Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | VÍTOR SEQUINHO DOS SANTOS | ||
Descritores: | LEILÃO JUDICIAL DIREITO DE PREFERÊNCIA CADUCIDADE DO DIREITO ERRO SOBRE ELEMENTOS DE FACTO ANÚNCIO | ||
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Data do Acordão: | 02/13/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | Uma declaração genérica da intenção de exercer o direito de preferência não pode ser qualificada como uma declaração de preferência. Uma declaração de preferência só pode ter lugar na sequência de uma notificação para preferência válida e tem de ser mais que uma mera manifestação de uma intenção de, futuramente, vir a exercer o direito de preferência. Tem de ser a manifestação de uma vontade actual e firme de exercer este direito, com todos os efeitos jurídicos daí decorrentes. | ||
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Decisão Texto Integral: | Processo n.º 2968/21.4T8STR-F.E1 – Insolvência/Liquidação do activo. * Em 11.03.2024, (…), ora recorrente, requereu, resumidamente, o seguinte: - Os imóveis de que é comproprietária, conjuntamente com o insolvente, foram vendidos em leilão electrónico; - A requerente recebeu uma carta do administrador da insolvência (AI), datada de 05.02.2024, informando-a da aceitação das propostas feitas no leilão electrónico, à qual respondeu; - A requerente recebeu nova carta do AI, datada de 27.02.2024; - A requerente exerceu o seu direito de preferência relativamente à venda judicial da metade indivisa do imóvel que constitui a verba n.º 2; - Porém, a venda judicial da metade indivisa do imóvel que constitui a verba n.º 3 foi feita com a indicação, na plataforma leilões, de que se situa no Entroncamento, quando, na realidade, se situa em Torres Novas; - Este erro é grave, violando os princípios gerais de clareza, verdade, transparência e boa fé negocial e condicionando o direito de preferência da requerente; - O mesmo erro gera uma nulidade processual, nos termos do n.º 1 do artigo 195.º do CPC, nulidade esta que abrange o anúncio da venda e o processado subsequente, nomeadamente o direito de preferência da requerente; - Termos em que a venda do imóvel que constitui a verba n.º 3 deverá ser anulada, o mesmo devendo acontecer aos actos processuais subsequentes. O AI pronunciou-se acerca do requerimento apresentado pela recorrente em termos que assim se resumem: - O anúncio da venda identifica correctamente o prédio que constitui a verba n.º 3, nomeadamente no que concerne à sua localização, pelo que os proponentes e licitantes tinham perfeito conhecimento de que aquele se situa em Torres Novas; - Também na certidão de encerramento do leilão, o prédio está correctamente identificado; - Verifica-se um lapso no título do anúncio, mas, nos campos destinados à identificação e descrição do prédio, consta informação conforme com a realidade; - Pelo que a venda não é nula; - No que concerne ao direito de preferência da recorrente, o AI notificou a recorrente para esse efeito através de carta datada de 27.02.2024 e por aquela recepcionada em 07.03.2024; - Nessa carta, o prédio foi correctamente identificado, pelo que a notificação é válida. Em 06.05.2024, a recorrente reiterou o requerimento que apresentara em 11.03.2024, na sequência do qual o AI também reiterou a posição que anteriormente assumira. Na sequência de convite do tribunal a quo para se pronunciar sobre a posição assumida pelo AI, a recorrente disse, resumidamente, o seguinte: - O erro por si denunciado nos seus requerimentos anteriores comprometeu irremediavelmente a sua vontade de preferir, porquanto «ficou cerceada em poder exercer o direito de preferência que lhe cabe, por saber que se o fizesse naquelas circunstâncias poderia também ser nula a sua preferência pelos mesmos motivos»; - O cerne da questão é que «a loja em apreço está a ser ocupada ilegalmente pelo licitante autorizado ou admitido no leilão ocorrido sob nulidade», contra quem a recorrente litiga, «reclamando danos e prejuízos por essa ocupação ilegal e indevida dessa loja levada a leilão», num processo que corre termos no Juízo Local Cível de Torres Novas; - A recorrente nunca autorizou tal ocupação, nem recebeu qualquer contrapartida por ela; - A recorrente «não quer ficar sujeita a preferir e pagar o que for devido e ver-se arrastada eternamente em mais pleitos por conta de a venda ficar inquinada por uma nulidade insanável e sujeita às reclamações possíveis desse licitante e ocupante indevido»; - A segunda notificação para o exercício do direito de preferência não sanou a irregularidade antes cometida na venda e notificação de preferência. Em seguida, o tribunal a quo proferiu o despacho recorrido, que indeferiu o requerido pela ora recorrida, com fundamentação que assim se resume: - A verba n.