Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
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| Relator: | MANUEL BARGADO | ||
| Descritores: | SIMULAÇÃO ACORDO SIMULATÓRIO NEGÓCIO REAL NEGÓCIO SIMULADO FORMA VALIDADE | ||
| Data do Acordão: | 02/27/2020 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Sumário: | I - A simulação é uma divergência bilateral entre a vontade e a declaração, fruto de um pacto entre as partes com a intenção de enganar terceiros, assumindo nesta importância crucial o pacto simulatório, através do qual as partes acordam em criar uma aparência negocial e em regular a forma de relacionamento entre o negócio aparente, assim exteriorizado e o negócio real. II - Pode distinguir-se na simulação entre simulação subjetiva e objetiva, consoante incida sobre os sujeitos intervenientes ou sobre o negócio ou alguma das suas cláusulas, sendo que na simulação subjetiva surge como contraparte alguém com a finalidade de ocultar a identidade do verdadeiro interveniente no contrato, vulgarmente denominado “testa de ferro”. III - Em simulação subjetiva, por interposição fictícia de pessoas, a forma do negócio simulado só aproveitará ao negócio dissimulado desde que haja uma declaração negocial do verdadeiro adquirente com a forma exigida por lei. IV – Não constando do negócio do negócio simulado uma declaração de vontade do real comprador ou do real donatário, a forma do negócio simulado não aproveitará ao negócio dissimulado. (sumário do relator) | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora I - RELATÓRIO M… e Man… intentaram a presente ação declarativa, com processo comum, contra J… (1º réu), I… e V… (2ºs réus), Vic… (3º réu), Mar… e A… (4ºs réus) e Jo… e Mari… (5ºs réus), pedindo: 1 – Que sejam declarados nulos e de nenhum efeito jurídico os seguintes contratos de compra e venda celebrados por escritura Pública no Cartório Notarial de Teresa Maria Braz Dias Frias: a) Contrato de compra e venda celebrado em 17de março de 2009 entre os 1.º Réu e a de cujus e os 5.º Réus melhor identificados supra do prédio rústico, sito no Pocinho, freguesia e concelho de Lagoa - Algarve, descrito na Conservatória do registo Predial de Lagoa - Algarve sob o nº… e inscrito na matriz predial rústica sob o art.º …da secção M, e b) Prédio misto, cuja parte urbana se destina a habitação, sito no Pocinho, freguesia e concelho de Lagoa - Algarve, descrito na conservatória do Registo Predial de Lagoa - Algarve, sob o nº … e inscrito na matriz predial rústica sob o nº… secção M e a parte urbana inscrita na respetiva matriz predial urbana sob o artº …; c) Contrato de compra e venda celebrado em 31 de março de 2009, entre os 5.ºs Réus e os 2.º Réus melhor identificados supra, do mesmo prédio rústico, sito no pocinho, freguesia e concelho de Lagoa - Algarve, descrito na Conservatória do registo Predial de Lagoa - Algarve sob o nº…, inscrito na matriz predial rústica sob o artº … da secção M, e d) Prédio misto, cuja parte urbana se destina a habitação, sito no Pocinho, freguesia e concelho de Lagoa - Algarve, descrito na conservatória do Registo Predial de Lagoa - Algarve. sob o nº … e inscrito na matriz predial rústica sob o nº … secção M e a parte urbana inscrita na respetiva matriz predial urbana sob o artº …; e) Contrato de compra e venda celebrado em 20 de maio 2009, entre os 1.º Réu e a de cujus e os 4.º Réus, melhor identificados supra do prédio urbano sito na Rua …, freguesia e concelho de Alagoa, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº …, e inscrito na matriz predial urbana sob o art.º nº …; f. Contrato de compra e venda celebrado em 27 de maio 2009, entre os 4.ºs Réus, e os 2.ºs Réus, também melhor identificados supra, do prédio urbano sito na Rua …, freguesia e concelho de Alagoa, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº …, e inscrito na matriz predial urbana sob o art.º nº …; 2 – Que seja ordenado o cancelamento na respetiva conservatória de todos os registos das compras e vendas simuladas constantes das escrituras públicas supra indicadas e ainda de todos e quaisquer registos que porventura tivessem sido feitos posteriormente. 3 – Que seja decretada a nulidade da cláusula de dispensa de colação constante na escritura de doação referente à loja sita em Lagoa com a área de 48,6 m2, melhor identificada no articulado supra; 4 – Que o valor atribuído a 75% da quota da empresa designada de “J…, Ld.ª” a carteira de clientes e ao mobiliário existente no estabelecimento de mediação de seguros que está na posse do 3.º Réu, venha a ser decretada a colação desse valor após o falecimento do 1.