Decisão Texto Integral: |
Acordam os Juízes, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
I - RELATÓRIO
Nos autos de processo comum, com intervenção do tribunal singular, com o nº 75/08.4TAORQ, do Tribunal Judicial de Ourique, foi acusado o arguido J como autor material de um crime de injúria, p. e p. pelo artigo 181º, nº 1, do Código Penal.
Constituiu-se assistente nos autos S.
A assistente deduziu pedido de indemnização civil, solicitando a condenação do arguido a pagar-lhe a quantia de sete mil euros, a título de ressarcimento por danos não patrimoniais.
Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, na qual foi decidido o seguinte:
“- Julgar a acusação procedente por provada e, consequentemente:
A) Condenar o Arguido J como autor material de um crime de injúria, p. e p. pelo artigo 181.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa, à razão diária de € 12,00 (doze euros), o que perfaz o montante de € 1.200,00 (mil e duzentos euros).
B) Condenar o Arguido no pagamento das custas e encargos do processo, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC.
- Julgar o pedido de indemnização cível parcialmente procedente por parcialmente provado e, consequentemente:
C) Condenar o Demandado J a pagar à Demandante S a quantia de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros), a título de indemnização pelos danos não patrimoniais por esta sofridos, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% ao ano, contabilizados desde a data da notificação ao Demandado do pedido de indemnização civil deduzido pela Demandante e até integral pagamento.
D) Condenar o Demandado e a Demandante no pagamento das custas do pedido de indemnização civil na proporção dos respectivos decaimentos”.
Inconformado com a sentença condenatória, dela interpôs recurso o arguido, apresentando as seguintes (transcritas) conclusões:
“1ª - O suporte magnético que contém o registo da Audiência não permite ouvir inteligivelmente nas instâncias da Meritíssima Juiz a quo, as perguntas desta Magistrada, nas instâncias do M.P., as perguntas dessa Magistrada, nas instâncias do Advogado da assistente, as suas perguntas e nas instâncias do Advogado do arguido, a generalidade das suas perguntas;
2ª - Tal facto não permite fazer uma “leitura” lógica e correcta, dos depoimentos prestados e gravados;
3ª - Assim é que, submete o recorrente à superior análise Dessa Veneranda Relação a devolução dos autos ao Tribunal a quo para a repetição da Audiência de Discussão e Julgamento, com a finalidade de ser obtido o eficaz registo da prova;
4ª - O Tribunal a quo não valorou devidamente, entre outros, os depoimentos das testemunhas A, oferecida pela assistente e SQ e RB, indicadas pelo recorrente;
5ª - Na verdade, a testemunha A, médica, que conhece o recorrente há 23 anos observou e analisou a sua conduta afirma:”Eu acho que ele não estava bem. Ele estava muito tenso. Eu conheço-o vai fazer 23 anos, já o vi em várias situações de tensão mas nunca o tinha visto naquele estado de ansiedade e tensão) - depoimento 15:06:05 - cfr. - 8.47/9.11;
6ª - Comportamento que avalia no arguido recorrente dizendo: “Foram as palavras que lhe vieram à boca naquela altura. Podiam ter vindo outras. Foi mesmo pelo choque da Sra. ter aparecido e se ter dirigido a ele, que eu penso que ele não estava à espera que isso acontecesse”.Depoimento 15:06:05 – cfr 9.23/ 9.43;
7ª - E acrescenta:”Claramente as pessoas ficaram com impressão que ele estava aborrecido e que aquilo era um acto de raiva e desespero. E ninguém ficou pensando que a D. S era aquilo que o Sr. lhe estava a chamar. De maneira nenhuma. Ele estava fora de si. Claramente, toda a gente notou.” – cfr 10.35/1050;
8ª - E a testemunha SQ declarou (depoimento no suporte a partir de 15:46:46) 6.40 “As pessoas que estavam presentes eram as pessoas que tinham sido convocadas naquele dia para o processo em causa.” Termina 6.45 - 6.57 “Eu não me apercebi, como eu disse, apenas o barulho em si, vi que a pessoa estava exaltada, mas não me recordo de ter ouvido a pessoa chamar qualquer tipo de nome à D. S. Sim, gesticulou de forma exaltada mesmo, sim, sim…”. Termina 7.26.
9ª - E a Testemunha RB (depoimento gravado a partir de 15:58:59) “Estive (no tribunal). Quem estava eram as testemunhas, …Era tudo pessoas conhecidas. … eram testemunhas de uma parte e doutra”.Cfr. – 4.00/4.13;
10ª - A D. S era responsável pelo gabinete da Cultura da Câmara Municipal dependia do Presidente, o Sr. J, acho que estava requisitada em comissão de serviço;
11ª - E aqui a sucessivas questões colocadas e inaudíveis, acrescentou no seu depoimento: o Presidente, havia até porque, havia ali uma relação de grande amizade que vinha detrás do tempo do Instituto, o FAOJ, eu era o motorista do Sr. J, apercebia-me e apercebia-se quem lidava, pronto, as pessoas aqui de Ourique apercebiam-se que havia uma grande amizade entre os dois, era uma coisa que já durava há muitos anos, acho que houve sempre um comportamento de protecção, acho e ouvia-se as pessoas a comentar que o J não devia ter cá pessoas de fora e o J não fazia caso disso, sempre protegendo como protegia a Sandra e também outras pessoas que trabalhavam com ele no Gabinete, isso é normal, acho que havia uma amizade de grande confiança e uma relação assim mais directa, pelo menos cheguei a vê-la algumas vezes. Neste momento é o Provedor da Misericórdia, foi Presidente da Câmara durante 12 anos” cfr. - 6.36/12.19;
12ª - Venerandos Desembargadores, se o Tribunal a quo tivesse valorado, como devia, os depoimentos transcritos supra, certo era que o arguido não poderia ser condenado como autor material do crime de injúrias, como, de facto foi e ora se impugna;
13ª - Efectivamente, ao proferir as palavras que lhe são imputadas, não quis ofender a assistente na sua honra e consideração, outrossim, proferiu aquelas como poderia ter proferido quaisquer outras palavras, sob fortíssimo estado de tensão, palavras sem conteúdo nem intenção de ofender, como percebeu claramente quem as ouviu e acima se transcreveu;
14ª - De resto, ninguém acreditou não só que o recorrente quisesse apelidar ou chamar o que chamou à assistente, como também ninguém ficou a acreditar que aquela seria o que este lhe chamou!!!
