Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2327/24.7T8LLE-A.E1
Relator: MARIA JOÃO SOUSA E FARO
Descritores: EXECUÇÃO
COMPETÊNCIA
INDEFERIMENTO LIMINAR
DIFERIMENTO DE DESOCUPAÇÃO DE IMÓVEL
Data do Acordão: 07/15/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A DECISÃO RECORRIDA
Área Temática: CÍVEL
Sumário: Sumário:
I. Se for dada à execução uma sentença para a qual, nos termos da lei de organização judiciária, seja competente secção especializada de execução, não há fundamento para a rejeitar se o requerimento executivo for apresentado no juízo de execução competente ao invés de o ter sido naquele onde a sentença foi proferida;

II. Ainda que a sentença exequenda não contemple a condenação no pagamento de juros de mora podem, no âmbito da execução, ser pedidos tais juros, assim como os compulsórios, desde o trânsito em julgado da mesma;

III. Se no requerimento executivo forem contemplados juros de mora e compulsórios vencidos antes desse momento, deve ocorrer o indeferimento parcial da execução no que aos mesmos concerne;

IV. O diferimento da desocupação de imóvel arrendado para habitação previsto no art. 864º do CPC não é de admitir naquelas situações em que os inquilinos arrendam imóveis por valores que não conseguem desde logo suportar e que se mantém largos anos no seu gozo sem pagarem qualquer contrapartida aos senhorios.

Decisão Texto Integral: ACÓRDÃO

I. RELATÓRIO
1. AA, executada nos autos à margem identificados em que são exequentes BB e CC, veio recorrer do saneador-sentença proferido nos embargos por si deduzidos que os julgou improcedentes, formulando as seguintes conclusões:

i. A sentença recorrida de 20/03/2025, ao julgar improcedentes os embargos de executado, incorre em erros de direito e insuficiência de fundamentação, violando os artigos 85.º, nº 1, 703.º, nº 1, al. a), 729.º, nº 1, alíneas a), c) e e), e 615.º, nº 1, al. b), do CPC, e os artigos 1.º e 20.º da CRP., devendo ser revogada por violação de normas processuais imperativas e princípios constitucionais.

ii. A apresentação do requerimento executivo diretamente no Juízo de Execução ..., em vez de no processo declarativo (Proc. nº 829/22....), constitui uma violação do artigo 85.º, nº 1, do CPC, norma imperativa que regula a competência funcional e a tramitação processual. Sempre se dirá dura lex sed lex (artigo 266.º, n.º 2, da CRP).

iii. Tal irregularidade configura uma exceção dilatória inominada insuprível, nos termos do artigo 576.º, nº 2, e artigo 729.º, nº 1, al. c), do CPC, que impõe o indeferimento liminar do requerimento executivo, por afetar a regularidade da instância executiva e violar o princípio da tutela jurisdicional efetiva (artigo 20.º da CRP).

iv. A jurisprudência dos tribunais superiores, nomeadamente o Acórdão do TRP de 01/02/2016 (Proc. nº 12613/15.1T8PRT.P1), corrobora que a inobservância do artigo 85.º, nº 1, do CPC impede a instauração direta de ação executiva em secção de execução, não sendo sanável por princípios de economia processual ou adequação formal. “determina o artigo 85.º, n.º 2 que a execução é instaurada no processo onde foi proferida a sentença que se pretende executar e só em momento ulterior passará a ser tramitada pelo tribunal com competência especializada de execução. Além disso, não é admissível a sanação do erro cometido pela Exequente, pois tal frustraria o novo regime jurídico estabelecido para a execução de sentença, o objetivo estabelecido pelo legislador de que a sentença seja executada no próprio processo (ao menos num momento inicial), por forma a vincar a continuidade entre a ação declarativa e a execução e a sublinhar a importância do caso julgado.” (negrito e sublinhado nosso)

v. O requerimento executivo não foi instruído com certidão de trânsito em julgado da sentença de 20/12/2023, conforme exigido pelo artigo 703.º, nº 1, al. a), do CPC, configurando a inexistência de título executivo válido, nos termos do artigo 729.º, nº 1, al. a), do CPC.

