Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | TOMÉ DE CARVALHO | ||
Descritores: | ADMINISTRADOR DA INSOLVÊNCIA REMUNERAÇÃO ACESSÓRIA CÁLCULO | ||
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Data do Acordão: | 09/28/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | 1 – Em sede de remuneração variável, ao editar a norma do n.º 7 do artigo 23.º do Estatuto dos Administradores Judiciais, o legislador não teve intenção de abandonar o princípio já vigente na legislação anterior em que a majoração da remuneração variável dependia igualmente do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos. 2 – No cálculo da majoração importa equacionar o valor disponível para pagamento após operações previstas no artigo 23.º, nºs 4, alínea b), 6 e 7 e, bem assim, a interligação entre créditos admitidos e satisfeitos. 3 – O cálculo da majoração implica assim duas operações sucessivas: a primeira, tendo em vista apurar o “grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos”, obtém-se dividindo o valor da liquidação disponível para distribuição, calculado nos termos prescritos no n.º 6, pelo montante dos créditos reconhecidos; de seguida, a percentagem obtida, correspondente ao grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, é aplicada ao mesmo valor da liquidação, sendo sobre o resultado desta segunda operação que vai incidir a percentagem de 5%. (Sumário do Relator) | ||
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Decisão Texto Integral: | Processo n.º 613/08.2TBVNO-Z.E1 Tribunal Judicial da Comarca de Santarém – Juízo de Comércio de Santarém – J3 * Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora: * I – Relatório: Nos presentes autos de insolvência de “(…) – Sociedade de Construções, Lda.”, o Administrador de Insolvência veio interpor recurso do despacho que fixou a remuneração variável. * Na proposta de rateio final o administrador de insolvência apresentou um pedido de pagamento no valor de € 16.188,62 (dezasseis mil, cento e oitenta e oito euros e sessenta e dois cêntimos). * O Digno Ministério Público promoveu que se fixasse a remuneração no que respeita à majoração atendendo ao grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos. * Na parte relevante, após enunciar a legislação aplicável e a jurisprudência de suporte, a Meritíssima Juíza de Direito proferiu a seguinte decisão: «Concordando com a douta promoção que antecede, a expressão “em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos” deve corresponder ao grau ou percentagem dos créditos reclamados e admitidos que é efetivamente satisfeita. Ou seja, a operação de majoração deve atender ao grau de satisfação dos créditos reclamados e acolhidos e à aplicação de nova percentagem de 5% sobre o montante dos créditos satisfeitos (neste sentido, vide Acórdão da Relação de Évora de 29.09.2022, Proc. 260/14.0TBTVR.E1 e Acórdão da Relação de Coimbra de 11.10.2022, Proc. 3947/08.0TJCBR.AY-C1, ambos em www.dgsi.pt). No caso em apreço, sobre o resultado da liquidação de € 137.059,38 incidirá a aplicação da taxa de 5%, obtendo-se o valor de € 6.852,97, a que acresce IVA no valor de € 1.576,18 (total da 1.ª parte da RV = € 8.429,15). Este valor é majorado em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, em 5% do montante dos créditos satisfeitos. Para obter o grau de satisfação dos créditos, haverá que deduzir ao resultado da liquidação a primeira parcela da remuneração acrescida de IVA (€ 8.429,15) e a remuneração fixa acrescida de IVA (€ 2.460,00), ou seja, € 137.059,38 - € 8.429,15 - € 2.460,00 = € 126.170,23. Cifrando-se os créditos admitidos no valor total de € 465.555,23 (€ 464.751,16 no Apenso H + € 115,20 no Apenso J + € 323,40 no Apenso L + € 365,47 no Apenso N), o grau dos créditos satisfeitos é de 27,10%. Aplicando de seguida a taxa de 5% obtém-se a majoração no valor de € 1.709,61 (€ 126.170,23 x 27,10% x 5%). Assim sendo, apura-se uma remuneração variável no valor de € 8.562,58 (€ 6.852,97 + € 1.709,61), a que acresce IVA à taxa legal no valor de € 1.969,39, ou seja, o valor total de € 10.531,97. Pelo exposto, fixa-se a remuneração