º 3 foi correctamente descrita no anúncio da venda, excepto no título, onde se diz que o prédio se situa em (…), Entroncamento; - A mesma verba também foi correctamente descrita na certidão de encerramento do leilão; - Consequentemente, os proponentes e licitantes sabiam perfeitamente que o prédio se localizava em Torres Novas e não no Entroncamento; - A recorrente não é compradora, nem exerceu o seu direito de preferência, pelo que não pode arguir a nulidade da venda ao abrigo do disposto no artigo 838.º do CPC; - Não houve qualquer erro material que permita concluir que existiu erro quanto à coisa transmitida por falta de conformidade com o que foi anunciado; - Não houve erro subsumível ao artigo 195.º do CPC, porquanto não houve qualquer erro na identificação do imóvel, quer no anúncio do mesmo, na parte competente para a descrição e identificação do prédio em venda, quer na certidão de encerramento do leilão; - Não há fundamento para repetir a notificação da recorrente para exercer o seu direito de preferência, pois a segunda carta que lhe foi remetida corrigiu o lapso que se verificava na primeira; - Não tendo a recorrente exercido o seu direito de preferência na sequência da segunda notificação, o mesmo caducou. As conclusões do recurso são as seguintes: 1 – A recorrente recebeu em 15.02.2023 uma carta do AI (cfr. doc. 1 incluso no seu requerimento de 11.03.2024 – Ref.ª 48813835), com a informação da aceitação das propostas que tinham sido feitas em leilão judicial sobre as verbas 1 a 3 referentes a imóveis pertença do insolvente em regime de compropriedade com a aqui recorrente e credora comum nesses autos de insolvência. 2 – Oito dias depois a comproprietária e recorrente respondeu àquela comunicação, assim: «…venho confirmar a minha intenção de exercer o direito de preferência que me assiste, relativamente às lojas e não à garagem…sou a enviar o comprovativo do pagamento do valor da venda da metade indivisa da verba nº 2….Relativamente à verba n.º 3 a proposta é nula por não corresponder ao prédio que real e efectivamente sou comproprietária…esta loja foi vendida mal identificada…anunciada em leilão online foi leiloada como verba n.º 3 e anunciada em leilão online judicial como sendo «1/2 (“metade”) Comércio – (…) – Entroncamento (V3)», o que vem repetido na sua notificação para o exercício do meu direito de preferência…sendo, por via disso, nula a venda desta verba nº 3, como reitero, motivo pelo qual não posso exercer o direito de preferência que me assiste…». 3 – Por efeito dessa comunicação recebida, a recorrente exerceu plena e integralmente o direito de preferência sobre uma das lojas, a verba 2. 4 – Não preferiu a verba 3, apesar de o querer fazer como afirmou categoricamente, porque houve erro de identificação do imóvel na comunicação, e houve erro de identificação do anúncio da sua venda judicial. 5 – A recorrente foi novamente notificada para preferir em 07.03.2024 e não antes, como erroneamente vem fundamentada a decisão recorrida. 6 – Reitera, em 07.03.2024 a recorrente recebe a segunda comunicação do AI, datada de 27.02.2024 (…). 7 – Onde o emissor confessa que «a comunicação anterior padecia de um lapso», identifica correctamente a verba n.º 3, junta cópia da certidão de encerramento do visado leilão e invoca-a novamente para o exercício do direito de preferência. 8 – Sem que tivesse aludido à questão suscitada pela preferente sobre nulidade da venda judicial dessa verba. 9 – Nulidade essa por conta do modo como foi anunciada tal venda em leilão electrónico judicial. 10 – Anúncio que consta no link (…). 11 – Nessa plataforma, o visado anúncio menciona expressamente que a loja em causa (verba 3) localiza-se na freguesia de (…) no concelho do Entroncamento. 12 – Esse é o anúncio que promove a venda em causa, e condiciona «ao primeiro olhar» de um qualquer interessado destinar a sua escolha e decidir se compra ou não o imóvel aí divulgado. 