Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | SÍLVIO SOUSA | ||
Descritores: | INVENTÁRIO DEPÓSITO BANCÁRIO PRESUNÇÃO DE PROPRIEDADE | ||
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Data do Acordão: | 10/27/2010 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA PARCIALMENTE A SENTENÇA | ||
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Sumário: | I -Uma coisa é o direito de crédito de que é titular cada um dos depositantes solidários e outra o direito real que recai sobre o dinheiro depositado; II - Presume-se que os credores solidários participam nos valores depositados em montantes iguais; III - Provado que a propriedade do bem depositado, o dinheiro, pertence por inteiro a um dos titulares da conta, só este ou os seus herdeiros, em caso de falecimento daquele, podem fazer sua a totalidade do depósito. | ||
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Decisão Texto Integral: | Apelação nº 1441/08.0 TBSTR.E1
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Évora:
Relatório Isabel......................, viúva, residente …………………, intentou a presente acção, na forma de processo ordinário, contra Maria................... e marido, Aníbal................., moradores……………….., pedindo que, sendo declarada única herdeira testamentária e igualmente legitimária de tudo aquilo que o seu falecido marido José................ tivesse livre disposição à data do seu falecimento, e reconhecendo-se que a quantia de €121.000,00 depositada na conta nº ……….., que os demandados transferiram, em 9 de Fevereiro de 2007, para a sua conta a prazo associada à conta à ordem nº ………… da Caixa Geral de Depósitos, de que a demandante não é titular, era exclusivamente composta por dinheiros seu e do seu falecido marido e aqueles não contribuíram para a provisionar, se condene os mesmos a restituir o dito montante de € 121.000,00, acrescido de juros vincendos à taxa legal, articulando factos que, em seu critério, conduzem à procedência da acção, que foi julgada procedente apenas na parte onde se pedia que a Autora fosse declarada única herdeira do falecido. Fundamentação Na sentença recorrida foi dada como provada a seguinte factualidade: - No dia 8 de Fevereiro de 2007, na freguesia de São Nicolau, Santarém, faleceu José................, natural da freguesia de São Vicente do Paúl (alínea a) dos factos assentes); - O falecido teve a sua última residência habitual na ………, Santarém, no estado de casado em primeiras e únicas núpcias de ambos e sob o regime da comunhão geral de bens com a Autora (alínea b) dos factos assentes); - À data do óbito, existiam duas contas na Caixa Geral de Depósitos, com os números072......... e0722.............., no montante de €121.000,00 cada (alínea c) dos factos assentes); - Inicialmente, aqueles montantes estavam na conta número0722.............. (alínea d) dos factos assentes); - Na conta número072......... ficaram como titulares o falecido marido da Autora e os aqui Réus (alínea e) dos factos assentes); - No dia seguinte ao da morte do José................, os Réus liquidaram a conta antes referida, transferindo o dinheiro para uma sua conta a prazo associada à conta à ordem0761.............. da Caixa Geral de Depósitos (alínea f) dos factos assentes); - O falecido José................, em 3 de Maio de 1988, fez testamento - caso a sua mulher lhe não sobrevivesse - à sua irmã - aqui Ré - e ao seu sobrinho José dos Santos Nunes, em comum e partes iguais (alínea g) dos factos assentes); - Em ano não apurado da década de 50, a Ré foi trabalhar, por conta da Autora e seu falecido marido, a apanhar malhas em meias (resposta ao artigo 3º da base instrutória); - A Ré manteve-se ao serviço da Autora e do seu falecido marido até 1967, altura em que casou (resposta ao artigo 4º da base instrutória); - Enquanto ao serviço da Autora e do seu falecido marido, a Ré trabalhava 10 a 12 hora por dia (resposta ao artigo 5º. da base instrutória); - A Autora e o seu falecido marido tratavam a Ré como sua filha e o segundo afirmou algumas vezes que a Ré seria sua herdeira (resposta ao artigo 7º. da base instrutória); - Depois da Ré ter casado e deixado de trabalhar para a Autora e seu falecido marido, este voltou a dizer que queria compensá-la (resposta ao artigo 9º. da base instrutória); - Foi aberta uma conta, na Caixa Geral de Depósitos, com o número07260.............., na qual figura com primeiro titular o Réu marido, como segundo titular a Ré mulher e como terceiro titular o falecido José................ (resposta ao artigo 14º. da base instrutória); - Quando a Ré mulher foi viver para a casa da Autora e do seu falecido marido, tinha alojamento e alimentação gratuitos (resposta ao artigo 15º da base instrutória).
