Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | FILIPE AVEIRO MARQUES | ||
Descritores: | ARRENDAMENTO URBANO DENÚNCIA | ||
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Data do Acordão: | 01/30/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA A SENTENÇA RECORRIDA | ||
Área Temática: | CÍVEL | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL; LEI 13/1019 | ||
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Sumário: | No arrendamento urbano não habitacional, desde que salvaguardada a possibilidade da desvinculação imotivada, podem os contraentes fixar os termos a que a denúncia por parte da arrendatária deve obedecer. | ||
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Decisão Texto Integral: | n.º 101/24.0T8ORM.E1 (1.ª Secção) Relator: Filipe Aveiro Marques 1.º Adjunto: Manuel Bargado 2.º Adjunto: Fernando Marques da Silva * *** * *** Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora: I. RELATÓRIO: I.A. TCHIRICUÁTA RETAIL PORTUGAL, LDª e AA, réus na acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum que contra eles foi intentada por BB e CC, vieram interpor recurso da sentença proferida pelo Juízo Local Cível de ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, que terminou com o seguinte dispositivo: “Pelo exposto, decide-se julgar procedente, por provada, a presente acção e decide-se deferir os seguintes pedidos deduzidos pelos AA.: Na sua petição inicial os autores tinham invocado, muito em síntese, que sendo proprietários de uma fracção a deram de arrendamento à 1.ª ré, sendo o 2.º réu fiador. Acordaram que o contrato teria início em 1/03/2023 com o prazo certo de 5 anos, com a renda mensal de 550,00€ e que decorrido 1/3 do prazo de duração inicial do contrato ou renovação a 1.ª ré poderia denunciar o contrato com antecedência não inferior a 120 dias. Por carta de Outubro de 2023 a 1.ª ré declarou rescindir o contrato. Em Janeiro de 2024 os réus entregaram a chave da fracção. A 1.ª ré pagou rendas até ao mês de Outubro de 2023 e tinha pago 1.100,00 a título de caução. Estão em dívidas as rendas de Novembro de 2023 até Fevereiro de 2025 (8.800,00€), a que se deve descontar a caução. Pediram, por isso, que sejam os réus condenados a pagar a quantia de 7.700,00€, acrescida de juros de mora à taxa legal contados desde a data da citação até efectivo e integral pagamento. Contestaram as rés/apelantes e disseram, muito em suma, que os autores não se opuseram e, por isso, aceitaram a rescisão do contrato por parte dos réus; não tinham condições económicas para continuar a pagar a renda; fizeram benfeitorias no locado. Realizada audiência prévia, foi proferida a sentença recorrida.
I.B. Os réus/apelantes apresentaram alegações que terminam com as seguintes conclusões: “I – A missiva de denúncia do contrato remetida pela inquilina, ora recorrente, é valida e eficaz e valeu como aviso prévio.
I.C. Os autores/apelados declararam nos autos que renunciam ao direito de responder às alegações.