º Réu, para efeito de partilhas, tudo com as legais consequências. Para tanto alegaram, em síntese, que se trata de negócios simulados, cujo objetivo foi prejudicar a autora e, consequentemente, a filha adotada dos autores e neta do 1º réu, por não a considerarem como sendo da família, tudo a favor da filha Isabel (2ª ré) e dos netos biológicos filhos desta. Contestaram apenas os 1º e 2ºs réus, excecionando e impugnando. Por exceção invocaram a litispendência, a ilegitimidade passiva por não estar na ação a herança deixada por óbito da falecida mulher do 1ºréu, bem como a falta de legitimidade dos autores para peticionar o que quer que seja relativamente à sociedade J…, Lda. Por impugnação, aceitaram parte da factualidade alegada pelos autores, sustentando a validade dos negócios realizados e concluindo pela sua absolvição do pedido. O Tribunal a quo, por entender revestir a causa simplicidade, dispensou a realização da audiência prévia, e considerando a defesa levada a efeito e ainda os factos que advieram ao conhecimento do Tribunal em virtude das suas funções, determinou a junção aos autos da petição inicial e da decisão de deserção da instância proferida na ação nº 107/14.7TBPTM, convidando as partes «a pronunciarem-se sobre tal matéria e sobre a vontade de prosseguirem a tramitação dos presentes autos e ainda sobre as excepções invocadas em sede de contestação». Junta a referida documentação aos autos, foi proferido novo despacho, convidando «as partes a pronunciarem-se sobre a conduta processual da parte activa e, concretamente, sobre a autoridade de caso julgado (distinta da excepção de caso julgado), à luz da qual se analisará a presente acção comum». Responderam os réus dizendo que podendo os autores terem dado continuidade aos autos de processo 107/14.7TBPTM, bastando para tanto terem promovido a habilitação de herdeiros no processo, ao instaurarem uma segunda ação em tudo idêntica à primeira, tudo o que provocaram “foi maiores despesas aos réus”, entendendo por isso que «os autores litigam com excesso e até abuso de processo, o que deve ser declarado pelo Tribunal». Os autores, por sua vez, responderam dizendo que mantém interesse na prossecução dos autos até final. Foi então proferido despacho saneador, tendo sido julgadas improcedentes as exceções de litispendência e de autoridade do caso julgado. Já quanto à exceção de ilegitimidade passiva, por terem já sido habilitados os sucessores da falecida mulher do 1º réu (mãe da autora e da 2ª ré), reconheceu-se a existência de legitimidade plural, convidando-se os autores a suprir a falta de todos os herdeiros. Deduzido o respetivo incidente, foi proferida sentença a habilitar a autora, o 1º réu e a 2ª ré, na qualidade de herdeiros da falecida I…, a prosseguirem nos autos a posição processual deixada pela mesma. Foi proferido despacho onde se procedeu à identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova, tendo sido igualmente admitidos os respetivos requerimentos probatórios. Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença em cujo dipositivo se consignou: «Pelo exposto, o Tribunal decide julgar a acção parcialmente procedente e, em consequência: 1. Declarar nulos os contratos de compra e venda identificados em 16., 17., 20., 21. da fundamentação de facto. 2. Ordenar o cancelamento dos respectivos registos prediais. 3. Absolver os réus do pedido de declaração de nulidade da cláusula de dispensa à colação relativamente ao contrato de doação referido em 28. da fundamentação. 4. Absolver os réus do pedido formulado em 3. do petitório, do qual consta: “Requer que o valor atribuído a 75% da quota da empresa designada “J…, lda.”, carteira de clientes e ao imobiliário existente no estabelecimento de mediação de seguros que está na posse do 3º Réu, venha a ser decretada a colação desse valor após o falecimento do 1º Réu, para efeito de partilhas”. 5. Condenar os autores e os réus nas custas do processo, na proporção do respectivo decaimento. 6. Ordenar as comunicações (oficiosas) à Conservatória do Registo Predial.» Inconformados, o 1º e os 2ºs réus apelaram do assim decidido, tendo finalizados as alegações com as seguintes conclusões: «A I - Os Recorrentes não encontram na matéria de facto dada como prova pelo Tribunal a quo “… prova da existência de pacto simulatório, provando-se à saciedade a divergência entre a vontade real e a declarada, com o intuito de beneficiar uma filha em prejuízo da outra.” II - Da matéria de facto dada como provada resulta, unicamente, que o Tribunal a quo deu como provado que foram celebradas as escrituras de compra e venda em causa e que não foram liquidados quaisquer montantes entre as partes. Nada mais se retira da matéria de facto dada como provada!!! III - O legislador quanto aos herdeiros legitimários, como é o caso da Recorrida, consagrou expressamente como um dos requisitos para se verificar a simulação o “intuito de os prejudicar.” IV - Para que a ação intentada pelos Recorridos viesse a ter algum provimento seria necessário que tivessem ficado provados factos de onde se pudessem concluir os três requisitos cumulativos da Simulação, a saber: A intencionalidade da divergência entre a vontade e a declaração; O Acordo Simulatório; e, no caso sub judice A intenção de prejudicar a Recorrida; V - Da matéria de facto dada como provada não se pode retirar a existência de uma divergência intencional entre a vontade e a declaração, nem se retira a existência de qualquer Acordo simulatório, e muito menos se retira que tivesse existido qualquer intenção de prejudicar a Recorrida. VI - Pelo que deveria a ação intentada pelos Recorridos ser declarada totalmente improcedente, ao decidir como decidiu violou o Tribunal a quo os artigos 240º, 242º e 342º do C. Civil. Assim, não tendo ficado provados, como era obrigação dos Recorridos, os Requisitos da