Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | ISABEL DE MATOS PEIXOTO IMAGINÁRIO | ||
Descritores: | DIREITO DE TAPAGEM MURO COLISÃO DE DIREITOS ABUSO DE DIREITO | ||
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Data do Acordão: | 01/25/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | - o direito de vedar o prédio consagrado no artigo 1356.º do Código Civil decorre do direito de propriedade, com vista ao exclusivo gozo e fruição do prédio; - para salvaguarda de valores de ordem pública, designadamente a segurança, a estética e a salubridade, à liberdade conferida pelo Código Civil no âmbito do direito de tapagem correspondem, no campo do direito público, limitações, que respeitam especialmente à altura das vedações; - importa, por isso, levar em conta as regras atinentes à disciplina do urbanismo, sem prejuízo da consideração do instituto do abuso do direito, caso se verifiquem os respetivos pressupostos; - não estando consagrado no ordenamento jurídico o direito à insolação, não há que fazer apelo ao regime atinente à colisão de direitos previsto no artigo 335.º do Código Civil. (Sumário da Relatora) | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Évora I – As Partes e o Litígio Recorrentes / AA: AA e BB, Recorridos / RR: CC e DD Trata-se de uma ação declarativa de condenação no âmbito da qual os AA formularam o pedido de condenação dos RR no seguinte: a) na demolição o muro, construído em toda a extensão nascente do seu prédio, que confronta com os AA., b) abstendo-se de, por qualquer modo, impedir o direito de servidão de vistas e de maior insolação e luminosidade do prédio dos AA., obstruindo a função das janelas e do terraço destes. c) A pagar à A mulher a quantia indemnizatória a título de danos patrimoniais de €80 (oitenta euros). d) A pagar a quantia indemnizatória a título de danos morais de € 8.000,00 (oito mil euros) à A. mulher e ao A. marido a quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros). Para tanto, invocam que a implantação, pelos RR, de uma vedação no limite da propriedade destes, em chapa metálica, retira a luz do sol à sua residência e causa-lhes sentimento de clausura, não só pela visão da chapa, mas também por a sua casa se tornar mais sombria. Mais invocam ter sofrido danos decorrentes do ato ilícito dos RR. Em sede de contestação, os RR pugnam pela improcedência da ação, sustentando assistir-lhes o direito a zelar pela respetiva privacidade face à devassa da mesma pelos demandantes, que persistem em praticar atos invasores da sua privacidade, espreitando para a sua propriedade, seguindo os RR e o filho destes, no exterior, criando um clima de perseguição que fez com que o menor tivesse de ser sujeito a acompanhamento médico. II – O Objeto do Recurso Foi proferida sentença julgando a ação parcialmente procedente, conforme segue: «(…) o tribunal julga a presente ação parcialmente procedente e condena os réus a alterar a sua vedação nos seguintes termos: - Até 1,80m contados do chão, a vedação pode manter-se como está; - Acima de 1,80m contados do chão, a vedação tem de ser substituída por outra, de material translúcido, que permita a passagem de luz, mas não deixe que se veja para o interior da sua propriedade. Absolve-se os RR. do demais peticionado contra os mesmos.» Inconformados, os AA apresentaram-se a recorrer, pugnando pela revogação da decisão recorrida, peticionando que: «A) seja declarada a nulidade da douta sentença recorrida, por esta ir contra lei expressa. B) E porque os autos contêm todos os elementos de prova que serviram de base à Decisão, deverão Vossas Exas. reapreciar a matéria de facto dada por provada e fazer uma correta aplicação do direito, reponderando a decisão proferida, substituindo-a por outra que judicialmente declare procedente por provado o direito de vistas, luminosidade, insolação e salubridade da habitação dos recorrentes, mediante a condenação destes: a) na demolição do muro, construído em toda a extensão nascente do seu prédio, que confronta com os aqui AA., b) abstendo-se de, por qualquer modo de impedir o direito geral de vistas e de maior insolação e luminosidade do prédio dos AA., obstruindo a função das janelas e do terraço destes. c) A pagar à Autora mulher a quantia indemnizatória a título de danos patrimoniais € 80,00 (oitenta euros). A pagar a quantia indemnizatória a título de danos morais de € 8.000,00 (oito mil euros) à A. mulher e ao marido a quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros).» As conclusões da alegação do recurso são as seguintes: «1- Há clara contradição entre a prova na qual assentou a decisão do douto tribunal a quo e os fundamentos de facto e a decisão, que tendo os mesmos como alicerce, foi proferida nos autos, 2- ou seja, da prova documental junta aos autos e os factos dados como provados, não resultam preenchidos os pressupostos fácticos nem legais para atribuição de direitos aos Réus recorridos, incompatíveis com a lei e o Regulamento Municipal de .... 3- Pelo que não poderia o Mmº. Dr. Juiz a quo ter concluído, como concluiu. 4- A nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil, ocorre quando se verifica um vício real no raciocínio expedido pelo julgador que leve a que se conclua em sentido oposto ou diferente de toda a lógica expressa na formação da decisão, 5- o que nos parece ser o caso na questão em apreço, pois o julgador na sua decisão entende ser de reconhecer um direito de privacidade aos Réus/ recorridos muito superior ao legalmente reconhecido. 6- Estabelece o artigo 1360.º do Código Civil que: “1 - O proprietário que no seu prédio levantar edifício ou outra construção não pode abrir nela janelas ou portas que deitem diretamente sobre o prédio vizinho sem deixar entre este e cada uma das obras o intervalo de metro e meio.” 7- Ora, como bem reconhece o Mmº. Dr. Juiz a quo, na douta Sentença recorrida, os aqui recorrentes têm um direito geral de vistas, pelo que não lhes reconhece, e bem, a servidão de vistas, 8- negando-lhe no entanto, na Douta Sentença recorrida esse direito geral de vistas, quando decide que a vedação colocada pelos recorridos, acima de 1,80 m tem que ser substituída por outra, de material translúcido, que permita a passagem da luz, mas não deixe que ser veja para o interior da sua propriedade. 9- Há, pois, uma contradição insanável entre os factos dados por provados e a decisão proferida, pois apesar de nas suas motivações o Mmº. Dr. Juiz a quo referir “Ora, dos factos provados decorre que as janelas da casa dos AA. não estão, nem estiveram antes, em situação de contravenção quanto ao legalmente disposto, pelo que existe um direito geral de vistas do prédio dos AA., decorrente do uso normal do seu direito de propriedade, não sendo necessário que o mesmo tenha sido constituído, como não foi, por servidão de vistas.” 10- Por outro lado, não vemos, em que ponto e medida deve ser considerado no caso sub judice, o direito de privacidade dos RR., quando o mesmo se encontra em oposição à lei e ao Regulamento Municipal do Município de ... e que o Mmº. Dr. Juiz nas suas Doutas Motivações reconhece como sendo válida e aplicável, ao caso sub judice “o Regulamento Municipal da Câmara de ... em questão. 11- Tendo o Mmº. Dr. Juiz a quo referido na douta Sentença recorrida dado “como verificado que as normas do regulamento em causa não podem ser ignoradas ou desprezadas, veja-se então que o respetivo artigo 6.