vi. A sentença recorrida incorre em nulidade por insuficiência de fundamentação (artigo 615.º, nº 1, al. b), CPC), ao não abordar a ausência da certidão de trânsito em julgado, violando o dever de fundamentação e a jurisprudência pacífica que considera tal certidão essencial à validade do título executivo.

vii. A obrigação exequenda é incerta e inexigível, nos termos do artigo 729.º, nº 1, al. e), do CPC, pois o cálculo dos juros foi baseado na sentença nula de 30/11/2022, e não na sentença de 20/12/2023, transitada em julgado a 12/06/2024, introduzindo uma liquidação errónea no montante de €715,02. A liquidez da obrigação deve ser inequívoca no título executivo ou no requerimento, sob pena de nulidade.

viii. A correção da data inicial dos juros pela sentença recorrida, sem nova liquidação formal, não sana a incerteza da obrigação, que deve ser inequívoca no título ou no requerimento executivo, sob pena de nulidade, justificando a extinção da execução.

ix. A recusa do diferimento da execução por 240 dias viola os princípios constitucionais da dignidade humana (artigo 1.º da CRP), bem como o dever de adequação formal (artigo 547.º, CPC) e de gestão processual (artigo 6.º, nº 1, CPC).

x. A Apelante, pensionista por invalidez com rendimento anual de €4.582,58, reside em condições precárias num anexo, sem alternativa habitacional, e a execução imediata do despejo e da cobrança coerciva coloca-a em situação de desproteção absoluta, justificando a suspensão da execução por vulnerabilidade extrema.

xi. A sentença recorrida deve ser revogada, absolvendo a Apelante da instância executiva, por inobservância do artigo 85.º, nº 1, do CPC, inexistência de título executivo válido e incerteza da obrigação exequenda, ou, subsidiariamente, deferindo a suspensão da execução por 240 dias.

Nestes termos, e com o douto suprimento de V. Exas., requer-se ao Venerando Tribunal da Relação de Évora que:

a) Dê provimento ao presente recurso, revogando a sentença recorrida, julgando procedentes os embargos de executado, com a consequente absolvição da Executada da instância, por violação do artigo 85.º, nº 1, do CPC;

b) Subsidiariamente, revogando a sentença recorrida, julgando procedentes os embargos de executado, com a consequente absolvição da Executada da instância por ausência de título executivo válido com fundamento na nulidade do mesmo por inobservância dos requisitos legais;

c) Subsidiariamente, declarar a sentença nula por insuficiência de fundamentação;

d) Subsidiariamente, deferir a suspensão a execução por 240 dias, nos termos dos artigos 6.º, nº 1, e 547.º do CPC, atendendo à fragilidade económica e social da Apelante.

Termos em que e, nos demais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser admitido, julgado procedente por provado, e consequentemente se fará inteira e sã JUSTIÇA!

2. Não houve contra-alegações.

3. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

Como se viu, no caso, apela-se da sentença que conheceu do mérito dos embargos, circunscrevendo-se o objecto do recurso, delimitado pelas enunciadas conclusões (cfr.artºs 608º/2, 609º, 635º/4, 639º e 663º/2, todos do CPC) às seguintes questões:

- Se a sentença enferma de nulidade;

- Se a execução deveria ter sido proposta no Tribunal onde foi proferida a sentença exequenda;

- Se o título (sentença) não reveste os requisitos de exequibilidade;

- Se deveria ter sido deferido o pedido de diferimento de desocupação por 240 dias.

