Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
926/08.3TTSTB.E1
Relator: PAULO AMARAL
Descritores: COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS
Data do Acordão: 11/08/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: TRIBUNAL DO TRABALHO DE SETÚBAL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Sumário:
I- A invocação da compensação, por si só, não garante a existência de créditos mútuos.
II- Não existindo créditos entre as partes não é possível a compensação.

Sumário do relator
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Évora
M…. Lda. foi condenada a pagar a F… (1.º) a quantia de €369,90 de ajudas de custo e (2.º) a quantia de €2.625,00 a título de férias e subsídio de férias vencidos em 1 de Janeiro de 2008, e a título de proporcionais do ano da cessação.
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Inconformada, recorre da sentença que a condenou no pagamento da última rubrica.
Alega, para tanto, que à data da cessação do contrato, a R. compensou créditos emergentes do contrato com quantias por si expendidas no pagamento de uma formação, feita em 2007; o pagamento desta formação é um mútuo sendo que, por não ter data de regularização, o respectivo crédito podia ser exigido a qualquer momento depois de cessada a relação laboral.
Verificando-se os pressupostos da compensação, esta devia ter sido atendida pelo tribunal.
A sentença revela um sentido diverso da norma que estabelece os pressupostos da compensação e entra em manifesta oposição com a factualidade provada.
Termina concluindo que ao decidir da forma como fez, a sentença é nula, nos termos do art.º 678.º do Cód. Proc. Civil.
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O recorrido contra-alegou defendendo o decidido por considerar que não existe qualquer crédito da R. sobre o A..
Mais defendeu que não há qualquer nulidade na sentença.
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Admitindo que o preceito legal que a recorrente queria citar fosse o art.º 668.º, o certo é que dela se não conhecerá por não ter sido devidamente arguida (cfr. art.º 77.º, n.º 1, Cód. Proc. Trabalho).
A arguição integra-se nas alegações e não foi deduzida em separado e dirigida ao tribunal que proferiu a sentença.
Assim, não se conhece desta questão.
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Os factos a ter em conta para a decisão do presente recurso são os seguintes:
1- O A. foi trabalhador da R. desde 1996 até 30 de Junho de 2008, altura em que rescindiu o contrato
2- Aquando da data da cessação do contrato de trabalho do A. a R. nada lhe pagou a título de créditos laborais emergentes de férias, subsídio de férias e proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal por ter procedido à compensação das aludidas quantias com quantias por si despendidas no pagamento e uma formação na área de soldadura e respectivo exame de qualificação, tudo no valor de €2.084,05.
3- Esta formação estava excluída do âmbito da formação ministrada pela R. e foi a esta solicitada pelo A. e por este frequentada no período de férias do ano de 2007.
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Como é sabido, a compensação (art.º 847.º, n.º 1, Cód. Civil) é uma forma de extinção das obrigações e que tem na sua base dois contra créditos, ou seja, créditos mútuos. Em vez de cada um dos devedores cumprir isoladamente a sua prestação, dão-se ambos por pagos pelo montante comum dos créditos. Estes consideram-se «extintos por encontro de contas, ou por compensação como tecnicamente se diz, para evitar às partes um duplo acto de cumprimento perfeitamente dispensável» (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. II, 4.ª ed., Almedina, Coimbra, 1990, p. 186).
Ponto é, naturalmente, que existam créditos; ponto é que entre as partes tenha sido constituída alguma obrigação.
O problema aqui é esse mesmo. Podem os factos acima expostos configurar um crédito da R. sobre o A.? Um contrato de mútuo, como alega a R.?
O que se sabe é que a R. pagou uma formação ao A. e que este a realizou no período das suas férias.
Qual foi a causa do pagamento? O interesse da R. num trabalhador mais competente? Um empréstimo? O A. fez a formação nas férias porque aproveitou o seu tempo disponível para auto-formação, embora tivesse precisado do dinheiro da R.? Combinaram as partes alguma coisa entre si?
Ao fim e ao cabo, que negócio foi estabelecido entre ambos?
Não temos factos nenhuns que integrem qualquer negócio jurídico. Poderíamos ter, eventualmente, a execução de um negócio mas sem se saber o conteúdo deste não temos maneira de afirmar que o A., por causa daquela formação, se obrigou perante a R., ou seja, que esta adquiriu um crédito sobre o A.. Como se escreve na sentença recorrida, «essencial teria sido que a R. tivesse alegado e provado a fonte do pagamento a que procedeu». O simples invocar a compensação não dá por certo que ela se verifique.
O pagamento da formação e a sua realização em tempo do A. fora da disponibilidade da R. são factos insuficientes para sobre eles estabelecermos alguma presunção, isto é, para sobre eles definirmos como existentes outros factos (designadamente, o contrato).
Desconhecendo-se a fonte do pagamento da formação feito pela R., e mesmo tendo a formação beneficiado o A. (como, aliás, também beneficiou a R.), não se pode concluir que a R. tenha um direito de crédito sobre o A..
Sendo assim, não se verifica a compensação por falta de um dos seus pressupostos (créditos mútuos).
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Pelo exposto, julga-se a apelação improcedente.
Custas pela apelante.
Évora, 8 de Novembro de 2011
Paulo Amaral
João Luís Nunes
Joaquim Correia Pinto