Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
| Processo: |
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| Relator: | FILIPE AVEIRO MARQUES | ||
| Descritores: | DIVISÃO DE COISA COMUM DECISÃO INTERLOCUTÓRIA PERÍCIA RECLAMAÇÃO REJEIÇÃO DO RECURSO | ||
| Data do Acordão: | 12/16/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO - RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA | ||
| Decisão: | REJEITADO O RECURSO | ||
| Área Temática: | CÍVEL | ||
| Sumário: | Sumário: 1. Na fase executiva do processo de divisão de coisa comum, será após a venda que se irá proferir a decisão final desta segunda fase e é esta a decisão que, de acordo com as regras gerais, pode admitir recurso. 2. Com o eventual recurso da decisão final poderão ser impugnadas decisões interlocutórias proferidas na segunda fase desse processo, nos termos do artigo 644.º, n.º 3, do Código de Processo Civil. 3. A fixação do valor base da venda não é um incidente processado autonomamente. 4. A decisão que conheça das reclamações ao relatório pericial, acolhendo‑as ou denegando-as, não é uma decisão de admissão ou rejeição de um meio de prova. 5. Não basta que haja o risco de inutilização de actos processuais para justificar a subida imediata do recurso e, por isso, a eventual revogação do despacho que fixou o valor base pelo qual vai ser anunciada a venda apenas poderá implicar a anulação de alguns actos posteriores. | ||
| Decisão Texto Integral: | Apelação n.º 879/22.5T8ORM-B.E1 (1.ª Secção) Relator: Filipe Aveiro Marques 1.ª Adjunta: Susana Ferrão da Costa Cabral 2.ª Adjunta: Ana Pessoa * *** * Acordam em Conferência os Juízes do Tribunal da Relação de Évora: I. RELATÓRIO: I.A. BB veio, em 20/01/2025 (REFª: 51080880) recorrer do despacho proferido em 18/12/2024 (Referência: 98370295) pelo Juízo Local Cível de Ourém, do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, pretendendo que o mesmo seja admitido como apelação autónoma, a subir imediatamente, em separado e com efeito suspensivo. O recurso foi admitido pelo Tribunal a quo por despacho de 13/03/2025 (Referência: 99220710), como apelação, a subir imediatamente, em separado e efeito meramente devolutivo. Sabido que tal despacho não vincula o Tribunal de Recurso (cf. artigo 641.º, n.º 5, do Código de Processo Civil), pelo relator foi proferido o despacho de 6/10/2025 (Referência: 9870372), ao abrigo do disposto no artigo 655.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, convidando as partes à pronúncia. A recorrente pronunciou-se em 20/10/2025 (REFª: 53715537) no sentido de dever ser conhecido o recurso. Foi, então, proferida decisão singular de não admissão do recurso (despacho de 27/10/2025). I.B. Inconformada com tal decisão, a apelante veio, em 12/11/2025 (REFª: 54016530) reclamar para a conferência e terminou com as seguintes conclusões: “a. Com a presente, visa-se reclamar do despacho do Sr. Juiz Desembargador Relator que não admite a apelação autónoma de BB relativamente ao despacho proferido em 18/12/2024 (Referência: 98370295) pelo Juízo Local Cível de Ourém, do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém. b. A reclamante entende a decisão proferida pelo Senhor Juiz Desembargador, ao não admitir o recurso por si interposto, é ilegal e denegadora do acesso à justiça, devendo ser revogada e substituída por outra que admita o recurso interposto, seguindo o processo os seus ulteriores termos. c. A intervenção do Juiz de primeira instância no caso do art. 812.º, n.º 7 do CPC, já é uma intervenção de apelação/recurso, acontecendo porque as partes do processo discordaram da decisão tomada pelo agente de execução. d. Tendo o referido preceito sido pensado para o processo executivo, há que aplica‑la à ação de divisão de coisa comum (processo onde não existe a figura do agente de execução), com “as necessárias adaptações”. e. Foi o Meritíssimo Juiz de 1.