Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
203/22.7T8SNS.E1
Relator: MÁRIO BRANCO COELHO
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
SOCIEDADE POR QUOTAS
SÓCIO MAIORITÁRIO
SÓCIO GERENTE
TRANSMISSÃO DA EMPRESA OU ESTABELECIMENTO
Data do Acordão: 09/28/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
1. Nas sociedades por quotas, detendo o gerente poderes de autoridade, direcção, fiscalização e disciplina dos respectivos trabalhadores, ocorre, em princípio, uma situação de incompatibilidade entre o exercício simultâneo dessas funções de gerente e as de trabalhador.
2. Poderá ocorrer a coexistência do contrato de trabalho com o exercício das funções de gerente de sociedade por quotas, nomeadamente nas situações de anterioridade do contrato de trabalho face à aquisição da qualidade de sócio-gerente, à existência de sócios maioritários com autoridade e domínio sobre os restantes, e ao exercício de tarefas não tipicamente de gerência.
3. O sócio que foi um dos fundadores da sociedade, controlando a maioria do capital social, e exercendo as funções de gerente, não pode ser considerado, em simultâneo, trabalhador da sociedade, em especial quando não está demonstrada qualquer subordinação jurídica característica da relação laboral.
4. A renúncia das funções de gerente, por qualquer causa que não seja o decurso do tempo, está sujeito a registo e publicação obrigatórios, e só então se torna oponível a terceiros.
5. Logo, não pode ser invocada a transmissão do vínculo laboral, nos termos gerais do art. 285.º do Código do Trabalho, se a renúncia às funções de gerente apenas foi levada a registo, e publicada, depois do acto de transmissão do estabelecimento.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:

No Juízo do Trabalho de Sines, AA propôs acção de processo comum contra LGCE – Logística & Construção Portugal, Lda., formulando o seguinte pedido:
1. Reconhecer que o contrato de trabalho do A. se transmitiu, nos mesmos termos com a mesma categoria, antiguidade e condições salariais, da entidade patronal “Plasticarga” a favor da sociedade “LGCE”, nos termos dos arts. 285 e 287 do Código de Trabalho e Lei 18/2021;
2. Reconhecer que a resolução com justa causa realizada pelo A., pelo facto de existir violação grosseira do dever de ocupação efectiva por parte da Ré, nos termos do art.º 394, nº. 2, al. b) do Código do trabalho seja considerada licita, e consequentemente a Ré,
3. Seja condenada a pagar:
1. O valor de € 1.384,62 a título de créditos de formação dos últimos 5 anos, nomeadamente do ano 2018x 35h, 2019 x 35h, 2020x40h, 2021x40h e os proporcionais de 2022;
2. O valor de € 1.500,00 ilíquido referente aos mês de Março quanto ao vencimento base, € 500,00 referente aos proporcionais de subsídios de férias e Natal e € 152,60 de subsídio de alimentação, subtraindo o valor total de descontos de € 476,00 com respeito à aplicação das taxas de 11% de descontos à Segurança Social e 12,80% em sede de IRS;
3. O valor de € 1.937,60 a título de Férias não gozadas, nomeadamente 22 dias referentes ao ano de 2021 e 6 dias proporcionais de 2022;
4. Indemnização pela resolução do contrato de trabalho de 45 dias por cada ano de trabalho completo, ou seja {[45 x (8,65hx8)] x 21}, no valor de € 65.394,00, tendo em conta o grau de culpa elevado da Ré, não só pela atitude de tentar inferiorizar o A. ao não reconhecer que este fazia parte dos trabalhadores que prestavam serviço à “Repsol”, como pelo facto de não ter respondido às várias missivas do A. e ainda por saber que quer o A. quer a sua companheira ficam desempregados com três filhos dependentes a seu cuidado.
5. O valor não inferior a uma indemnização de € 15.000,00 a título de danos não patrimoniais.
Alegou ter sido admitido ao serviço da Plasticarga, em 2000, com as funções de assistente administrativo; exerceu funções de gerente da Plasticarga entre 19.12.2007 e 26.01.2022, reocupando a sua relação laboral a partir de 27.01.2022; esta empresa tinha quase como única cliente a Repsol, onde prestava serviços de operador logístico; na sequência de concurso promovido pela Repsol para escolher novo operador logístico no complexo petroquímico em Sines, foi escolhida a Ré; ocorreu, assim, a transmissão do estabelecimento a que o A. estava afecto, mas a Ré não aceitou a transmissão do seu vínculo contratual.