4. É o seguinte o quadro fáctico dado como assente no saneador-sentença:

1. As Exequentes BB e CC, em 18/07/2024, através de requerimento remetido para este Juízo de Execução ..., intentaram a execução para diversos fins (entrega de coisa certa e pagamento de quantia certa) contra AA, apresentando como título executivo a sentença, datada de 20/12/2023, proferida no processo nº 829/22.... que correu termos no Juízo Local Cível ...-Juiz 1, do Tribunal Judicial da comarca ..., no essencial, e no que para aqui interessa, com o seguinte teor “I- Relatório. DD (…) e CC (…) vieram intentar a presente acção de despejo, como processo comum, contra AA (…) residente na Rua 1..., ..., Cidade 1, pedindo que: a) Seja declarado resolvido o contrato de arrendamento do prédio objeto dos autos e, em consequência, b) sejam a ré condenada a restituir aos autores livre e desocupado de bens e pessoas, o prédio urbano identificado em 1. da presente P. I. e objeto do contrato de arrendamento; c) sejam a ré condenada no pagamento da quantia de € 32.500,00 respeitante às rendas vencidas: d) seja a ré condenada a pagar aos autores uma quantia de indemnização por deterioração da coisa. Para tanto, alegam, em síntese, que em Junho de 2017 celebraram contrato de arrendamento com a ré, sendo que, esta deixou de proceder o pagamento das rendas mensais nos termos indicados na petição inicial. A ré, pessoalmente e regularmente citada, não apresentou contestação, nem constituiu mandatário (…) IV- Fundamentação de Facto. IV.1 Factos provados. Com relevo para a decisão da causa, resultaram provados os seguintes factos: 1. Encontra-se inscrita a aquisição, a favor dos autores, do prédio urbano, sito na Rua 1..., ..., Cidade 1, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...57, deram de arrendamento á ré e esta tomou o anexo no prédio suprarreferido em 1. (…) VII- Decisão. Nestes termos, pelo exposto e de harmonia com o disposto nos preceitos legais supracitados, julgo a ação parcialmente procedente, e, em consequência: a) declaro nulo o contrato de arrendamento com início em Junho de 2017, no qual eram locadores DD e CC e locatária a ré AA b) Nos termos previstos no artigo 289º do Código Civil, condeno a ré na entrega/desocupação do locado (descrito no ponto 1 dos factos dados como provados), livre e devoluto de pessoas e bens, aos autores c) Nos termos previstos no artigo 289º do Código Civil, condeno a ré a pagar aos autores o valor de € 11 351,90 (onze mil, trezentos e cinquenta e um euros e noventa cêntimos), referente à indemnização por uso e fruição do prédio até à data da propositura da ação d) Absolvo a ré do demais peticionado pelos autores. Custas pela ré, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia (…)”;

2. A ré e ora Embargante/executada AA interpôs recurso da decisão da 1º instância, recurso que foi apreciado/decidido pelo douto acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Évora datado de 09/05/2024, em cujo segmento decisório consta “V- Decisão. Nos termos e pelas razões expostas, acordam em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida (…)”;

3. Até à presente data a Executada AA ainda não entregou o prédio às Exequentes nem lhes pagou qualquer quantia;

4. A Embargante/executada AA é pensionista por invalidez e no ano de 2023 recebeu pensões no montante de 4.582,58 €.

*
Adita-se, ainda, ao abrigo do disposto no art.º 607º, nº4 do CPC, o seguinte facto:
A sentença referida em 1. transitou em julgado em 12.6.2024 (cfr. ofício do Tribunal Judicial da comarca ..., Juízo Local Cível ... - Juiz 1).

5. Do mérito do recurso

5.1. Da nulidade da sentença.

A apelante apoda a sentença de nula porque se “limitou a afirmar que a sentença de 20/12/2023 e o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 09/05/2024 foram juntos ao requerimento, sem enfrentar a questão da ausência de certidão dos mesmos e de certidão de trânsito em julgado”.

Entende, por isso, que tal “omissão viola o dever de fundamentação (artigo 615.º, nº 1, al. b), CPC) e ignora a jurisprudência pacífica, que exige a certidão e certidão do trânsito em julgado como elemento essencial do título executivo, culminando na nulidade da sentença”.

Dêmos a palavra a Rui Pinto In “Os meios reclamatórios comuns da decisão civil (artigos 613.º a 617.º do CPC)”, Julgar on line, pag.11 e seguintes. que explica circunstanciadamente em que consiste este vício: “A nulidade por falta de fundamentação está prevista na al. b): o tribunal “[n]ão especifi[a] os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”. Constitui uma consequência da violação do artigo 205.º, n.º 1, da Constituição e do artigo 154.º30, bem como do artigo 607.º, n.ºs 3 e 4 (para sentença).