ª Instância quem tomou a decisão sobre o valor da venda; logo, referir que a decisão recorrida não é susceptível de recurso, é denegar o que o legislador quis salvaguardar no n.º 7 do art. 812.º: um duplo grau de apreciação; é tornar a decisão do juiz de primeira instância, a quem compete decidir a questão, como insindicável… o que nos parece totalmente inconstitucional, face ao disposto no art. 20.º da CRP. f. Todos os acórdãos mobilizados pelo Senhor Juiz Desembargador relator são decisões proferidas no âmbito de um processo executivo… onde a decisão sobre o valor base foi tomada pelo agente de execução e, onde perante reclamação/exposição houve uma decisão do tribunal de primeira instância…. Ora, é quanto a uma terceira apreciação, pelo Tribunal de Recurso que as decisões mobilizadas se debruçam, não negando nunca a questão da decisão da reclamação pelo juiz de 1ª instância. Ou seja, permitiu-se às partes de cada um dos processos, pelo menos, um duplo grau de decisão, já que a decisão foi tomada e apreciada por duas entidades distintas: o agente de execução e o juiz… Duplo grau de decisão que o Senhor Juiz Relator, com a sua decisão não está a permitir. g. O tribunal de primeira instância - Juízo Local Cível de Ourém – admitiu o recurso interposto pela R. nos termos do art. 644.º, n.º 1, alínea a) do CPC: cabe recurso de apelação da decisão, proferida em 1.ª instância, que ponha termo à causa ou a procedimento cautelar ou incidente processado autonomamente; h. Apesar de a recorrente/reclamante não ter mobilizado tal artigo aquando da interposição de recurso, não deixa de ser verdade que a decisão em causa colocou termo a um incidente declarativo da ação de divisão de coisa comum – a fixação do valor base para a venda do imóvel. i. Atento o exposto, a decisão é autonomamente recorrível, como aliás, acabou por reconhecer o Tribunal de 1.ª Instância, ao admitir o recurso interposto. j. Quando é fixado um valor de venda (ou valor base de venda) por decisão, esse valor tem impacto prático relevante (ex: determinação das quotas, credores, eventuais montantes de tornas, limite mínimo para aceitação de propostas, possibilidade de o imóvel ser vendido por valor inferior a 85% do valor base etc). k. Ora, como se constata esta decisão irá trazer consequências, algumas das quais graves, quer para as partes, quer para eventuais interessados (intervenientes acidentais) que venham a apresentar propostas para aquisição. l. Ora, não faz sentido vir a impugnar a decisão final, designadamente, impugnando a decisão que fixou o valor base, a qual poderá ser julgada procedente, anulando assim, todo o trabalho (e desgaste que proporcionar a visita a um imóvel à venda acarreta) que irá ser desenvolvido entre a fixação do valor base e a impugnação da decisão final… m. Não implicará apenas a anulação de alguns actos posteriores…. Na verdade, os próprios proponentes criam expectativas, que podem vir a revelar-se frustradas, considerando a possibilidade de vir a ser impugnada (e revogada) uma decisão sobre a qual formaram o seu processo volitivo…. n. Como bem se referiu aquando da admissão do presente recurso pela primeira instãncia, “a retenção do presente recurso o tornará totalmente inútil. Na verdade, tendo em conta que está em causa a definição do valor do preço de referência para a venda do bem comum em causa nos autos, caso o recurso não suba imediatamente, a eventual decisão posterior em sede de recurso já não terá qualquer eficácia aqui. (…) Tendo em conta que o recurso interposto pela R. se refere à definição do valor do preço de referência para a venda do bem comum em causa nos autos, consideramos que se a realização da venda daquele bem nos presentes autos prosseguisse, tendo por referência aquele preço, se a mesma fosse concretizada, e se o recurso tiver provimento, tal poderá provocar a realização de actos inúteis no processo que poderão ter de ser dados sem efeito.” o. Se a decisão sobre o valor base fosse de somenos importância (relegando para as regras do mercado o valor base), não se percebe então porque é que o legislador lhe dedicou um artigo – o art. 812.