Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | MANUEL MARQUES | ||
Descritores: | SUSPENSÃO DE DELIBERAÇÃO SOCIAL EXCLUSÃO DE LISTA DE CANDIDATURA DELIBERAÇÃO DA COMISSÃO ELEITORAL ÓRGÃOS DA PESSOA COLECTIVA | ||
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Data do Acordão: | 05/10/2007 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | AGRAVO | ||
Decisão: | PROVIDO | ||
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Sumário: | I – Órgão de uma pessoa colectiva é o elemento dessa pessoa colectiva que consiste num centro institucionalizado de poderes funcionais a exercer pelo indivíduo ou pelo colégio de indivíduos que nele estiverem providos com o objectivo de exprimir a vontade juridicamente imputável a essa pessoa colectiva II - Os órgãos directos ou imediatos são instituídos pela lei ou pelos estatutos, recebendo destas normas constitucionais os poderes que lhes permitem exprimir a vontade imputável à pessoa colectiva. Os São indirectos ou mediatos quando recebem esses poderes mediante delegação dos órgãos directos, dada por acto concreto ou por regulamento autorizado por lei. III – Uma comissão eleitoral prevista num regulamento eleitoral aprovado em assembleia geral de sócios ou associados, é uma emanação desta e constitui um seu órgão indirecto. A deliberação da Comissão Eleitoral é pois tomada ao abrigo de competência delegada, sendo delegante o órgão directo (Assembleia Geral). IV - «Assim, a deliberação da Comissão Eleitoral é, verdadeiramente, uma deliberação “dos sócios”, pois que foi tomada ao abrigo de poderes recebidos/delegados da Assembleia Geral, pelo que juridicamente tudo se passa como se tratasse de uma deliberação tomada pela própria Assembleia. V - Sendo assim, essa decisão foi exercida a título definitivo, pelo que não poderia reclamar-se/recorrer-se para uma entidade (Assembleia Geral) que a tomou por intermédio de um órgão indirecto. Consequentemente, é possível a impugnação judicial directa dessa deliberação, a qual constitui uma deliberação da própria Assembleia Geral». | ||
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Decisão Texto Integral: | Proc. N.º 818/07-3 Agravo Cível em procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais - Processo n.º 15/07.8TBFTR-A do Tribunal Judicial da Comarca de Fronteira Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora: J...................., veio, ao abrigo do disposto nos artigos 396º e seguintes, intentar o presente procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais, contra AP.................... – Associação de Produtores.................... e o Presidente da Assembleia Geral da AP...................., A...................., peticionando que seja julgada ilegal a deliberação da AP.................... através da Comissão Eleitoral de 21 de Dezembro de 2006 e, consequentemente, seja anulada, pelo que deve ser suspensa a eleição dos corpos sociais a realizar no dia 4 de Janeiro de 2007. Alegou, em síntese, que é sócio nº 2 da primeira requerida; que apresentou uma lista candidata aos órgãos sociais da Associação (Lista A), a realizar dia 4-01-2007, a qual, por deliberação da Comissão Eleitoral de 21 de Dezembro de 2006, não foi admitida, por aplicação de um Regulamento Interno alterado em relação ao Regulamento Interno aprovado na Assembleia-Geral de 21/02/2003, sendo que aquele nunca foi discutido ou votado em Assembleia-Geral, nem era conhecido dos associados; que aquele regulamento foi apresentado pelo Presidente da Assembleia-Geral, apesar deste saber que o mesmo continha alterações ao Regulamento Interno em vigor, e que não era verdadeiro, tendo assim fabricado um documento falso, visando causar prejuízo ao requerente para que este não se pudesse candidatar às eleições para os corpos gerentes da Associação; que a outra lista concorrente (Lista B), admitida pela Comissão Eleitoral, não foi apresentada com a antecedência de 30 dias, conforme o exige o regulamento em vigor; e que a deliberação da Comissão Eleitoral contraria a lei, os estatutos e o regulamento interno em vigor. Pelo despacho de fls. 71 foi ordenada a citação dos requeridos. Citados estes, vieram os mesmos impugnar alguns dos factos alegados no requerimento inicial e invocar que o presente procedimento cautelar não é próprio, uma vez que o mesmo só pode incidir sobre deliberações tomadas em Assembleia-Geral, o que não é manifestamente o caso; que o requerido, Presidente da Assembleia-Geral da Associação, é parte ilegítima, porque o que está em causa é uma deliberação da Comissão Eleitoral da primeira requerida, pelo que devia ter demandado esta ou recorrido para a Assembleia Geral. Seguidamente o Sr. Juiz ordenou a notificação do requerente para se pronunciar sobre as excepções invocadas pelos requeridos na sua oposição, nos termos do art. 3º, n.