º (sob a epígrafe: muros e vedações dispõe que: “Os muros de vedação entre particulares no interior dos terrenos não podem exceder 1,80m de altura a contar da cota natural dos terrenos que vedam, não se considerando os aterros que eventualmente venham a ser feitos e alterem as cotas naturais.” 12 - “Sem prejuízo do previsto no número anterior, podem ser permitidas vedações com altura máxima de 2,5m, em sebes vivas, grades ou arame. (o Bold é nosso)” 13- Concluindo “contra legem” o Mmº. Dr. Juiz a quo, quando nas suas Doutas motivações refere: “Significa isto que os demandados, enquanto proprietários, são livres de construir como entenderem a vedação que pretendem erguer na extremidade da sua propriedade, como lhes permite o Código Civil. Foi o que fizeram.” 14- Acrescentando, “No entanto, no concelho de ... apenas são absolutamente livres de o fazer se a vedação não exceder 1,80m de altura.” 15- Concluindo seguidamente que “Não é por a vedação ter mais de 1,80m que ela é ilegal à luz do Código Civil. O que acontece é que, tendo a mesma mais de 1,80m, tal constitui um sólido indicador de que é suscetível de prejudicar a insolação de propriedades vizinhas, quando se torna necessário verificar efetivamente o que acontece no caso de litígio.” 16- Por outro lado, na Douta Decisão o Mmº. Dr. Juiz a quo faz tábua rasa do facto do 1,80m de altura, ser a contar da cota natural dos terrenos e não a contar do chão “sem referir a que chão se está a reportar, o que no caso em apreço faz toda a diferença, uma vez que resulta da factualidade provada que a propriedade dos aqui recorrentes estar a uma cota inferior a dos recorridos.” “O prédio dos AA. está a uma cota do terreno mais baixa que o prédio dos RR.” 17- Tal decisão, a contar do chão da propriedade dos recorridos fariam com que o muro no lado dos aqui recorrentes passasse a ter uma altura de 3,10 m, em muito superior ao legalmente permitido, uma vez que há entre os dois terrenos um desnível de aproximadamente 1,30 m de altura, o que não é legalmente permitido. 18- Ignorando ainda, o estabelecido no artigo 8.º do Regulamento Municipal que refere não serem permitidas as chapas metálicas, por não dignificarem a Urbanização, como referido no Parecer da Câmara Municipal. 19- Conclui ainda o Mmº. Dr. Juiz a quo, na Sentença recorrida, “assim, o que verificamos é que existe efetivamente uma vedação, com características que, em concreto, provocam dano na propriedade do vizinho, ao privarem-na de receber luz do sol numa das suas fachadas, pelo que, independentemente de não ter de se entender ao estrito teor do regulamento administrativo da Câmara Municipal, ou de haver um processo administrativo sobre a questão que possa ainda não ter alcançado o seu termo, se produz um determinado efeito sobre o qual temos de nos debruçar.” 20- Ora, a referida vedação no entender dos aqui recorrentes, não só lhe provocam dano, ao privarem-nos de receber luz do sol numa das suas fachadas, fachada essa que é a fachada principal, porquanto a maioria das suas janelas deitam diretamente para o local onde foi erigida a vedação, 21- como lhe provoca dano ao privarem-nos do seu direito geral de vistas. 22- Atente-se que questão em apreço nos presentes autos, não é uma construção erigida pelos Réus, em frente às janelas dos aqui recorrentes, privando-os de ver a vista, mas sim de um muro/ vedação construído num único lado da propriedade dos recorridos. 23- Ora, a propriedade dos recorrentes encontra-se erigida num loteamento de vivendas de dois pisos, onde não existe possibilidade de serem construídos prédios/ vivendas com mais pisos, logo não passíveis de tapar a vista aos aqui recorrentes. 24- Resultando dos factos provados que: “As janelas encontram-se a cerca de 4 metros de distância da linha divisória dos prédios e a varanda a cerca de dois metros, e todas deitam diretamente para o prédio dos RR.” 25- estando consequentemente construídas em conformidade com a lei geral, com a lei das edificações urbanas e com o Regulamento Municipal, 26- pelo que no entender dos aqui recorrentes não podem por algum modo serem obstruídas e impedidas de desempenhar as suas funcionalidades. 27- Acresce, por ser deveras relevante, o facto dado por provado que: “A fachada da casa dos RR. apresenta a configuração constante do desenho inserido no artigo 13º da contestação, tendo apenas duas janelas basculantes que não permitem assomar a cabeça e distam entre 3 e 4 metros de distância da linha divisória entre ambos os prédios.” 28- Não podemos de igual modo deixar de salientar, que resulta igualmente dos factos dados por provados que “Na parte do prédio dos Réus, que confronta com o lote ...1, os Réus não construíram vedação como a construída na confrontação com os AA.” e bem assim que “A propriedade dos Réus não tem portão para a rua, estando o acesso ao seu lote completamente aberto.”, o que demonstra não ser assim tão importante para os recorridos o seu direito de privacidade. 29- A “talhe de Foice” diga-se ainda que como resulta dos factos provados os aqui recorrentes construíram na sua propriedade uma vedação em bambu “sendo que, perante as queixas da Ré mulher de que queria ter privacidade, e após os RR. aplicarem essa rede de sombra, a A. colocou uma vedação em bambu do seu lado”, 30- resultando igualmente das fotografias juntas e que serviram de base à formação da convicção do Mmº. Dr. Juiz a quo que plantaram plantas e árvores junto da mesma, plantas essas que nesta data já têm uma altura superior a 2,50m, como resulta das fotos que ora se requer a sua junção, para confirmação do alegado, 31- Pelo que no nosso entender está mais do que garantido o direito de privacidade de recorrentes e recorridos, 32- O que é garantido em conformidade com a lei e os regulamentos em vigor, porquanto como resulta da prova documental junta aos autos, nomeadamente das fotografias, existe no lote dos aqui recorrentes na parte que confronta com os recorridos um muro de vedação em alvenaria com a altura de 1,30 m, tendo sido colocado acima do mesmo uma vedação de bambu com a altura de 1,20m, o que perfaz a medida de 2,50 m de vedação. 33- Face ao supra exposto, ultrapassa de todo a compreensão dos aqui recorrentes, onde viu o Mmº. Dr. Juiz a quo a colisão de direitos iguais ou da mesma espécie, pois o que está em causa sem margens para dúvidas é um flagrante abuso de direito, por parte dos recorridos. Porquanto: 34- É verdade que o artigo 1356.º do Código Civil estabelece que: A todo o tempo o proprietário pode murar, valar, rodear de sebes o seu prédio ou tapá-lo de qualquer modo.” 35- Mas, tal direito não é absoluto, por forma a garantir os direitos dos vizinhos o legislador teve o cuidado de regulamentar a altura dos muros, e o modo como os mesmos podem ser erigidos, daí a existência de Regulamentos a regulamentar tal matéria. 36- Tendo a Douta Sentença recorrida violado, consequentemente, por erro de aplicação o artigo 335º. do Código Civil, pois o mesmo não é aplicável ao caso sub judice e os artigos 73.º e 75.º do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 38 382 de 7 de Agosto de 1951. 37- Ora, é sabido, como refere aliás o Dr. Juiz a quo, a Jurisprudência maioritária, entende que: “um muro de vedação pode ter como funções específicas garantir a privacidade, evitando o devassamento, o arremesso de objetos e a demarcação do prédio, mas terá de ser limitado pelos direitos dos vizinhos”. 