variável do Sr. AI em € 10.531,97». * O administrador de insolvência apresentou recurso e as suas alegações apresentaram as seguintes conclusões: «1) Por decisão datada de 12.07.2023, determinou a Mmª. Juiz a quo, no que ao âmago do presente recurso respeita, o seguinte: “Para obter o grau de satisfação dos créditos, haverá que deduzir ao resultado da liquidação a primeira parcela da remuneração acrescida de IVA (€ 8.429,15) e a remuneração fixa acrescida de IVA (€ 2.460,00), ou seja, € 137.059,38 - € 8.429,15 - € 2.460,00 = € 126.170,23. Cifrando-se os créditos admitidos no valor total de € 465.555,23 (€ 464.751,16 no Apenso H + € 115,20 no Apenso J + € 323,40 no Apenso L + € 365,47 no Apenso N), o grau dos créditos satisfeitos é de 27,10%. Aplicando de seguida a taxa de 5% obtém-se a majoração no valor de € 1.709,61 (€ 126.170,23 x 27,10% x 5%). Assim sendo, apura-se uma remuneração variável no valor de € 8.562,58 (€ 6.852,97 + € 1.709,61), a que acresce IVA à taxa legal no valor de € 1.969,39, ou seja, o valor total de € 10.531,97. Pelo exposto, fixa-se a remuneração variável do Sr. AI em € 10.531,97”. 2) No que tange à remuneração variável em função da liquidação da massa insolvente (artigo 23.º, n.º 4, alínea b), da Lei n.º 22/2013, de 26 de Fevereiro – Estatuto do Administrador Judicial), o cálculo apresentado pelo aqui apelante, que apurou um valor de € 6.852,97 (ao qual acresce IVA), não foi objecto de reparo no despacho ora recorrido – parte em que andou bem, crê-se, tribunal a quo. 3) Já quanto à remuneração variável decorrente da satisfação dos créditos (artigo 23.º, n.º 7, do EAJ), enquanto o apelante calculou uma majoração de € 6.308,51, entendeu o tribunal a quo ser-lhe devido a esse título apenas € 1.709,61 (valores sem IVA). 4) Segundo o entendimento vertido no douto despacho recorrido, o cálculo da majoração prevista no supra citado artigo não se reconduz à aplicação da percentagem de 5% directamente ao montante dos créditos satisfeitos, registando o tribunal a quo que “a expressão ‘em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos’ deve corresponder ao grau ou percentagem dos créditos reclamados e admitidos que é efetivamente satisfeita”. 5) Porém, salvo o devido respeito, a redacção do supra citado preceito é sobejamente clara, determinando expressamente que a majoração da remuneração do administrador da insolvência corresponde a 5% do montante dos créditos satisfeitos. 6) Decorre directa e inequivocamente da citada norma que a taxa de 5% deve ser aplicada sobre um montante – “importância, soma, verba” – isto é, sobre um valor nominal. 7) Em sentido oposto e conflituante com o da norma, entende o tribunal a quo que a taxa de 5% deve ser aplicada não a um montante, mas a uma percentagem (neste caso, de 10,27%), que corresponderia ao grau de satisfação dos créditos reconhecidos. 8) Em consonância com a posição ora propugnada pelo recorrente, o Exmo. Sr. Dr. Alexandre de Soveral Martins, Professor Associado da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, em Parecer datado de 20/11/2022, regista que “no âmbito do processo de insolvência de liquidação, a majoração a efectuar nos termos do artigo 23.º, n.º 7, do EAJ deve ser calculada a partir do montante dos créditos satisfeitos, aplicando-se a esse montante a percentagem de 5%”. 9) Esclarece o douto académico que “a referência a um «grau» de satisfação feita no n.º 7 do artigo 23.º do EAJ não significa que se tenha de efectuar uma primeira operação para reduzir o valor sobre o qual incidirá a percentagem de 5% ou uma primeira operação para reduzir o valor da percentagem a aplicar ao montante dos créditos satisfeitos. (…) O facto de o artigo 23.º, 7, do EAJ estabelecer que a majoração é realizada «em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos» não significa que, onde está escrito que a majoração tem lugar «em 5% do montante dos créditos satisfeitos», deva ler-se outra coisa.” 10) Na mesma esteira, Freitas Araújo, MM.º Juiz de Direito no 1.º Juízo de Comércio de Aveiro/Anadia, não apresenta quaisquer hesitações em asseverar que a percentagem de 5% prevista no artigo 23.