Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
975/17.0T9EVR-A.E1
Relator: FÁTIMA BERNARDES
Descritores: COMUNICAÇÕES POR CORREIO ELETRÓNICO
COMUNICAÇÕES POR TELECÓPIA
PROPORCIONALIDADE
Data do Acordão: 05/24/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I. Nas comunicações com os tribunais, nomeadamente para envio de peças processuais, os intervenientes processuais, representados por advogado ou solicitador, podem utilizar o correio eletrónico, equivalendo essa comunicação à remessa por via postal registada, desde que a respetiva mensagem seja cronologicamente validada, mediante a aposição de selo temporal por entidade idónea.
II. A apresentação de peças processuais por correio eletrónico simples ou sem validação cronológica pode também ser efetuada; mas nesse caso é aplicável o regime estabelecido para o envio através de telecópia, devendo apresentar-se os originais do remetido na secretaria judicial no prazo de 10 dias contado do envio por telecópia.
III. A falta de entrega dos originais do referido prazo não implica a perda do direito de praticar o ato.
IV. A mais de tal preclusão não estar prescrita na lei, o princípio da proporcionalidade implica que deva convidar-se o requerente a entregar na secretaria as peças remetidas por correio eletrónico.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Évora:

1. RELATÓRIO
1.1. Nos autos n.º 975/17.0T9EVR, findo o inquérito, o Ministério Público proferiu despacho de acusação contra os arguidos aí identificados, entre eles os arguidos AAA e LDA, a quem imputou a prática, na forma consumada e continuada, de um crime de falsificação ou contrafação de documento p. e p. pelos artigos 30º, n.º 2, 79º e 256º, alíneas a), e) e f) e n.º 3, todos do Código Penal.
1.2. Inconformados com o despacho de acusação, os arguidos AAA e LDA, requereram a abertura de instrução, tendo o requerimento apresentado sido rejeitado, por despacho judicial proferido em 15/11/2021, ao abrigo do disposto no artigo 287º, n.º 3, do CPP, por os arguidos terem enviado tal requerimento por correio eletrónico, sem assinatura digital, nem validação cronológica, por entidade terceira idónea, tendo, por isso, o valor da telecópia e sem que tenham junto aos autos o respetivo original, no prazo legal de 10 dias.
1.3. Não se conformando com o assim decidido, recorreram os arguidos AAA e LDA para este Tribunal da Relação, apresentando a respetiva motivação e dela extraindo as seguintes conclusões:
«a) O requerimento foi apresentado atempadamente.
b) Inexiste sanção para a não remessa do original do email;
c) Ainda que fosse obrigatório no caso dos autos, o que não se concede.
d) Assim, deve o despacho recorrido ser substituído por outro que, por atempado, receba o requerimento.
e) Considerando-se essa necessidade, deve o despacho ser substituído por outro que determine essa apresentação.
Termos em que, dando provimento ao presente recurso V. Exas. estarão, como sempre, a fazer JUSTIÇA.»
1.4. O recurso foi regularmente admitido.
1.5. O Ministério Público, junto da 1ª instância, apresentou resposta ao recurso, pronunciando-se no sentido de dever ser negado provimento ao recurso e mantida a decisão recorrida, formulando, a final, as seguintes conclusões.
«1. Os arguidos apresentaram requerimento de abertura de instrução através de correio eletrónico com recurso ao servidos de correio eletrónico da Ordem dos Advogados no dia 18 de outubro de 2021.
2. Porém, do mesmo não consta assinatura eletrónica avançada, nem aposição de selo temporal por terceira entidade idónea, sendo que o original do referido requerimento não foi remetido ao tribunal no prazo de 10 dias legalmente imposto.
3. Assim violaram os arguidos o disposto no artigo 150.º, n.º 1, d) e n.º 2 do CPC, artigo 3.º, n.º 1 e 2 e 10 da Portaria n.º 642/2004, de 16.06, ex vide artigo 4.º do CPP, artigo 4.º do DL 28/92, de 27.02 e 6.º, n.º 1, b) do DL n.º 329-A/95, de 12.12.
4. É nosso entendimento que o referido requerimento para abertura de instrução deve ter-se por inexistente.
5. Pelo exposto entende-se que bem andou o Mm. JI ao rejeitar o requerimento de abertura de instrução apresentado, devendo manter-se o despacho proferido e pugnando-se pela improcedência do recurso ora apresentado pelos arguidos.