38- Refere o Mmº. Dr. Juiz a quo que os demandados invocam que a rede foi intencionalmente rasgada e que, por isso, surgiu a necessidade de erguer uma vedação num material mais sólido”, tendo menosprezado o facto dos recorridos/ demandados após terem sido notificados pela Câmara Municipal que tal rede tinha que ser diminuída em altura, para 1,2 m, podendo a rede de arame ser diminuída para 2,5 m de altura, ao invés ao trocarem-na colocaram o dito material mais sólido com uma altura acrescida de aproximadamente mais 2 metros, tapando esta quase na sua totalidade as janelas do 1º Piso. 39- Ora, tendo ou não a vedação sido intencionalmente rasgada ou esburacada, tal facto não justifica a aplicação aos aqui recorrentes de uma pena, a qual não se encontra regulamentada no nosso Direito Penal. 40- Tendo a douta Sentença recorrida, violado também o artigo 345.º do Código Penal, que refere que a ninguém é lícito fazer justiça com as próprias mãos, salvo os casos expressamente previstos na lei.” 41- Logo, não há justificação legítima para a decisão de construção da vedação em causa nos autos, não podendo consequentemente a mesma ser atendível. 42- Mais uma vez, andou mal o Mmº. Dr. Juiz a quo quando invoca o principio do “Tu quoque” a favor dos recorridos, para justificar o indeferimento/ exclusão do pedido cível formulado pelos aqui recorrentes demandantes, não por os danos não se encontrarem provados, 43- Mas por estes terem na “opinião do Mmº. Dr. Juiz a quo sido os causadores dos mesmos, pois quem violou normas jurídicas e regulamentares, abusivamente e depois pretende se prevalecer das mesmas para justificar os danos causados pela sua ilícita conduta são os recorridos/ demandados e não os demandantes, tendo mais uma vez feito uma má interpretação da prova provada. 44- Há clara contradição entre a prova na qual assentou a decisão do douto tribunal a quo e os fundamentos de facto e a decisão, que tendo os mesmos como alicerce, foi proferida nos autos, ou seja, da prova documental junta aos autos e bem assim da prova testemunhal, que se encontra documentada em suporte áudio, não resultam preenchidos os pressupostos fácticos para o Mmº. Dr. Juiz a quo condenar os Recorrentes civilmente, numa pena criminal inexistente, 45- A nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil, ocorre quando se verifica um vício real no raciocínio expedido pelo julgador que leve a que se conclua em sentido oposto ou diferente de toda a lógica expressa na formação da decisão, 46- o que nos parece ser o caso na questão em apreço, pois o julgador na sua decisão entende que dos factos assentes resulta estarem provados factos relevantes de um direito legal e atendível, dos recorridos, quando o mesmo é ilegal, por ter sido exercido contra lei expressa e consequentemente em excesso manifesto. 47- Face ao exposto terá que se declarada nula a Douta Sentença recorrida, com todas as legais consequências. 48- Ora, tal omissão, atenta a sua importância, resultou numa decisão desconforme à prova documental e testemunhal junta aos autos e analisada na audiência, porquanto, do supratranscrito resulta claramente que o Mmo. Dr. Juiz não atentou na prova produzida, como lhe competia. 49- Face, ao exposto padece a douta sentença recorrida do vício de ilegalidade. 50- Pelo que teremos que concluir que é exigível que se proceda a um controlo sobre a matéria de facto julgada na fase da audiência final, nos termos do artigo 640.º do C.P.C., 51- Para que a decisão recorrida seja reponderada, tendo em conta a prova documental e a prova gravada que se encontra junta aos autos e na qual o Mmº. Dr. alega ter baseado a sua convicção e a uma correta aplicação do direito ao caso sub judice.» O Recorrido apresentou contra-alegações sustentando que o recurso deverá ser julgado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida, já que: - não existe um direito geral de vistas; - aos RR assiste o direito de proteger a respetiva privacidade e o direito de tapagem do prédio; - as janelas e varandas dos AA estão construídas em contravenção com o artigo 73.º do RGEU; - não se verifica excesso na vedação colocada. As questões suscitadas nas conclusões da alegação do recurso[1] são as seguintes: i) da nulidade da sentença; ii) do controlo sobre a matéria de facto julgada na audiência final; iii) do direito dos AA à demolição do muro construído pelos RR na confrontação com o prédio daqueles e à imposição aos RR de se absterem de impedir o direito de vistas, de maior insolação e luminosidade do prédio dos AA; iv) do abuso do direito pelos RR. III – Fundamentos A – Os factos provados em 1.ª Instância 1- Os AA. são donos do prédio urbano situado em ..., ..., Urbanização ..., constituído por 2 pisos composto no rés-do-chão, por 2 compartimentos, cozinha, casa, terraço, garagem e logradouro e no primeiro andar, composto por 3 compartimentos, 2 casas de banho e 2 varandas, com a área total de 360 m2, que se encontra inscrito na matriz predial urbana ...15, e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...28 (resposta ao artº 1º da p.i.). 2- Tal prédio encontra-se registado definitivamente a seu favor pela inscrição AP. ...47 de 2019/02/2019, na Conservatória do Registo Predial ... (resposta ao artº 2º da p.i.). 3- O Prédio dos Autores está descrito como confrontando do Norte com arruamento, do Nascente com arruamento, do Sul com Câmara Municipal de ... e do Poente com o Lote ...2 (resposta ao artº 3º da p.i.). 4- Os Réus são donos do prédio urbano situado em ..., ..., Urbanização ... (resposta ao artº 4º da p.i.). 5- O Prédio dos Réus está registado como confrontando do Norte com arruamento, do Nascente com o Lote ...3, do Sul com Câmara Municipal de ... e do Poente com o lote ...1 (resposta ao artº 5º da p.i.). 6- Os AA. vieram viver para Portugal em maio de 2018 e estiveram a viver em ... até encontrarem esta casa, em fevereiro de 2019 (resposta aos artigos 6º e 6º da p.i.). 7- Após adquirirem o prédio identificado em 1 destes factos provados, os AA. mudaram-se para o mesmo, onde passaram a residir (resposta ao artº 8º da p.i.). 8- Inicialmente a sua relação com os RR. era uma relação de vizinhança sem problemas (resposta ao artº 9º da p.i.). 9- No dia 18 de outubro de 2020, os RR, para impedir a devassa da sua propriedade pelos AA., aplicaram na rede de arame verde de malha larga já existente, com a altura de 2 metros (assente num murete com 1,18 m, medidos a partir da cota do passeio, num total de 3,18m), uma rede de sombra, espessa, cuja altura se situou a meio da rede existente, sendo que, perante as queixas da Ré mulher de que queria ter privacidade, e após os RR. aplicarem essa rede de sombra, a A. colocou uma vedação em bambu do seu lado (resposta aos artigos 11º, 12º, 20º e 21º da p.i. e 37º a 39º e 44º da contestação). 10- Com a Pandemia, os AA. tiveram a família em confinamento na sua casa, passando a residir na casa cinco pessoas, em vez de apenas o casal, o que sucedeu entre 17 de março e junho de 2020 (resposta aos artigos 13º e 14º da p.i.). 11- A A. continuou a abrir as suas persianas e a utilizar a zona exterior da sua casa (resposta ao artº 16º da p.i.) 12- Passou a haver um conflito entre os Réus e os Autores e familiares destes (resposta aos artigos 17º a 19º da p.i.). 13- Os Autores, descontentes com esta situação, pois deixaram de ter tanta luz na sua casa como antes, apresentaram reclamação, no dia 05 de novembro de 2020, na Câmara Municipal de ..., por acharem que a vedação violava a lei (resposta ao artº 22º da p.i.). 14- Tendo recebido da Câmara Municipal, no dia 04 de abril de 2021, a informação que constitui o documento cuja cópia se encontra junta como documento nº ... da p.i., e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, mas que refere, nomeadamente: “De acordo com o disposto no artigo 6.