I.D. O recurso foi devidamente recebido pelo tribunal a quo. Após os vistos, cumpre decidir. *** II. QUESTÕES A DECIDIR: As conclusões das alegações de recurso delimitam o respetivo objecto de acordo com o disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, mas não haverá lugar à apreciação de questões cuja análise se torne irrelevante por força do tratamento empreendido no acórdão (artigos 608.º, n.º 2 e 663.º, n.º 2, do mesmo diploma). No caso, impõe-se apreciar: - O invocado erro de julgamento quanto à denúncia do contrato de arrendamento não habitacional, validade da sua estipulação e suas consequências. *** III. FUNDAMENTAÇÃO: III.A. Fundamentação de facto: III.A.1 Factos provados: Na falta de impugnação, considera-se provado, tal como constante da sentença recorrida, o seguinte: 1. Os AA. são proprietários da fracção autónoma designada pela letra “E”, do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, sito na ..., inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... sob o artigo 5954, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº 6964, da freguesia de .... 2. Os AA., na qualidade de 1ºs outorgantes e senhorios, a R. TCHIRICUATÁ, na qualidade de segunda contraente a arrendatária, e o R. AA, na qualidade de terceiro outorgante e fiador, celebraram um contrato de arrendamento para fim não habitacional, datado de 23 de Dezembro de 2022, cuja cópia se encontra junta de fls. 5, verso a 8, e cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido. 3. No contrato referido 2), constam, designadamente, as seguintes cláusulas: “CLÁUSULA PRIMEIRA (identificação do imóvel): Os primeiros outorgantes são proprietários e legítimos possuidores da fracção autónoma designada pela letra “E”, do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, sito na ..., inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... sob o artigo 5954, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº 6964, da freguesia de .... CLÁUSULA SEGUNDA (Objecto do contrato): Pelo presente contrato, os Primeiros outorgantes dão de arrendamento à segunda outorgante o prédio urbano descrito na cláusula anterior, no estado de conservação em que presentemente se encontra, que é do conhecimento desta, que expressamente aceita. CLÁUSULA TERCEIRA (Finalidade): O local arrendado destina-se exclusivamente ao exercício da actividade comercial desenvolvida pela segunda outorgante – COMÉRCIO A RETALHO EM SUPERMERCADOS E HIPERMERCADOS… CLÁUSULA QUARTA (Prazo): 1- O presente contrato de arrendamento é celebrado pelo prazo efectivo de 5 anos, que se inicia em ... de ... de 2023 e termina no dia 28 de Fevereiro de 2028. 2- No fim do prazo convencionado, não ocorrendo denúncia de nenhuma das partes, o contrato de arrendamento renovar-se-á automaticamente por períodos sucessivos de 1 ano. CLÁUSULA QUINTA (Renda): 1- A renda mensal é de 550 euros. 2- As rendas serão pagas pela segunda outorgante, mediante transferência bancária a efectuar no dia 1 do mês a que a renda disser respeito… 4- Em 24-11-2022, os Primeiros outorgantes receberam da segunda outorgante, a importância de 1.650 euros, correspondente à renda do mês de Março de 2023, e 1.100 euros de caução… CLÁUSULA OITAVA (Fiança): 1- Pelo terceiro outorgante foi dito expressamente que, como fiador, garante a satisfação e cumprimento de todos os créditos emergentes deste contrato, designadamente o pagamento das rendas, indemnização pelo atraso no pagamento e indemnização por quaisquer prejuízos causados no locado e equipamentos, obrigando-se pessoalmente para com os primeiros outorgantes, com renúncia expressa ao benefício da prévia excussão. 2- Esta fiança abrange o período de vigência do presente contrato e suas eventuais prorrogações… CLÁUSULA DÉCIMA (Denúncia e oposição à renovação): … 4- Decorrido 1/3 do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação, a segunda outorgante poderá denunciá‑lo, mediante comunicação remetida aos primeiros outorgantes, por carta registada com aviso de recepção, com uma antecedência não inferior a 120 dias, relativamente à data em que pretendem fazer cessar o contrato, nos termos da alínea a), do nº3, do artigo 1.098º, do Código Civil. 