Considerando a questão submetida a apreciação e decisão, importa chamar à colação os seguintes princípios: “Em linhas gerais podemos dizer (…) que a conta bancária se traduz na entrega e transferência de propriedade para o banqueiro da propriedade dos depósitos que lhe são entregues para este lhe dar a utilização que entender, mediante a obrigação de devolução com os respectivos frutos (juros)”[2]. “Quando estiver previsto que a obrigação de devolução do capital e frutos vier a ocorrer no final do prazo acordado, estamos perante um depósito a prazo; quando não se preveja termo de encerramento da conta e só que haja que devolver o saldo existente entre as diversas operações correntes que ao longo do tempo irão correr, ligando ambas as partes contratantes por débitos e haveres, estaremos perante depósitos à ordem”[3]. “A conta solidária expressa, exclusivamente, o direito de crédito que se traduz na faculdade de mobilização dos fundos, de que é titular cada um dos depositantes solidários, na disponibilidade dos valores depositados na conta, cuja titularidade não pré-determina a propriedade dos activos contidos na mesma, e que pode pertencer apenas a algum ou alguns titulares da conta ou, até mesmo, a um terceiro, facilitando aos respectivos titulares, tão-só, a disponibilidade dos fundos que nelas existam”[4]. Ou seja: “são perfeitamente distintos o direito de crédito de que é titular cada um dos depositantes solidários - que se traduz num poder de mobilização do saldo - e o direito real que recai sobre o dinheiro que pode pertencer, apenas, a algum ou alguns dos titulares da conta ou, até, a terceiro”[5]. Nas relações dos credores solidários entre si, presume-se “(…) que os titulares de depósitos solidários participam nos valores depositados em montantes iguais; tal presunção é ilidível mediante prova de que as respectivas partes são diferentes ou que só um dos titulares deve beneficiar de todo o crédito”[6]. “Provado que a propriedade do bem depositado, o dinheiro, pertence por inteiro a um dos titulares da conta, ilidida fica aquela presunção e só o proprietário pode fazer sua a totalidade do depósito”[7].
Relembrados os princípios conexionados com a questão subjudice, é altura de apreciar e decidir: A qualidade de única herdeira, “quer legitimária, quer testamentária”, do falecido José................, por parte da apelante Isabel do Carmo, constitui um facto pacífico para as partes. É, também, inquestionável que o montante de € 242.000,00 que, à data do falecimento do José Costa, se distribuía pelas contas nºs. 072 609 621 68 61, titulada por este e pelos Réus Maria Fernanda................ e marido, Aníbal................., e 072 601 257 19 65, da titularidade da apelante Isabel do Carmo e do falecido José Costa, “estava”, inicialmente, apenas nesta última[8]. Equivale isto a dizer que “a propriedade do bem depositado” na conta nº 072 609 621 68 61 pertencia ao falecido José Costa ou à apelante sua mulher ou, então, a ambos, em principio, em partes iguais. Assim, se os Réus Maria Fernanda................ e marido, Aníbal................. eram titulares do “poder de mobilização do saldo” da conta de que eram credores solidários, já não lhes assiste o direito de o deter ou de o fazer seu, uma vez que não ostentam sobre ele qualquer tipo de direito dominial, nem lhes aproveita da presunção de que “(…) os titulares de depósitos solidários participam nos valores depositados em montantes iguais”. Procede, pois, a apelação. Em síntese[9]: uma coisa é o direito de crédito de que é titular cada um dos depositantes solidários e outra o direito real que recai sobre o dinheiro depositado; presume-se que os credores solidários participam nos valores depositados em montantes iguais; provado que a propriedade do bem depositado, o dinheiro, pertence por inteiro a um dos titulares da conta, só este ou os seus herdeiros, em caso de falecido daquele, podem fazer sua a totalidade do depósito.
Decisão Pelo exposto, acordam nesta Relação revogar a sentença recorrida, na parte declarada improcedente, condenando-se, em consequência, os Réus Maria................... e marido, Aníbal................., também nos restantes pedidos formulados pela Autora Isabel....................... Custas pelos apelados. ******* Évora, 27 Outubro de 2010 Sílvio José Teixeira de Sousa Rui Machado e Moura Maria da Conceição Ferreira
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