º do RMUE de ... “os muros e vedações entre particulares no interior dos terrenos não podem exceder 1,80m de altura a contar da cota natural dos terrenos que vedam, não se considerando os aterros que eventualmente venham a ser feitos e alterem as cotas naturais”, contudo”(...) podem ser permitidas vedações com a altura máxima de 2,5m, em sebes vivas, arades ou arame.” (resposta ao artº 23º da p.i.). 15- Tendo sido feito na informação do técnico superior da Câmara Municipal de ... aos que: “Face ao exposto sugere-se que o proprietário do Lote ...2, seja notificado para que proceda à redução da altura da vedação em rede até 2,5 m de altura (medidos a partir da cota do passeio), e da área com rede revestida a “rede de sombra” verde até à altura máxima de 1,20m medido no interior do lote (semelhante à altura do muro que consta no processo inicial, descrito no ponto 7)” (resposta ao artº 24º da p.i.). 16- Os RR. foram notificados do expediente emanado da Câmara Municipal, a que responderam, mas nada fizeram então em relação à sua vedação (resposta aos artigos 25º da p.i. e 54º da contestação). 17- Foi apresentada queixa pelos AA., contra os RR., dando origem ao NUIPC 246/21...., que veio a ser arquivado (resposta aos artigos 27º e 28º da p.i.). 18- Como os RR. nada fizeram quanto à vedação após a notificação recebida da Câmara Municipal, e apesar dos AA. continuarem a apresentar reclamações à Câmara, sendo que a situação se mantinha, os AA. decidiram procurar uma Advogada que dirigiu aos RR. a carta que se encontra junta com a p.i. como documento nº ...0, mas os RR. nada fizeram e não deram qualquer resposta (resposta aos artigos 30º e 31º da p.i.). 19- Os RR., no dia 13 de agosto de 2021 decidiram substituir a vedação, colocando uma outra, em chapa de metal, na parte em que o seu prédio confina com o dos AA., a qual, segundo atestaram os técnicos da Câmara Municipal, teria uma aproximada “equivalente a dois pisos” (resposta aos artigos 32º e 33º da p.i.). 20- Quando os AA. chamaram a atenção aos RR. de que consideravam que o que estes estavam a fazer era ilegal, os RR. reagiram com contrariedade, instando os AA. a não tocar na vedação (resposta ao artº 34º da p.i.). 21- Desde a implantação desta vedação em metal, os AA. sentem-se emparedados dentro da sua própria casa, o que lhes tem causado perturbação, pois ao olharem pela janela dos seus quartos, do escritório e do terraço da sua casa do lado que com confronta com a casa dos RR., o que veem é a vedação colocada pelos RR., em toda a extensão dessa confrontação (resposta aos artigos 35º e 36º da p.i.). 22- Pedindo a intervenção da Câmara Municipal para esclarecer a ilegalidade da vedação, os AA. apresentaram junto da Câmara Municipal sete reclamações (resposta aos artigos 40º e 41º da p.i.). 23- Os AA. receberam no dia 18 de novembro de 2021 nova resposta da Câmara Municipal, datada de 12 de novembro de 2021, que refere o seguinte: “1) Apresentou o Sr. AA em 5/11/2020 (reg....99), na qualidade de proprietário da moradia existente no Lote ...3, da urbanização identificada em epigrafe, uma reclamação relativamente à vedação existente no Lote ...2, a norte da sua propriedade. 2) No seguimento, a fiscalização deslocou-se ao local e verificou a existência de uma vedação em rede (com aprox. 2m de altura), assente num murete, com aprox. 1,18m (medidos a partir da cota do passeio), totalizando uma altura de aprox. 3,18m (medido a partir da cota do passeio). 3) A rede referida no ponto 2, encontrava-se revestida a "rede de sombra" verde, ate meia altura. 4) Foram notificados os proprietários do Lote ...2 (através do oficio n.º...33, de 26/03/ 2021), para que procedessem a correção da altura da vedação, de acordo com descrito no artigo 6.º do RMUE de ... e de acordo com a informação presente no projeto licenciado (com as dimensões descritas na informação n.º...46 de 17/12/2020). 5) No seguimento da notificação descrita no ponto 4, os proprietários do Lote ...2, alegaram que a vedação por eles instalada visava garantir a privacidade da sua propriedade, uma vez que a moradia sita no Lote ...3, não respeita os afastamentos legais aos limites do lote (segundo informaram os exponentes). 6) Face ao exposto no ponto 5, o fiscal deslocou-se ao local e verificou que nem a moradia do Lote ...2, nem a moradia do Lote ...3 cumpriam com os afastamentos que constavam no projeto licenciado. Após a análise da informação recolhida, subsequente das várias queixas apresentadas, verificou-se que: a) O afastamento ao limite do lote, entre as duas edificações, é menor do que o previsto na planta de implantação; b) A edificação sita no Lote ...2, foi ampliada ao nível do piso térreo, para norte, com a construção de um compartimento, aparentemente destinado a arrumes, com aprox. 22m2, e cobertura em chapa metálica; c) Foi construído um telheiro no Lote ...3, com a área de 4,06m 2, obra essa que corresponde a uma obra de escassa relevância conforme previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 6.º-A do RJUE, na redação em vigor. 7) Na presente data verificou-se que o proprietário do Lote ...2 havia instalado uma chapa metálica, no local onde em tempos existia a vedação descrita no ponto 2, com uma altura equivalente a 2 pisos (aprox.). 8) Atendendo que o alvará de loteamento n.° 16/88, não apresenta polígono de implantação, área de construção e área de implantação, sugere-se que os requentes e os exponentes sejam notificados, para no prazo de 30 dias: a) Lote ...2: - Remover a chapa metálica instalada entre ambos os lotes (descrita no ponto 7), por apresentar uma altura, entre vizinhos, superior ao previsto no artigo 6.º do RMUE de ...; - Dar cumprimento ao despacho proferido pelo Sr. Presidente em 22/03/2021, à inf. n.º...46, da DULF-UTOP (Fiscalização), transmita através do oficio n.º ...33, de 26/03/2021, designadamente:"(...) proceder à redução da altura em rede até 2,5m de altura (medidos a partir da cota do passeio), e da área com rede revestida a "rede sombra" verde até altura máxima de 1,2m medido no interior do lote(...)"; - Apresentar projeto de legalização das alterações detetadas e indicadas nas alíneas a) e b) do ponto 6, ao abrigo do artigo 102.º-A do RJUE, na redação em vigor. Alerta-se desde já que, não são admitidas construções precárias e coberturas em chapa metálica, por não dignificarem, nem valorizarem esteticamente a urbanização onde se inserem, nos termos dos artigos 121.º e 122.º do RGEU; - Deverão os proprietários encontrar uma solução "não construída", que garanta a sua privacidade, como por exemplo velas de sombreamento, sebe viva, trepadeiras, vegetação alta, entre outros. b) Lote ...3: - Deverá apresentar o projeto de legalização das alterações detetadas e indicadas na alínea a) do ponto 6 ao abrigo do artigo 102.º-A do RJUE, na redação em vigor” (resposta ao artº 42º da p.i.). 24- Toda esta situação tem causado desgosto e angústia e uma sensação de clausura aos Autores, que se sentem privados de disfrutar plenamente do seu prédio, incluindo da luz, do sol e das vistas das suas janelas e do seu jardim (resposta aos artigos 43º, 47º, 52º, 53º, 60º e 62º da p.i.). 25- A A. deixou de usar o seu escritório e desgosta-a olhar pelas janelas e ver a vedação em chapa, tendo chegado a procurar ajuda médica e a tomar medicação, despendendo com isso €80 (resposta aos artigos 48º a 51º da p.i. e 63º a 65º da contestação). 