Contestou a Ré, alegando que a Plasticarga é uma sociedade familiar, fundada pelo A. e pelo seu pai, em 1999; embora o A. tenha renunciado à gerência em Janeiro de 2022, continuou a ser sócio dessa sociedade, onde permaneceu como gerente o seu irmão; o A. renunciou à gerência porque tal poderia impedir a sua eventual transmissão para a Ré, pelo que esse acto foi uma manobra ardilosa, ficcionando uma realidade que não existia; é abusivo o exercício do direito invocado pelo A.; à Ré foi adjudicada, pela Repsol, serviços de logística, que não incluem actividades administrativas; o A. não desempenhava quaisquer funções relacionadas com o contrato com a Repsol, cabendo as tarefas administrativas a outra trabalhadora e ao outro gerente.
Realizado o julgamento, a sentença julgou a causa totalmente improcedente.

Inconformado, o A. recorre e conclui:
(…)

Na respectiva resposta, a Seguradora sustenta a manutenção do julgado.
Nesta Relação de Évora, a Digna Magistrada do Ministério Público produziu parecer, propondo o provimento do recurso.
Cumpre-nos decidir.

Impugnação da matéria de facto:
Consignando, previamente, que o Recorrente deu cumprimento ao disposto no art. 640.º n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, e que se procedeu à audição da prova gravada, procedamos à análise da impugnação fáctica deduzida, ponto por ponto.
(…)
Em resumo, a impugnação da matéria de facto vai julgada totalmente improcedente.

A matéria de facto fixa-se assim:
1. Em Janeiro de 2001, mediante acordo verbal, o A. foi admitido ao serviço da “Plasticarga – Movimentação de Cargas, Lda.”, com o NIPC 504533819 e sede no Bairro das Flores n.º 37, 7500-130 Vila Nova de Santo André.
2. Para sob as ordens, direcção e fiscalização da “Plasticarga”, desempenhar as funções correspondentes à categoria profissional de Assistente Administrativo 1ª, beneficiando aquela desta actividade.
3. Para o efeito, o A. utilizava os equipamentos e instrumentos de trabalho pertencentes à “Plasticarga”.
4. O período normal de trabalho era de 40 horas semanais, distribuídas de segunda a sexta-feira, das 9.00/18.00, com intervalo para refeição.
5. Como contrapartida do trabalho prestado, entre Janeiro de 2001 e Dezembro de 2007, o autor auferiu retribuição, sendo que embora efectuando descontos para a Segurança Social como membro de órgão estatutário até Fevereiro de 2022, em 28.02.2022, pela “Plasticarga” foi emitido recibo de remunerações, do qual consta que como assistente administrativo 1.ª, o A. auferia a retribuição mensal ilíquida de € 1.500,00, acrescida de subsídio de alimentação de € 7,63 por cada dia de trabalho efectivamente prestado e subsídio de transporte – Km no valor de €1.785,00.
6. Entre 19.12.2007 e pelo menos formalmente até 24.01.2022, o A. exerceu ainda o cargo de gerente da “Plasticarga”.
7. O A. exercia as funções nos escritórios da “Plasticarga”, sitos na Praça da Concórdia, Lote 6 – 2º C, 7500-220 Vila Nova de Santo André, executando as tarefas inerentes a responsável administrativo, com a categoria atribuída de assistente administrativo 1.ª, ininterruptamente desde Janeiro de 2001 até 28.02.2022 e ainda como gerente de 19.12.2007 pelo menos formalmente até 24.01.2022.
8. Exercia também funções administrativas nesse local BB.
9. BB vive em condições análogas às dos cônjuges com o autor, tendo desta relação nascido três filhos um menor de idade e os outros dois maiores, mas ainda frequentando o ensino universitário, estando todos ainda dependentes dos seus pais.
10. Dezoito trabalhadores da “Plasticarga” exerciam funções nas instalações da “Repsol Polímeros, Unipessoal, Lda.” no complexo Petroquímico em Monte Feio, Sines.
11. A “Plasticarga” tinha como principal cliente a “Repsol Polímeros, Unipessoal Lda.”, á qual facturava anualmente, em média, € 740.920,77.
12. A Plasticarga tinha também os seguintes clientes:
- Sirplaste, S.A., à qual facturou € 2.435,40;
- Agrakem Químicos, SL., à qual facturou €3.650,00.