º do CPC, impondo que exista decisão não só sobre o valor base, mas ainda que esse valor base corresponda ao maior dos seguintes valores: valor patrimonial tributário ou valor de mercado. p. O legislador procurou que não fosse colocado à venda um bem sem se determinar, da forma mais justa/adequada o respectivo valor mínimo, correndo o risco de ser vendido ao “desbarato”… bem pelo contrário: determinou que seja sempre decidido pelo maior dos seus valores, ou o patrimonial ou o de mercado q. O recurso interposto pela reclamante, do despacho proferido pelo Juízo Local Cível de Ourém em 18.12.2024, com a ref. CITIUS 98370295, notificado às partes em 19.12.2024, visava recorrer também do despacho que indeferiu o pedido de esclarecimentos que a recorrente/reclamante pretendeu que fossem formulados ao perito. r. Este é inequivocamente um despacho de indeferimento de um meio de prova. Na prova pericial o que constitui meio de prova é o relatório pericial, o texto escrito no qual os peritos respondem às questões de facto que lhe foram colocadas e justificam as suas respostas, razão pela qual os pedidos de esclarecimento aos peritos são ainda um meio à disposição da parte para participar na produção do meio de prova e interferir com o respectivo resultado. s. Por esse motivo, tais decisões são passíveis de recurso de apelação autónoma, isto é, independentemente do recurso que viesse a ser interposto da decisão final. – Neste sentido, vide o recente ac. TRPorto, de 06/02/2025, que em sede de “Questão Prévia: o objecto do recurso” concluiu claramente neste sentido. NESTES TERMOS E COM O DOUTO SUPRIMENTO DE V.ªS EX.ªS, DEVE A PRESENTE RECLAMAÇÃO SER JULGADA PROCEDENTE E, POR VIA DELA, SER REVOGADO O DESPACHO PORFERIDO EM 27.10.2025, NOS TERMOS SUPRA REFERIDOS, SENDO SUBSTITUÍDO POR OUTRO QUE ADMITA O RECURSO INTERPOSTO PELA ORA RECORRENTE.” I.C. O apelado não respondeu. Após os vistos, cumpre decidir. *** II. QUESTÕES A DECIDIR: Importa, apenas, saber se deve ser admitido o recurso interposto. *** III. FUNDAMENTAÇÃO: III.A. Fundamentação de facto: Os factos a considerar estão consignados no relatório. * III.B. Fundamentação jurídica: O despacho reclamado tem a seguinte fundamentação: “A) Pode extrair-se da consulta dos autos que: 1. Por petição inicial de 29/11/2022 veio AA instaurar contra BB acção de divisão de coisa comum, alegando que a Fração autónoma designada pela letra “H”, destinada a habitação, correspondente ao segundo andar esquerdo constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Rua 1, n.º 77, Sítio 2, freguesia de Vila A, concelho de Cidade B, com um anexo destinado a arrecadação e garagem, inscrito na matriz sob o número 2197 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Cidade B sob a ficha três mil duzentos e dezanove pertence a ambos, não pode ser dividida e não lhe convém permanecer na indivisão. 2. Citada a requerida BB esta veio apresentar contestação a 1/03/2023. 3. A 6/06/2023 foi proferida sentença que terminou com a seguinte decisão: “o bem imóvel comum que será objecto de divisão nos presentes autos, terá apenas a seguinte identificação: Uma fracção autónoma, designada pela letra “H”, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Rua 1, nº 77, em Sítio 2, freguesia de Vila A, concelho de Cidade B, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Vila A sob o artigo 2197, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Cidade B sob o nº 3.219, da freguesia de Vila A, que seria composto pelo 2º andar esquerdo do prédio, destinado a habitação, com a área de 88 m2. Além disso, também será objecto de divisão de coisa comum nos presentes autos, o bem indicado supra, que a R. solicitou a divisão na reconvenção que apresentou, consistente na concessão perpétua de sepultura, talhão 3, no cemitério de Vila A”. 