verificação da Simulação dos Negócios celebrados, deveria o tribunal a quo ter decidido que a ação era totalmente improcedente. Contudo, caso assim não se entenda, o que não se concede e por mero dever de patrocínio se coloca, e apenas em tal caso os Recorrentes colocam á apreciação de V. Exas. as seguintes questões: B VII - Entendem os Recorrentes que, para além da matéria de facto dada como provada, deveria ainda ter sido dado como provado que: “Com a celebração dos contratos de compra e venda identificados nos pontos 16., 17., 20. e 21. aquilo que o Réu J… e sua esposa I… pretendiam era doarem os referidos prédios á sua filha IS….” VIII - Tal facto resulta dos seguintes depoimentos de parte: M…, ouvida na audiência de discussão e julgamento do dia 27/11/2018, entre as 12:21:55 e as 12:36:51, conforme depoimento de parte gravadas no sistema existente no Tribunal – Passagens 00:14:17 a 00:14:28; A…, ouvido na audiência de discussão e julgamento do dia 27/11/2018, entre as 15:01:19 e as 15:07:59, conforme depoimento de parte gravadas no sistema existente no Tribunal – Passagens 00:05:03 a 00:05:26; 00:05:39 a 00:06:02; J…, ouvido na audiência de discussão e julgamento do dia 27/11/2018, entre as 15:09:16 e as 15:18:58, conforme declarações gravadas no sistema existente no Tribunal - Passagens 00:04:17 a 00:06:34; E das declarações da testemunha S…, ouvida na audiência de discussão e julgamento do dia 27/11/2018, entre as 16:29:50 e as 16:42:28, conforme depoimento gravado no sistema existente no Tribunal – Passagens 00:02:07 a 00:05:56. IX - Dos depoimentos de parte acima referidos e bem assim das declarações da testemunha S…A fica evidente que o Recorrente J… e sua esposa I… pretendiam doar à sua filha IS…, alguns dos seus bens. X - Tal facto mostra-se aliás compreensível porquanto, conforme resulta da matéria de facto dada como provada, pontos 10, 30, 31, 32, 33 e 34, a Recorrente I… e o seu marido sempre viveram em função das necessidades dos pais e sogros; C XI - Conforme resultou do acima exposto os Senhor J… e esposa I… aquilo que pretendiam verdadeiramente era efetuar uma doação dos imóveis identificados nos pontos 16. e 20. da matéria de facto dada como provada; XII - Como decorre do artº. 241º, nº. 1, C. Civil, tratando-se de simulação relativa, a lei admite a validade do negócio dissimulado: uma vez desvendada a simulação, abstrai-se do negócio jurídico simulado, que é nulo, e atende-se ao negócio real, oculto, de tal modo que, prevalecendo o que na realidade se quis e fez sobre o que simuladamente se concebeu, o acto dissimulado, vindo à superfície, fica sujeito ao regime que lhe é próprio, como se tivesse sido celebrado às claras, tendo pois, valor jurídico, salvo se, por qualquer razão, for nulo, como será o caso se não revestir a forma legal, ou anulável. XIII - Assim, mesmo que fossem de declarar nulos, porque simulados os negócios identificados nos pontos 16., 17., 20. e 21., sempre teria que se considerar válidas as doações que as partes nesses contratos efectivamente ajustaram e pretenderam XIV - Ao assim não considerar violou o Tribunal a quo os artigos 241º, 940º, n.º1, 947º, n.º1 e 954º, alínea a) todos do C. Civil. Nestes termos, e nos melhores de direito que V. Exas. mui doutamente suprirão, deve o presente Recurso obter provimento e, em consequência, deve a Sentença proferida pelo Tribunal a quo ser substituída por douto Acórdão que considere totalmente improcedente a ação intentada pelos Recorridos; ou Caso considere nulos, por simulação, os contratos de compra e venda identificados nos pontos 16., 17., 20. e 21., não obstante, devem ser declaradas válidas as doações que as partes através desses contratos efectivamente ajustaram e pretenderam. Assim decidindo farão v. Exas. a tão costumada JUSTIÇA». Os autores não contra-alegaram. Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir. II – ÂMBITO DO RECURSO Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso (arts. 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), as questões a decidir consubstanciam-se em saber: - se se verificam in casu os requisitos da simulação; - no caso de se responder negativamente à questão anterior, se deve ser acrescentada à matéria de facto assente a factualidade indicada pelos recorrentes; - se, estando-se perante uma simulação relativa, devem considerar-se válidos os negócios dissimulados (doações). III – FUNDAMENTAÇÃO OS FACTOS Na 1ª instância foram considerados provados os seguintes factos: 1. O primeiro réu J… é pai da autora Mar… e da ré IS…. 2. A autora Mar… é casada com o autor Man…. 3. A ré Is… é casada com o réu Vic…. 4. Os autores casaram no ano de 1980 e não tiveram filhos biológicos. 5. Os autores adotaram, de forma plena, uma criança com 3 anos, T…. 6. Os réus Is… e Vic… são padrinhos da T…. 7. A autora apresentou queixa contra a ré Is…, que deu origem ao processo n.º 467/11.1GDPTM. 8. A ré Is… foi condenada pela prática de crime de injúrias dirigidas à autora Mar…, praticado no dia 16 de junho de 2011. 9. No ano de 2011, o primeiro réu e (falecida) mulher mudaram-se para casa dos autores, onde permaneceram 18 meses, período durante o qual aí pernoitaram e se alimentaram diariamente. 