º 3, do Código de Processo Civil. No articulado de fls. 112 a 116 o requerente sustenta que a Comissão Eleitoral não é um órgão da Associação, pelo que só podia exteriorizar a vontade desta, pelo que o que está em causa é uma deliberação da Associação, sendo que o requerente foi prejudicado pela atitude do segundo requerido, o qual responde civilmente e criminalmente pelas faltas e irregularidades que cometeram no exercício do seu mandato, pelo que deve proceder o presente procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais. Após foi proferida a decisão de fls. 122 a 127, na qual se indeferiu a pretensão formulada pelo requerente, por se ter entendido que a pretensão do mesmo não se enquadra no âmbito do procedimento cautelar de suspensão de deliberação social. Nessa decisão o Sr. Juiz invocou os seguintes fundamentos: - a lei apenas prevê a suspensão de deliberações da assembleia geral da associação e não dos demais órgãos; - o regulamento da requerida não prevê forma de reclamar da decisão tomada pela Comissão Eleitoral quanto à validade das listas apresentadas, pelo que deveria tal questão ter sido submetida à apreciação da Assembleia Geral e sobre a deliberação que daí adviesse poderia o requerente socorrer-se do presente procedimento; - pretendendo o requerente a suspensão de uma deliberação da Comissão eleitoral da 1ª requerida, seria esta que deveria ter sido demandada, sendo que da procedência da providência não advém qualquer prejuízo para o 2º requerido, pelo que é parte ilegítima nos presentes autos. Não se conformando com tal decisão, interpôs o requerente o recurso agora sob apreciação, apresentando as seguintes conclusões: 1 - Nos termos do art.º 396 n.01 do C.P.C. são condições de exercício da acção cautelar de suspensão de deliberações sociais ter o autor a qualidade de sócio, existir uma deliberação ilegal, isto é, contrária à lei ou aos estatutos e resultar da execução imediata da deliberação dano apreciável. 2 - O aqui agravante foi admitido como associado da "AP.................... Associação de Produtores...................." e aqui agravada desde a sua fundação e tem o n. ° 2 de sócio e como tal foi aceite e é reconhecido pelos órgãos da associação. 3 - Pelo que, nos termos dos Estatutos e Regulamento Interno da Associação e do art. ° 178 n.º 1 do Código Civil, o agravante tem legitimidade para reagir contra as deliberações tomadas pela Associação, quer pelos seus órgãos. 4 - No dia 27 de Novembro de 2006 e nos termos do disposto no Art.º 13, nº 1, Art.° 16 e Art.º 22, nº 2 a) do Regulamento Interno da AP.................... foi convocada pelo seu Presidente uma Assembleia Geral Ordinária para o dia 4 de Janeiro de 2007, pelas 18:00, na sua sede, sita na rua da .......... - antigo Quartel dos Bombeiros Voluntários de ..............., com um ponto único da ordem de trabalhos: " eleição dos órgãos sociais para o quadriénio 2007/2011. 5 - De acordo com a convocatória supra referida foi apresentada uma lista no dia 4 - 12 - 2006, entregue por mão própria ao Sr. Presidente da Assembleia Geral, pelo 1° subscritor e cabeça da lista, o aqui agravante, J...................., nos termos dos art. Os 43 e 44 do citado Regulamento Interno. 6 - A lista apresentada foi recepcionada e assinada no dia 4-12-2006 pelo Presidente da Assembleia-geral, em cujo documento manuscreveu o seguinte "A decisão sobre admissão da lista, nos termos do artigo 45º do Regulamento Interno, depende do parecer da Comissão Eleitoral, a qual reunirá no p. p. dia 21 -12-2006". 7 - Conforme resulta da cópia da respectiva acta de fls. 46 a 50, a Comissão Eleitoral da requerida/AP.................... deliberou excluir a lista apresentada pelo ora agravante, à qual tinha sido atribuída a letra A, por a mesma não cumprir o disposto na alínea d) do parágrafo único do art. 45º do Regulamento Interno da AP...................., já que o ora agravante era trabalhador dependente da AP..................... 8 - O ora agravante alegou que o Regulamento Interno invocado pela Comissão Eleitoral não é o Regulamento em vigor aprovado pela Assembleia Geral da AP...................., estando em vigor outro Regulamento, que se juntou, e do qual não consta o aludido impedimento. 