13 – Pelas informações aí contidas, um qualquer interessado (equiparado a pessoa de normal diligência), analisa se a venda lhe interessa, e se sim, prossegue em clicar nesse anúncio para detalhar-se das demais informações do imóvel em causa. 14 – Por isso, o anúncio é determinante na captação de interesse do público que lhe é alvo. 15 – E tem de obedecer ao preceituado na Portaria n.º 282/2013, de 29/08, designadamente ao seu artigo 19.º, sobre as regras do «anúncio electrónico», e ao Despacho n.º 12.624/2015, publicado no DR Série II de 9.11.2015, designadamente ao seu artigo 6.º, sobre a «publicidade do leilão». 16 – O que não se verificou in casu. 17 – Tal anúncio foi emitido com erro grave quanto à principal «característica do bem», que é a indicação da sua «localização na freguesia e concelho», elemento essencial relativamente ao negócio em causa. 18 – Erro sobre o imóvel propriamente dito e sobre as suas qualidades, designadamente, sobre a sua localização, freguesia e concelho, que é diversa do que foi anunciado na sua venda. 19 – Contrariando a lei, que exige clareza e rigor na publicitação da venda judicial como se predisse. 20 – O erro no anúncio publicado nessa plataforma que culminou na venda e aceitação da proposta respectiva, é grave e viola os princípios gerais de clareza, verdade, transparência e boa-fé negocial que preside àquele negócio. 21 – O bem em venda tem de ser corretamente anunciado, tal qual o título da sua venda, e a sentença recorrida admite expressamente que «o título da venda é que tinha erro». 22 – Se o título da venda tinha erro, então, a venda foi celebrada sob erro e é anulável. 23 – Sob pena de inverter-se as regras mais básicas de qualquer proposta negocial e sem necessidade de recurso à lei ou jurisprudência. 24 – Erro esse que prejudicou o interesse de qualquer outro proponente, excepto o de um. 25 – O licitante adjudicado, por bem saber de que loja se tratava no anúncio publicado com erro, visto que a ocupa ilicitamente e contra a vontade da sua comproprietária a aqui recorrente. 26 – A recorrente deu conta ao tribunal a quo dessa litigiosidade, invocando e provando sobre a ocupação ilegal dessa loja e cuja reivindicação é matéria em discussão em diverso processo judicial que corre termos contra o predito licitante adjudicado dessa venda. 27 – O que foi ignorado e não atendido pelo tribunal a quo. 28 – Litigiosidade essa que, só por si, impunha que houvesse uma decisão judicial sobre a validade ou invalidade dessa venda e subsequente retoma da garantia do exercício do direito de preferência em causa. 29 – Decisão houve, mas ignorou tal matéria à revelia dos interessados envolvidos. 30 – Em violação do princípio que garanta a participação efectiva das partes no desenvolvimento do todo o litígio e perante qualquer elemento que surja em qualquer fase do processo que esteja em ligação directa ou indirecta com o objecto da causa e possam ser potencialmente relevantes para a decisão (artigo 608.º, n.º 2, do CPC). 31 – Mesmo sem imaginar tal desfecho, a recorrente não podia deixar de reclamar o erro sobre a coisa transmitida por falta de conformidade com o que foi anunciado. 32 – E invocou a nulidade da venda do imóvel, nos termos do art.º 195.º nº 1 do CPC, por remissão, e do subsequente processado, quanto ao direito de preferência que lhe assiste. 33 – Visto que a venda é sem efeito pela nulidade adstrita (artº 839.º nº 1 c) do CPC). 34 – A contrário do decido pelo tribunal a quo, que não reconheceu a existência de qualquer vício na venda da verba 3. 35 – Salienta-se, no quarto dia (07.03.2024) após ter recebido a segunda comunicação para preferir, a recorrente em 11.03.2024 interpôs o pedido de nulidade da visada venda (…). 36 – Interrompendo aquele indicado prazo para o exercício do seu direito de preferência. 37 – Insiste, a recorrente foi novamente notificada para preferir sobre a verba 3 em 07.03.2024 e não em «27-2» como erroneamente vem indicado na sentença recorrida. 38 – Requereu ao tribunal a quo essa nulidade, reclamando que «a venda em causa é nula e não pode fundamentar qualquer efeito subsequente, tal qual o eventual exercício da preferência de que foi destinatária». 39 – E reiterou que «…a segunda notificação remetida ao exercício de preferência, salvo o devido respeito, não sana a irregularidade antes cometida nessa venda e notificação de preferência, tal qual se verificou…», 40 – E finalizou assim: «…requer seja nula a predita venda da «Verba nº 3» e efeitos subsequentes, ou caso assim não se entenda, o que por mera hipótese alvitra e seja validada, deverá a ora requerente ser notificada para poder preferir nos termos legais após tal validação judicial.». 