10. No ano de 2007, o réu Vic… era gerente da sociedade, com a firma “J…, Lda.”. 11. No dia 12.08.1999, a autora, autorizada pelo autor, através de escritura pública, cedeu a sua quota na sociedade referida em 9. ao réu Vic… e renunciou à gerência. 12. A partir de tal data, a sociedade passou a ter como sócios: J…, Is… e Vic…. 13. O réu Vic… cessou funções de gerente a 19.01.2011. 14. A dissolução e encerramento da liquidação foi inscrita a 07.10.2011. 15. O réu Vic… abriu um escritório, após a autorização dos restantes sócios da sociedade dissolvida e liquidada. 16. No dia 17.03.2009, o réu J… e Is… declararam vender, livre de ónus e encargos, a Jo… e mulher Mari…, pelo preço de € 89.750,00, os seguintes: a. Prédio rústico, sito no Pocinho, freguesia e concelho de Lagoa/Algarve, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lagoa, sob o n.º …, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo …, da secção M, da mesma freguesia e concelho; b. Prédio misto, cuja parte urbana se destina a habitação, sita no Pocinho, freguesia e concelho de Lagoa/Algarve, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lagoa/Algarve, sob o n.º … e inscrito na matriz predial rústica sob o n.º …, secção M e a parte urbana inscrita na respetiva matriz predial urbana, sob o artigo …, da mesma freguesia e concelho. 17. No dia 31.03.2009, os réus Jo… e mulher G… declararam vender aos réus Is… e Vic…, com os quais combinaram que estes declarariam vender aos réus Is… e Vic…, livre de ónus e encargos, pelo preço de € 94.500,00, os imóveis identificados em 12.a e 12.b. 18. Jo… e mulher Mari… não entregaram qualquer quantia a J… e mulher Is…, designadamente a declarada de € 89.750,00, a título de pagamento do preço. 19. Is… e Vic… não entregaram qualquer quantia a Jo… e mulher Mari…, designadamente a declarada de € 94.500,00, a título de pagamento do preço. 20. No dia 20.05.2009, J… e Is… declararam vender, livre de ónus e encargos aos réus Mar… e marido A…, com os quais combinaram que estes declarariam vender aos réus Is…, o prédio urbano sito na Rua dos Carros, n.º …, freguesia e concelho de Lagoa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lagoa, sob o número … e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …, pelo preço de € 110.000,00. 21. No dia 27.05.2009, os réus Mar… e marido A… declararam vender aos réus Is… e Vic…, o prédio identificado em 16., pelo preço de € 115.000,00. 22. Mar… e marido A… não entregaram qualquer quantia a J… e mulher Is…, designadamente a declarada de € 110.000,00, a título de pagamento do preço. 23. Is… e Vic… não entregaram qualquer quantia a Mar… e A…, designadamente a declarada de € 115.000,00, a título de pagamento do preço. 24. No dia 24 de maio de 2013 a ré Mar… informou a autora M… da realização das vendas. 25. O pagamento dos emolumentos relativos às escrituras de compra e venda, IMT, imposto de selo e restantes despesas respeitantes à venda dos imóveis, foi suportado pelo réu J…. 26. O réu J… e Is… sempre habitaram, cultivaram e geriram os imóveis atrás referidos, designadamente no prédio sito na Rua do Pocinho (CRP n.º …), mantendo o telefone, água e eletricidade em seu nome. 27. E também pagavam os consumos de água e eletricidade no prédio onde habitava a ré Is…, sito na Rua dos Carros, n.º … (CRP n.º …). 28. No dia 07.02.2013, o réu J… e mulher Is… declararam doar, por conta da quota disponível, à ré Is…, o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Lagoa, sob o número …. 29. Os réus Is… e Vic… têm como habilitações o 4º ano de escolaridade. 30. A ré Is… nunca exerceu atividade remunerada por conta de outem, a não ser na colaboração de negócios relativos a seguros do pai, exercendo atividade indiferenciada na taberna, no trabalho doméstico e na limpeza do escritório, recebendo salário de empregada de escritório, sem desempenhar tais funções, encontrando-se desempregada. 31. O réu Vic… trabalhou em trabalhos não regulares na construção civil e como motorista do sogro e de uma empresa de construção civil, encontrando-se desempregado. 32. Os réus Is… e Vic… não têm capacidade financeira para pagar habitação, habitaram os primeiros anos de casados com o réu J… e mulher e depois separadamente numa casa cedida pelos pais da ré Is…. 33. Os réus identificados em 23. não têm rendimento ou património seu, para além do que lhe foi declarado vender e doar. 34. O sustento e educação dos filhos dos réus identificados em 32. foi suportado pelo réu J… e mulher. E foram considerados não provados os seguintes factos[1]: - Logo que o 1º Réu tive conhecimento da posição dos autores e posterior decisão em adotar uma criança, foi sempre contra essa adoção (art. 6º da p.i.). - Afirmou que essa decisão iria prejudicar no futuro os seus netos biológicos e, cientes de que não podiam virar o rumo das coisas, enveredaram por fazer desde logo por fazer ameaças aos autores (art. 8º da p.i.). - Inicialmente começou por afirmar, em jeito de ameaça, que aquela decisão de adotar uma criança “lhes iria sair cara”, sem precisar o conteúdo dessa ameaça (art. 9º da p.i.). - Aquando do facto referido em 14 supra, foi transferido a quota de 75% do capital da empresa do 1º réu para a esfera jurídica do 3.