Em especial, o artigo 154.º impõe ao tribunal o dever de fundamentar as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo, a qual fundamentação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição da parte. Poderá, porém, consistir numa adesão a outra decisão, em clara economia processual.

Exemplos: é “nulo um despacho que omite por completo a fundamentação em que se baseia, limitando-se a deferir o requerido” (RG 21-5-2015/Proc. 1/08.0TJVNF-EK.G1 (ANA CRISTINA DUARTE)); porém, nada “obsta a que a fundamentação se faça por adesão à fundamentação jurídica de anterior acórdão de tribunal superior” (STA 20-5-2015/Proc. 050/15 (PEDRO DELGADO)) ou que dada sentença de verificação de créditos faça remissão para a lista elaborada pelo administrador de insolvência ao abrigo do artigo 129.º CIRE (RL 8-3-2018/Proc. 908/17.4T8FNC-B.L1-8 (TERESA PRAZERES PAIS)).

Por seu turno, os n.ºs 3 e 4 do artigo 607.º apresentam a decisão final como a consequência de fundamentos em que o juiz (i) discrimina os factos que considera provados e não provados, após a análise crítica da prova, e (ii) indica, interpreta e aplica as normas jurídicas correspondentes”.

Mais adiante refere: “Situação diversa da falta de fundamentação, é a fundamentação existente não apresentar o mérito demonstrativo suficiente para justificar a parte dispositiva.

Tal ocorre quando a fundamentação existe formalmente, mas padece de insuficiência, mediocridade ou erroneidade. Ora, uma coisa é a decisão não conter fundamentação e, outra, é “bem ou mal, o tribunal fundamenta[r] a decisão” (RP 11-1-2018/Proc. 2685/15.4T8MTS.P1 (FILIPE CAROÇO)). É como um tertium genus, “entre a fundamentação completa, total e indubitável e a falta de fundamentação” (TCAN 28-4-2016/Proc. 00385/08.0BEBRG (MÁRIO REBELO))45.

Aqui já não se trata de uma causa da nulidade prevista na al. b) do n.º 1 do artigo 615.º, mas de uma causa de recurso, por erro de julgamento”.

É apodíctico que a sentença em análise não enferma de falta de fundamentação já que se mostra devidamente justificada (de facto e de direito) a decisão alcançada, sendo certo que apreciou o que tinha para apreciar, tendo em consideração que no âmbito do processo de execução foi pedida ao processo declarativo, nos termos do nº2 do art.º 85º do CPC, informação sobre o trânsito em julgado da sentença exequenda a qual foi prestada em 5.9.2024 com a menção de que o mesmo havia ocorrido em 12-06-2024.

Termos em que improcede a nulidade suscitada.

5.2. Da competência do Juízo de Execução ... para tramitar a presente execução para entrega de coisa certa e para pagamento de quantia certa.

A apelante insiste que a execução deveria ter sido proposta no Tribunal onde foi proferida a sentença exequenda, olvidando-se do que dispõe o nº2 do art.º 85º do CPC: “Quando, nos termos da lei de organização judiciária, seja competente para a execução secção especializada de execução, deve ser remetida a esta, com caráter de urgência, cópia da sentença, do requerimento que deu início à execução e dos documentos que o acompanham.”.

Ora, no caso, competente para a execução, é o Juízo de Execução ... visto integrar igualmente a comarca ..., na qual foi proposta a acção que deu origem à sentença exequenda ( Juízo Local Cível ...)- cfr. art.º 79º do DL n.º 49/2014, de 27 de Março e art. 129º da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto.

Por conseguinte, as exequentes limitaram-se a antecipar o que aquela norma dispõe, apresentando o requerimento executivo e respetivo título no Tribunal para o qual seriam oportunamente remetidos, caso tivessem sido apresentados no Tribunal onde a sentença exequenda foi proferida.