V. Exas, porém, com mais elevada prudência, decidirão, como for de JUSTIÇA!»
1.6. Neste Tribunal da Relação, o Exmº. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de o recurso dever ser julgado improcedente, acompanhando a resposta ao recurso do MP, na 1ª instância.
1.7. Cumprido o disposto no n.º 2 do artigo 417º do Código de Processo Penal, os recorrentes exerceram o direito de resposta, reiterando o alegado na motivação de recurso, concluindo nos mesmos termos.
1.8. Feito o exame preliminar e, colhidos os vistos legais, realizou-se a conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Delimitação do objeto do recurso
É consabido que as conclusões formuladas pelo recorrente extraídas da motivação do recurso balizam ou delimitam o objeto deste último (cfr. artigo 412º do CPP), sem prejuízo da apreciação das questões de natureza oficiosa.
Assim, no caso em análise, considerando os fundamentos do recurso, a única questão suscitada e que há que apreciar é a de saber se existe fundamento para que seja liminarmente rejeitado o requerimento de abertura de instrução apresentado pelos arguidos AAA e LDA.
Para que possamos apreciar a questão suscitada, importa ter presente o teor do despacho recorrido.

2.2. Decisão recorrida
O despacho recorrido tem o seguinte teor:
«(…)
Do requerimento de abertura de instrução:
A remessa a juízo de peças processuais através de correio electrónico é admissível nos termos do disposto no artigo 150.º, n.º 1, alínea d), e n.º 2, do Código de Processo Civil de 1961, na redacção do Decreto-Lei nº 324/2003, de 27.12, e na Portaria n.º 642/2004, de 16.06, aplicáveis conforme o disposto no artigo 4.º do Código de Processo Penal, em conformidade com o Acórdão do STJ n.º 3/2014, de 6-3-2014, publicado no DR, 1ª Série, de 15-4-2014, e, por interpretação a contrario, do artigo 2.º da Portaria n.º 280/2013, na sua redacção vigente.
Tal jurisprudência permanece aplicável às acções excluídas da Portaria n.º 280/2013, conforme o Acórdão do STJ, de 24-1-2018, nomeadamente na fase de inquérito/instrução.
De acordo com o art.º 17.º, da Portaria n.º 267/2018 de 20 de setembro, “O regime previsto na Portaria n.º 642/2004, de 16 de junho, é apenas aplicável aos atos praticados em processo penal antes da receção dos autos em tribunal a que se referem o n.º 1 do artigo 311.º e os artigos 386.º, 391.º -C e 396.º do Código de Processo Penal.”
A Portaria n.º 642/2004, de 16.06 regula a forma de apresentação a juízo dos actos processuais enviados através de correio electrónico, nos termos da alínea d) do nº 1 do artigo 150º do Código de Processo Civil.
Nos termos do art.º 3.º, n.º1, da mencionada Portaria, o envio de peças processuais por correio electrónico equivale à remessa por via postal registada, nos termos do nº 3 do artigo 6º do Decreto-Lei nº 290-D/99, de 2 de Agosto, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 62/2003, de 3 de Abril, bastando para tal a aposição de assinatura electrónica avançada.
De acordo com o n.º 2 do art.º 3.º da Portaria n.º 642/2004, de 16.06, “A expedição da mensagem de correio electrónico deve ser cronologicamente validada, nos termos da alínea u) do artigo 2º do Decreto-Lei nº 290-D/99, de 2 de Agosto, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 62/2003, de 3 de Abril, mediante a aposição de selo temporal por uma terceira entidade idónea.
Na falta de validação cronológica, nos termos do art.º 10.º da Portaria n.º 642/2004, de 16.06, “À apresentação de peças processuais por correio electrónico simples ou sem validação cronológica é aplicável, para todos os efeitos legais, o regime estabelecido para o envio através de telecópia.”.
O regime da telecópia consta do DL 28/92, de 27/02, mormente do art.º 4.º, no qual consta:
«1- As telecópias dos articulados, alegações, requerimentos e respostas, assinados pelo advogado ou solicitador, os respectivos duplicados e os demais documentos que os acompanhem, quando provenientes do aparelho com o número constante da lista oficial, presumem-se verdadeiros e exactos, salvo prova em contrário.
(...)