º réu, seu neto, o qual continuou a exercer a atividade no ramo da mediação de seguros, com a carteira de seguros da sociedade do avô (art. 29º da p.i.). - A carteira de clientes da empresa dos 1.º, 2.º e 3.º réus à data de 2009 estava avaliada em mais de € 150 000,00 (Cento cinquenta mil euros), a que acrescia o imobilizado - recheio da empresa nomeadamente computadores, secretárias, cadeiras, fotocopiadora impressoras, quadros, bibelôs, cortinados, etc. -, com uma avaliação estimada superior a € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros) (art. 3ºº da p.i.). - A partir de 2008, a atividade do escritório de seguros do 1º réu começou a diminuir e no início do ano de 2009 acentuou-se ainda mais (art. 43º da contestação). - Todas as transferências de património do 1º réu e esposa para a filha Is… (2ª ré) e para o neto Vic… (3º réu) foram com conhecimento da autora (art. 52º da contestação). - Ao tempo dos negócios de compra e venda referidos, a autora ainda trabalhava com o pai no escritório de seguros da sociedade J…, Lda., como “chefe de escritório” (só em Abril de 2009 resolveu amigavelmente o contrato de trabalho) (art. 59º da contestação). - Os negócios foram desde logo e desde sempre do conhecimento dos autores (art. 60º da contestação). - O 1º réu e esposa tinham uma “dívida de oportunidades” para com a filha Is…, que em fim de vida quiseram saldar (art. 61º da contestação). - O 1º réu e a esposa compraram em nome dos autores um apartamento em Agualva-Cacém, que pagaram, e que estes posteriormente venderam (art. 62º da contestação). - Com o produto da venda os autores compraram no Algarve um apartamento e um lote de terreno em Montes Boais, concelho de Silves (art. 63º da contestação). - O 1º réu e a esposa ajudaram os autores, com avultadas quantias em dinheiro, diretamente ou pagando faturas de materiais, a construir para estes uma moradia em Montes Boais, isto há 8 a 10 anos (art. 64º da contestação). - Em contrapartida, o 1º réu e esposa não tinham ajudado de igual modo a filha Is… e marido, aqui Réus (art. 65º da contestação). - Desde agosto de 1999, a sociedade J…, Lda. tem como sócios o 1º réu, a 2ª ré e o 3º réu (art. 30º da contestação). - Antes e depois da entrada da T… na família, esta reunia-se habitualmente, a T… foi sempre bem recebida, sempre considerada uma neta para o 1º réu e esposa e uma sobrinha para os 2ºs réus (art. 39º da contestação). - O 1º réu e a esposa transferiram algum património seu para a Ré Is… e para o Réu Vic… (art. 51º da contestação). - Todas as transferências de património do 1º réu e esposa para a filha Is… e para o neto Vic… foram com conhecimento da autora (art. 52º da contestação). - O 1º réu e a esposa coabitaram durante 18 meses com os Autores (art. 71º da contestação). O DIREITO Com a presente ação, os autores visam, além do mais, a declaração de nulidade dos contratos de compra e venda celebrados pelos réus e identificados nos pontos 16, 17, 20 e 21 dos factos provados, por alegada simulação, e que seja ordenado o cancelamento na respetiva conservatória de todos os registos daqueles negócios[2]. A sentença recorrida, julgando verificados os pressupostos/requisitos da simulação, declarou a nulidade daqueles contratos e ordenou o cancelamento dos respetivos registos. Insurgindo-se contra o assim decidido, os recorrentes vieram interpor recurso para esta Relação, sustentando na apelação que não encontram na matéria de facto assente «prova da existência de pacto simulatório, provando-se à saciedade a divergência entre a vontade real e a declarada, com o intuito de beneficiar uma filha em prejuízo da outra». Vejamos, pois. A simulação é uma divergência bilateral entre a vontade e a declaração, fruto de um pacto entre as partes com a intenção de enganar terceiros. É o que resulta do art. 240º, nº1, do Código Civil [CC], de harmonia com o qual é possível identificar três elementos estruturais: - Acordo entre declarante e declaratário, com a finalidade de criar uma falsa aparência de negócio (pactum simulationis); - Divergência entre a vontade declarada e a vontade real, isto é, entre a aparência criada (negócio exteriorizado) e a realidade negocial (negócio realizado); - Intuito de enganar terceiros (animus decipiendi).[3] Na simulação, assume importância crucial o pacto simulatório, através do qual as partes acordam em criar uma aparência negocial e em regular a forma de relacionamento entre o negócio aparente, assim exteriorizado e o negócio real. A esta aparência negocial pode corresponder um negócio verdadeiro que as partes mantêm oculto (simulação relativa) ou pode também não corresponder qualquer negócio (simulação absoluta). Por último, é necessário que a simulação tenha sido feita com o intuito de enganar terceiros, o que não envolve necessariamente a intenção de prejudicar (animus nocendi). Pode ainda distinguir-se a simulação subjetiva e a objetiva, consoante incida sobre os sujeitos intervenientes ou sobre o negócio ou alguma das suas cláusulas. Na simulação subjetiva surge como contraparte alguém com a finalidade de ocultar a identidade do verdadeiro interveniente no contrato, vulgarmente denominado «testa de ferro». Importa, no entanto, ter em atenção que a simulação subjetiva por interposição fictícia de pessoa