13. A “Plasticarga” facturou à “Tracogás, Lda.” € 4.920,00, relativos à venda de um semi-reboque porta-contentores que utilizava na sua actividade dentro da Repsol e que cessou fruto do termo do contrato com esta.
14. À Agrakem Químicos, SL e à Sirplaste, S.A, a pedido da “Repsol”, a “Plásticarga” serviu de intermediária, para lograr o transporte destas de produtos adquiridos à Repsol, não tendo obtido lucro desta operação.
15. Todo o trabalho exercido pelos dezoito trabalhadores da “Plasticarga” que se encontravam a laborar nas instalações da Repsol era prestado em exclusivo para esta.
16. Estes trabalhadores executavam toda a parte de operação logística das instalações, em concreto: embalamento, armazenagem, movimentação, carregamento e transporte de Polímeros.
17. Com excepção do encaminhamento de algumas questões administrativas, a Repsol não disponibilizou nas suas instalações um espaço para que a “Plasticarga” aí tivesse o seu apoio administrativo que era prestado no seu escritório em Vila Nova de Santo André, onde o A. trabalhava.
18. A “Plasticarga” carecia de serviços de apoio administrativo para facturação, recebimentos, processamento de salários, pagamento de impostos e segurança social, contratação de seguros, contratação e pagamento de fornecedores, tratamento de aspectos relativos à formação dos trabalhadores, marcação de férias dos trabalhadores, entre outros.
19. A Repsol decidiu lançar um concurso para escolher operador logístico no complexo petroquímico da “Repsol Polímeros, Unipessoal, Lda.” em Sines, que até então, vinha a ser executado pela “Plasticarga”.
20. Nessa sequência, a Repsol escolheu a R. como operador logístico no complexo petroquímico da “Repsol Polímeros, Unipessoal, Lda.”, em Sines.
21. Tal facto foi comunicado pela Repsol ao autor em 28.10.2021.
22. A Repsol disponibilizou nas suas instalações um espaço para a R. poder tratar, para além do mais, do encaminhamento de algumas questões administrativas.
23. A R. nunca entrou em contacto com o A. para o informar que passaria a exercer funções por sua conta, onde e de que forma.
24. O autor enviou à ré carta datada de 24.02.2022, com o teor do doc. 8 da PI, a fls. 23 e v.º, que se dá por integralmente reproduzido, entendendo ter havido transmissão de empresa ou estabelecimento, tendo assim sido transmitia automaticamente a posição de entidade empregadora em relação a todos os trabalhadores da transmitente, entre os quais se incluía, dado ter renunciado à gerência no dia 24.01.2022, fazendo com que ressurgisse o contrato de trabalho celebrado com o transmitente e readquirisse o estatuto de trabalhador com os direitos que detinha antes da suspensão do contrato de trabalho e do início do exercício das funções de Gerente, solicitando instruções para saber que funções lhe iriam ser atribuídas, bem como o local de trabalho, pretendendo apresentar-se ao serviço no dia 02.03.2022, continuando disponível para continuar a exercer as funções inerentes à sua categoria profissional de Assistente Administrativo que desempenhava à data da transmissão.
25. A R. respondeu a esta missiva por carta registada datada de 25.02.2022, com o teor do doc. 9 da PI, a fls. 25, que aqui se dá por integralmente reproduzido e em resumo: dando conta que de acordo com informação prestada pela Repsol, o autor para além de ser sócio-gerente da Plasticarga, não detinha qualquer função associada á execução do contrato de operação logística entre a Plasticarga e a Repsol, não constando sequer da lista dos trabalhadores que foram identificados pela Repsol como estando afectos à prestação de serviços; que não houve uma verdadeira transmissão de unidade económica; ainda que assim não fosse, o seu contrato de trabalho nunca seria transmitido, porquanto o autor não desempenhava funções naquela hipotética unidade, não podendo ser considerado como integrante da mesma; tomando nota da sua renúncia à gerência e passagem a assistente administrativo, tal teria por efeito a consolidação da sua posição como trabalhador da Plasticarga.
26. O A. renunciou à gerência da “Plasticarga” em 26.01.2022, com efeitos a 24.01.2022 tendo a cessação de funções sido averbada na Certidão permanente, pela AP.16/20220309.