26- Na parte do prédio dos Réus, que confronta com o lote ...1, os Réus não construíram vedação como a construída na confrontação com os AA. (resposta ao artº 54º da p.i.). 27- A propriedade dos Réus não tem portão para a rua, estando o acesso ao seu lote completamente aberto (resposta ao artº 55º da p.i.). 28- Os RR. não são casados, vivendo em união de facto e sendo comproprietários do Lote ...2 (resposta ao artº 6º da contestação). 29- Os RR. nunca tiveram problemas com os anteriores proprietários do prédio agora propriedade dos AA., nem com os restantes vizinhos (resposta ao artº 8º da contestação). 30- Os AA., para alem dos RR., já entraram em conflito com outros vizinhos (resposta ao artº 9º da contestação). 31- A fachada do prédio dos AA. virada para a propriedade dos RR., apresenta a configuração exibida na figura inserida no artº 11º da contestação, com: -no rés-do-chão: 2 conjuntos de portas envidraçadas, uma vale a e uma porta à esquerda, e uma janela nova à direita, que não consta do projeto aprovado pela Câmara Municipal de ..., mas que foi posteriormente aprovada. -1º andar; uma varanda com duas portas grandes envidraçadas, varanda que dista a cerca de dois metros da linha divisória dos prédios, e duas janelas que se abrem totalmente permitindo que os AA. se assomem e nelas introduzam cabeça e espreitem para o prédio dos RR. (resposta ao artº 11º da contestação). 32- As janelas encontram-se a cerca de 4 metros de distancia da linha divisória dos prédios e a varanda a cerca de dois metros, e todas deitam diretamente para o prédio dos RR. (resposta ao artº 12º da contestação). 33- A fachada da casa dos RR. apresenta a configuração constante do desenho inserido no artigo 13º da contestação, tendo apenas duas janelas basculantes que não permitem assomar a cabeça e distam entre 3 e 4 metros de distancia da linha divisória entre ambos os prédios (resposta ao artº 13º da contestação). 34- O prédio dos AA. está a uma cota do terreno mais baixa que o prédio dos RR. (resposta ao artº 15º da contestação). 35- Quem sentiu necessidade de criar barreiras que não permitem a devassa de objetos e de vistas, foram os RR., não os AA. (resposta ao artº 17º da contestação). 36- Os prédios, antes da colocação da rede de sombra e das chapas para vedação de muros, apresentavam-se como ilustram as fotos juntas como documentos nºs 1A e 1B da contestação, separados por muros e uma rede de arame verde de malha larga instalada em suportes metálicos (resposta ao artº 20º da contestação). 37- Essa rede de arame verde de malha larga, fora colocada anos antes e quando os AA. compraram a moradia, já existia (resposta ao artº 21º da contestação). 38- Os AA, a determinada altura, começaram a meter-se na vida dos RR., estando sempre espreitar para a casa e quintais dos RR. e filmando-os (resposta ao artº 22º da contestação). 39- Para alem dos RR., filmavam o filho dos RR. e os amigos deste, sendo que se trata de um jovem que tinha 13 anos quando começou a ser espiado e filmado (resposta ao artº 24º da contestação). 40- O filho dos RR., pressionado pelos AA. por se sentir vigiado e filmado, teve de socorrer-se de apoio psicológico, apresentando um quadro de ansiedade e depressão (resposta ao artº 25º da contestação). 41- Devido à pandemia, o filho dos RR. foi obrigado a permanecer na sua casa, tendo de assistir às aulas por teleconferência, pelo que se sentia ansioso e deprimido por não poder gozar o seu jardim em paz, o que aumentou a pressão do menor, que estando sempre em casa, era constantemente vigiado pelos AA. (resposta aos artigos 27º e 28º da contestação). 42- Também outros vizinhos, designadamente EE e sua mulher FF, se desentenderam com os AA., o que ocorreu por se terem apercebido de que o A. estava a filmar a vizinha FF, tendo esta chamado a GNR que esteve no local e verificou as gravações (resposta aos artigos 31º e 32º da contestação). 43- Nos últimos tempos, a A. mulher, segue a Ré, mesmo fora da sua casa, até ao ecoponto ou aos contentores do lixo colocados fora da moradia (resposta ao artº 33º da contestação). 44- A filha dos AA. chegou, em março de 2020, a pedir ajuda a uma vizinha para encontrar alojamento uma vez que não aguentava permanecer na companhia dos AA. (resposta ao artº 35º da contestação). 45- A rede de sombra que havia sido colocada na rede metálica verde que já existia apareceu toda cortada e furada do lado dos AA para o lado dos RR. (resposta aos artigos 41º, 42º e 81º da contestação). 46- Assim, os RR. entenderam que, não bastaria uma simples rede de sombra e decidiram substituir esta por uma vedação com chapas próprias para vedação de muros, de cor ... (resposta ao artº 43º da contestação). 47- Tal como a rede de arame e a rede de sombra, a vedação em chapa, foi colocada no muro da propriedade dos RR. e não tem janela, varanda, ou aberturas de qualquer natureza, tratando-se de uma solução de construção sem aberturas para o prédio dos AA. e distando a cerca de 2 metros da varanda dos AA. e 4 metros das janelas (resposta aos artigos 45º e 46º da contestação). 48- Estando as chapas colocadas a mais de metro e meio das varandas e janelas dos AA. (resposta aos artigos 47º e 104º da contestação). 49- A moradia dos AA está, ainda, virada para duas ruas e ainda para um lote vazio, pelo que tem vistas para três lados e recebe ar e luz de três lados (resposta ao artº 49º da contestação). 50- Só a colocação da vedação em chapa branca, parou a constante devassa do prédio dos RR. pelos AA. (resposta aos artigos 50º e 51º da contestação). 51- Os RR foram notificados pela Câmara Municipal de ... no dia 18.11.2021, de uma informação, sendo-lhe dado prazo para se pronunciarem, o que fizeram (resposta ao artº 54º da contestação). 52- Os restantes vizinhos não se comportam como os AA., não tendo os RR. sentido necessidade de levantar qualquer tipo de construção que não permita a devassa da sua propriedade (resposta ao artº 79º da contestação). B – As questões do Recurso Questão prévia Os Recorrentes juntam 5 documentos às alegações do recurso. Os Recorridos incluem documentos (fotos) nas contra-alegações do recurso. Nos termos do disposto no artigo 651.º, n.º 1, do CPC, as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso da junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância. O artigo 425.º do CPC, por sua vez, determina que depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento. A apresentação da prova documental encontra-se regulada desde logo no artigo 423.º do CPC, nos seguintes termos: 1 - Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes. 2 - Se não forem juntos com o articulado respetivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado. 3 - Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior. Consagra-se, assim, o ónus de provar os factos alegados em fundamento da ação e da defesa e o dever de apresentar ab initio os documentos que os provem com o articulado em que a alegação seja feita. Não sendo junto o documento a par da alegação do facto probando, a admissão dele em momento posterior está condicionada ao regime legal citado. Conforme vem sendo unanimemente apontado[2], da concatenação destas normas decorre que a junção de documentos em sede de recurso (junção que é positivamente considerada apenas a título excecional) depende da alegação e da prova, pelo interessado nessa junção, de uma de duas situações: (1) a impossibilidade de apresentação do documento anteriormente ao recurso, alicerçada na remissão do artigo 651.