É, por isso, que, também, por regra, o requerimento executivo não carece de ser instruído com a sentença exequenda já que é o próprio Tribunal onde foi proferida a acção declarativa que expede para o Tribunal com competência executiva, oficiosamente e com caráter de urgência, cópia da sentença.

A circunstância de, no caso, a sentença ter sido junta pelas exequentes desprovida de certidão não tem quaisquer consequências já que a lei não a exige, como vimos.

Ademais, nos termos do nº1 do art.º4º da Portaria n.º 280/2013, de 26 de Agosto, “[a] apresentação de peças processuais e documentos por transmissão eletrónica de dados dispensa a remessa dos respetivos originais, duplicados e cópias, nos termos da lei.”.

Por último, sempre se diga que ainda que se considerasse ter sido indevidamente (por prematuridade) apresentado no Juízo de Execução o requerimento executivo, nunca seria de equacionar, por ausência de fundamento legal, a absolvição da instância executiva por esse motivo, já que em todo o caso seria esse o Tribunal competente (em razão da matéria) para tramitar a execução em apreço.

Em suma: a pretensão da apelante de ver extinta a execução com tal fundamento não tem como proceder.

5.3. Dos requisitos de exequibilidade da sentença

Refere a apelante que a obrigação exequenda é incerta e inexigível, nos termos do artigo 729.º, nº 1, al. e), do CPC, pois o cálculo dos juros foi baseado na sentença nula de 30/11/2022, e não na sentença de 20/12/2023, transitada em julgado a 12/06/2024, introduzindo uma liquidação errónea no montante de €715,02.

Vejamos.

Efectivamente, a obrigação exequenda deve ser líquida, i.e. estar numericamente determinada.

E não há dúvidas de que a sentença condenatória dada execução contempla, num dos seus segmentos uma obrigação líquida: “Nos termos previstos no artigo 289º do Código Civil, condeno a ré a pagar aos autores o valor de € 11 351,90 (onze mil, trezentos e cinquenta e um euros e noventa cêntimos), referente à indemnização por uso e fruição do prédio até à data da propositura da acção”.

A questão está em que no requerimento executivo as exequentes peticionam que a tal obrigação “se deve acrescentar a quantia de 666,81€ ( seiscentos e sessenta e seis euros e oitenta e um cêntimos), no que concerne a juros de mora calculados desde 17/01/2023 até 10/06/2024 no que concerne a juros compulsórios e, uma vez que ocorreu trânsito em julgado a 10/06/2024, os mesmos consubstanciam a quantia de 48,21€ (quarenta e oito euros e vinte e um cêntimos).

Ora, o trânsito em julgado da sentença exequenda ocorreu em 12.6.2024 e o que se constata é que os juros liquidados estão mal calculados no requerimento executivo, o que foi igualmente detetado pelo Tribunal “ a quo” que referiu a esse propósito o seguinte: “Embargante/executada alega que o obrigação exequenda é incerta e inexigível, mas não lhe assiste razão, porquanto resulta da sentença condenatória a condenação no pagamento de 11.351,90 € a titulo de indemnização por uso e fruição do prédio até à data da propositura da acção e foi esse montante que as exequentes inscreveram no campo da liquidação como valor liquido, indicando também o valor dependente de simples cálculo aritmético 715,02 €, que corresponde aos juros, considerando calculando os mesmos desde 17/01/2023, quando a data a considerar será a data do trânsito em julgado da decisão, ou seja, 12/06/2024, pelo que aquando da liquidação da quantia exequenda, os juros deverão ser calculados apenas a partir dessa data, sendo certo que aos juros de mora acrescerão os juros compulsórios previsto no artigo 829º-A, do Código Civil.

Do exposto, resulta que a obrigação exequenda, no que tange à execução para pagamento de quantia certa, é certa e é exigível, havendo apenas que considerar, aquando da liquidação do julgado, a contagem dos juros de mora desde a data do trânsito em julgado (12/06/2024) a que acrescerão os juros compulsórios, os quais, de resto, foram desde logo peticionados pelas exequentes no requerimento executivo e computaram os já vencidos até à data da apresentação do requerimento executivo em 48,21 €.”.