27. Com data de 01.03.2022, o A. enviou carta à ré, com o teor do doc. 10 da PI, a fls. 26 que aqui se dá por integralmente reproduzido, agendando o dia 2 de Março, para se deslocar e reocupar o seu posto de trabalho na empresa.
28. No dia 02.03.2022, o A. deslocou-se ao complexo petroquímico da Repsol, não lhe tendo sido permitido o acesso às instalações, pois a R. não o incluiu na lista de trabalhadores para autorização de acesso para trabalho, informação que o autor obteve na Portaria, sem a presença de representante da R.
29. Embora com data de 24.02.2022, em 09.03.2022, o A. enviou carta á ré com o teor do doc. 11 da PI, a fls. 27, que aqui se dá por integralmente reproduzido, indicando ter sido impedido de aceder às instalações da ré para iniciar a sua jornada de trabalho, no dia 02.03.2022, obstando assim a ré, como sua entidade patronal, à sua prestação efectiva de trabalho, aguardando por um prazo de três dias instruções por escrito, quanto ao dia, local e funções que iria exercer, sob pena de resolver o seu contrato de trabalho com a R.
30. BB não viu posto de trabalho garantido pela R.
31. Com data de 17.03.2022, o A. enviou carta à ré, com o teor do doc. 12 da PI, a fls. 28 a 29 que aqui se dá por integralmente reproduzido, solicitando a atribuição, no prazo de 10 dias a contar da recepção dessa missiva, de funções compatíveis com a sua categoria profissional e a indicação de um local e horário de trabalho para o efeito, sob pena de violação do seu dever de ocupação efectiva, sendo que, decorrido aquele prazo, cessaria o seu vinculo laboral com a R., lançando mão dos expedientes legais de que dispunha para fazer valer os seus direitos.
32. Com data de 31.03.2022, o A. enviou carta à ré, com o teor do doc. 13 da PI, a fls. 30 e v.º que aqui se dá por integralmente reproduzido, comunicando a resolução do contrato de trabalho, por impossibilidade de assegurar a manutenção da relação laboral com a ré, assente na violação culposa por parte desta das suas garantias legais e convencionais, porquanto se encontrava impedido por esta de desempenhar as suas funções, correspondentes à categoria profissional de Assistente Administrativo desde o dia 02.03.2022 até àquela data.
33. As missivas do A. de 01.03.2022, a enviada em 09.03.2022 e as de 17 e 31 de Março/2022 não obtiveram resposta da R.
34. O A. não recebeu salário de Março/2022, proporcionais de subsídios de férias e Natal, de férias de 2022 e subsidio de alimentação.
35. O escritório da “Plasticarga” tratava da facturação à cliente “Repsol”, do recebimento, do pagamento dos salários dos seus próprios trabalhadores, de impostos e contribuições, de seguros, das formações, das baixas médicas, da gestão de correspondência física e electrónica, do acompanhamento da implementação da norma ISSO 9001, da preparação do processamento de salários, dos contratos de trabalho e de tudo o que dizia respeito à própria “Plasticarga”.
36. O A. pagava os salários dos trabalhadores da “Plasticarga”, mandava processar os seus salários, tratava de algumas questões de seguros, agendava as formações profissionais, entre outras actividades.
37. O comportamento da ré causou angústia ao A.
38. A “Plasticarga” é uma sociedade por quotas, que opera no sector de operações de logística, movimentação de cargas e descargas, armazenagem e actividades auxiliares de transporte, mais concretamente de organização de transporte em benefício de clientes com quem se relaciona comercialmente.
39. A “Plasticarga” foi constituída em 06.09.1999, tendo por sócios CC, também gerente e o autor, respectivamente com as quotas de €4.250,00 e €750,00 no capital social.
40. Por óbito de seu pai CC, a gerência deste foi cessada em 27.12.2007, tendo sido nessa data designados como tal, o autor e DD, passando o autor a deter também, em conjunto com o seu irmão e com a sua mãe, uma quota de €4.250,00.
41. Os sócios da “Plasticarga” mantêm-se e com a cessação de funções de gerência do autor, passou a ser seu único gerente DD.
42. Após a renúncia à gerência, o A. continuou a ser o responsável da área administrativa da “Plasticarga”, embora esta se vinculasse pela assinatura do seu único gerente.
43. O A. sabia que ao ocupar o cargo de gerente da “Plasticarga” tal poderia impedir a sua eventual transmissão para a R. no contexto da cessação pela Repsol do contrato com a “Plasticarga” e da celebração de novo contrato com a R. e também por isso, renunciou à gerência.