41 – Salienta-se, a recorrente foi peremptória logo na sua resposta ao AI sobre preferir, afirmando: «…venho confirmar a minha intenção de exercer o direito de preferência que me assiste, relativamente às lojas e não à garagem…». 42 – E o facto de a recorrente ter reclamado pela nulidade da venda nos termos em que o fez, não altera nem apaga o que expressamente declarou sobre pretender preferir na venda das duas lojas que foram sujeitas à venda judicial promovida nos autos. 43 – E a recorrente inequivocamente mencionou que tinha vontade em preferir as duas lojas vendidas judicialmente. 44 – Não culminou a preferência da verba 3, porque em seu modesto entender a venda é nula, e por isso teria de ser escrutinada por decisão judicial ao efeito. 45 – Tanto mais que, exerceu plenamente o direito de preferência sobre a outra loja vendida sem qualquer vicissitude ou irregularidade. 46 – E porque a prova da sua declaração enquanto titular da preferência ao obrigado à preferência não se encontra sujeita a forma legal e não depende da junção ao processo de nenhum documento que a comprove (artº 416º nº 2 do CC). 47 – O que não foi respeitado pela sentença em crise. 48 – Que teria de prevenir essa eventual situação, a de não ter sido inequivocamente declarada a vontade de preferir. 49 – Visto que, quando o obrigado à preferência não tenha cumprido o dever de comunicação previsto no n.º 1 do artigo 416.º do CC, ou tenha-o cumprido defeituosamente, ao titular do direito de preferir não pode ser negado os meios processuais de tutela. 50 – O que foi negado à recorrente, e de modo grave. 51 – Como se predisse, a recorrente reclamou a nulidade da predita venda a metade do prazo que tinha para poder exercer o direito de preferência. 52 – Esse prazo é de oito dias subsequentes à predita notificação de que foi destinatária pela segunda vez, e no quarto dia após arguiu pela nulidade da venda correspondente. 53 – Ficando tal prazo interrompido a meio, mas não esgotado, como ficou com a prolação da sentença a quo. 54 – Que decidiu definitivamente sobre a recorrente não ter declarado vontade inequívoca em preferir, não existir fundamento para anulação da venda e a preferência não ter sido exercida tempestivamente junto de quem de direito. 55 – Pois, a decisão recorrida é peremptória: «…no período estipulado de oito dias a requerente não se pronunciou, nem tão pouco exerceu o direito de preferência. Consequentemente, o direito a preferir caducou…». 56 – Tudo a contrário da realidade dos factos que estão cabalmente provados nos autos. 57 – Mesmo que o tribunal a quo pudesse entender que a comunicação da preferência emanada pela recorrente não tivesse sido eficaz, isso não permitiria aduzir que não tendo sido exercido plenamente o direito de preferir nos quatro dias dos oitos consignados ao efeito, isso faz caducar o direito de preferir. 58 – Agravado do facto da arguição da nulidade dessa venda pela recorrente, ter interrompido o prazo que tinha para preferir, na sua metade, ou seja, ao quarto dia. 59 – Assim, o prazo que tinha para preferir não foi sequer esgotado, como agora fica de modo abrupto, total e definitivamente mesmo antes do seu decurso, com a prolação da sentença a quo, em violação grave desse direito detido pela recorrente. 60 – E em violação ao equilíbrio global do processo, por ter sido privada do uso de meios de defesa e no exercício de faculdades processuais que lhe são adstritas, e que face ao decidido fica coartada nesses efeitos e direitos. 61 – A decisão recorrida interpreta e aplica erradamente o disposto no artigo 416.º do CC, no artigo 19.º da Portaria n.º 282/2013, de 29/08 e no artigo 6.º do Despacho n.º 12.624/2015, publicado no DR Série II, de 9/11/2015, bem como o disposto nos artigos 2.º, n.º 2, 195.º, n.º 1, 608.º, n.º 2, 838.º e 839.º, n.º 1, alínea c), todos do CPC e no n.º 1, primeira parte, do artigo 20.º da CRP. 62 – E viola os princípios constitucionais do direito da propriedade privada, da proporcionalidade, da protecção da confiança e da segurança e da paz jurídicas. 63 – Um correcto entendimento da questão controvertida nos autos determinaria uma decisão de invalidade da venda e subsequente invalidade dos demais actos processuais que lhes fossem posteriores. 