9 - E por outro lado a lista concorrente e à qual foi atribuída a letra B, não podia ser admitida, pois não se apresentou com a antecedência de 30 dias, antes do acto eleitoral, conforme exige o art. 43° do Regulamento Interno em vigor. 10 - A deliberação tomada na reunião da Comissão Eleitoral realizada na sede da Associação no dia 21 de Dezembro de 2006, contraria a lei, os estatutos e o Regulamento Interno em vigor na Associação, sendo assim ilegal. 11- "As deliberações constituem o modo privilegiado de formação e de exteriorização da vontade, dependendo da sua execução a gestão dos assuntos que interessam ás respectivas actividades" (Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, IV vol). 12- A comissão eleitoral não sendo nenhum órgão da Associação, mas actuando no tema das eleições e listas candidatas, o que era obviamente um assunto que interessava á AP.................... e á sua actividade bem como ao seu futuro, pelo que só podia exteriorizar a vontade da Associação. 13 - "Nas disposições estatuárias de uma associação, considerando o binómio unidade e eficácia de gestão/democraticidade, deve optar-se por uma interpretação que conduza à maior possibilidade de intervenção dos associados na vida da sua associação." Ac. STJ. 30.04.03 http://www.dgsi.pt 14 - Consequentemente o que está em causa é uma deliberação da Associação, não de qualquer dos seus órgãos, e essa deliberação prende-se com a convocatória da Assembleia Geral de 27 de Novembro de 2006 e a realização das eleições para os órgãos sociais para o quadriénio 2007/2011 a realizar no dia 4/1/2007, manifestada pela Comissão Eleitoral. 15 - "O art.º 396, nº 1 do CPC adoptou um conceito amplo de ilegalidade susceptível de englobar tanto as deliberações contrárias á lei, como aquelas que firam os estatutos ou o contrato social" (Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, IV vai Almedina) 16 - Na providência cautelar de suspensão de deliberações sociais, a regra é a suspensão da deliberação que, por ilegal, corre o risco de, na acção, vir a ser declarada nula ou anulada, o que contém implícita a existência de prejuízo (Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, IV vai Almedina e Ac. STJ de 16.03.99 in www.dgsi.pt) 17 - A natureza da comissão eleitoral é de subordinação aos princípios consagrados nos Estatutos, não se compadece com a inclusão de normas que contrariem tais princípios, pois a sua função é tão só a de adjectivar no que concerne ao processo de eleições aquilo que nos estatutos e regulamento interno em vigor e aprovado se encontra, por normas programaticamente exaradas. 18 - O ora agravante só poderia requerer uma providência cautelar não especificada quando nenhuma das providências nominadas fosse adequada, em abstracto, ao caso concreto. Havendo essa adequação, ao requerente não é lícito usar a figura de providência cautelar não especificada. Ac R.C. de 26.01.1999; BMJ - 4830 - 283). 19 - Não está em causa uma deliberação da direcção ou do conselho fiscal, mas da Assembleia Geral da associação. 20 - A decisão recorrida, por não ponderar adequadamente a deliberação da Comissão Eleitoral, deve ser revogada. Termina pedindo que se revogue a sentença recorrida. Nas contra-alegações os requeridos sustentam a manutenção do julgado. Cumpre decidir. * II. De relevante para o caso, resultam dos autos assentes (por confissão e por documento) os seguintes factos: 1. A AP.................... – Associação de Produtores...................., foi constituída no dia 1 de Fevereiro de 2001, por escritura pública lavrada no Cartório Notarial de ......., conforme doc. de fls. 14 a 17. 2. Os estatutos da referida associação foram alterados por escritura pública lavrada no mesmo cartório no dia 3 de Fevereiro de 2004, conforme doc. de fls. 19 e 20. 3. O requerente foi admitido como associado da AP.................... – Associação de Produtores.................... desde a sua fundação e tem o n.º 2 de sócio e como tal foi aceite e é reconhecido pelos órgãos da requerida. 4. Em Assembleia-Geral realizada no dia 31 de Março de 2001 foram eleitos os órgãos sociais pelo período de 4 anos. 5. Para o dia 4 de Janeiro de 2007 foi convocada uma Assembleia-Geral ordinária da AP...................., tendo como único ponto a eleição dos órgãos sociais para o quadriénio 2007/2011. 6. Essa convocatória tem a data de 27 de Novembro de 2006 e está assinada pelo Presidente da Assembleia-Geral, conforme doc. de fls. 42. 