quando entender que, em face dos elementos de prova recolhidos, há indícios suficientes da prática do crime, não obstante o Ministério Público não tenha deduzido acusação.

Requerendo instrução, tal requerimento - sendo também ele uma manifestação contra o desacerto da decisão de arquivamento – não está sujeito a formalidades especiais (di-lo o art.º 287 n.º 2 do CPP), mas “não pode, em termos materiais e funcionais, deixar de revestir o conteúdo de uma acusação alternativa, onde constem os factos que se consideram indiciados e que integrem o crime, de forma a possibilitar a realização da instrução, fixando os termos do debate e o exercício do contraditório” (Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, vol. III, 41, e art.ºs 287 n.º 2 e 283 n.º 3 al.ªs b) e c) do CPP).

De facto, “a estrutura acusatória do processo penal português... impõe que o objeto do processo seja fixado com o rigor e a precisão adequados em determinados momentos processuais, entre os quais se conta o momento em que é requerida a abertura da instrução... o seu objeto tem de ser definido de um modo suficientemente rigoroso em ordem a permitir a organização da defesa... o assistente tem de fazer constar do requerimento para a abertura de instrução todos os elementos mencionados nas alíneas referidas no n.º 3 do artigo 283 do Código de Processo Penal. Tal exigência decorre... de princípios fundamentais de processo penal, nomeadamente das garantias de defesa e da estrutura acusatória” – escreve-se no acórdão do TC de 19.05.2004.

E entre tais elementos (mencionados nas alíneas b) e c) do n.º 3 do art.º 283 do CPP) constam:

“b) A narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada”;

c) A indicação das disposições legais aplicáveis”.

Tal requerimento - como escreve, a propósito, Maia Gonçalves, in CPP Anotado e Comentado, 12.ª edição 574 - “deverá, a par dos requisitos do n.º 1, revestir os de uma acusação, que serão necessários para a realização da instrução, particularmente no tocante ao funcionamento do princípio do contraditório e da elaboração da decisão instrutória”.

No caso em apreço, o requerimento de abertura de instrução limita-se a manifestar a sua divergência quanto ao despacho de arquivamento do inquérito; ele não contém, manifestamente, quer a narração dos factos pelos quais se pretende que o arguido seja pronunciado/submetido a julgamento (os factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança), quer as disposições legais aplicáveis, em suma, tal requerimento não reveste os requisitos de uma verdadeira acusação “alternativa, onde constem os factos que se consideram indiciados e que integrem o crime, de forma a possibilitar a realização da instrução, fixando os termos do debate e o exercício do contraditório”, para usar as palavras de Germano Marques da Silva a que acima já se fez referência.

E sendo assim, bem se decidiu ao rejeitar tal requerimento, nos termos do disposto no art.º 287 n.º 3 do CPP, pois que vem sendo decidido pelos nossos tribunais superiores, como nos dá conta o acórdão do STJ de 12.03.2009, in www.dgsi.pt, que “não faz sentido proceder-se a uma instrução visando levar o arguido a julgamento sabendo-se antecipadamente que a decisão instrutória não poderá ser proferida nesse sentido” (ac. do STJ de 22.10.2003 – Proc. 2608/03-3), sendo certo que .

No mesmo sentido o acórdão do STJ de 12.03.2009, in www.dgsi.pt, acima citado: “… a instrução será inexequível e constituirá uma fase processual sem objeto… se, pela simples análise do requerimento para abertura de instrução, sem recurso a qualquer outro elemento externo, se deve concluir que os factos narrados pelo assistente jamais poderão levar à aplicação de uma pena, estaremos face a uma fase instrutória inútil, por redundar necessariamente num despacho de não pronúncia. No conceito de «inadmissibilidade de instrução» haverá, assim, que incluir, para além dos fundamentos específicos de inadmissão da instrução qua tale, os fundamentos genéricos de inadmissão de atos processuais em geral”.

E de 2.10.2019, Proc. 41/18.1TREVR.S1-3, de que foi relator o Exm.º Conselheiro Nuno Gonçalves, em cujo sumário se escreveu:

“…

II – Ao JIC compete, em caso de arquivamento do inquérito, comprovar se a decisão é fundada ou, não o sendo, a «acusação» deduzida pelo assistente colhe suficiente indiciação.

III - Ao JIC não cabe investigar livremente qualquer facto e qualquer crime. Tem, isso sim, tendo em conta a indicação constante do requerimento da abertura da instrução, autonomia para investigar os factos que constituem objeto do processo …

IV – A «acusação» vertida no requerimento de abertura da instrução está sujeita ao princípio da imutabilidade. O assistente não tem outra oportunidade para poder corrigi-la… podendo apresentar-se sucinta, tem de conter todos os elementos objetivos e subjetivos do crime imputado ao arguido.

V – Está estabelecido na jurisprudência deste STJ e do TC que o requerimento para a abertura de instrução apresentado pelo assistente em caso de arquivamento do inquérito tem necessariamente de incluir a narração dos factos e a imputação jurídico-penal… o incumprimento destes requisitos integra o instituto da inadmissibilidade legal da instrução, com a consequente rejeição cominada no art.º 287 n.º 3 do CPP. E que a norma citada interpretada com este sentido não enferma de inconstitucionalidade”.