Vejamos.

A lei estabelece que se consideram abrangidos pelo título executivo os juros de mora, à taxa legal da obrigação dele (Cfr. nº 2 do art.º 703º do CPC).

Sobre alcance desta disposição, referem a pag. 22 do II volume do CPC anotado Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa:

“Era discutida a extensão da força executiva da sentença aos juros de mora que nela não estivessem expressamente consignados. Em face do anterior regime que não continha o segmento normativo que agora corresponde ao nº 2 do artigo 703º, Abrantes Geraldes já defendera a extensão da executoriedade a essa prestação complementar (em “Exequibilidade da sentença condenatória quanto aos juros de mora, CJ 2001, t. I, pp. 55 a 62). As dúvidas a tal respeito dissiparam-se com o aditamento do nº 2 do artigo 46º do CPC de 1961 tornando inequívoca a possibilidade de ser exigido o cumprimento coercivo dos juros de mora à taxa legal. Porém, em atenção à jurisprudência fixada pelo AUJ nº 9/15 ( “Se o autor não formula na petição inicial, nem em ulterior ampliação, pedido de juros de mora, o tribunal não pode condenar o réu no pagamento desses juros”) apenas poderão ser exigidos juros de mora vencidos posteriormente à prolação da sentença já que seria contraditório negar a possibilidade de condenação oficiosa no pagamento de juros correspondentes a um período anterior e aceitar, apesar disso, que a sentença pudesse servir para sustentar um pedido executivo de pagamento de juros não peticionados na acção declarativa”.

De acordo com o entendimento expresso por aqueles autores, que acompanhamos, ainda que a sentença não contemple a condenação no pagamento de juros de mora, como aqui sucede, podem, no âmbito da execução, ser pedidos juros de mora desde o trânsito em julgado da mesma, no caso ocorrido em 12.6.2024.

Isto significa que a sentença exequenda não constitui título executivo relativamente aos juros de mora pedidos antes do seu trânsito em julgado, o que implica o indeferimento parcial da execução no que aos mesmos concerne ( art.10º , nº5 e 726º, nº3, ambos do CPC).

De igual modo, os juros compulsórios previstos no art.º 829º-A, nº 4 do Cód.Civil só são devidos a partir do trânsito em julgado da sentença exequenda.

As exequentes computaram-nos erradamente desde 10/06/2024, ou seja, dois dias antes do trânsito em julgado, o que também não pode ser consentido por ausência de título para tanto.

De todo o modo, estes erros de cálculo não retiram liquidez ao crédito exequendo, devendo apenas proceder-se à redução da dívida exequenda em conformidade.

5.4. Do diferimento da desocupação.

Insurge-se, por último, a apelante contra a decisão do Tribunal de 1ª instância no sentido de não diferir a desocupação do imóvel considerando a sua fragilidade económica e social.

O Tribunal “a quo” negou-lhe a sua pretensão referindo que: “O Tribunal não fica indiferente às dificuldades económicas que a Executada atravessa, as quais são patentes, desde logo atendendo à magra pensão por invalidez que a mesma aufere (auferiu no ano de 2023 penas o montante total de 4.582,58 €), mas a Executada também não pode ignorar que desde Março de 2020, ou seja, desde há cinco anos, que não paga qualquer valor pela ocupação do anexo que é propriedade das Exequentes e, por sentença datada de 20/12/2023 foi condenada a entregar o anexo livre de pessoas e bens, e também foi condenada a pagar o montante de 11.351,90 € a titulo de indemnização por uso e fruição do referido anexo, e até ao momento, volvidos mais de 15 meses não só não entregou o anexo às Exequentes, como também não pagou qualquer quantia, pequena que fosse, às Exequentes.”.

Vejamos.