3- Os originais dos articulados, bem como quaisquer documentos autênticos ou autenticados apresentados pela parte, devem ser remetidos ou entregues na secretaria judicial no prazo de sete dias contado do envio por telecópia, incorporando-se nos próprios autos».
O prazo de 7 dias deve ter-se alargado para 10 em consequência do disposto no artigo 6.º, n.º 1, al. b), do DL 329-A/95, de 12-12.
Vejamos o caso dos autos:
- Os arguidos AAA e LDA apresentou requerimento de abertura de instrução através de correio electrónico com o recurso ao servidor de correio eletrónico da Ordem dos Advogados no dia 18 de Outubro de 2021.
- Do correio electrónico não consta assinatura electrónica avançada nem a aposição de selo temporal por entidade terceira idónea.
- O original do requerimento de abertura de instrução não foi remetido ao tribunal.
Tendo enviado o requerimento de abertura de instrução através de correio electrónico os arguidos estavam obrigados a enviar o original no prazo máximo de 10 dias, o que foi preterido, violando-se, assim, o estatuído no art.º 4.º, n.º3 do Decreto-lei n.º 28/92, de 27 de Fevereiro.
Neste sentido: o Acórdão de 23/04/2021, do Tribunal da Relação de Évora, relatado pela Desembargadora Maria Fernanda Palma.
Por fim cabe trazer à colação o argumento do carácter peremptório dos prazos processuais, ou seja, decorrido o prazo, extingue-se o direito em praticar o acto processual, nomeadamente, a apresentação em juízo dos respectivos originais, conforme se refere pertinentemente na decisão recorrida daquele aresto: “A realização de um convite por parte do Tribunal, para junção dos originais, redundaria na obnubilação de dever legalmente imposto (o previsto n.º 3 do artigo 4.º do DL 28/92) e na “implosão” do prazo peremptório de 20 dias para requerer a abertura da instrução previsto no artigo 287.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.”.
Tudo visto e ponderado, impõe-se a rejeição do requerimento de abertura de instrução.
Ao abrigo do disposto no art.º 287.º, n.º3, do Cód. Processo Penal, rejeito o requerimento de abertura de instrução apresentado por AAA e LDA.
Custas a cargo dos arguidos que fixo em 2 UC.
Após o trânsito em julgado, remeta à distribuição.»

2.3. Apreciação do mérito recurso
O Sr. Juiz a quo rejeitou, ao abrigo do disposto no artigo 287º, n.º 3, do CPP, o requerimento para a abertura da instrução apresentado pelos arguidos AAA e LDA, em virtude de ter sido enviado por correio eletrónico, sem assinatura digital nem validação cronológica, por entidade terceira idónea, tendo, por isso, o valor da telecópia, sem fizessem a junção aos autos do original de tal requerimento, no prazo legalmente estabelecido, de 10 dias.
A questão suscitada no recurso em apreciação é a de saber se deve ser revogado o despacho recorrido e substituído por outro que receba o RAI ou que determine a apresentação do respetivo original, conforme pugnam os recorrentes.
O Ministério Público manifesta concordância com o decidido no despacho recorrido.
Apreciando:
Está em causa o requerimento para a abertura da instrução, que os arguidos, ora recorrentes, remeteram a juízo, através de correio eletrónico, simples, sem assinatura digital, nem validação cronológica, por entidade terceira idónea.
A questão que está aqui em discussão, foi por nós recentemente tratada no Acórdão de 26/04/2022[1], estando aí em causa um RAI apresentado pelo assistente, mas não existindo razões para divergir do entendimento que aí sufragamos, no sentido de que não deve haver lugar à rejeição liminar do RAI, remetido por correio eletrónio, sem assinatura digital, nem validação cronológica, por entidade terceira idónea, com o valor de telecópia, por falta de entrega do respetivo original, no prazo legal de 10 dias, devendo, nessa situação, notificar-se o requerente para apresentar o original do RAI. E só se não for apresentado o original, na sequência dessa notificação, havendo lugar à rejeição do RAI, com esse fundamento.
Aqui se reproduzem algumas das considerações que expendemos no referenciado acórdão, em defesa do entendimento que sufragamos.