7. No dia 4-12-2006 o requerente apresentou uma lista aos órgãos sociais da 1ª requerida, conforme doc. de fls. 43. 8. Essa lista foi apresentada ao 2º requerido, o qual apôs na mesma que “a decisão sobre a admissão das listas, nos termos do art. 45º do Regulamento Interno, depende de parecer da Comissão Eleitoral a qual reunirá no p.f. dia 21/12/2006”. 9. O Presidente da Assembleia-Geral telefonou ao requerente que indicasse um membro da sua lista para integrar a Comissão Eleitoral que se iria reunir no dia 21 de Dezembro de 2006, pelas 12h, na sede da Associação, tendo indicado o Sr. C................. como representante da sua lista. 10. No dia 21/12/2006 reuniu na sede da Associação a Comissão Eleitoral constituída pelo Presidente da Assembleia-Geral, pelo 1º Secretário e 2º Secretário da mesa da Assembleia-Geral e um representante de cada uma das 2 listas concorrentes às eleições a realizar no dia 4 de Janeiro de 2007. 11. A Comissão Eleitoral deliberou, por maioria, rejeitar a candidatura da lista apresentada pelo requerente (lista A), por o candidato a Presidente da Direcção (o ora requerente) ser trabalhador dependente da mesma e admitir ao acto eleitoral apenas a lista B, tendo votado contra o representante da lista A. *** III. Nos termos dos art.ºs 684º, nº3, e 690º, nº1, do C.P.Civil, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente. Assim, as questões a decidir resumem-se, essencialmente, em apurar: - se o requerente deveria ter reclamado/recorrido da deliberação da Comissão Eleitoral para a Assembleia Geral da AP.................... e só após poderia reagir da deliberação que esta viesse a tomar; - se o procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais é o meio próprio para o requerente obter a suspensão da deliberação tomada pela referida comissão. * IV. Da questão de Direito: Em causa nos autos está a questão de saber qual o meio de tutela de que se pode servir o requerente a quem a declaração de anulação aproveita perante a deliberação da Comissão Eleitoral da Associação AP..................... Nessa deliberação, datada de 4-01-2007, a Comissão Eleitoral não admitiu a lista A (a apresentada pelo requerente) concorrentes ao acto eleitoral a realizar no dia 4 de Janeiro de 2007 para os corpos sociais da associação requerida, admitindo a lista B. Na decisão recorrida entendeu-se que o procedimento cautelar de suspensão de deliberação social, enquanto instrumental da acção de declaração de invalidade de deliberações sociais, só pode recair sobre deliberações da Assembleia Geral e não dos demais órgãos e que o regulamento da requerida não prevê forma de reclamar da decisão tomada pela Comissão Eleitoral quanto à validade das listas apresentadas, pelo que deveria tal questão ter sido submetida à apreciação da Assembleia Geral e só sobre a deliberação que daí adviesse poderia o requerente socorrer-se do presente procedimento. * É controvertido na doutrina e na jurisprudência a questão de saber se o procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais está limitado às deliberações tomadas em assembleias gerais dos sócios ou associados, como se sustenta na decisão recorrida, ou se esse procedimento deve também aplicar-se às deliberações de outros órgãos da pessoa colectiva (A. Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, IV volume, 3ª edição, pag. 75).No primeiro sentido, vide Ac. Ac STJ 17-10-89 BMJ 390 pag. 394; Ac. RP de 15 de Março de 2004, CJ 2004, tomo 2, pag. 164; Ac RC 3-12-91, CJ 19991 tomo V, pag. 73; Ac. RL 14-10-93 CJ 1993 tomo IV pag. 149; LEBRE DE FREITAS, Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, pag. 84. No segundo sentido, vide Ac. STJ 29-04-92, in www.dgsi.pt; Ac. RL 3-10-95, CJ 1995, tomo IV, pag. 99; Ac. RL 23-02-89, CJ 1989, tomo I, pag. 131; Ac. RP 20-11-2003, CJ 2003, tomo III, pag. 198. Para quem sustenta o primeiro entendimento, a exclusão do âmbito do procedimento específico de suspensão de deliberações sociais tomadas pelos órgãos das associações ou sociedades, que não pela assembleia geral, não coarcta a possibilidade de o interessado aceder à tutela cautelar, recorrendo ao procedimento cautelar comum – A. Geraldes, ob. cit., pag. 77. * Seja como for, o certo é que a tomada de posição sobre esta problemática é alheia à resolução da questão em apreciação.Vejamos. Em causa está uma deliberação tomada dia 21-12-2006 pela Comissão Eleitoral que não admitiu uma das listas candidatas