E ainda Vinício Ribeiro, in “Código de Processo Penal – Notas e Comentários”, Coimbra Editora, 2011, pág. 794, apud ac. Relação de Évora de 13/07/2017, in www.dgsi: “o não descrever factos, ou descrever factos que não constituem crime, não pode deixar de conduzir […] à inadmissibilidade legal [da instrução] por falta de requisitos legais”.

Nestas circunstâncias não se pode dizer que a rejeição da instrução assenta num mero formalismo processual ou numa antecipação ilegítima do juízo de prognose que se relega para o final da fase de instrução, do que se trata é de obstar à prática de uma fase processual inútil, que redundaria, necessariamente, numa decisão de não pronúncia, por falta de um pressuposto essencial: a narração de factos que integrem a prática de um ilícito penal, que fundamentem a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança.

É que «o juiz está substancial e formalmente limitado na pronúncia aos factos (...) que tenham sido descritos no requerimento do assistente e que este considera que deveriam ser objeto da acusação do Ministério Público» (Germano Marques da Silva, Do Processo Penal Preliminar, pág. 264), sendo certo que – como se decidiu a propósito no recente acórdão de uniformização de jurisprudência do STJ, de 20.11.2014, in www.dgsi.pt - “a falta de descrição, na acusação, dos elementos subjetivos do crime… não pode ser integrada em julgamento…”, como não pode - dizemos nós - ser integrada em sede de decisão instrutória, seja a falta dos elementos subjetivos, mas também, por maioria de razão, a falta dos elementos objetivos.

E a falta de tais implica a conclusão de que não estão reunidos os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena.

Improcede, por isso, a 1.ª questão supra enunciada.

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5.2. - 2.ª questão: se, a entender-se de modo diverso, devia a assistente ser convidada a aperfeiçoar o mesmo, suprindo as eventuais deficiências de que o mesmo enferme.

A possibilidade do convite ao aperfeiçoamento de tal requerimento – que durante algum tempo dividiu a jurisprudência portuguesa – está hoje afastada pela posição que fez vencimento no acórdão para fixação de jurisprudência do STJ de 12.05.2005, DR, I Série – A, de 4.11.2005, onde se decidiu que “não há lugar a convite ao assistente para aperfeiçoar o requerimento de abertura de instrução apresentado nos termos do art.º 287 n.º 2 do Código de Processo Penal quando for omisso relativamente à narração sintética dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ao arguido”.

Como nos fundamentos desse acórdão se escreveu, citando Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, vol. III, 1994, 175, “sem acusação formal o juiz está impedido de pronunciar o arguido, por falta de uma condição de prosseguibilidade do processo, ligada à falta do seu objecto, e, mercê da estrutura acusatória em que repousa o processo penal, substituindo-se o juiz ao assistente no colmatar da falta de narração dos factos, enraizaria em si uma função deles indagatória, num certo pendor investigatório, que poderia ser acoimado de não isento, imparcial e objectivo, mais próprio de um tipo processual de feição inquisitória, já ultrapassado”.

Estes argumentos valem para todos os factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança e, portanto, quer para os factos que integram os elementos objetivos do crime, quer para os factos que integram o seu elemento subjetivo, em suma, toda a factualidade que, uma vez indiciada, permite afirmar que o arguido cometeu determinado crime (ou crimes) e, portanto, deve ser submetido a julgamento.

A não se entender assim violar-se-iam de modo desproporcionado as garantias de defesa do arguido e as regras dos art.ºs 18 e 32 n.ºs 1 e 5 da CRP, colocando, ao fim e ao cabo, nas mãos do juiz o estatuto de acusador, o que a lei não permite.

Essa orientação – como nos dá conta o mencionado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça – vinha já sendo seguida pela maioria da jurisprudência, assim como pelo TC, com os fundamentos que vêm sintetizadas no acórdão de 19.05.2004, DR, 2.ª Série, de 28.06.2004 (acima mencionado), onde se deixou claro que “a estrutura acusatória do processo penal português, garantia de defesa... impõe que o objecto do processo seja fixado com rigor e a precisão adequados em determinados momentos processuais, entre os quais se conta o momento em que é requerida a abertura de instrução (...) o assistente tem de fazer constar do requerimento para a abertura de instrução todos os elementos mencionados nas al.ªs referidas no n.º 3 do art.º 283 do CPP. Tal exigência decorre... de princípios fundamentais de processo penal, nomeadamente das garantias de defesa e da estrutura acusatória”.

Consequentemente, e face ao decidido naquele acórdão para fixação de jurisprudência – e aos fundamentos em que o mesmo se baseou – não vemos razões para divergir daquele entendimento.

Isto em nada colide com o princípio de acesso ao direito, consagrado no art.º 20 da CRP, pois o respeito por tal princípio – que não é ilimitado – não é incompatível com o estabelecimento de regras processuais destinadas a regular tal exercício, no respeito por outros princípios fundamentais, como sejam a estrutura acusatória do processo penal e as garantias de defesa do arguido, também constitucionalmente consagrados (art.º 32 da Constituição da República).

Improcede, por isso, o recurso.

6. Assim, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a 1.ª Subsecção Criminal deste tribunal em negar provimento ao recurso interposto pela assistente.

Custas pela assistente, fixando-se a taxa de justiça em quatro UC (art.º 515 n.º 1 al.ª b) do CPP e 8 n.º 9 e tabela III anexa do RCP).

(Este texto foi por mim, relator, elaborado e integralmente revisto antes de assinado)

Évora, 12/01/2021

(Alberto João Borges)

(Maria Fernanda Pereira Palma)