É pacificamente aceite que, em processo penal, na fase do inquérito e na fase de instrução, é admissível o envio de peças processuais, a juízo, através de correio eletrónico, mantendo-se atual a jurisprudência fixada, pelo STJ, no acórdão uniformizador n.º 3/2014, de 26 de agosto, no sentido de que «Em processo penal, é admissível a remessa a juízo de peças processuais através de correio eletrónico, nos termos do disposto no artigo 150.º, n.º 1, alínea d), e n.º 2, do Código de Processo Civil, na redação do Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27.12, e na Portaria n.º 642/2004, de 16.06, aplicáveis conforme o disposto no artigo 4.º do Código de Processo Penal».
Neste sentido, veja-se, por todos, o Acórdão do STJ de 24/01/2018[2], cujo sumário, na parte que aqui importa, se passa a citar:
«I - A jurisprudência fixada no AFJ 3/2014, de 06-03-2014, mantém plena actualidade, na medida em que a Portaria 280/2013, de 26-08, continua a ter um âmbito de aplicação restrito às acções referidas no seu artigo 2.º, ficando desta forma excluídos de tal regulamentação, os processos de natureza penal, mantendo-se assim plenamente válidos os fundamentos invocados para fundamentar o referido acórdão de fixação de jurisprudência.
II - Deve, em consonância com o mencionado AFJ 3/2014, de 06-03-2014, considerar-se admissível, em processo penal, a remessa a juízo de peças processuais através de correio electrónico, nos termos do disposto no art. 150.º, n.º 1, al. d), e n.º 2, do CPC de 1961, na redacção do DL 324/2003, de 27-12, e na Portaria 642/2004, de 16-06, aplicáveis conforme o disposto no art. 4.º do CPP.»
A remessa a juízo de peças processuais, por correio eletrónico, deve observar as formalidades previstas nos artigos 2º e 3º da Portaria n.º 642/2004, de 16 de junho. Aí se determina, designadamente, que «a mensagem de correio eletrónico remetida por mandatário forense deve conter necessariamente a aposição da assinatura eletrónica do respetivo signatário» (artigo 2º, n.º 5); que «a assinatura eletrónica referida no número anterior deve ter associado à mesma um certificado digital que garanta de forma permanente a qualidade profissional do signatário» (artigo 2º, n.º 6) e que «a expedição da mensagem de correio eletrónico deve ser cronologicamente validada, nos termos da alínea u) do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 290-D/99, de 2 de agosto, com a redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 62/2003, de 3 de abril, mediante a aposição de selo temporal por uma terceira entidade idónea» (artigo 3º, n.º 3).
Como se refere no Acórdão do TC, n.º 152/2017[3], «É o cumprimento destes requisitos que permite assegurar a fidedignidade da mensagem enviada, ao nível da preservação do respetivo conteúdo, da comprovação da autoria e da certificação cronológica».
No caso de não serem observados os enunciados requisitos, ou seja, se as peças processuais forem apresentadas por correio eletrónico simples ou sem validação cronológica, nos termos do disposto no artigo 10º da mesma Portaria n.º 642/2004, é aplicável, para todos os efeitos legais, o regime estabelecido para o envio através de telecópia, o qual é regulado pelo Decreto-Lei n.º 28/92, de 27 de fevereiro.
De referir que a entrada em vigor do regime previsto na Portaria n.º 280/2013, de 26 de agosto – que visou regulamentar a tramitação eletrónica dos processos nos tribunais judiciais –, não afetou, no que tange ao processo penal, nas fases do inquérito e da instrução, a admissibilidade da remessa a juízo de peças processuais através de correio eletrónico, já que, nos termos do disposto no artigo 1º, n.º 2, da Portaria n.º 280/2013, na redação que lhe foi dada pela Portaria n.º 170/2017, de 25 de maio, «No que respeita à tramitação eletrónica dos processos penais nos tribunais judiciais de 1.ª instância, o regime previsto na presente portaria é aplicável apenas a partir da receção dos autos em tribunal a que se referem o n.º 1 do artigo 311.º e os artigos 386.º, 391.º-C e 396.º do Código de Processo Penal.» Ou seja, nos processos penais e nos tribunais judiciais de 1.ª instância, a tramitação eletrónica e a apresentação de peças processuais por transmissão eletrónica de dados, nos termos regulados na Portaria n.º 280/2013, apenas é aplicável na fase do julgamento.