º, n.º 1, para o artigo 425.º; (2) ter o julgamento da primeira instância introduzido na ação um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional, que até aí, ao julgamento em primeira instância, se mostrava desfasada do objeto da ação ou inútil relativamente a este. Ora, a superveniência dos documentos, que o apresentante tem de invocar e demonstrar, pode ser objetiva, nos casos em que o documento só foi produzido em momento posterior ao do encerramento da discussão, ou subjetiva, quando o documento, apesar de já existir, só chegou ao conhecimento da parte depois desse momento. Estão, assim, em causa, documentos objetiva ou subjetivamente supervenientes, pelo que resulta afastada a admissibilidade da junção de documento que a podia e devia ter sido junto na 1.ª instância. No que concerne à superveniência subjetiva, não basta invocar que só se teve conhecimento da existência do documento depois do encerramento da discussão em 1ª instância, mas que o desconhecimento não deriva de culpa sua, salvaguardando assim que lhe seja imputada incúria ou falta de diligência.[3] Todavia, só são atendíveis razões das quais resulte a impossibilidade daquela pessoa, num quadro de normal diligência referida aos seus interesses, ter tido conhecimento anterior da situação ou ter tido anteriormente conhecimento da existência do documento. No caso em apreço, não vem invocado qualquer fundamento que legitime a junção dos documentos na instância de recurso. Por conseguinte, não se tomará conhecimento dos documentos juntos. i) Da nulidade da sentença As nulidades típicas da sentença, que se reconduzem a vícios formais decorrentes de erro de atividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal e que se mostrem obstativos de qualquer pronunciamento de mérito[4], encontram-se elencadas no artigo 615.º/1, do CPC. Nos termos do disposto no artigo 607.º, n.º 4, do CPC, na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas por lei ou por regras de experiência. É que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras – artigo 608.º, n.º 2, do CPC. Os Recorrentes aludem à alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC e invocam que a sentença incorreu em “contradição entre a prova na qual assentou a decisão (…) e os fundamentos de facto e a decisão”, que “da prova documental junta aos autos e os factos dados como provados não resultam preenchidos os pressupostos fácticos nem legais para atribuição de direitos aos RR Recorridos.” Ora vejamos. A contradição entre os fundamentos e a decisão prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC verifica-se quando a construção da sentença é viciosa, uma vez que os fundamentos referidos conduziriam logicamente, não ao resultado expresso, mas a uma decisão de sentido oposto; ocorre quando a decisão briga com o fundamento, está em oposição com ele[5], quando o fundamento repele a decisão. O que não se alcança na sentença proferida. Na verdade, os motivos avançados pelos Recorrentes reconduzem-se, antes, à discordância relativamente ao sentido da decisão, o que não releva para efeitos de invalidade da sentença. Termos em que não se acolhe a alegação relativamente a tal questão. ii) Do controlo sobre a matéria de facto julgada na audiência final Os Recorrentes afirmam “que é exigível que se proceda a um controlo sobre a matéria de facto julgada na fase da audiência final, nos termos dos artigos 640.º do C.P.C.”. Nos termos do n.º 1 do artigo 640.º do CPC, quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. O n.º 2 de tal preceito, por sua vez, estabelece que no caso previsto na al. b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; Trata-se de um regime espartano, que estabelece quais são os requisitos formais das alegações de recurso em que seja colocada em crise a decisão sobre a matéria de facto. Tem em vista definir concretamente o que está sujeito a instância recursional e aquilo que resulta cristalizado e imutável, transitado em julgado. Dele decorre que a matéria de facto provada apenas há de ser colocada em causa na medida em que seja expressamente indicado pelo recorrente, não bastando mera alusão encapotada; só assim, aliás, se possibilita o exercício do contraditório de modo pleno e eficaz. Como se salienta em Acórdão desta Relação[6], «essa disposição impõe a indicação concreta dos pontos de facto a alterar e dos meios probatórios relevantes para tal alteração, com indicação dos depoimentos em que se funda a impugnação, por referência ao assinalado na ata. É necessário que haja uma indicação especificada dos pontos de facto a alterar – i.e., tem de haver uma indicação ponto por ponto (facto a facto/quesito a quesito) do que deve ser alterado, em que sentido (resposta positiva, negativa ou restritiva) e com que particular fundamento, com referência a concretos trechos de depoimentos, embora sem necessidade de transcrição (ou outros meios probatórios) (cfr. Lebre de Freitas et alii, Código de Processo Civil Anotado, vol. 3.º, Coimbra Editora, Coimbra, 2003, págs. 53-55).» Como é sabido, a jurisprudência que vem sendo consolidada pelo STJ no que respeita ao sentido e alcance do regime inserto no artigo 640.º do CPC assenta, designadamente e no que aqui importa salientar, nos seguintes vetores: - no recurso de apelação em que seja impugnada a decisão da matéria de facto é exigido ao recorrente que concretize os pontos de facto que considera incorretamente julgados, especifique os concretos meios probatórios que imponham uma decisão diversa, relativamente a esses factos, e enuncie a decisão alternativa que propõe[7]; - servindo as conclusões para delimitar o objeto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objeto de impugnação; quanto aos demais requisitos, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso[8]; - na impugnação da decisão de facto, recai sobre o recorrente “um especial ónus de alegação”, quer quanto à delimitação do objeto do recurso, quer no que respeita à respetiva fundamentação[9]; - na delimitação do objeto do recurso, deve especificar os pontos de facto impugnados; na fundamentação, deve especificar os concretos meios probatórios que, na sua perspetiva, impunham decisão diversa da recorrida (artigo 640.º, n.º 1, do CPC) e, sendo caso disso (prova gravada), indicando com exatidão as passagens da gravação em que se funda (artigo 640.º, n.º 2, alínea a), do CPC)[10]; - a inobservância do referido na al. anterior é sancionada com a rejeição imediata do recurso na parte afetada[11]; - o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa[12] - não observa o ónus estabelecido no artigo 640.º do CPC o recorrente que identifica os pontos de facto que considera mal julgados, mas se limita a indicar os depoimentos prestados e a listar documentos, sem fazer a indispensável referência àqueles pontos de facto, especificando os concretos meios de prova que impunham que cada um desses pontos fosse julgado provado ou não provado[13]; - o incumprimento de tais ónus – prescritos para a delimitação e fundamentação do objeto do recurso de facto – impedem a Relação de exercer os poderes-deveres que lhe são atribuídos para o respetivo conhecimento[14]. Compulsada a peça recursória que impulsionou a presente instância, constata-se que não são indicados concretos pontos de facto considerados incorretamente julgados, nem concretos meios probatórios a atender, nem segmentos factuais que se pretendam ver afirmados. Por conseguinte, nenhum controlo cabe realizar ao rol dos factos considerados provados em 1.