4. Em 12/12/2023 realizou-se conferência de interessados onde foi proferido o seguinte despacho: “Tendo em conta que o autor e a ré chegaram acordo quanto à partilha do bem comum consistente na concessão perpétua de sepultura, a presente ação prosseguirá apenas em relação ao restante bem imóvel comum, descrito na conservatória competente sob n.º 3219, da freguesia de Vila A. Concede-se à ré o prazo requerido de 60 dias para vir depositar à ordem dos presentes autos a parte do valor do bem que o autor tem direito, ou seja, a quantia de 450,00€. Após a ré vir depositar aquele valor e apresentar comprovativo do mesmo, abra conclusão a fim de proferirmos decisão quanto à adjudicação deste bem”. 5. De seguida, não tendo os interessados chegado a acordo quanto à partilha e adjudicação do outro bem imóvel comum em causa nos autos, foi proferido o seguinte despacho: “Tendo em conta a informação prestada pelos interessados que não chegaram acordo para a partilha do bem imóvel comum, descrito na conservatória competente sob n.º 3219, da freguesia de Vila A, identificado a fls. 74, determina-se que o mesmo seja objeto da venda nos termos do art.º 929.º, n.º 2 do Código de Processo Civil”. 6. E, tendo as partes dito que não chegaram a acordo quanto ao valor base para a venda do bem em causa, solicitam ao Tribunal que nomeie um avaliador para proceder à avaliação do bem e solicitam ao Tribunal que nomeie um encarregado de venda, foi proferido o seguinte despacho: “Tendo em conta a posição pelo autor e pela ré decide-se nomear como encarregado de venda, pessoa idónea a indicar pela secção o que fica desde já nomeado. Além disso essa pessoa deverá previamente proceder à avaliação do bem comum em causa, para fixar o valor base para a venda. Deverá contactar a pessoa agora nomeada como encarregado de venda e de avaliador para proceder à avaliação e à venda do bem. Concede-se à pessoa em causa o prazo de 60 dias para proceder à avaliação e à venda do bem. Deverá a secção proceder à citação dos eventuais credores que sejam titulares de direitos reais de garantias sobre os bens imóveis em causa nos autos, nos termos das regras do processo executivo, de acordo com o disposto do artigo 549º, n.º 1, do Código de Processo Civil.” 7. Apresentado o relatório em 26/02/2024 a requerida BB veio requerer que seja “seja declarada nula a avaliação pericial realizada, devendo a mesma ser repetida, notificando‑se expressamente a requerida para poder assistir à sua realização; subsidiariamente, atentas as inexactidões de que padece o relatório de avaliação pericial, requer-se, ao abrigo do art. 487.º, n.º 1 do CPC, a realização de uma segunda perícia”. 8. Por despacho de 19/03/2024 foi indeferido o pedido de declaração de nulidade da avaliação realizada e ordenada a notificação do requerente para se pronunciar sobre o pedido de realização de segunda perícia. 9. AA veio pronunciar-se a 10/04/2024 no sentido de ser indeferido o requerido. 10. Por despacho de 19/04/2024 foi deferida a realização de uma segunda perícia. 11. Em 28/05/2024 foi junto o relatório. 12. A requerida BB veio, em 12/06/2024, pedir que seja ordenada ao perito a prestação dos esclarecimentos que indicou. 13. Por despacho de 21/06/2024 (Referência: 96833561) decidiu-se: “Por todo o exposto, indefere-se a reclamação efectuada pela quanto ao relatório pericial de avaliação realizado pelo sr. perito nos presentes autos. Consequentemente, indefere-se igualmente o seu pedido para que o sr. perito proceda aos esclarecimentos por ela apresentados no seu requerimento” e, ainda, que “Consequentemente, fixa-se como valor base para a venda do imóvel comum em causa nos autos, aquele pelo qual o mesmo foi avaliado na 2ª perícia aqui efectuada, ou seja o de 91.256 euros.” 