44. Em data não concretamente apurada, mas perto da data da sua constituição, a “Plasticarga” celebrou com a “Borealis” contrato de prestação de serviços de logística, a executar no complexo petroquímico, em Sines.
45. Em 29.06.2017 e reportado a 01.05.2017, a “Plasticarga” celebrou um contrato de prestação de serviços de logística com a Repsol Polímeros, S.A., empresa do sector petrolífero que se dedica ao fabrico e comercialização de produtos químicos, incluindo a petroquímica básica e a sua derivada, desenvolvendo a sua actividade no Complexo Petroquímico de Sines, sito no lugar de Monte Feio, Sines, com o teor de fls. 163 a 173 que aqui se dá por integralmente reproduzido.
46. Este contrato foi sendo sucessivamente renovado pelas partes até ao dia 28.02.2022, sendo o seu último aditamento de 04.11.2021, conforme teor do doc. de fls. 174 e 175 e aqui se dá por integralmente reproduzido.
47. Considerando a sua natureza e características, os serviços eram prestados pela “Plasticarga” à Repsol no interior das instalações desta, dispondo a “Plasticarga” de um armazém destinado para esse fim.
48. Este contrato cessou, por iniciativa da Repsol, em 28.02.2022.
49. Por razões de segurança, o acesso ao Complexo Petroquímico da Repsol encontra-se condicionado, competindo à Repsol conferir autorizações individuais a quem necessite, por motivos atendíveis, de aceder ao Complexo.
50. A “Plasticarga” não foi extinta.
51. Na sequência de concurso para o efeito, em 01.03.2022, a Repsol Polímeros, Unipessoal, Lda. celebrou com a ré o contrato de prestação de serviços de logística de fls. 150 a 159 v.º, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
52. Aquando da adjudicação deste contrato, a R. empreendeu diligências para avaliar as necessidades funcionais a que teria que dar resposta no âmbito da prestação de serviços.
53. O A. não desempenhava quaisquer funções na “Plasticarga”, no âmbito do contrato da Repsol, isto é, prestando serviços administrativos à Repsol.
54. Por isso, o A. não estava credenciado pela Repsol para entrar no seu Complexo Industrial.
55. Para além do mais, algumas das funções administrativas relacionadas com a gestão de pessoal eram desempenhadas por DD, tais como contratações, celebração de acordos, encaminhando questões administrativas relativas aos trabalhadores para o escritório da “Plasticarga”.
56. A “Plasticarga” recorria a empresa externa para o processamento salarial.
57. As funções de EE e de DD eram desempenhadas nas instalações da Repsol, onde dispunham de um espaço para o efeito.
58. Uma vez adjudicados os serviços à R., trabalhadores da “Plasticarga” que se encontravam a trabalhar nas instalações da Repsol, e que assim o quiseram, passaram a estar vinculados à R.
59. O A. nada fez junto da “Plasticarga” ou contra esta para fazer valer os seus direitos.
60. O A. exerceu o cargo de gerente de forma remunerada.
61. EE foi contratada pela “Plasticarga” em 24.07.2017, por exigência da Repsol, para assegurar serviços administrativos exclusivamente afectos á plataforma de contentores, carregamento, armazenamento e expedição de produtos da Repsol.
62. Esta trabalhadora não exercia funções administrativas da “Plasticarga”.
63. A “Plasticarga” deixou de ter facturação desde 28.02.2022.

APLICANDO O DIREITO
Do vínculo laboral do A. e da transmissão desse vínculo
A sentença recorrida considerou que o A. não era trabalhador da Plasticarga, no essencial sob a seguinte argumentação:
- “Tendo o autor enquanto sócio gerente passado a exercer funções tipicamente de gerência, tornou praticamente incompatível a manutenção, em coexistência, do contrato de trabalho subordinado que até então existia entre si e a “Plasticarga”, levando à caducidade desse vínculo laboral, por confusão, nos termos do art.º 868.º do Código Civil (…).
- O A. renunciou à gerência da “Plasticarga” em 26.01.2022, com efeitos a 24.01.2022 tendo a cessação de funções sido averbada na Certidão permanente, pela AP.16/20220309 (…).
- Os sócios da “Plasticarga” mantêm-se e com a cessação de funções de gerência do autor, passou a ser seu único gerente DD (…).