º, n.º 7, EAJ deve ser directamente aplicada sobre o valor dos créditos satisfeitos, sequer cogitando a hipótese de aplicação sobre uma outra percentagem em termos análogos aos vertidos na decisão aqui em crise. 11) No sentido de que a referida percentagem de 5% deve ser aplicada directamente sobre o montante dos créditos satisfeitos, vide, a título exemplificativo: - Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, de 07/02/2023 – proc. 965/15.8AMT-E.P1; de 18/04/2023 – proc. 1024/10.5TYVNG-P1; de 10.01.2023 – proc. 3454/20.5T8STS-K; de 28-02-2023 – proc. 1208/21.0T8AMT-E.P1; de 16-05-2023 – proc. 1892/19.5T8AVR.P1; com destaque, por especialmente hodierno, para o recentíssimo acórdão de 12/07/2023; - Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, de 20-09-2022 – proc. 9849/14.6T8LSB-E; de 20-12-2022 – proc. 415/13.4TYLSB-E; de 20-12-2022 – proc. 22770/19.2T8LSB-F. 12) É certo que aos supra citados acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa sobreveio um outro, datado de 02/05/2023, dessa mesma Relação, em que as Venerandas Desembargadoras alteraram a posição anteriormente assumida na matéria em causa, na sequência do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 18/04/2023 (proc. 3947/08.2TJCBT-AY.C1.S1), aderindo à tese de que a percentagem de 5% prevista no artigo 23.º, n.º 7, do EAJ deve aplicar-se não directamente sobre o montante dos créditos satisfeitos, mas a uma outra percentagem, correspondente ao grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos. 13) Mas entende humildemente o apelante que a argumentação ali aduzida sempre soçobrará no confronto com as razões apresentadas em sustentação da tese aqui propugnada, maxime no seguinte aspecto essencial e proeminente da discussão: 14) O apuramento do valor da majoração com base no valor (nominal) dos créditos satisfeitos, em sentido diametralmente oposto ao que se afirma no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 02/05/2023, não implica a desconsideração do critério do grau de satisfação; é, pelo contrário, a concretização desse critério, nos termos em que foi conformado pelo legislador. 15) Dir-se-á, aliás, que a posição sufragada no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 02/05/2023, essa sim, implica uma interpretação abrogante, uma vez que, conforme se regista no acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 16-05-2023, “desconsidera o segmento da norma que refere «5% do montante dos créditos satisfeitos», valor que se alcança sem necessidade de recurso a qualquer operação aritmética prévia destinada a apurar uma determinada percentagem”. 16) Em face do exposto deve, no caso sub judice, aplicar-se a taxa de 5% sobre o valor de € 126.170,23 (montante dos créditos satisfeitos), de onde resulta uma majoração da remuneração variável do administrador da insolvência no valor de € 6.308,51 (valor sem IVA), 17) O que, somado ao valor de € 6.852,97 (sem IVA), a título de remuneração variável em função da liquidação da massa insolvente (artigo 23.º, n.º 4, alínea b), EAJ), resulta num total de remuneração variável de € 13.161,48. Por todo o exposto, 18) Com o devido respeito, a decisão recorrida viola, no entendimento do recorrente, o disposto no artigo 23.º, n.º 7, da Lei n.º 22/2013, de 26 de Fevereiro, com a redacção introduzida pela Lei n.º 9/2022, de 11 de Janeiro. 19) Devendo a mesma ser objecto de revogação e substituída por outra que, da lavra dos Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação, fixe a remuneração variável do recorrente em: a. € 6.852,97 a título de remuneração variável a que alude o artigo 23.º, n.ºs 4, alínea b), da Lei n.º 22/2013, de 23 de Fevereiro, mantendo, nessa parte, a decisão recorrida; b. € 6.308,51 a título de majoração a que alude o artigo 23.º, n.º 7, da Lei n.