14. Em 11/07/2024 BB veio recorrer desse despacho e, por decisão sumária no apenso A, foi decidido em 23/10/2024: “Pelo exposto julga-se procedente o presente recurso de apelação interposto por BB e em consequência disso decide-se o seguinte: 1-Anular o primeiro e segundo segmentos decisórios do despacho proferido no Tribunal recorrido em 12/06/2024, impugnados na presente apelação, devendo os autos prosseguirem os seus ulteriores termos no Tribunal a quo facultando-se o contraditório pelo prazo regra de 10 dias relativamente ao requerimento apresentado nos autos pela Apelante em 12/06/2024, após o que deverá ser proferida nova decisão sobre o dito requerimento e sobre o valor base de venda do bem imóvel descrito nos autos;” 15. Nessa sequência foi proferido pelo Tribunal a quo o despacho de 18/11/2024 (Referência: 98119900): “A fim de cumprir a determinação realizada pelo Tribunal da Relação no apenso de recurso, notifique o A. para vir, no prazo de 10 dias, querendo, pronunciar-se sobre a reclamação apresentada pela R. contra o relatório de avaliação junto aos autos.” 16. Por requerimento de 29/11/2024 o requerente AA veio pronunciar-se no sentido de nada opor à reclamação apresentada. 17. Foi, então, proferido o despacho recorrido com o seguinte teor: “Salvo o devido respeito, consideramos que não tem qualquer cabimento a reclamação apresentada pela R. contra o relatório de avaliação do bem comum em causa nos autos agora apresentado pelo sr. perito avaliador. Na verdade, ao contrário do que sustenta a R. o Tribunal considera que o relatório de avaliação realizado pelo sr. perito não é omisso, nem padece das contradições ou das deficiências que aquela lhe aponta na reclamação que juntou aos autos. Pelo contrário no relatório o sr. perito vem informar e elucidar, de forma, clara, objectiva e completa, os termos em que procedeu ao cálculo dos valores do bem imóvel comum, que lhe foi solicitada a avaliação e que se encontra em causa nos autos. No relatório o sr. perito esclareceu, de forma, clara, objectiva e completa, qual o método de cálculo que utilizou e os itens de referência que levou em consideração para determinar o valor dos bem imóvel em causa. Parece ao Tribunal que os itens de referência serão os adequados e os correctos para determinar o valor de mercado do bem imóvel em questão. Além disso, ficou bem esclarecido o cálculo efectuado e de que forma foram alcançados os valores constantes do relatório pericial. Refira-se ainda que a R. não pode querer que o sr. perito indique como valor da avaliação, para o imóvel comum, aquele que ela, de forma totalmente subjectiva e tendenciosa, considera ser o adequado. Pelo contrário, o sr. perito tem de fazer uma análise independente e objectiva dos elementos de referência e concluir sobre qual é objectivamente o valor de mercado dos bens imóveis. Se estivesse a realizar uma avaliação de acordo com os interesses e as vontades de alguns interessados não estaria a cumprir devidamente a sua função, nem a realizar uma avaliação e forma objectiva conforme se lhe é exigido. Acresce que, conforme deixamos expresso em despacho anterior, a avaliação determinada nos autos tem apenas como objectivo o de definir um valor de referência para a venda do bem imóvel comum em causa nos autos. Deste modo, durante a realização da venda e por força do funcionamento das regras de mercado, certamente que será encontrado o valor real do bem, ou pelo menos um que se adequasse mais à perspectiva sustentada nos autos pela R., sem haver necessidade de nova avaliação. Consequentemente, não se justifica tanto rigor e exactidão quanto aos termos da realização da avaliação, conforme a R. vem requerer nos presentes autos. Deste modo, o Tribunal considera que não tem qualquer fundamento a reclamação apresentada pela R. contra o relatório de avaliação apresentado pelo sr. perito, devendo assim a mesma ser indeferida. * DECISÃO: Por todo o exposto, indefere-se a reclamação efectuada pela