- (…) à data de 28.02.2022 e de 01.03.2022, embora não detivesse formalmente a qualidade de gerente da “Plasticarga”, gerência à qual formalmente renunciou, na prática, de facto, mesmo como sócio com a maior percentagem de capital, continuou a exercer a gerência de facto, continuando também a executar as tarefas inerentes a responsável administrativo, não ficando demonstrada qualquer subordinação jurídica do autor à “Plasticarga”, máxime perante o seu irmão e único gerente formal DD.”
No Acórdão desta Relação de Évora de 06.04.2017 – com o mesmo Relator do presente[1] – abordou-se o tema da compatibilidade do exercício de funções de gerente nas sociedades por quotas e a constituição de um vínculo laboral, notando que, nestas sociedades, é ao gerente que compete o poder de administração e representação das mesmas – art. 252.º n.º 1 do CSComerciais – detendo assim os poderes de autoridade, de direcção, de fiscalização e de disciplina sobre os respectivos trabalhadores. Logo, em princípio ocorre uma situação de incompatibilidade entre o exercício dos poderes de gerente e as funções de trabalhador, facto que, à semelhança dos administradores das sociedades anónimas, justifica a suspensão do contrato de trabalho enquanto perdurar o exercício daqueles poderes, ou a extinção do contrato de trabalho, caso o mesmo tenha durado menos de um ano.
A propósito da compatibilidade das funções de gerente de sociedade por quotas com a subordinação jurídica característica da relação laboral, Monteiro Fernandes, in Direito do Trabalho, 13.ª ed., págs. 171 e 171, afirma o seguinte: «Constitui orientação pacífica a de que os administradores das sociedades anónimas e os gerentes das sociedades por quotas, enquanto tais, preenchem as características do mandato e não as do contrato de trabalho. Entende-se, no entanto, também que a titularidade da gerência comercial pode cumular-se na mesma pessoa com a posição de trabalhador subordinado, maxime quando nela não concorra a qualidade de sócio. (…) A convergência das duas qualidades (“gerente social” e “gerente do estabelecimento”) pode, ela sim, suscitar dúvidas. Mas, a nosso ver, o estatuto de mandatário da sociedade deve prevalecer, pelo menos quando se trate de sócio dela.»
No entanto, existe doutrina que se pronuncia pela possibilidade de coexistência do contrato de trabalho com o exercício das funções de gerente da sociedade por quotas. Neste sentido se pronuncia Pedro Romano Martinez, in Direito do Trabalho, 3.ª ed., pág. 320 – «os gerentes societários podem cumular as funções para que foram designados com as de trabalhador subordinado» – e Raul Ventura, in Sociedades por Quotas, vol. III, Coimbra, 1991, págs. 33 a 38, relevando os casos das «pequenas sociedades por quotas em que o sócio-gerente exerce funções que não competem aos gerentes», admitindo a possibilidade de «cumulação das duas espécies de funções», e que «na falta de expressas declarações negociais, nomeadamente provadas por escrito, haverá que recorrer a todas as circunstâncias do caso. Assim, pode ser decisivo que o contrato de trabalho seja anterior à designação como gerente, pois não é de presumir que o trabalhador – que continua a prestar o mesmo trabalho – queira, por causa daquela designação, precedida normalmente da aquisição de uma quota na sociedade, perder a sua antiga qualidade.»
No caso, o A. foi um dos sócios fundadores da Plasticarga, em Setembro de 1999, juntamente com o seu pai, detendo este a maioria do capital social (uma quota de € 4.250,00, num capital social de € 5.000,00) e o A. a quota restante de € 750,00. Com a morte do seu pai, em Novembro de 2007, o A. manteve a sua quota de € 750,00, mas adquiriu, em comum com a sua mãe e o seu irmão DD, e sem determinação de parte ou de direito, a referida quota de € 4.250,00. E foi nomeado gerente da sociedade em 27.12.2007, juntamente com o seu irmão.
O A. exerceu essas funções de gerente desde então, recebendo remuneração para esse efeito, e efectuou descontos para a segurança social como membro de órgão estatutário, até ao mês de Fevereiro de 2022, inclusive – cfr. o extracto de remunerações junto pelo A. com o seu articulado de resposta. E apesar de ter renunciado às funções de gerente da Plasticarga a partir de 24.01.2022, tal facto apenas foi levado a registo a 09.03.2022, e publicado a 13 seguinte.