º 22/2013, de 23 de Fevereiro; c. montantes esses acrescidos de IVA à taxa legal em vigor. Assim se realizando Justiça!». * Houve lugar a resposta do Ministério Público, que defendeu a manutenção da decisão recorrida. * Admitido o recurso, foram observados os vistos legais. * II – Objecto do recurso: É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem (artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do mesmo diploma). Analisadas as alegações de recurso, o thema decidendum está circunscrito à apreciação da questão da atribuição de remuneração variável do administrador de insolvência. * III – Factos com interesse para a justa resolução do caso: Os factos com interesse para a justa resolução do caso são os que constam do relatório inicial e, bem assim, os seguintes: 1 – Os créditos admitidos ascendem ao valor total de € 465.555,23 (€ 464.751,16 no Apenso H + € 115,20 no Apenso J + € 323,40 no Apenso L + € 365,47 no Apenso N). 2 – O montante dos créditos satisfeitos é de € 126.170,23 (grau de satisfação dos créditos € 137.059,38 - € 8.429,15 - € 2.460,00 = € 126.170,23). 3 – O grau dos créditos satisfeitos é de 27,10%. * IV – Fundamentação: No domínio do direito aplicado somos confrontados com duas hipóteses sobre a densificação da expressão grau de satisfação e a ponderação concreta dos critérios de cálculo e a questão controvertida assenta basicamente na interpretação do artigo 23.º[1] do Estatuto dos Administradores Judiciais (Lei n.º 22/2013, de 26 de Fevereiro), na componente do cálculo da remuneração variável, com referência ao disposto no n.º 1 do artigo 182.º[2] do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. É indiscutível que a alteração à forma de cálculo da remuneração variável visou estimular a actividade do administrador judicial, motivando-o a diligenciar pela obtenção da maior receita possível e premiando-o em função dos resultados de gestão e venda do património do insolvente. O legislador tomou posição expressa sobre a aplicação das regras da presente lei aos processos em vigor[3], decidindo pela aplicação imediata da lei nova [4] [5] [6] e essa solução é aceite de forma consensual pela jurisprudência nacional. Aquilo que se pergunta é se o resultado final da remuneração variável deve ser sopesado pela aleatoriedade do valor do volume de créditos admitidos, face à norma legal quando menciona que a mesma é majorada «em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, em 5% do montante dos créditos satisfeitos»? * Sobre este assunto já se pronunciaram parte dos membros que compõem este colectivo de Juízes Desembargadores nos acórdãos proferidos em 29/09/2022 e em 30/03/2023 e no mesmo sentido foram proferidos outros acórdãos[7] [8] [9] [10] [11] [12] [13] [14] [15]. A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça estabilizou no mesmo entendimento[16] [17]. Ressalta da leitura do n.º 4 do referido dispositivo que os administradores judiciais auferem uma remuneração variável em função do resultado da recuperação do devedor ou da liquidação da massa insolvente, cujo valor é calculado nos termos seguintes: a) 10% da situação líquida, calculada 30 dias após a homologação do plano de recuperação do devedor, nos termos do n.º 5; b) 5% do resultado da liquidação da massa insolvente, nos termos do n.º 6. Para tanto, decorre do n.º 6 da referida norma, que se considera o resultado da liquidação o montante apurado para a massa insolvente, depois de deduzidos os montantes necessários ao pagamento das dívidas dessa mesma massa, com excepção da remuneração referida no n.º 1 e das custas de processos judiciais pendentes na data de declaração da insolvência. Nesta equação releva de igual o modo a regra inscrita no n.º 7 do artigo 23.º que dita que o valor alcançado por aplicação das regras referidas nos nºs 5 e 6 é majorado, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, em 5% do montante dos créditos satisfeitos, sendo o respectivo valor pago previamente à satisfação daqueles. Entendemos que o grau de satisfação corresponde à percentagem dos créditos que só será possível satisfazer por confronto com o valor dos créditos totais multiplicado tal percentagem pelo valor distribuído pelos credores e a esse resultado aplica-se a percentagem de 5% e que o legislador não teve intenção de abandonar o princípio já vigente na legislação anterior. Aliás, na exposição de motivos da proposta de Lei que deu origem à Lei n.