não se confunde com o mandato sem representação. Tanto numa como noutra dá-se a ocultação de pessoa a quem o ato se destina. Porém, «na simulação, principalmente na simulação relativa, há uma vontade negocial comum às partes de produzir dois planos de eficácia jurídica do negócio: entre as partes e perante terceiros. No mandato sem representação, diversamente, o mandante incumbe o mandatário de praticar atos, ou uma atividade jurídica, por conta e no interesse dele mandante, mas sem ser em sua representação e atuando ostensivamente em nome próprio. Não há no mandato sem representação um intuito de enganar terceiros embora haja o de não lhes revelar a posição do mandante e a sua relação com o mandatário»[4]. Dito isto, revertamos ao caso concreto. Escreveu-se na sentença recorrida: «(…), da factualidade dada como provada, resulta que as declarações de venda dos pais da autora e da ré Is… para terceiros e dos terceiros para a ré Is… e marido, não correspondem à vontade real de cada um dos intervenientes. Antes pelo contrário: todos sabiam e quiseram atingir um objectivo proibido por lei. Este propósito era o de aumentar o património de uma das filhas do casal em detrimento do património da outra, através de vendas “encapotadas”, que as próprias partes dizem, agora, terem-se tratados de doações. O negócio foi realizado pela forma prevista na lei – escritura pública – pelo que se apresenta como formalmente válido, mas não o é substancialmente. Os actos de compra e venda, que foram confessadamente simulados – para beneficiar o património de uma das filhas do casal em prejuízo da outra – ainda que o não tivessem sido eram anuláveis, ao abrigo do disposto no artigo 877º, n.º 1, do Código Civil, se de venda de pais a filhos se tratasse. (…). Analisando o caso sub judice, verifica-se que não restam dúvidas sobre a simulação dos negócios de compra e venda que se encontra confessada. Os autores lograram, sem margem para dúvidas, fazer prova da existência de pacto simulatório, provando-se à saciedade a divergência entre a vontade real e a declarada, com o intuito de beneficiar uma filha em prejuízo da outra.» Embora a nosso ver se tenha ajuizado bem a questão, o certo é que na sentença não se diz qual a matéria de facto provada que consubstancia a existência de uma simulação. Ora, a matéria de facto que comprova a existência de simulação é a que resulta da análise conjunta dos pontos 16 a 23 dos factos provados, onde avulta, desde logo, não ter ocorrido o pagamento do preço, que é um elemento essencial do contrato de compra e venda (art. 879º, al. c), do CC), o que é bem revelador de que não houve qualquer intenção das partes intervenientes nesses contratos em celebrar os negócios em causa, mas apenas transferir a propriedade dos imóveis para a 2ª ré, filha do 1º réu, sendo outrossim significativo o facto das respetivas escrituras terem sido celebradas em datas muito próximas umas das outras. Assim, no dia 17.03.2009, o 1º réu e a falecida mulher declararam vender aos 5ºs réus, pelo preço de € 89.750,00 os prédios rústico e misto identificados no ponto 16 dos factos provados, e logo no dia 31.03.2009 (14 dias depois), os 5ºs réus declaram vender aos 2ºs réus (filha e nora do 1º réu), com os quais combinaram que declarariam vender-lhes os aludidos imóveis pelo preço de € 94.500,00 (cfr. ponto 17 dos factos provados). Ora, não só os 5ºs réus não entregaram qualquer quantia ao 1º réu e à falecida mulher, como também os 2ºs réus nada entregaram aos 5ºs réus, designadamente a declarada quantia de € 94.500,00 (pontos 18 e 19 dos factos provados). O mesmo se diga quanto ao prédio urbano a que se alude no ponto 20 dos factos provados, pois em 20.05.2009, o 1º réu e a falecida mulher declararam vendê-lo aos 4ºs réus pelo preço de € 110.000,00, tendo estes últimos, por sua vez, em 27.05.2009 declarado vender esse mesmo prédio aos 2ºs réus, pelo preço de € 115,000,00 (pontos 20 e 21 dos factos provados). Porém, não só os 4ºs réus não entregaram qualquer quantia ao 1º réu e à falecida mulher, como também os 2ºs réus nada entregaram aos 4ºs réus, designadamente a declarada quantia de € 115.000,00 (pontos 22 e 23 dos factos provados). O não pagamento do preço declarado nas escrituras de “compra e venda” dos autos e a sequência próxima dos negócios realizados, demonstra claramente que não existe correspondência entre a vontade real e a vontade declarada de qualquer um dos contraentes, revelando ainda tal factualidade um conluio entre os contraentes com o objetivo de criar uma determinada aparência – a existência duma venda – quando na verdade a verdadeira intenção que presidiu à celebração de tais contratos foi transmitir a propriedade dos imóveis em causa para a esfera jurídica da 2ª ré a título gratuito, beneficiando esta em detrimento da autora, tendo os 4ºs e 5ºs réus servido de verdadeiros “testas de ferro” na realização dos negócios, tendo sido esta a forma encontrada de se contornar a proibição legal da venda de pais a filhos, sem o consentimento dos outros filhos (art. 877º, nº 1, do CC). Concertadamente criada aparência não conforme com a realidade, tanto basta para que tenha de julgar-se outrossim revelado ou manifestado sem margem para tergiversação, o