64 – Ou a contrário, se determinasse a validade da venda como aconteceu, por via disso teria de concluir pela garantia da verificação do exercício do direito de preferência invocado pela recorrente, concedendo-lhe novo prazo ou a continuidade dele para preferir. 65 – Assim, a decisão a quo deve ser revogada e substituída por outra, que não afecte a recorrente impedindo-a de preferir. 66 – Motivo por que, deve ser dado provimento ao recurso e, em consequência, anular-se a sentença recorrida, substituindo-se por outra de acordo com o propugnado nas conclusões antecedentes, fazendo-se assim a acostumada e necessária justiça. Os factos relevantes para a decisão do recurso, documentados nos autos, são, além dos anteriormente referidos, os seguintes: 1 – A recorrente é comproprietária, na proporção de ½, da fracção autónoma designada pela letra I, correspondente ao rés-do-chão esquerdo trás, designado por loja 1 para comércio, um arrumo no 1.º andar e garagem na cave designada pelo n.º 7, em regime de propriedade horizontal do prédio urbano sito na Av. (…), n.º 12, freguesia de (…), concelho de Torres Novas e distrito de Santarém, descrita na CRP de Torres Novas sob o n.º (…) – I, e inscrita na respectiva matriz predial sob o artigo (…) da União das Freguesias de Torres Novas (…), o qual proveio do art.º (…) da extinta freguesia de Torres Novas (…). 2 – A fracção descrita em 1 corresponde à verba n.º 3. 3 – Por carta datada de 05.02.2024, o AI comunicou, à recorrente, que fora aceite a proposta de aquisição da verba n.º 3 apresentada por «(…) e Saúde, Unipessoal, Lda.», no valor de € 17.169,97, e que, por esse meio, a notificava, nos termos e para os efeitos do artigo 165.º do CIRE, para exercer o seu direito de preferência no prazo de oito dias, de acordo com o estatuído no artigo 416.º do Código Civil, sob pena de caducidade deste direito. 4 – Na carta referida em 3, a verba n.º 3 vinha descrita nos seguintes termos: fracção autónoma designada pela letra F, correspondente ao rés-do-chão direito, em regime de propriedade horizontal, do prédio urbano sito na Rua (…) e no Largo das (…), n.º 45, freguesia de (…), concelho do Entroncamento, distrito de Santarém, descrita na CRP do Entroncamento sob o n.º (…) – F, inscrita na respectiva matriz predial sob o artigo (…). 5 – A recorrente respondeu à carta referida em 3, manifestando a sua intenção de exercer o direito de preferência relativamente à verba n.º 3, mas escrevendo o seguinte: «Relativamente à verba n.º 3 a proposta é nula por não corresponder ao prédio que real e efectivamente sou comproprietária tal qual é mencionado na notificação que me enviou, e a venda que indica na sua notificação padece de nulidade como sou a reclamar para todos os devidos e legais efeitos. Porquanto, V. Ex.ª menciona da sua carta que a verba n.º 3 é (passo a transcrever): “Verba n.º 3 – Proposta apresentada por (…) e Saúde, Unipessoal, Lda., no valor de € 17.169,97, com vista a aquisição do imóvel – ½ da fracção autónoma designada pela letra F, correspondente ao rés-do-chão direito, em regime de propriedade horizontal, do prédio urbano sito na Rua (…) e no Largo das (…), n.º 45, freguesia de (…), concelho do Entroncamento, distrito de Santarém, descrita na CRP do Entroncamento sob o n.º (…) – F, inscrita na respectiva matriz predial sob o artigo (…). Ora, esta loja foi vendida mal identificada, pois foi anunciada a venda online na plataforma e-leilões como consta das duas fotos que vão anexas à presente. E aí pode ver-se que a loja e a garagem do Entroncamento foram devidas e legalmente identificadas nessa venda judicial, mas a loja de Torres Novas que sou comproprietária com o Insolvente foi leiloada como verba n.º 3 e anunciada em leilão online judicial como sendo “½ (metade) Comércio – (…) – Entroncamento (V3)”, o que vem repetido na sua notificação para o exercício do meu direito de preferência, como sendo a letra F ou o r/c, dto., do prédio em propriedade horizontal situado na Rua (…) e Largo das (…), n.º 45, no Entroncamento com a descrição predial n.º (…) da CRP do Entroncamento, Freguesia de (…), concelho do Entroncamento, e com o artigo matricial (…) da mesma freguesia e concelho; sendo, por isso, nula a venda desta verba n.º 3, como reitero, motivo pelo qual não posso exercer o direito de preferência que me assiste.» 