Observando que a renúncia das funções de gerente, por qualquer causa que não seja o decurso do tempo, está sujeito a registo e publicação obrigatórios, e só então se torna oponível a terceiros – art. 3.º n.º 1 al. m), art. 14.º n.º 1, art. 15.º n.º 1, e art. 70.º n.º 1 al. a), todos do CRComercial – teremos a constatar que, em relação à Ré, a renúncia do A. às funções de gerente da Plasticarga só produziu efeitos a partir de 13.03.2022, data em que ocorreu a publicação desse acto – cfr. a certidão do registo comercial junta pelo próprio A. com a sua petição inicial.
De qualquer modo, como correctamente se observa na sentença, o A. não demonstrou a sua qualidade de trabalhador da Plasticarga, pelo menos à data em que a Ré assumiu as funções de operador logístico na Repsol, em 01.03.2022.
Não só foi um dos sócios fundadores da Plasticarga, como exerceu as funções de gerente dessa sociedade a partir de Dezembro de 2007, tendo a renúncia a tais funções produzido efeitos em relação a terceiros já após a data em que a Ré passou a prestar serviços na Repsol, como era um dos sócios fundadores da sociedade, titular de uma quota própria e co-titular da outra quota, sem determinação de parte e de direito, conjuntamente com a sua mãe e o seu irmão.
Nenhum facto permite concluir que estava sujeito às ordens, direcção, fiscalização e disciplina da Plasticarga, e muito menos à data de 01.03.2022, facto que afasta a qualificação da relação então existente como revestindo natureza laboral.
Assim, concordando com a decisão recorrida, temos a declarar que não está demonstrada qualquer subordinação jurídica do A., característica da relação laboral, à data de 01.03.2022, em relação à Plasticarga, e tal dita, desde logo, o insucesso da causa.

A sentença argumenta, ainda, que o A. não integrava a unidade económica transmitida à Ré, de prestação de serviços de logística à Repsol, argumentando, no essencial, o seguinte: “(…) mesmo que a partir de 24.01.2022 fosse considerada a existência de uma relação de trabalho subordinada entre o autor e a Plasticarga à semelhança daquela que ocorreu até ao momento em que passou a exercer funções como gerente, não integrando o autor a unidade económica (assente exclusivamente em mão de obra) que executava a prestação de serviços à Repsol, sendo estranho a esse contrato a prestação de serviços administrativos (da própria Plasticarga e essenciais ao seu funcionamento com provado sob o ponto 35) que não os referentes ao trabalho prestado por EE, teremos de concluir que tal eventual situação laboral não se poderia transmitir à Ré.”
Concordamos com este raciocínio, pois não está demonstrado que o A. integrasse a unidade económica que a Ré assumiu na Repsol, a partir de 01.03.2022, de prestação de serviços de logística. A circunstância da Repsol ter sido a principal cliente da Plasticarga, representando um volume de negócios superior a 98%, não significa que aqueles que não trabalhavam na Repsol integrassem, também, a unidade económica ali existente – a responsabilidade por a Repsol ser a quase exclusiva cliente da Plasticarga, é assunto que apenas a esta respeita, pois tinha liberdade para celebrar contratos de prestação de serviços com quem bem quisesse e colocar trabalhadores nos mais variados locais de trabalho.
Se não o fez, sibi imputat, agora não pode o A. pretender que, pelo facto da sociedade da qual era gerente e principal sócio não ter procurado outros mercados e outros clientes, lhe permita tornar-se trabalhador de uma sociedade concorrente da Plasticarga, que tomou o lugar que esta detinha junto do seu principal cliente.
Consequentemente, merece ser confirmada a muito bem fundamentada sentença recorrida.

DECISÃO
Destarte, decide-se negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
As custas pelo Recorrente.

Évora, 28 de Setembro de 2023

Mário Branco Coelho (relator)
Paula do Paço
Emília Ramos Costa

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[1] Proferido no Proc. 127/15.4T8STR-B.E1 e publicado em www.dgsi.pt.
Em sentido idêntico, pronunciaram-se os Acórdãos da Relação do Porto de 21.01.2019 (Proc. 12602/16.9T8PRT.P1) e de 27.02.2023 (Proc. 2529/21.8T8MTS.P1), e da Relação de Guimarães de 22.09.2022 (Proc. 2859/20.6T8BCL.G1), igualmente disponíveis na página da DGSI.