º 32/2004 [Proposta de lei n.º 112/IX/2] ficou consignado que: «no que respeita à remuneração, estabeleceu-se um regime misto constituído por uma parte fixa e outra variável. Assim, a par de um montante fixo suportado pela massa insolvente, cria-se um sistema de prémios cujo montante varia em função da efectiva satisfação dos créditos. Este sistema garante, quer uma maior certeza no que respeita ao montante da remuneração, em virtude da existência de critérios objectivos, quer um incentivo que premeia o bom exercício da actividade». Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil). Neste conspecto, caso a expressão não tivesse qualquer interesse para a justa solução do problema, na construção da regra o legislador teria de evitar qualquer referência ao “grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos”. E, se assim fosse, na redacção da norma seria bastante a alocução normativa: «o valor alcançado por aplicação das regras referidas nos nºs 5 e 6 é majorado, […] em 5% do montante dos créditos satisfeitos, sendo o respetivo valor pago previamente à satisfação daqueles». Com efeito, não é inócua a expressão nem a mesma pode ser tratada como um mero elemento decorativo da norma colocada em crise. E, assim, para que a mesma tenha algum efeito prático e consequências jurídicas, importa estabelecer alguma correlação entre o grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos e o montante dos créditos satisfeitos. Neste enquadramento, é nosso entendimento que o resultado da liquidação corresponde ao montante apurado para a massa insolvente depois de deduzidos os montantes necessários ao pagamento das dívidas dessa mesma massa (que inclui a remuneração fixa do administrador), com excepção da remuneração variável e das custas de processos judiciais pendentes na data de declaração da insolvência, mas esse valor deve ser conexionado ao grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos. Ou seja, tendo como valor máximo 5% do resultado da liquidação da massa insolvente, no cálculo da majoração importa incluir o valor disponível para pagamento após operações previstas no artigo 23.º, nºs 4, alínea b), 6 e 7 e, bem assim, a percentagem dos créditos satisfeitos e admitidos. Deste modo, o cálculo presente na sentença seguiu as regras adequadas e mostra-se assim acertado, julgando-se assim o recurso improcedente e mantém-se a decisão recorrida. * V – Sumário: (…) * VI – Decisão: Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, decide-se julgar improcedente o recurso interposto, mantendo-se a decisão recorrida. Custas do recurso a cargo do recorrente, face ao disposto no artigo 527.º do Código de Processo Civil. * Processei e revi. * Évora, 28/09/2023 José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho Ana Margarida Carvalho Pinheiro Leite Maria Domingas Alves Simões __________________________________________________ [1] Artigo 23.º (Remuneração do administrador judicial nomeado por iniciativa do juiz): 1 - O administrador judicial provisório em processo especial de revitalização ou em processo especial para acordo de pagamento ou o administrador da insolvência em processo de insolvência nomeado por iniciativa do juiz tem direito a ser remunerado pelos atos praticados, sendo o valor da remuneração fixa de 2.000 (euro). 2 - Caso o processo seja tramitado ao abrigo do disposto no artigo 39.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, a remuneração referida no número anterior é reduzida para um quarto. 3 - Sem prejuízo do direito à remuneração variável, calculada nos termos dos números seguintes, no caso de o administrador judicial exercer as suas funções por menos de seis meses devido à sua substituição por outro administrador judicial, aquele apenas aufere a primeira das prestações mencionadas no n.º 2 do artigo 29.º. 4 - Os administradores judiciais referidos no n.º 1 auferem ainda uma remuneração variável em função do resultado da recuperação do devedor ou da liquidação da massa insolvente, cujo valor é calculado nos termos seguintes: a) 10% da situação líquida, calculada 30 dias após a homologação do plano de recuperação do devedor, nos termos do n.