No caso dos autos, o requerimento para abertura da instrução apresentado pelos arguidos, ora recorrentes, foi remetido a juízo, por correio eletrónico simples – sem a aposição de assinatura eletrónica certificada do ilustre mandatário – e sem validação cronológica do respetivo ato de expedição, mediante aposição de selo temporal por uma terceira entidade idónea, não observando, assim, as formalidades legais estabelecidas nos artigos 2º, n.ºs 5 e 6 do e 3º, n.º 6, da Portaria n.º 642/2004, de 16 de junho.
E, a esta situação, por força do disposto no artigo 10º da Portaria n.º 642/2004, é aplicável o regime estabelecido para o envio através de telecópia, previsto no Decreto-Lei n.º 28/92, de 27 de fevereiro.
Estatui o artigo 4º do Decreto-Lei n.º 28/92, sob a epigrafe “Força probatória”:
«1 - As telecópias dos articulados, alegações, requerimentos e respostas, assinados pelo advogado ou solicitador, os respectivos duplicados e os demais documentos que os acompanhem, quando provenientes do aparelho com o número constante da lista oficial, presumem-se verdadeiros e exactos, salvo prova em contrário.
2 - Tratando-se de actos praticados através do serviço público de telecópia, aplica-se o disposto no artigo 3.º do Decreto-Lei 54/90, de 13 de Fevereiro.
3 - Os originais dos articulados, bem como quaisquer documentos autênticos ou autenticados apresentados pela parte, devem ser remetidos ou entregues na secretaria judicial no prazo de sete dias contado do envio por telecópia, incorporando-se nos próprios autos.
4 - Incumbe às partes conservarem até ao trânsito em julgado da decisão os originais de quaisquer outras peças processuais ou documentos remetidos por telecópia, podendo o juiz, a todo o tempo, determinar a respectiva apresentação.
5 - Não aproveita à parte o acto praticado através de telecópia quando aquela, apesar de notificada para exibir os originais, o não fizer, inviabilizando culposamente a incorporação nos autos ou o confronto a que alude o artigo 385.º do Código Civil.
6 - A data que figura na telecópia recebida no tribunal fixa, até prova em contrário, o dia e hora em que a mensagem foi efectivamente recebida na secretaria judicial

Assim, nos termos do disposto no artigo 4º, n.º 3, do Decreto-Lei nº 28/92, na parte que aqui releva, os originais dos articulados enviados por telecópia devem ser remetidos ou entregues na secretaria judicial, no prazo de 7 dias, contado do envio por telecópia.
O referido prazo de 7 dias foi alargado para 10 dias, por força do disposto no artigo 6º, nº 1, al. b), do Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de dezembro.
No presente caso, os ora recorrentes, não fizeram chegar aos autos o original do RAI que remeteram a juízo.
A questão reside em saber qual a cominação ou a consequência jurídica da não apresentação dos originais das peças processuais remetidas a juízo, por telecópia, no prazo legalmente estabelecido de 10 dias.
Nem no Decreto-Lei n.º 28/92, de 27 de fevereiro, nem noutro diploma legal é prevista cominação específica para o caso de a parte não fazer juntar ao processo, no prazo legal de 10 dias, os originais dos articulados ou dos documentos autênticos ou autenticados que haja apresentado, através de telecópia.
A cominação prevista no n.º 5 do artigo 4º do Decreto-Lei n.º 28/92, de não aproveitar à parte o ato praticado, através de telecópia, é estabelecida para o caso de a parte, «apesar de notificada, para exibir os originais, não o fizer, inviabilizando culposamente a incorporação nos autos ou o confronto a que alude o artigo 385.º do Código Civil».
Segundo o entendimento perfilhado pelo Sr. Juiz a quo e que tem apoio na jurisprudência que cita no despacho recorrido, a remessa a juízo, de um requerimento para a abertura da instrução, por correio eletrónico, simples, sem a aposição de assinatura eletrónica e sem validação cronológica do respetivo ato de expedição, não sendo o respetivo original remetido ou entregue na secretaria judicial, no prazo de dez dias, nos termos estabelecidos no artigo 4º, n.º 3, do Decreto-Lei nº 28/92, de 17 de fevereiro, em conjugação com o artigo 6º, nº 1, al. b), do Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de dezembro, determina a rejeição do RAI, ao abrigo do preceituado no artigo 287º, n.º 3, do CPP, não havendo lugar à notificação do apresentante do RAI para apresentar o respetivo original, o que redundaria, na “implosão” do prazo perentório para requerer a abertura da instrução, previsto no artigo 287º, n.º 1, do CPP.