R. quanto ao relatório pericial de avaliação realizado pelo sr. perito nos presentes autos. Consequentemente, indefere-se igualmente o seu pedido para que o sr. perito proceda aos esclarecimentos por ela apresentados no seu requerimento. * Custas do incidente pela R. Fixa-se taxa de justiça para efeito deste incidente em 1 UC. Notifique. ** Consequentemente, tendo em conta as razões expostas supra, quanto à idoneidade e o rigor técnico da avaliação efectuada, fixa-se como valor base para a venda do imóvel comum em causa nos autos, aquele pelo qual o mesmo foi avaliado na 2ª perícia aqui efectuada, ou seja o de 91.256 euros. Notifique e comunique ao encarregado de venda. * Após trânsito do despacho anterior, comunique ao encarregado de venda que deverá diligenciar pela venda do imóvel comum em causa nos autos, levando em consideração aquele valor base de referência do imóvel referido supra. Concede-se o prazo de 30 dias para a realização dessa venda. Notifique.” * B) Como é sabido, a acção de divisão de coisa comum comporta duas fases. A primeira, a fase a declarativa destes autos, onde se discutiram todos os aspectos substantivos suscitados na petição e na contestação, já terminou com a sentença e conferência de interessados. Na fase da execução produzem-se as operações tendentes à divisão. Neste caso, vai proceder-se à venda do imóvel, com distribuição aos interessados das quantias correspondentes ao respectivos quinhões. Será após a venda que se irá proferir a decisão final desta segunda fase e é esta a decisão que, de acordo com as regras gerais, pode admitir recurso. Com o eventual recurso da decisão final poderão ser impugnadas decisões interlocutórias proferidas na segunda fase do processo, nos termos do artigo 644.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (ver, neste sentido, António Abrantes Geraldes [1]). Em termos gerais, apenas são susceptíveis de recurso imediato as decisões que ponham termo ao processo e as decisões tipificadas na alínea b), do n.º 1 e nas diversas alíneas do n.º 2, do artigo 644.º do Código de Processo Civil. As restantes decisões interlocutórias, independentemente da sua natureza, apenas podem ser impugnadas juntamente com o recurso de alguma das decisões previstas no n.º 1 ou, se não houver esse recurso (por não chegar a ser interposto ou por não ser admissível), num recurso único a interpor depois de a mesma transitar em julgado (desde que, naturalmente, a impugnação tenha interesse autónomo para a parte)[2]. Parece claro que o despacho de que se recorre não colocou termo à causa nem, sendo despacho saneador, decidiu do mérito da causa ou extinguiu a instância quanto a algum réu ou a algum pedido. O recurso não é, por isso, admissível ao abrigo do n.º 1, do artigo 644.º do Código de Processo Civil. Manifestamente, o despacho recorrido não apreciou impedimento do juiz, não apreciou a competência absoluta do tribunal, não decretou a suspensão da instância, não condenou em multa ou sanção processual, não ordenou o cancelamento de qualquer registo nem foi proferido depois da decisão final. Não é o recurso admissível por via das alíneas a), b), c), e), f) e g), do n.º 2, do artigo 644.º do Código de Processo Civil. Importa saber se o recurso pode, como pretende a recorrente, enquadrar-se nas alíneas d) ou h) desse n.º 2, do artigo 644.º Código de Processo Civil. C) Nos termos dessa alínea d), cabe recurso de apelação autónoma: “Do despacho de admissão ou rejeição de algum articulado ou meio de prova”. A fase dos articulados já terminou e, de resto, nenhum articulado foi apresentado por qualquer das partes nesta fase nem, naturalmente, o despacho se pronunciou sobre a admissibilidade ou rejeição de qualquer articulado (relembrando-se que apenas são articulados, nos termos do artigo 147.