5- A inobservância da antecedência prevista nos nºs 3 e 4, da presente cláusula, não obsta à cessação do contrato, mas obriga ao pagamento das rendas correspondente ao período de pré-aviso em falta pela segunda outorgante, nos termos do nº 6, do artigo 1.098º, do Código Civil. CLÁUSULA DÉCIMA-PRIMEIRA (Alterações e Revogação do Contrato): Qualquer alteração ou acordo de revogação ao presente arrendamento será obrigatoriamente reduzida a escrito.”. 4. A srª. Mandatária da R. TCHIRICUATÁ enviou aos AA., e estes receberam-na em 9-10-2023, a carta cuja cópia se encontra junta a fls. 9, verso, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido, cujo assunto é a rescisão do contrato de arrendamento, e na qual consta, designadamente que: “Venho por este meio, na qualidade de advogada da sociedade TCHIRICUATÁ…informar a Vªs. Exªs. da intenção de rescindir o contrato de arrendamento para fins não habitacionais em vigor…não consegue a segunda outorgante cumprir o contrato, até ao seu termo nem consegue cumprir com os prazos estipulados nas cláusulas 10ª e 11ª do mesmo, uma vez que a actividade comercial desenvolvida no imóvel objecto do arrendamento não está a correr tão bem como previsto, ou seja, não atinge os objectivos a que se propôs perante a Gerónimo Martins…torna-se muito difícil continuar a cumprir com o pagamento das rendas…propõe-se um acordo no sentido de o meu cliente proceder à entrega do imóvel no mais curto espaço de tempo, pagando as rendas até ao próximo mês de Dezembro”. 5. A R. pagou aos AA. as rendas previstas no contrato mencionado em 2) até ao mês de Outubro de 2023, inclusive. 6. Os RR. entregaram à A., em 13 de Janeiro de 2024, a chave do imóvel arrendado, referido em 1), comunicando aos AA. que consideravam denunciado o contrato. 7. A R. TCHIRICUÁTA celebrou com a empresa RECHEIO CASH & CARRY, um contrato de cooperação comercial, datado de 16-2-2023, cuja cópia se encontra junta de fls. 24, verso, a 32, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido, com o fim de a R. divulgar e comercializar produtos da marca “Amanhecer”, pelo prazo de 5 anos. 8. No dia 8-1-2024, a R. TCHIRICUÁTA e a empresa RECHEIO CASH & CARRY celebraram um acordo de revogação do contrato mencionado em 7).
III.A.2. Factos não provados: Do elenco dos factos não provados nada consta. * III.B. Fundamentação jurídica: Foi celebrado entre as partes um contrato de arrendamento não habitacional. Rege, quanto à sua denúncia, o princípio da liberdade contratual – conforme o disposto no artigo 1110.º, do Código Civil (na última redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro), designadamente no seu n.º 1 (que estabelece que: “As regras relativas à duração, denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento para fins não habitacionais são livremente estabelecidas pelas partes, aplicando-se, na falta de estipulação, o disposto quanto ao arrendamento para habitação, sem prejuízo do disposto no presente artigo e no seguinte”). Desde que salvaguardado o direito da possibilidade de denúncia (liberdade de desvinculação imotivada), podem as partes de um contrato desta natureza fixar as regras a que aquela deve obedecer. Ou seja, no contrato de arrendamento para fins não habitacionais, o arrendatário goza do direito de denúncia, desde que o exerça nas condições contratualmente acordadas (e, apenas na falta de fixação contratual, deverá operá-la nos termos previstos na lei). Nas palavras de Januário da Costa Gomes[1], podem as partes “disciplinar livremente o regime aplicável em sede de duração e denúncia, bem como em matéria de oposição à renovação, valendo supletivamente o regime dos arrendamentos para habitação”. O mesmo autor esclarece, noutra obra[2], que “são os termos da denúncia que estão sujeitos a esse princípio e não, como parece óbvio, a própria susceptibilidade da denúncia: da composição negocial dos termos da denúncia não pode resultar um efeito que seja, na prática, equivalente à insusceptibilidade da denúncia ou que equivalha à sua inutilização, de acordo com um critério objectivo de razoabilidade. A sujeição dos contratos de arrendamento de duração indeterminada à livre denúncia por qualquer das partes, salvaguardada que seja a antecedência razoável, corresponde, de resto, a um princípio de ordem pública contratual”. No caso dos autos, as partes expressamente fixaram (tal como a lei permite) as regras a que deveria obedecer a desvinculação imotivada por parte da arrendatária. O contrato não tinha duração indeterminada, mas certa e não há, como resulta de forma clara da norma citada (artigo 1110.