Ainda que o entendimento maioritário, na jurisprudência, vá nesse sentido[4], salvo o devido respeito, não o podemos acompanhar.
Com efeito, entendemos que não fixando a lei cominação específica para falta de apresentação do original da telecópia, no prazo legalmente previsto de 10 dias, a rejeição liminar do articulado ou do requerimento remetido a juízo, por correio eletrónico, com o valor de telecópia, por falta de apresentação do respetivo original, naquele prazo, corresponde a uma solução demasiado drástica, que o legislador não pretendeu consagrar.
No âmbito do processo civil, quando se admitia a apresentação de peças processuais por telecópia, formou-se jurisprudência, que, ao que cremos seria maioritária, no sentido de que não fixando a lei cominação específica, para a falta de apresentação dos originais de tais peças, no prazo de 7 dias, era possível, fazê-la além desse prazo, desde que não se deixasse de a fazer quando para o efeito se era notificado[5]. Ou seja, de acordo com esta orientação jurisprudencial a não apresentação dos originais, no prazo legalmente previsto, não tem como efeito imediato a invalidade ou a ineficácia do ato praticado por telecópia, o qual, nos termos do disposto no artigo 4º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 28/92, de 27 de fevereiro, só não aproveita à parte se esta, «notificada para exibir os originais, o não fizer, inviabilizando culposamente a incorporação nos autos
E, ressalvado uma vez mais, o devido respeito, pela orientação em sentido contrário, não se vê razão para que este entendimento não seja aplicado, no processo penal, designadamente e, no que ao presente caso importa, ao requerimento para abertura da instrução, pelas razões que passaremos a explicitar.
Não está em causa a concessão de um prazo suplementar, no caso aos arguidos, para apresentar um novo requerimento para abertura da instrução, posto que, este ato considera-se praticado, com o envio daquele requerimento, por correio eletrónico, que, por não se mostrar eletronicamente assinado e por falta de validação cronológica do respetivo ato de expedição, nos termos sobreditos, tem o valor de telecópia.
A data a que há que atender, para aferir da tempestividade da prática do ato, é aquela em que a mensagem eletrónica, com o valor de telecópia, foi recebida na secretaria do tribunal, sendo que, no presente caso, foi aposto, pelos Serviços do Ministério Público, o carimbo de entrada, com a data de 19 OUT. 2021.
A apresentação do original do RAI, tem apenas a função de confirmar o ato antes praticado, através de telecópia, permitindo a respetiva conferência, não servindo para completar ou corrigir eventuais deficiências da telecópia.
E assim sendo, nessa situação, a possibilidade de notificação dos arguidos para apresentar, no prazo que venha a ser fixado pelo juiz, o original do RAI, remetido, por telecópia, não se traduz na concessão, aos arguidos, de qualquer prazo suplementar para requerer a abertura da instrução.
Em relação ao princípio da celeridade processual, também não fica afetado, se a referida notificação tiver lugar, sendo fixado um prazo curto, havendo que procurar o necessário equilíbrio entre esse princípio e a justiça da decisão, em ordem a salvaguardar o direito à tutela jurisdicional efetiva e a um processo equitativo, consagrado no artigo 20º, n.º 4, da CRP e a respeitar o princípio da proporcionalidade, consagrado no artigo 18º, n.º 2, da CRP.
Afigura-se-nos que a rejeição liminar do requerimento para abertura da instrução, apresentado pelo arguido – ou pelo assistente –, por correio eletrónico, simples, com o valor de telecópia, por falta de apresentação do respetivo original, no prazo legalmente previsto de 10 dias, sem que haja prévio convite, ao assistente, para suprir essa omissão, se traduziria numa cominação desproporcionada.
Por identidade de razões, relativamente à rejeição liminar do recurso apresentado pelo arguido, enviado por correio eletrónico – recurso esse interposto do acórdão proferido em 1ª instância, para o Tribunal da Relação, não sendo este um meio legalmente previsto para apresentação de peças processuais, nessa fase –, sem que fosse formulado convite, ao recorrente, para apresentação do recurso pela via considerada adequada, o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 174/2020, de 11/03/2020[6], decidiu julgar inconstitucional, por ferir, de forma desproporcionada, o direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva, na modalidade de direito a um processo equitativo (artigo 20º, n.º 4, e artigo 18º da Constituição), «a interpretação normativa extraída da conjugação do artigo 4.º da Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, do artigo 144.º, n.ºs 1, 7 e 8, do CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, e da Portaria n.º 280/2013, de 26 de agosto, com o disposto nos artigos 286.º, 294.º e 295.º do Código Civil, e artigo 195.º do CPC aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho segundo a qual é nulo o recurso apresentado pelo arguido a juízo, por correio eletrónico, dentro do prazo, no âmbito do processo penal, sem prévio convite à apresentação daquela peça processual pela via considerada exigível.»