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, as peças em que as partes “expõem os fundamentos da ação e da defesa e formulam os pedidos correspondentes” e que o requerimento apreciado no despacho não assume essas características). De resto, o eventual indeferimento de um requerimento não pode ser visto como a sua rejeição. Também não foi admitido nem rejeitado qualquer meio de prova. A perícia já tinha sido admitida e, por isso, está afastada da recorribilidade imediata qualquer incidente suscitado no âmbito da produção das provas admitidas (como está afastada a recorribilidade imediata dos despachos sobre a acareação ou contradita no âmbito de prova testemunhal – pois que não se admite nem rejeita um meio de prova, apenas se controla o seu valor probatório; tal como se afasta a recorribilidade imediata do despacho que fixa o objecto da prova pericial – neste sentido António Abrantes Geraldes [3] e Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 21/04/2016, processo n.º 1239/13.4TBPTL-B.G1[4]). Se ao nível da prova pericial se distinguem tradicionalmente as fases da sua proposição (pelas partes ou pelo tribunal), da sua admissão, da sua preparação (fixação do objecto da perícia) e a fase da sua produção[5], parece claro que o despacho recorrido (que foi proferido após a produção do relatório pericial) não se inscreve na fase da sua admissibilidade ou rejeição (a rejeição da prova pericial apenas está prevista no artigo 475.º, n.º 1, do Código de Processo Civil e é, apenas, sobre esse despacho de rejeição que pode haver recurso imediato). A decisão que conheça das reclamações ao relatório pericial, acolhendo‑as ou denegando-as, não é uma decisão de admissão ou rejeição de um meio de prova susceptível de ser enquadrada no artigo 644.º, n.º 2, alínea d) do Código de Processo Civil (neste sentido ver, entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 27/09/2016, processo n.º 26/11.9TBMDA-A.C1[6]). O recurso não é, por isso, admissível ao abrigo da indicada alínea d). D) Nos termos da alínea h), cabe recurso de apelação autónoma: “Das decisões cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil”. Nas palavras de Abrantes Geraldes [7]: “O advérbio (“absolutamente”) assinala bem o nível de exigência imposto pelo legislador (…) para efeitos de determinar, ou não, a subida imediata do agravo. Deste modo, não basta que a transferência da impugnação para um momento posterior comporte o risco de inutilização de uma parte do processado, ainda que nesta se inclua a sentença final. Mais do que isso, é necessário que imediatamente se possa antecipar que o eventual provimento recurso da decisão interlocutória não passará de uma “vitória de Pirro”, sem qualquer reflexo no resultado da acção ou na esfera jurídica do interessado.” Não basta, por isso, que haja o risco de inutilização de actos processuais para justificar a subida imediata do recurso. A eventual revogação do despacho que fixou o valor base pelo qual vai ser anunciada a venda apenas implicará a anulação de alguns actos posteriores. E existe, até, alguma probabilidade de o imóvel se vender a terceiros por um preço superior ao antecipado pelas partes (pelo que deixará de existir interesse em qualquer uma delas em recorrer, mais tarde, deste despacho). De resto, a fixação do valor base pelo qual vai ser anunciada a venda, que é o objectivo último da reclamação da segunda perícia realizada, nem assume na economia dos autos uma importância decisiva, já que não se está a fixar o valor pelo qual o imóvel tem de ser vendido. É que, como tem vindo a ser decidido pela jurisprudência e resulta das mais elementares regras do senso comum: - O “valor final de alienação não fica, total e inexoravelmente, dependente do valor base pelo qual é proposta a venda. Podendo tal valor ser corrigido para mais, através de licitação ou cobertura de propostas – cfr. artº 820º do CPC – ou para menos, mediante a aceitação de propostas de valor inferior ao dimanante do valor base – cfr. artº 821º nº3 do CPC” (Decisão do do Tribunal da Relação de Coimbra de 22/01/2019, processo n.