intuito ou propósito de enganar terceiros, o que no caso envolve ainda a intenção de prejudicar a autora, afetando a respetiva legítima. Resulta, pois, do exposto estarem verificados, in casu, todos os pressupostos da simulação, na modalidade de simulação fraudulenta, improcedendo assim este segmento do recurso. Da alteração da matéria de facto Defendem os recorrentes que, no caso de se concluir - como concluiu esta Relação - pela existência de simulação, então deve ser dado como provada a seguinte factualidade: «Com a celebração dos contratos de compra e venda identificados nos pontos 16, 17, 20 e 21 aquilo que o Réu J… e sua esposa Is… pretendiam era doarem os referidos prédios à sua filha Is….» Dizem os recorrentes que tal facto resulta dos depoimentos de parte do 4º réu (marido) e dos 5ºs réus, e também do depoimento da testemunha S…. Ora, salvo melhor entendimento, julgamos ser desnecessário analisar a prova referida, pois a factualidade em causa retira-se já do conjunto dos factos considerados provados nos pontos 16 a 23, atento tudo o que dissemos anteriormente. Na verdade, a atribuição patrimonial correspondente à transferência da propriedade dos imóveis do 1º réu e da falecida mulher para os 2ºs réus (filha e genro), sem que lhe tivesse correspondido qualquer contraprestação, consubstancia a manifestação de uma liberalidade a favor daqueles, equivalente ao animus donandi. Assim, nenhuma dúvida subsiste de que com a celebração dos contratos de compra e venda identificados nos pontos 16, 17, 20 e 21 dos factos provados, aquilo que 1º réu e a sua falecida mulher pretendiam, era doarem os prédios em causa à sua filha Is…, ora 2ª ré. Da simulação relativa (validade dos negócios dissimulados) Estando em causa uma simulação relativa, dizem os recorrentes que mesmo sendo declarados nulos, porque simulados, os negócios identificados nos pontos 16, 17, 20 e 21 dos factos provados, sempre teriam que se considerar válidas as doações que as partes nesses contratos ajustaram e pretenderam. Vejamos. Contrariamente ao que parecem sustentar os recorrentes, o facto de se tratar de uma simulação relativa, daí não se segue a aplicação sem mais do regime do art. 241º do CC, aproveitando-se os contratos ocultos como doações à 2ª ré. Na verdade, do nº 2 deste normativo resulta que o negócio dissimulado só poderá ser reputado válido, em caso de contrato de natureza formal, se tiver sido observada a forma exigida por lei. Sucede, porém, que os factos demonstram uma interposição fictícia de pessoas, na medida em que o se pretendia era a doação dos imóveis acima referenciados à 2ª ré. No que respeita ao negócio com simulação de pessoas, também dita de simulação subjetiva, Carvalho Fernandes[5], depois de identificar um exemplo clássico de simulação subjetiva, quando se pretende afastar o regime do art. 877º, nº 1, do CC – venda a filhos sem consentimento dos demais – em que a simulação envolve a utilização de um terceiro que, como ensina aquele autor, «corresponde ao que na linguagem corrente se designa por testa de ferro ou homem da palha», conclui afirmando que nesta modalidade de simulação há uma interposição fictícia de pessoas. É este o caso dos autos, como se viu supra, em que os 4ºs e 5ºs réus aparecem nos contratos de compra e venda como falsos compradores e falsos vendedores, escondendo-se os verdadeiros negócios queridos pelos 1º réu e falecida mulher e os 2ºs réus, ou seja, as doações dos imóveis em causa a estes últimos. Ora, no caso de simulação relativa subjetiva, por interposição fictícia de pessoas, a forma do negócio simulado só aproveitará ao negócio dissimulado desde que haja uma declaração negocial do verdadeiro adquirente, com a forma exigida por lei. Há quase um século escrevia Beleza dos Santos [6]: «… se existe uma interposição ficícia de pessoas e as declarações de vontade dos outorgantes, necessárias para a formação do acto jurídico, se não efectuarem com a forma devida, o acto é nulo, ainda que a interposição seja lícita». E, em nota de rodapé, explicava: “Se, portanto, se efectuar uma doação de imobiliários por interposta pessoa e não houver uma contra-declaração com a forma devida, em que o doador declare a sua vontade de doar ao verdadeiro donatário e se este não declarar, nos termos gerais, a sua vontade de aceitar […], a doação feita ao intermediário será nula por ser aparente e não poderá valer a doação que se quis fazer ao donatário real por falta de forma»[7]. O critério indicado por Beleza dos Santos para resolver o problema dos efeitos da simulação subjetiva, por interposição fictícia de pessoas, foi largamente aceite na vigência do Código Civil de 1867, como o comprova, por exemplo, a adesão de Manuel de Andrade[8] que escreveu a propósito: «O formalismo da venda e da doação inspira-se, com efeito, em duas razões capitais: obrigar as partes (rectius, o vendedor e o doador) a uma ponderada reflexão sobre as consequências do respectivo acto; estabelecer prova segura da transferência dos bens vendidos ou doados. Ora, essas razões já obtêm plena satisfação quando haja escritura da venda ou da doação simulada. Mas parece que teria de se resolver-se diferentemente no caso de interposição fictícia de pessoas, enquanto não estiver formalizada a transmissão (simulada) do interposto para o adquirente; porque então ainda não estará satisfeita a 2.