º 5; b) 5% do resultado da liquidação da massa insolvente, nos termos do n.º 6. 5 - Para os efeitos do disposto no número anterior, em processo especial de revitalização, em processo especial para acordo de pagamento ou em processo de insolvência em que seja aprovado um plano de recuperação, considera-se resultado da recuperação o valor determinado com base no montante dos créditos a satisfazer aos credores integrados no plano. 6 - Para efeitos do n.º 4, considera-se resultado da liquidação o montante apurado para a massa insolvente, depois de deduzidos os montantes necessários ao pagamento das dívidas dessa mesma massa, com exceção da remuneração referida no n.º 1 e das custas de processos judiciais pendentes na data de declaração da insolvência. 7 - O valor alcançado por aplicação das regras referidas nos nºs 5 e 6 é majorado, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, em 5% do montante dos créditos satisfeitos, sendo o respetivo valor pago previamente à satisfação daqueles. 8 - Se, por aplicação do disposto nos números anteriores relativamente a processos em que haja liquidação da massa insolvente, a remuneração exceder o montante de (euro) 50.000 por processo, o juiz pode determinar que a remuneração devida para além desse montante seja inferior à resultante da aplicação dos critérios legais, tendo em conta, designadamente, os serviços prestados, os resultados obtidos, a complexidade do processo e a diligência empregue pelo administrador judicial no exercício das suas funções. 9 - À remuneração devida ao administrador judicial comum para os devedores que se encontrem em situação de relação de domínio ou de grupo, nomeado nos termos do disposto no n.º 6 do artigo 52.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aplica-se o limite referido no número anterior acrescido de (euro) 10.000 por cada um dos devedores do mesmo grupo. 10 - A remuneração calculada nos termos da alínea b) do n.º 4 não pode ser superior a 100.000 (euro). 11 - No caso de o administrador judicial cessar funções antes do encerramento do processo, a remuneração variável é calculada proporcionalmente ao resultado da liquidação naquela data. [2] Artigo 182.º (Rateio final): 1 - Encerrada a liquidação da massa insolvente, é elaborada a conta pela secretaria do tribunal, no prazo de 10 dias, não sendo o encerramento da liquidação prejudicado pela circunstância de a atividade do devedor gerar rendimentos que acresceriam à massa. 2 - As sobras de liquidação, que nem sequer cubram as despesas do rateio, são atribuídas ao organismo responsável pela gestão financeira e patrimonial do Ministério da Justiça. 3 - Após julgadas as contas e paga a conta de custas, no prazo de 10 dias, o administrador da insolvência apresenta no processo proposta de distribuição e de rateio final, acompanhada da respetiva documentação de suporte caso seja diferente daquela que já existe no processo, e procede à publicação da proposta na Área de Serviços Digitais dos Tribunais, dispondo a comissão de credores, caso tenha sido nomeada, e os credores de 15 dias, contados desde a data da publicação, para se pronunciarem sobre a mesma. 4 - Decorrido o prazo de 15 dias previsto no número anterior, a secretaria aprecia a proposta de rateio final, elaborando para o efeito um termo nos autos, e conclui o processo ao juiz para, no prazo de 10 dias, decidir sobre as impugnações e validar a proposta. [3] No texto da Lei n.º 9/2022, foi introduzida a seguinte regra de direito transitório: Artigo 10.º (Regime transitório): 1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, a presente lei é imediatamente aplicável aos processos pendentes na data da sua entrada em vigor. 2 - O disposto nos artigos 17.º-C a 17.º-F, 17.º-I e 18.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, com a redação introduzida pela presente lei, apenas se aplica aos processos especiais de revitalização instaurados após a sua entrada em vigor. 