No artigo 864º do CPC prevê-se o diferimento da desocupação de imóvel arrendado para habitação nos seguintes termos:

1 - No caso de imóvel arrendado para habitação, dentro do prazo de oposição à execução, o executado pode requerer o diferimento da desocupação, por razões sociais imperiosas, devendo logo oferecer as provas disponíveis e indicar as testemunhas a apresentar, até ao limite de três.

2 - O diferimento de desocupação do locado para habitação é decidido de acordo com o prudente arbítrio do tribunal, devendo o juiz ter em consideração as exigências da boa-fé, a circunstância de o arrendatário não dispor imediatamente de outra habitação, o número de pessoas que habitam com o arrendatário, a sua idade, o seu estado de saúde e, em geral, a situação económica e social das pessoas envolvidas, só podendo ser concedido desde que se verifique algum dos seguintes fundamentos:

a) Que, tratando-se de resolução por não pagamento de rendas, a falta do mesmo se deve a carência de meios do arrendatário, o que se presume relativamente ao beneficiário de subsídio de desemprego, de valor igual ou inferior à retribuição mínima mensal garantida, ou de rendimento social de inserção;

b) Que o arrendatário é portador de deficiência com grau comprovado de incapacidade superior a 60 %.

3 - No caso de diferimento decidido com base na alínea a) do número anterior, cabe ao Fundo de Socorro Social do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social pagar ao senhorio as rendas correspondentes ao período de diferimento, ficando aquele sub-rogado nos direitos deste.

Sendo incontroverso que o imóvel em apreço se destina a habitação da embargante, provou-se igualmente que a mesma é pensionista por invalidez e que no ano de 2023 recebeu pensões no montante de 4.582,58 €.

Serão tais factos suficientes para diferir a entrega do imóvel?

Cremos que não.

Como se vê, “a lei, no nº2, do referido artigo, confia a decisão ao prudente arbítrio do tribunal, apelando, desse modo ao bom senso e racionalidade do juiz, mas aponta critérios decisórios, prescrevendo que devem ser tomadas em consideração:

- as exigência da boa-fé;

- a circunstância de o insolvente não dispor, imediatamente, de outra habitação;

- o número de pessoas que com ele habitam;

- a sua idade;

- o estado de saúde;

- a situação económica e social das pessoas envolvidas.

Acresce que a invocação das referidas "razões sociais imperiosas" não vale, só por si, para obter a tutela legal, que pressupõe a verificação de, pelo menos, um dos fundamentos condicionantes taxativamente previstos nas als. a) e b) do referido nº2, do art. 864°.

Com efeito, o juiz só será chamado a apreciar as primeiras, no uso do poder discricionário que a lei lhe concede (cfr. nº 4, in fine do art.º 152.°), se verificada uma de duas situações atinentes à pessoa do insolvente:

a) carência de meios, a qual se presume relativamente a beneficiário do subsídio de desemprego, de valor igual ou inferior à retribuição mínima mensal garantida, ou de rendimento social de inserção;

b) ser portador de deficiência com grau comprovado de incapacidade superior a 60% (cf. n.º 2 do art.º 864.°) Assim, AC.TRG, 1.3.2018 Eugénia Cunha).”.

No caso, a carência de meios é evidente mas há que ponderar que este expediente, que reveste natureza excepcional, não pode dissociar-se, como a lei refere, das exigências da boa-fé.

Ora, o mesmo não foi seguramente gizado para situações em que os inquilinos arrendam imóveis por valores que não conseguem desde logo suportar e que se mantém largos anos no seu gozo sem pagarem qualquer contrapartida aos senhorios, como aqui sucedeu.

Também neste segmento, a sentença não merece censura.

III. DECISÃO

Por todo o exposto, acorda-se em julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência, alterando a decisão recorrida, julgam-se parcialmente procedentes os embargos deduzidos, determinando-se o cômputo dos juros de mora e dos juros compulsórios sobre o capital de € 11 351,90 a partir de 12.6.2024, reduzindo-se assim, a quantia exequenda em conformidade.

Custas por apelante e apeladas na proporção do decaimento.

Évora, 15 de Julho de 2025

Maria João Sousa e Faro (relatora)

Maria Adelaide Domingos

José António Moita