º 556/08.0TBPMS-D.C1[8]); - “Não existe um valor juridicamente definido como o valor real do imóvel. O valor do imóvel é determinado pelo mercado, ou seja, pelo jogo da oferta e da procura. O valor do imóvel é o valor que os compradores estiverem dispostos a dar por ele, num determinado momento” (Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 2/11/2023, processo n.º 950/17.5T8CHV-C.G1[9]); - “O valor base que tiver sido fixado nos autos não constitui limite mínimo para a transação que venha a realizar-se nem, muito menos, garante que essa transação venha a efetuar-se por valor igual ou superior” (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 31/05/2022, processo n.º 3847/15.0T8ALM-E.L1-7[10]). Não está, por isso, preenchida a alínea h), do n.º 2, do artigo 644.º do Código de Processo Civil, pelo que não será admissível a apelação autónoma ao abrigo do que nela se dispõe. E) Dir-se-á, finalmente, que não resulta da lei (antes pelo contrário – como se depreende do teor do artigo 812.º, n.º 7, do Código de Processo Civil) que a lei preveja, em qualquer outra norma, a apelação autónoma deste despacho, pelo que também não se mostra preenchida a alínea i), do n.º 2, do artigo 644.º do Código de Processo Civil. Assim, não sendo admissível apelação autónoma, não se pode admitir o recurso apresentado pela recorrente (cf. artigo 652.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil).” * Continua a não se vislumbrar razão para se admitir a apelação autónoma. Não é no artigo 812.º do Código de Processo Civil que esse fundamento se encontra. De resto, quanto ao demais, não existem novas razões que não tenham sido consideradas no despacho reclamado. Não é o recurso admissível por nenhuma das alíneas, do n.º 2, do artigo 644.º do Código de Processo Civil. A decisão que conheça das reclamações ao relatório pericial, acolhendo‑as ou denegando-as, não é uma decisão de admissão ou rejeição de um meio de prova susceptível de ser enquadrada no artigo 644.º, n.º 2, alínea d) do Código de Processo Civil. A decisão sobre o valor base da venda não é um incidente processado autonomamente, ao contrário do defendido pela recorrente. E não basta que haja o risco de inutilização de actos processuais para justificar a subida imediata do recurso, pelo que também não está preenchida a alínea h), do n.º 2, do artigo 644.º do Código de Processo Civil. Assim, só pode manter-se a decisão sumária proferida (bem como a condenação em custas nela constante, não sendo de tributar autonomamente a reclamação para a conferência). *** III. DECISÃO: Em face do exposto, decide-se julgar totalmente improcedente a reclamação e mantem-se a decisão singular que não admitiu o recurso. Notifique. Évora, 16 de Dezembro de 2025 Filipe Aveiro Marques Susana Ferrão da Costa Cabral Ana Pessoa
__________________________________________ 1. Recursos em Processo Civil, 7.ª Edição, Almedina, pág. 624.↩︎ 2. A abolição do recurso de agravo e tentativa de simplificação introduzidos pela reforma do D.L. 303/2007, de 24 de Agosto.↩︎ 3. Recursos em Processo Civil, 7.ª Edição, Almedina, pág. 253.↩︎ 4. Acessível em https://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/01aa2eba63ad9be980257fc000551b0a.↩︎ 5. Ver, neste sentido, Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª Edição, Coimbra Editora, pág. 584 e ss..↩︎ 6. Acessível em https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/40f95e788c547dab8025803c0037a8e1.↩︎ 7. Recursos em Processo Civil, 7.ª Edição, Almedina, pág. 257.↩︎ 8. Acessível em https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/98b4f3e6d7c90b97802583a500583c29.↩︎ 9. Acessível em https://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/497618fbb2143d5a80258a63003661d9.↩︎ 10. Acessível em https://www.dgsi.pt/Jtrl.nsf/e6e1f17fa82712ff80257583004e3ddc/238ac473fbaadf5d80258876003219d9.↩︎ |