ª Instância. iii) Do direito dos AA à demolição do muro construído pelos RR na confrontação com o prédio daqueles e à imposição aos RR de se absterem de impedir o direito de vistas, de maior insolação e luminosidade do prédio dos AA Os Recorrentes insurgem-se contra o exercício, pelos Recorridos, do direito consagrado no artigo 1356.º do CC. Nos termos de tal disposição legal, a todo o tempo, o proprietário pode murar, valar, rodear de sebes o seu prédio, ou tapá-lo de qualquer modo. Donde, o proprietário de determinando prédio não pode legitimamente ter a expectativa de o prédio confinante não ser, a todo o tempo, murado ou tapado de qualquer modo. Nas palavras de Pires de Lima e Antunes Varela[15], “O direito de tapagem ou de vedação (…) constitui uma das faculdades inerentes ao direito de propriedade. E é uma faculdade de tal modo indiscutível como meio de assegurar a exclusividade da fruição (…) que os autores chegam a considerar ingénua a disposição que atribui ao proprietário o direito de vedar o seu prédio. Não deixam, porém, os mesmos autores de salientar um efeito importante que resulta da atribuição legal do direito: a impossibilidade de o ato de vedação ou tapagem ser atacado como emulativo com o fundamento de haver o intuito, por parte do proprietário, de causar dano a terceiro.” Decorre, pois, do direito de propriedade o direito a vedar o prédio com vista ao exclusivo gozo e fruição do prédio. Destinando-se a assegurar valores de ordem pública, designadamente a segurança, a estética e a salubridade, e a salvaguardar sãs relações de vizinhança entre proprietários de prédios contíguos, à liberdade conferida pelo Código Civil no âmbito do direito de tapagem correspondem, no campo do direito público, limitações, que respeitam especialmente à altura das vedações.[16] Assim, cumpre levar em linha de conta o que consta do Regulamento Municipal de Urbanização, Edificação, Taxas e Compensações Urbanísticas do Município de ..., designadamente do artigo 6.º, com o seguinte teor: 1 - Os muros de vedação entre particulares no interior dos terrenos não podem exceder 1,80m de altura a contar da cota natural dos terrenos que vedam, não se considerando os aterros que eventualmente venham a ser feitos e alterem as cotas naturais. 2 - Sem prejuízo do previsto no número anterior, podem ser permitidas vedações com altura máxima de 2,5m, em sebes vivas, grades ou arame. 3 - Não é permitido o emprego de arame farpado em vedações nem a colocação de fragmentos de vidro, lanças, picos, etc., no coroamento de muros de vedação confinantes com a via pública. Em face de tal regime de âmbito urbanístico, o proprietário de prédio urbano sito no município de ... não pode legitimamente ter a expectativa de o prédio confinante não ser, a todo o tempo, murado ou tapado de qualquer modo, desde que não exceda 1,80m de altura a contar da cota natural do terreno que veda, as vedações não ultrapassem 2,5m em sebes vivas, grades ou arame. Termos em que não assiste aos AA o direito a oporem-se à vedação, pelos RR, do seu prédio até 1,80m de altura a contar da cota natural do terreno destes. Aos RR, por seu turno, não assiste o direito a implantarem vedação superior a 1,80m, salvo se se tratar de sebes vivas, grades ou arame, até a altura máxima de 2,5m. O que implica se acolha a pretensão esgrimida no presente recurso no que excede a vedação de 1,80m contados da cota natural do prédio dos RR, a qual se afere a partir da cota do passeio. Não está legalmente consagrado qualquer direito de vistas que obste ao exercício do direito de tapagem em conformidade com os regulamentos de índole urbanística. Não se desconhece a inovadora jurisprudência plasmada no Ac. do STJ de 28/10/2008[17], acolhida em subsequentes decisões de Tribunais Superiores, citadas na decisão recorrida.[18] Fazendo apelo ao “direito à insolação – no sentido da exposição ao sol – que se integra no direito à saúde, na vertente de direito de personalidade, na estrita medida em que a exposição solar, com ponderada moderação, tem efeitos terapêuticos físicos e psicológicos”, considerou-se ser de compatibilizar os direitos em colisão: o direito de vedação com “o direito a receber sol pelo recorrente”, que “veio do Reino Unido – um país consabidamente com deficit de insolação – após a sua reforma, para fruir o “o bom tempo”, ou seja, “o sol, mergulhando e nadando na piscina e usufruindo o jardim”. Então, concluiu-se que “o direito à insolação do recorrente prevalece sobre o direito de tapagem dos recorridos, por ali estar em causa o direito à saúde e, em concreto, se verificar a anterioridade”, “condenando-se os Réus a baixarem o muro divisório, na parte da rede ou tornando-o não compacto, em termos de permitir a passagem dos raios solares.”[19] Afigura-se, salvo o devido respeito, inexistir o propalado direito à insolação. O direito à saúde, inerente a todo o indivíduo, constitui um direito constitucionalmente garantido. Embora a saúde individual possa beneficiar da exposição solar, certo é que tal benefício não é assegurado a todo e qualquer indivíduo. Não é assegurado pelo Estado. Não é assegurado a quem quer que seja à custa da compressão do exercício de direitos de propriedade pelo respetivo titular. Cabe a cada um prover, se assim entender, pelos meios que tenha a seu dispor e no âmbito da amplitude geográfica em que se possa movimentar, pela adequada e conveniente exposição solar, seja na sua janela, varanda, jardim ou logradouro, seja no jardim, paredão ou passadiço públicos, etc.. Também as edificações, designadamente as destinadas a habitação, os jardins e logradouros beneficiam se forem alcançados pelos efeitos da luz e raios solares. Porém, a exposição solar não é assegurada às edificações, ainda que destinadas a habitação, nem a jardins ou logradouros. Aquela depende, para além do mais, da orientação da parcela onde esteja implantada a edificação, do concreto local de implantação da edificação na parcela, da inserção da parcela em perímetro urbano, da tipologia das edificações admitidas nesse perímetro, da altura das vedações permitidas erigir nos prédios contíguos. Não existe, pois, no direito positivo, o direito à insolação, seja em conexão com direitos de personalidade seja em conexão com o direito de propriedade sobre bens imóveis. Inexistindo o direito, não se coloca a questão de o compatibilizar com o direito de tapagem consagrado no artigo 1356.º do Código Civil. iv) Do abuso do direito pelos RR O instituto do abuso do direito está consagrado no artigo 334.º do CC. Nos termos daquele preceito, é ilegítimo o exercício do direito quando exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito. Por via deste regime, “a lei procura obter um controlo ou uma moderação do poder, fazendo com que o exercício do direito subjetivo por parte do seu titular se efetue dentro do quadro resultante do fim para o qual foi atribuído. O instituto do abuso do direito representa o controlo institucional da ordem jurídica quanto ao exercício dos direitos subjetivos privados, garantindo a autenticidade das suas funções.”[20] Estão em causa “os direitos exercidos em termos clamorosamente ofensivos da justiça, (…) as hipóteses em que a invocação e aplicação de um preceito da lei resultaria no caso concreto intoleravelmente ofensiva do nosso sentido ético-jurídico embora lealmente se aceitando como boa e valiosa para o comum dos casos a sua estatuição”[21]. “Há abuso de direito, segundo a conceção objetiva aceite no artigo 334.