6 – Por carta datada de 27.02.2024, o AI respondeu à recorrente, nos termos seguintes: «Venho, por este meio, na qualidade de Administrador Judicial, com a cédula 288, nomeado nos autos à margem identificados, informar V. Exa., na qualidade de comproprietária, que a comunicação anterior padecia de um lapso, pelo que, onde estava mencionado “Verba n.º 3 – Proposta apresentada por (…) e Saúde, Unipessoal, Lda., no valor de € 17.169,97, com vista a aquisição do imóvel ½ da fracção autónoma designada pela letra F, composto por rés-do-chão direito, em regime de propriedade horizontal, do prédio urbano sito na Rua (…) e Largo das (…), n.º 45, freguesia de (…), concelho do Entroncamento e distrito de Santarém, descrita na CRP do Entroncamento sob o n.º (…) – F, e inscrita na respectiva matriz predial sob o artigo (…)”, deva considerar-se o seguinte: “Verba n.º 3 – Proposta apresentada por (…) e Saúde, Unipessoal, Lda., no valor de € 17.169,97, com vista a aquisição do imóvel – ½ da fracção autónoma designada pela letra I, composto por rés-do-chão esquerdo trás, designado por loja um para comércio, um arrumo no 1.º andar e garagem na cave designada pelo n.º 7, em regime de propriedade horizontal do prédio urbano sito na Av. (…), n.º 12, freguesia de (…), concelho de Torres Novas e distrito de Santarém, descrita na CRP de Torres Novas sob o n.º (…) – I, e inscrita na respectiva matriz predial sob o artigo (…) da União das Freguesias de Torres Novas (…), o qual proveio do art.º (…) da extinta freguesia de Torres Novas (…)”, conforme a certidão de encerramento do leilão com a referência n.º LO1176572023, que segue junto com a presente missiva. Assim, serve a presente para notificar V. Exa. nos temos e para os efeitos do artigo 165.º do CIRE, nomeadamente para o exercício do direito de preferência, previsto no Código Civil. Poderá exercer o direito de preferência do bem descrito sobre a verba n.º 3 do auto de apreensão de bens imóveis no prazo de 8 (oito) dias, de acordo coo o estatuído no artigo 416.º do Código Civil, sob pena de caducidade de tal direito. Mais se informa que o prazo de pagamento integral do preço é o previsto para o exercício do direito de preferência, ou seja, 8 (oito) dias, devendo o mesmo ser efectuado através de transferência bancária para a conta da massa insolvente com o IBAN junto com a presente missiva, remetendo o comprovativo ao signatário.» 7 – Na sequência da carta transcrita em 6, a recorrente não exerceu o seu direito de preferência relativo ao imóvel que constitui a verba n.º 3. 8 – O título do anúncio da venda do imóvel que constitui a verba n.º 3 é o seguinte: «1/2 ("metade") Comércio – (…) – Entroncamento (V.3)». 9 – No anúncio referido em 8, o imóvel que constitui a verba n.º 3 é descrito nos seguintes termos: «1/2 da fração autónoma designada pela letra "I", composto por Rés-do-chão esquerdo trás, designado por loja um para comércio, um arrumo no 1.º andar e garagem na cave designada pelo n.º 7, em regime de propriedade horizontal do prédio urbano sito na Av. (…), n.º 12, freguesia de (…), concelho de Torres Novas e distrito de Santarém, descrita na CRP de Torres Novas sob o n.º (…)-"I", e inscrita na respetiva matriz predial sob o artigo (…) da União das Freguesias de Torres Novas (…), o qual proveio do art.º (…) da extinta freguesia de Torres Novas (…).» 10 – No campo do anúncio referido em 8 destinado à identificação da descrição predial, consta o seguinte: «N.º da descrição: (…); Fracção: I; Distrito: 14 – Santarém; Concelho: 19 - Torres Novas; Freguesia: 13 – Torres Novas (…); (…) N.º do Artigo: (…); Tipo: Urbana; Fracção: I; Distrito: 14 – Santarém; Concelho: 19 - Torres Novas; Freguesia: 20 - União das freguesias de Torres Novas (…)». 11 – No campo do anúncio referido em 8 destinado à localização do imóvel, consta o seguinte: «Morada: Av. (…), (…); Código Postal: 2350-536; Distrito: Santarém; Concelho: Torres Novas; Freguesia: União das freguesias de Torres Novas (…)». 12 – Na certidão de encerramento do leilão, o imóvel que constitui a verba n.º 3 encontra-se descrito nos seguintes termos: «1/2 da fracção autónoma designada pela letra "I", composto por Rés-do-chão esquerdo trás, designado por loja um para comércio, um arrumo no 1.º andar e garagem na cave designada pelo n.º 7, em regime de propriedade horizontal do prédio urbano sito na Av. (…), n.º 12, freguesia de (…), concelho de Torres Novas e distrito de Santarém, descrita na CRP de Torres Novas sob o n.