aos órgãos sociais da AP..................... Não obstante ser controvertido nos autos qual dos regulamentos internos da AP.................... foi aprovado em Assembleia Geral desta, e, por via disso, qual é o regulamento aplicável, o certo é que, na parte que agora nos interessa, as normas são idênticas, derivando das mesmas que a validade das listas será julgada por uma Comissão Eleitoral formada por um elemento designado por cada lista concorrente e pela Mesa Geral, cujo presidente terá voto de qualidade pela Mesa da Assembleia Geral. Assim, a questão que se coloca é a de saber se o requerente deveria ter reagido da deliberação da Comissão Eleitoral para a Assembleia Geral, como se sustenta na decisão recorrida, ou se o deveria ter feito, como fez, para o tribunal, e, sendo assim, qual o tipo de processo a utilizar para o efeito. A Comissão Eleitoral da AP.................... não constitui um órgão directo desta. Órgão é o elemento da pessoa colectiva que consiste num centro institucionalizado de poderes funcionais a exercer pelo indivíduo ou pelo colégio de indivíduos que nele estiverem providos com o objectivo de exprimir a vontade juridicamente imputável a essa pessoa colectiva Os órgãos directos ou imediatos são instituídos pela lei ou pelos estatutos, recebendo destas normas constitucionais os poderes que lhes permitem exprimir a vontade imputável à pessoa colectiva. São indirectos ou mediatos quando recebem esses poderes mediante delegação dos órgãos directos, dada por acto concreto ou por regulamento autorizado por lei – cfr. Marcelo Caetano, Manual de Direito Administrativo vol. I, pags. 204 e 206. Ora, de acordo com os Estatutos da associação requerida (art. 7º), são órgãos desta a Assembleia Geral, a Direcção e o Conselho Fiscal – vide ainda o disposto no art. 162º, do C. Civil. Assim, a Comissão Eleitoral criada no Regulamento Interno da AP.................... constitui um órgão indirecto desta. Na medida em que esse regulamento foi aprovado pela Assembleia Geral, a Comissão é emanação daquela. Deste modo, a deliberação da Comissão Eleitoral foi tomada ao abrigo de competência delegada, sendo delegante o órgão directo (Assembleia Geral). Com efeito, a competência atribuída à Comissão Eleitoral pertencia, face à lei, à Assembleia Geral, ou seja ao colectivo dos associados, na medida em que, nos termos dos arts. 172º, n.º 1, do C.C., compete à Assembleia todas as deliberações não compreendidas nas atribuições legais ou estatutárias de outros órgãos. Assim, a deliberação da Comissão Eleitoral é, verdadeiramente, uma deliberação “dos sócios”, pois que foi tomada ao abrigo de poderes recebidos/delegados da Assembleia Geral, pelo que juridicamente tudo se passa como se tratasse de uma deliberação tomada pela própria Assembleia. Sendo assim, essa decisão foi exercida a título definitivo, pelo que não poderia reclamar-se/recorrer-se para uma entidade (Assembleia Geral) que a tomou por intermédio de um órgão indirecto. Consequentemente, é possível a impugnação judicial directa dessa deliberação, a qual constitui uma deliberação da própria Assembleia Geral. * Perante esta conclusão, é manifesto que o procedimento cautelar próprio para o requerente fazer valer a sua pretensão é o utilizado pelo mesmo, ou seja o procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais.Não se verifica, assim, a situação de erro na forma do processo referenciado na decisão recorrida. * Deverá por isso o processo seguir os seus normais termos para apreciação da questão da legitimidade do requerido (questão não decidida, mas meramente pressuposta na decisão recorrida) e conhecer-se do mérito da pretensão do requerente, após produção dos meios de prova apresentados nos autos (não há que conhecer da questão da legitimidade do requerido, nos termos do art. 715º, n.º 2, do CPC, pois que, independentemente da solução a dar à mesma, sempre o processo haveria de prosseguir os seus termos, nomeadamente contra a requerida).Merece assim provimento o presente recurso de agravo. *** V. Decisão:Pelo acima exposto, dá-se provimento ao recurso e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, devendo os autos prosseguir os seus termos nos moldes supra referidos. Custas pelos agravados. Notifique. Évora, 10 de Maio de 2007 -------------------------------------- (Manuel Marques - Relator) -------------------------------------- (Almeida Simões - 1º Adjunto) --------------------------------------- (D’Orey Pires - 2º Adjunto) |