3 - Nos processos de insolvência de pessoas singulares pendentes à data de entrada em vigor da presente lei, nos quais haja sido liminarmente deferido o pedido de exoneração do passivo restante e cujo período de cessão de rendimento disponível em curso já tenha completado três anos à data de entrada em vigor da presente lei, considera-se findo o referido período com a entrada em vigor da presente lei. 4 - O disposto no número anterior não prejudica a tramitação e o julgamento, na primeira instância ou em fase de recurso, de quaisquer questões pendentes relativas ao incidente de exoneração do passivo restante, tais como as referentes ao valor do rendimento indisponível, termos de afetação dos rendimentos do devedor ou pedidos de cessação antecipada do procedimento de exoneração.» [4] Manuel Andrade, em Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, Coimbra, 979, págs. 41-42. [5] Castro Mendes e Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil, vol. I, AAFDL, Lisboa, 2022, pág. 74. [6] Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição (revista e actualizada), Coimbra Editora, Coimbra, 1985, pág. 47. [7] Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 28/09/2022, pesquisável em www.dgsi.pt, onde se afirma que: «Se o valor da remuneração correspondesse sempre a 5% dos créditos satisfeitos, tal significaria que a remuneração seria idêntica quer esses créditos correspondessem à globalidade dos créditos admitidos, quer correspondessem a uma parte ínfima deles; o grau de satisfação dos créditos seria, portanto, totalmente desconsiderado ao contrário do que expressamente se dispõe na norma em causa e contrariando aquele que – pelas razões apontadas – pensamos ter sido o pensamento do legislador». [8] Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 11/10/2022, divulgado em www.dgsi.pt. [9] Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 25/10/2022, também consultável em www.dgsi.pt, que conclui que: «no cálculo da majoração importa ter em conta a percentagem de satisfação dos créditos reclamados que foram admitidos». [10] Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 09/11/2022, integrado na base de dados www.dgsi.pt. [11] Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11/10/2022, incorporado em www.dgsi.pt, que igualmente se manifesta no sentido que: «no âmbito do processo de insolvência, em caso de liquidação da massa insolvente, o valor da majoração da remuneração variável do Administrador de Insolvência nomeado pelo juiz deve ser encontrado mediante a aplicação do elemento de cálculo legalmente previsto (5%) à percentagem dos créditos reclamados e admitidos que foi satisfeita e não apenas por aplicação direta desses 5% sobre montante dos créditos satisfeitos». [12] Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24/01/2023, que também pode ser lido em www.dgsi.pt, defende igualmente que: «em caso de liquidação da massa insolvente, estabelece expressamente o n.º 7 do referido artigo 23.º que, para determinação da remuneração variável do Administrador de Insolvência nomeado pelo juiz, se deve atender ao grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos». [13] Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11/10/2022 (relatora: Márcia Portela), não publicado. [14] Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 15/12/2022, que está depositado em www.dgsi.pt. [15] Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 02/03/2023, que pode ser lido em www.dgsi.pt, onde ficou consignado que «o cálculo da majoração implica assim duas operações sucessivas: a primeira, tendo em vista apurar o “grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos”, obtém-se dividindo o valor da liquidação disponível para distribuição, calculado nos termos prescritos no n.º 6, pelo montante dos créditos reconhecidos; de seguida, a percentagem obtida, correspondente ao grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, é aplicada ao mesmo valor da liquidação, sendo sobre o resultado desta segunda operação que vai incidir a percentagem de 5%». [16] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18/04/2023, que pode ser lido em www.dgsi.pt. [17] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16/05/2023, igualmente consultável em www.dgsi.pt. |