º (…) - "I", e inscrita na respectiva matriz predial sob o artigo (…) da União das Freguesias de Torres Novas (…), o qual proveio do art.º (…) da extinta freguesia de Torres Novas (…).» 13 – Da certidão referida em 12, consta, como localização do imóvel que constitui a verba n.º 3, a seguinte: «Av. (…), (…), 2350-536 Torres Novas». * 1 A recorrente sustenta que a venda do direito que constitui a verba n.º 3 é nula devido ao facto de o título do anúncio respectivo mencionar, como seu objecto, «1/2 ("metade") Comércio – (…) – Entroncamento (V.3)», quando aquilo que, na realidade, foi posto em venda e efectivamente vendido foi, na mesma terminologia, «1/2 ("metade") Comércio – (…) – Torres Novas». Ou seja, o título do anúncio menciona uma quota de compropriedade de uma loja no Entroncamento, quando aquilo que efectivamente estava à venda era uma quota de compropriedade sobre uma loja em Torres Novas. Esta divergência verificou-se. Contudo, como o tribunal a quo bem decidiu, não invalida a venda efectuada. A única parte do anúncio que diverge da realidade é o título do anúncio. Os campos do anúncio destinados à descrição e à localização do imóvel, que referimos nos n.ºs 9 a 11, foram correctamente preenchidos. A descrição física, a descrição no registo predial, a inscrição na matriz predial e a localização do imóvel correspondem à realidade. Em especial, resulta com toda a clareza do anúncio que o imóvel se situa em Torres Novas e não no Entroncamento. Sendo assim, facilmente se podia concluir, pela leitura do anúncio, que o imóvel se situava em Torres Novas e que o título daquele continha um lapso. Sendo certo que os eventuais interessados não se ficariam pela leitura do título do anúncio, antes lendo a totalidade deste. Nestas circunstâncias, parece-nos seguro que ninguém compraria ou deixaria de comprar a quota de compropriedade do insolvente sobre o imóvel induzido em erro acerca da localização deste. Era evidente que o imóvel se situava em Torres Novas. E, efectivamente, a sociedade adquirente não invocou a invalidade da venda com fundamento em erro sobre a localização do imóvel. Só a recorrente, que sempre soube onde o imóvel se localiza, dado ser comproprietária deste, veio arguir um risco de erro sobre essa localização que nunca se concretizou. Das próprias alegações resulta que a recorrente veio invocar um risco de erro sobre a localização do imóvel sobre o qual incide o direito que constitui a verba n.º 3 com uma finalidade estranha aos fins da liquidação. Na conclusão 25, a recorrente afirma que a sociedade licitante bem sabia de que loja se tratava. Portanto, não é com o hipotético erro desta sociedade que a recorrente está preocupada. Também não é, certamente, com o potencial erro de terceiros eventualmente interessados na aquisição da quota de compropriedade sobre a loja de Torres Novas que a recorrente está preocupada. Se havia potenciais interessados naquela aquisição, que apenas não licitaram por suporem que a loja se situava no Entroncamento, isso só pode ter beneficiado a recorrente. Se tivessem aparecido outros licitantes, muito provavelmente a recorrente teria de cobrir uma proposta de aquisição por preço superior àquela que a única licitante apresentou. A finalidade da recorrente ao suscitar a questão que constitui objecto deste recurso é outra, resultando das conclusões 25 e 26. A recorrente não se conforma com o facto de a loja de Torres Novas se encontrar ocupada exclusivamente pelo insolvente, seu ex-marido, contra a sua vontade e sem qualquer contrapartida pecuniária. Provavelmente, terá razão. Contudo, trata-se de um litígio a dirimir no local próprio, que é a acção judicial referida na conclusão 26, e não aqui, pela via da arguição da nulidade da venda devido a um lapso constante do anúncio desta que a ninguém induziu em erro. Repetimos, a venda é válida. Nomeadamente, não constitui uma nulidade processual nos termos do n.º 1 do artigo 195.º do CPC. Concluímos, assim, que o lapso que se verificou na indicação da localização do imóvel no título do anúncio da venda deste é irrelevante. Atentos os elementos indicados no anúncio na sua globalidade, é impossível que alguém fosse induzido em erro acerca daquela localização. Tanto assim é, que a sociedade adquirente não invocou tal erro. 2 A recorrente invoca um outro lapso na identificação do imóvel cuja quota de compropriedade constituía a verba n.