º do Código Civil), qualquer impedimento a que as partes, livremente, fixem os termos a que deveria obedecer a denúncia. De resto, a previsão contratual do caso concreto está alinhada com o que se dispõe no artigo 1098.º, n.º 3, do Código Civil (que é a norma de aplicação supletiva caso as partes nada estabeleçam nesse domínio – neste sentido Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 16/05/2019, processo n.º 2335/16.1T8STB-A.E1[3]), pelo que não podem esses termos ser considerados desrazoáveis (o caso em apreciação não está, por isso, na mesma situação a que deu resposta o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20/05/2021, processo n.º 192/19.5T8PVZ-A.P1.S1[4]). Não se vislumbra, por isso, que tenham sido violadas normas imperativas nem que, por esse motivo, sejam nulas tais cláusulas relativas aos termos da denúncia (assim improcedendo essa parte do recurso – conclusões IV e V). Assim, assente que os réus aderiram livremente às indicadas regras contratuais válidas, só podem estar vinculados a cumpri-las (cf. artigo 406.º do Código Civil). A denúncia só poderia ter lugar decorrido um terço do prazo de duração inicial do contrato, o que num contrato com o prazo de 5 anos como o dos autos, acarreta que o mesmo só venha a cessar efectivamente passados dois anos (ao todo 24 meses: 20 meses correspondentes a um terço do prazo, acrescido de 120 dias, ou 4 meses, de pré-aviso). Por outras palavras, a denúncia só podia ser exercida, com a antecedência de 120 dias em relação ao termo pretendido, após ter decorrido um terço do período inicial de duração do contrato, sendo certo que a denúncia consiste na comunicação da pretensão de pôr termo ao contrato, não se confundindo com a data em que a mesma produz efeitos. Nas palavras do citado Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 16/05/2019, processo n.º 2335/16.1T8STB-A.E1[5]: “Parece-nos até coerente que num contrato com prazo certo o senhorio não seja completamente defraudado na sua expectativa de o mesmo se completar, exigindo-se, por isso, ao arrendatário que só lhe possa pôr termo volvido um determinado período de vigência”. Os réus (arrendatária e seu fiador) estão, por isso, sujeitos ao pagamento das rendas correspondentes a esse período, como resulta de forma clara do artigo 1098.º, n.º 6, do Código Civil (sendo que não está a ré arrendatária nas condições de se eximir do pagamento por a sua situação não se enquadrar nas circunstâncias previstas na lei: desemprego involuntário, incapacidade permanente para o trabalho ou morte do arrendatário ou de pessoa que com este viva em economia comum há mais de um ano). Improcede, por isso, o recurso também nesta parte. * Custas: Conforme estabelecido no artigo 527.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, a regra geral na condenação em custas é a de condenar a parte vencida. E havendo uma parte vencida não se passa ao critério subsidiário que é o da condenação em custas de quem tira proveito do recurso. Assim, as custas do recurso ficarão a cargo dos réus/apelantes. *** III. DECISÃO: Em face do exposto, decide-se julgar totalmente improcedente a apelação e, em conformidade, confirma-se integralmente a sentença recorrida. Condenam-se os réus nas custas do recurso. Notifique-se.
Évora, 30 de Janeiro de 2025 Filipe Aveiro Marques Manuel Bargado Fernando Marques da Silva _________________________________
1. “A desvinculação ad nutum no contrato de arrendamento urbano na reforma de 2012. Breves notas”, Revista da Ordem dos Advogados, ano 72, n.ºs 2-3 (Abril – Setembro 2012), pág. 628.↩︎ 2. “Sobre a (vera e própria) denúncia do contrato de arrendamento. Considerações Gerais”, O Direito, ano 143, Tomo I, 2011, pág. 11, também acessível em https://www.icjp.pt/sites/default/files/publicacoes/files/f195081886126.pdf).↩︎ 3. Acessível em https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/539d6b2faeaf03c980258409003ce72d.↩︎ 4. Acessível em https://www.dgsi.pt/JSTJ.NSF/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/e7066115a21cc2dd802586e0004cfce6.↩︎ 5. Acessível em https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/539d6b2faeaf03c980258409003ce72d.↩︎ |