º, sempre que o titular o exerce com manifesto excesso dos limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim económico ou social desse direito. Não basta que o exercício do direito cause prejuízos a outrem. (…) Para que o exercício do direito seja abusivo, é preciso que o titular exceda manifestamente os limites que lhe cumpre observar. Se, para determinar os limites impostos pela boa fé e pelos bons costumes, há que atender de modo especial às conceções ético-jurídicas dominantes na coletividade, a consideração do fim económico ou social do direito apela de preferência para os juízos de valor positivamente consagrados na própria lei. Não pode em qualquer dos casos afirmar-se a exclusão dos fatores subjetivos nem o afastamento da intenção com que o titular tenha agido, visto este poder interessar, quer à boa fé ou aos bons costumes, quer ao próprio fim do direito.”[22] A questão que importa colocar é a seguinte: “Não poderá a vedação ou tapagem do prédio constituir um abuso do direito de propriedade? Não é fácil admitir que o proprietário, ao vedar o seu prédio, abuse do seu direito, mesmo quando tenha em vista impedir que o vizinho o devasse com as suas vistas (cfr. artigo 334.º). O autor da vedação está, na verdade, a exercer um direito em harmonia ao fim social que a lei visa ao atribuir-lho, e que é precisamente o de lhe assegurar exclusivismo na fruição ou gozo da coisa. Teoricamente, porém, a possibilidade do abuso do direito tem de admitir-se. Será o caso, por exemplo, de o proprietário não ter nenhum interesse sério na vedação e procurar apenas fazer sombra na horta do vizinho ou prejudicar de outro modo as culturas do prédio contíguo.”[23] Compulsados os factos provados, constata-se que a atuação dos RR se enquadra no seguinte circunstancialismo: - os RR, e não os AA, sentiram necessidade de criar barreiras que não permitam a devassa de objetos e de vistas; - os AA, a determinada altura, começaram a meter-se na vida dos RR., estando sempre espreitar para a casa e quintais dos RR. e filmando-os; - os AA filmavam o filho dos RR. e os amigos deste, sendo que se trata de um jovem que tinha 13 anos quando começou a ser espiado e filmado; - o filho dos RR., pressionado pelos AA. por se sentir vigiado e filmado, teve de socorrer-se de apoio psicológico, apresentando um quadro de ansiedade e depressão; - devido à pandemia, o filho dos RR. foi obrigado a permanecer na sua casa, tendo de assistir às aulas por teleconferência, pelo que se sentia ansioso e deprimido por não poder gozar o seu jardim em paz, o que aumentou a pressão do menor, que estando sempre em casa, era constantemente vigiado pelos AA; - outros vizinhos, designadamente EE e sua mulher FF, se desentenderam com os AA., o que ocorreu por se terem apercebido de que o A. estava a filmar a vizinha FF, tendo esta chamado a GNR que esteve no local e verificou as gravações; - nos últimos tempos, a A. mulher, segue a Ré, mesmo fora da sua casa, até ao ecoponto ou aos contentores do lixo colocados fora da moradia; - a filha dos AA. chegou, em março de 2020, a pedir ajuda a uma vizinha para encontrar alojamento uma vez que não aguentava permanecer na companhia dos AA; - a rede de sombra que havia sido colocada na rede metálica verde que já existia apareceu toda cortada e furada do lado dos AA para o lado dos RR; - os RR. entenderam que não bastaria uma simples rede de sombra e decidiram substituir esta por uma vedação com chapas próprias para vedação de muros, de cor branca. Tal factualidade evidencia não terem os RR atuado movidos pelo único propósito de prejudicar os AA, pelo que não resulta afirmado o abuso do direito a vedar o prédio nos moldes permitidos pelo regulamento municipal. O quadro circunstancial aqui relatado evidencia, antes, terem os AA atuado de forma que raia a litigância de má-fé (cfr. artigo 542.º do CPC). Estando provado (e não tendo sido impugnado nas conclusões da alegação do recurso) que os Recorrentes, de forma ilícita e culposa, violam o direito à imagem e à intimidade da vida privada dos RR (cfr. artigos 70.º, 79.º e 80.º do CC), com relevância ainda no âmbito do direito penal (cfr. artigo 199.º do CP), a interposição de recurso com vista a obter a demolição do muro erigido para conter a relatada conduta ilícita e culposa só não é censurada no âmbito do referido instituto porque os Recorrentes aludiram à reapreciação da prova (embora de forma genérica, sem sucesso) e obtêm ganho no que excede a altura de 1,80m. Procedem, parcialmente, as conclusões da alegação do presente recurso. As custas recaem sobre os Recorrentes e Recorridos em partes iguais – artigo 527.º, n.º 1, do CPC. Sumário: (…) IV – DECISÃO Nestes termos, decide-se pela parcial procedência do recurso, em consequência do que se revoga a decisão recorrida no segmento em que estipula a contagem de 1,80 da vedação a partir do chão e naquele que determina a substituição da vedação acima de 1,80m por outra de material translúcido, condenando os RR a conformar a vedação existente até 1,80m contados da cota do passeio e a retirar a vedação que excede 1,80m que não seja sebe viva, grade ou arame até 2,5m, Mantendo-se, no mais, o decidido em 1.ª Instância. Custas pelos Recorrentes e Recorridos em partes iguais. * Évora, 25 de janeiro de 2024 Isabel de Matos Peixoto Imaginário Eduarda Branquinho Rosa Barroso __________________________________________________ [1] As conclusões da alegação do recurso é que definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso – cfr. artigos 637.º, n.º 2 e 639.º, n.º 1, do CPC. Por conseguinte, não cabe apreciar se existe fundamento para condenação dos RR a pagar indemnizações aos AA. [2] Cfr. Acs. TRC de 18/11/2014 (Teles Pereira); TRP de 21/11/2016 (Manuel Domingos Fernandes), entre outros. [3] Cfr. João Espírito Santo, O Documento Superveniente para efeito de recurso ordinário e extraordinário, pág. 47. [4] Ac. STJ de 23/03/2017 (Tomé Gomes). [5] Cfr. Alberto dos Reis, CPC anotado, vol. V, págs. 141 e 142. [6] Proferido a 04/11/2009 (Mário Serrano). [7] Ac. STJ de 01/10/2015 (Ana Luísa Geraldes). [8] Ac. STJ de 01/10/2015 (Ana Luísa Geraldes). [9] Ac. STJ de 22/09/2015 (Pinto de Almeida). [10] Ac. STJ de 22/09/2015 (Pinto de Almeida). [11] Ac. STJ de 22/09/2015 (Pinto de Almeida). [12] Ac. STJ 12/2023, de 14/11, uniformizador de jurisprudência. [13] Ac. STJ de 19/02/2015 (Maria dos Prazeres Beleza). [14] Ac. STJ de 19/02/2015 (Maria dos Prazeres Beleza). [15] CC Anotado, Vol. III, 2.ª edição, págs. 203 e 204. [16] Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., pág. 205. [17] Relatado por Sebastião Póvoas. [18] A jurisprudência releva para efeitos de interpretação e aplicação uniformes do direito (cfr. artigo 8.º/3, do CC), pois no sistema romano-germânico impõe-se ao Tribunal o dever de obediência à lei (cfr. artigo 8.º/1 e 2, do CC), o instrumento apto a consagrar direitos. [19] Salvo o devido respeito, não se alcança o concreto efeito da condenação, que determina de forma imprecisa o abaixamento do muro que se sabe tinha mais de 2 metros, parte dele tenha sido substituído por vedação com rede verde compacta – n.ºs 12 e 13 dos factos provados. [20] Heinrich Ewald Horster, A Parte Geral do Código Civil Português, Teoria Geral do Direito Civil, pág. 281. [21] Manuel de Andrade, Teoria Geral das Obrigações, pág. 63. [22] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, págs. 436 a 438. [23] Pires de Lima e Antunes Varela, ob. e loc. citados. |