º 3, agora na notificação para preferência que o AI lhe dirigiu. Esse lapso foi, efectivamente, cometido. Todavia, na sequência da resposta dada pela recorrente àquela notificação, o AI efectuou nova notificação, corrigindo a anterior e identificando correctamente o imóvel. Dessa forma, foi permitido, à recorrente, exercer o seu direito de preferência perante uma notificação contendo informação inteiramente correcta. Porém, em vez de, na sequência da segunda notificação, exercer o seu direito de preferência dentro do prazo estabelecido no n.º 2 do artigo 416.º do CC, a recorrida optou por se limitar a reclamar, perante o AI, da existência do lapso cometido na indicação da localização do imóvel no título do anúncio da venda. Ora, esse lapso, além de ser irrelevante pelas razões anteriormente referidas, não afectando a validade da venda, em nada prejudicava o exercício do direito de preferência. Ao contrário da primeira, esta segunda notificação para preferência não padecia de qualquer vício, pelo que produziu todos os seus efeitos: deu a conhecer, à recorrente, que se verificavam os pressupostos do exercício do seu direito de preferência e desencadeou a contagem do prazo de caducidade estabelecido no n.º 2 do artigo 416.º do CC. Daí que a única forma de evitar o decurso desse prazo fosse o exercício do direito de preferência. Não tendo a recorrente exercido este direito dentro do mesmo prazo, verificou-se a caducidade. A este propósito, a recorrente afirma que, ao invocar, no decurso do prazo para o exercício do direito de preferência, a existência de um lapso na identificação do imóvel no título do anúncio da venda, aquele prazo se interrompeu. Porém, não indicou fundamento legal para tal afirmação. Fundamento esse que não existe. A recorrente afirma, por outro lado, que a segunda notificação para preferência «não sana a irregularidade antes cometida nessa venda e notificação de preferência, tal qual se verificou». Também esta afirmação carece de fundamento. Como vimos anteriormente, o lapso cometido no título do anúncio da venda em nada afectou a validade desta. Por outro lado, uma notificação para preferência que rectifica um lapso cometido na anterior, sana o vício que afectava esta última. É precisamente esse o efeito de uma declaração de rectificação. Por efeito da segunda notificação, a recorrente dispôs de um novo prazo para o exercício do seu direito de preferência, o qual foi, assim, plenamente salvaguardado. Esse direito caducou unicamente devido ao seu não exercício dentro do prazo legal de oito dias. Com o fito de impedir a conclusão de que, ao não o exercer dentro do prazo cuja contagem se iniciou com a recepção da notificação para preferência devidamente rectificada, o seu direito de preferência caducou, a recorrente invoca a sua declaração, emitida na sequência da primeira notificação, de que tinha a intenção de exercer tal direito em relação às lojas, mas não à garagem. Como é bom de ver, esta declaração genérica da intenção de exercer o direito de preferência não pode ser qualificada como uma declaração de preferência. Uma declaração de preferência só pode ter lugar na sequência de uma notificação para preferência válida e tem de ser mais que uma mera manifestação de uma intenção de, futuramente, vir a exercer o direito de preferência. Tem de ser a manifestação de uma vontade actual e firme de exercer este direito, com todos os efeitos jurídicos daí decorrentes. A própria recorrente parece não levar a sério esta invocação, porquanto, nas conclusões 3, 44 e 45, reconhece que, através da resposta à primeira notificação para exercer o seu direito de preferência, apenas o fez relativamente à verba n.º 2. Aliás, a parte final da carta em questão, parcialmente reproduzida em 5, não deixa qualquer dúvida a esse respeito: «sendo, por isso, nula a venda desta verba n.º 3, como reitero, motivo pelo qual não posso exercer o direito de preferência que me assiste.». Concluindo, o direito de preferência da recorrente relativamente à venda da verba n.º 3 caducou, bem tendo andado o tribunal a quo ao decidir nesse sentido. * Dispositivo: Delibera-se, pelo exposto, julgar o recurso improcedente, confirmando-se a decisão recorrida. Custas a cargo da recorrente. Notifique. 13.02.2025 Vítor Sequinho dos Santos (relator) Ana Margarida Leite (1.ª adjunta) Eduarda Branquinho (2.ª adjunta) |