Entendemos, assim, que a falta de apresentação do original do requerimento para abertura da instrução, do arguido, remetido a juízo, por correio eletrónico simples e sem validação cronológica, no prazo legal de 10 dias (cfr. disposições conjugadas dos artigos 4º, n.º 3, do Decreto-Lei nº 28/92, de 17 de fevereiro e no artigo 6º, nº 1, al. b), do Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de dezembro), não tem como consequência imediata a rejeição liminar daquele requerimento.
Sufragamos o entendimento de que a rejeição do RAI, remetido a juízo, pelo arguido, através de correio eletrónico, por inobservância dos legais requisitos de forma para a prática do ato, por esse meio, pressupõe a prévia notificação determinada pelo juiz para apresentar o original do RAI, para que seja incorporado no processo e que, só no caso, de, na sequência dessa notificação, o arguido não apresentar o original desse requerimento, poderá, com esse fundamento e nos termos do disposto no artigo 4º, n.º 5, do Decreto-Lei nº 28/92, de 17 de fevereiro, rejeitar o RAI.
O dever de notificar o arguido para apresentar o original do requerimento para a abertura da instrução, que foi remetido por correio eletrónico simples e sem validação cronológica, por terceira entidade idónea, antes de rejeitar o RAI corresponde à exigência de um processo equitativo, revelando-se desproporcional, sancionar essa omissão, com a rejeição liminar do RAI[7].
Nesta conformidade, reconhecendo-se assistir razão aos recorrentes, impõe-se revogar o despacho recorrido, que deve ser substituído por outro que notifique os arguidos, ora recorrentes, na pessoa do seu Il mandatário, para, em prazo a fixar, apresentar o original do requerimento para abertura da instrução, que foi remetido a juízo, por correio eletrónico simples.
O recurso é, pois, procedente.

3. DECISÃO
Nestes termos, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Évora em conceder provimento ao recurso interposto pelos arguidos AAA e LDA, e, em consequência:
- Revogar despacho recorrido, que deve ser substituído por outro que notifique os arguidos, ora recorrentes, na pessoa do seu Il. mandatário, para, em prazo a fixar, apresentar o original do requerimento para abertura da instrução, que foi remetido a juízo, por correio eletrónico simples.
Sem tributação.
Notifique.

Évora, 24 de maio de 2022


Fátima Bernardes
Fernando Pina
Gilberto da Cunha
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[1] Proferido no proc. n.º 708/19.7T9OLH.E1, acessível em www.dgsi.pt.
[2] Proferido no proc. n.º 5007/14.8TDLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt.
[3] De 22/03/2017, proc. n.º 57/2017, in https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20170152.html
[4] Neste sentido, cfr., entre outros, Acs. deste Tribunal da Relação de Évora de 09/03/2021, proc. 1670/18.9T9FAR.E1, de 13/04/2021, proc. 914/18.1T9ABF-B.E1, de 13/07/2021, proc. 914/18.1T9ABF-A.E1, de 30/11/2021, proc. 261/20.9T9EVR-A.E1 e de 08/02/2022, proc. 157/19.7T9RMZ-A.E1; Ac. da RL de 11/10/2018, proc. 228/16.1IDSTB-A.L1-9, todos acessíveis, in www.dgsi.pt.
[5] Neste sentido, cfr., entre muitos outros, Ac.s da RE de 09/03/2005, proc. 1383/03-2 e de 27/11/2008, proc. 2499/08-2, Ac.s da RC de 09/05/2006, proc. nº 1219/06 e de de 25/06/2008, proc. 850/03.6TACBR.C1, todos acessíveis in http://www.dgsi.pt.
[6] Proc. n.º 564/2018, acessível in tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20200174.html.
[7] Neste sentido, cfr. Acórdão desta Relação de Évora, de 05/04/2022, proferido no proc. 757/20.2GDLLE.E1, acessível, in www.dgsi.pt.