ª das razões apontadas.» Este entendimento continua a ser amplamente aceite na vigência do Código Civil de 1966, escrevendo a este respeito Pires de Lima e Antunes Varela[9] que, «[n]o caso de simulação por interposta pessoa, o acto dissimulado não é válido enquanto não se celebrar o segundo negócio, dada a falta de intervenção da pessoa a quem a coisa deveria, por hipótese, ser definitivamente transmitida.» Confirmando tal entendimento, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem sido constante no sentido de que, desde que do negócio simulado não conste uma declaração de vontade do real comprador ou do real donatário, a forma do negócio simulado não aproveitará ao negócio dissimulado[10]. Como se escreve no acórdão do STJ de 25.03.2010[11], «costumam apontar-se fundamentalmente três ordens de razões justificativas do abandono do princípio da liberdade da forma (artigo 219º do Código Civil) e da exigência de maior ou menor formalismo como condição de validade de uma declaração negocial tem em vista (reconhecidamente sintetizadas de forma elucidativa no conhecido relatório do Decreto-Lei nº nº 32.032, de 25 de Maio de 1942): – assegurar uma correcta ponderação dos outorgantes quanto aos efeitos que do negócio resultam para a sua esfera jurídica; – permitir aos interessados, sobretudo se a forma se reveste de publicidade (documento autêntico, por exemplo), tomar conhecimento dos efeitos que de algum modo os possam afectar. – provar o acto realizado; como se sabe, há regras estritas quanto à possibilidade de prova de um acto solene (cfr. nºs 1 e 2 do artigo 364º do Código Civil).» Ora, se parece não haver dúvidas que o primeiro objetivo estará alcançado ainda que não conste das escrituras públicas o conjunto das duas declarações de vontade dos verdadeiros contraentes (é evidente que, se as partes realizam um negócio simulado para encobrir um outro, em princípio terão ponderado devidamente os efeitos deste, e terá sido provavelmente por isso que os quiseram esconder perante terceiros), já os dois últimos impedem que, no caso, se possa considerar suficiente para se ter como respeitada a forma de escritura pública para os negócios dissimulados o conjunto das escrituras de 17.03.2019 e de 20.05.2009 (nas quais figuram as declarações do 1º réu e da sua falecida mulher de querer vender, mas aos 5ºs e 4ºs réus, respetivamente) e de 31.03.2009 e de 27.05.2009 (da qual consta a declaração dos 2ºs réus de quererem comprar, mas ao 1º réu e à sua mulher). Deste modo, considerar suficientes as quatro escrituras, ainda que completadas com a decisão judicial de reconhecimento da simulação relativa e da configuração do negócio dissimulado, «equivaleria a tratar como interposição real uma interposição comprovadamente fictícia; e seria contrário ao disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 241º do Código Civil»[12]. Em suma, nunca os ditos negócios dissimulados – doações do 1º réu e mulher aos 2ºs réus – podem ser considerados válidos, nenhuma censura merecendo a sentença recorrida. O recurso, por conseguinte, improcede. Vencidos no recurso, suportarão os recorrentes as custas do mesmo – artigo 527º, nºs 1 e 2, do CPC. IV – DECISÃO Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida. Custas pelos réus/recorrentes. Évora, 27 de fevereiro de 2020 Manuel Bargado (relator) Albertina Pedroso Tomé Ramião __________________________________________________ [1] Na sentença foram dados como não provados os “factos insertos” nos artigos da petição inicial e da contestação nela referidos, sem que, como se impunha, fossem tais factos discriminados. É isso que agora se faz, mas elencando-se apenas o que constitui matéria de facto e não conclusões ou meros juízos de valor. [2] Os autores formularam outros pedidos na ação, mas os réus foram deles absolvidos, com o que os autores se conformaram, pois não interpuseram recurso da sentença, a qual, assim, transitou em julgado nessa parte. [3] Cfr., a propósito, o acórdão do STJ de 14.06.2018, proc. 206/08.4TBMFR.L1.S1. No mesmo sentido, o acórdão do STJ de 14.03.2019, proc. 8765/16.16.1T8LSB.L1.S2., ambos disponíveis, assim como os demais que vierem a ser citados sem indicação de outra fonte, em www.dgsi.pt. [4] Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, Almedina, 2015, p. 601. [5] In Teoria Geral do Direito Civil, vol. II, ed. da AAFDL, 1983, pp. 372-373. [6] José Beleza dos Santos, A simulação em direito civil, Coimbra Editora, 1921, pp. 362-363, citado no recente acórdão do STJ de 21.02.2019, proc. 693/17.0T8FAR.E1.S1, o qual confirmou o acórdão desta Relação de 28.06.2018, proc. 693/17.0T8FAR.E1. [7] Ob. cit., p. 363 (nota n.º 1) [8] In Teoria geral da Relação Jurídica, vol. II — Facto jurídico, em especial Negócio Jurídico, 7ª Reimpressão, Almedina, Coimbra, 1987, p. 193. [9] Em anotação ao art. 241º, in Código Civil Anotado, vol. I, 3.ª ed., Coimbra Editora, 1982, p. 227. [10] Cfr. o acórdão do STJ de 21.02.2019 a que se alude supra na nota 6 e a jurisprudência aí citada [11] Proc. 983/06.7TBBGR.G1.S1. [12] Cfr. o citado acórdão do STJ de 25.03.2010. |