15ª - Tudo proferido, sob forte estado de tensão emocional, como consequência da interpretação, pelo arguido, de que o comportamento da assistente ao aceitar, dada a retratada situação de profunda amizade e de confiança recíproca, testemunhar contra si, constituía violação dessa confiança e amizade, e dos princípios de reconhecimento, probidade e gratidão que supunha nortear essas mesmas relações, também por parte da assistente.
16ª - Desta maneira, devendo valorar como indicado, os depoimentos transcritos, o Tribunal a quo não poderia julgar procedente a acusação e condenar o recorrente como autor material do crime por que fora acusado. Ao fazê-lo, violou, entre outras, as disposições do artº.181º. do C. Penal;
17ª - Por outro lado, o arguido encontra-se aposentado, auferindo mensalmente a quantia líquida de 1820,62 Euros, é Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Ourique, é tido pelas pessoas com quem se relaciona, como boa pessoa, bem conceituado socialmente e tem como despesas fixas mensais, pelo menos, as resultantes de prestações a entidades bancárias e a prestação alimentar a uma filha menor, o encargo de 1.001,83€;
18ª - As palavras proferidas pelo arguido foram completamente desvalorizadas por quem as ouviu, não tendo assumido o seu comportamento qualquer repercussão nem gravidade social.
19ª - Tão-pouco foi do conhecimento de outras pessoas, para além das poucas que ouviram tais expressões e a que não atribuíram qualquer relevância, nem significado, apenas as perceberam como resultado do estado de forte tensão e da sua leitura de ingratidão do comportamento da assistente ao disponibilizar-se testemunhar contra o arguido;
20ª - Atento todo o circunstancialismo, não seriam susceptíveis de ofender a honra e consideração da assistente, pois que, como se alega, presente todas as circunstâncias retratadas, como muito bem diz o povo na sua imensa sabedoria: “Mulher honrada não tem ouvidos”;
21ª - A assistente não viu a sua capacidade para o trabalho e concentração diminuída, o sentimento de desgosto pela situação não perdurou, nem sentiu qualquer constrangimento ou mal-estar nas deslocações ao Tribunal;
22ª - Se, por mera hipótese sem conceder, com o circunstancialismo descrito, for entendido que o comportamento do recorrente pode subsumir-se ao disposto pelo artº. 181º. do C. Penal, atento tudo o supra plasmado, deverá ser aplicada ao arguido uma pena de multa não superior a 30 dias, à taxa diária de 5,00€, substituindo-se por trabalho a favor da comunidade, porque por esse meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição;
23ª - E condenado numa indemnização não superior a 100,00€, tendo em conta a pouca intensidade do dolo, a insignificante gravidade da conduta, a nula repercussão e desconsideração da mesma pelos circunstantes, a inexistência e/ou insignificância do dano a que aquela, concretamente balizada, deu causa;
24ª - Assim, mesmo neste configurado entendimento, que só por mera hipótese se coloca, sempre com a sentença impugnada o Tribunal a quo teria violado, entre outras, as disposições dos artºs. 181º., 70º. e sgs do Código Penal.
Termos em que,
Deve ser dado provimento ao Recurso, devolvendo-se os autos ao Tribunal a quo, para repetição e registo eficaz da prova, ou se assim não for entendido, alterando-se a douta decisão recorrida, substituindo por outra que absolva o recorrente in totum, ou se ainda assim, por mera hipótese, não for entendido, revogar-se a sentença impugnada e substituir-se por outra que aplique ao Recorrente uma pena de 30 dias de multa à taxa diária de 5,00 €, substituindo-se por trabalho a favor da comunidade porque por esse meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição e o condene numa indemnização não superior a 100,00 €”.
O Ministério Público na primeira instância apresentou resposta, concluindo que o recurso deve ser julgado improcedente, e, como tal, devendo manter-se na íntegra a sentença recorrida.
Do mesmo modo, a assistente respondeu ao recurso, entendendo que este não merece provimento.
Neste Tribunal da Relação, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer, concluindo também pela total improcedência do recurso.
Cumprido o disposto no nº 2 do artigo 417º do C. P. Penal, não foi apresentada qualquer resposta.
Efectuado o exame preliminar, determinou-se que o recurso fosse julgado em conferência.
Colhidos os vistos legais, e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.
II - FUNDAMENTAÇÃO
A DECISÃO RECORRIDA.
A sentença proferida nos autos é do seguinte teor (quanto aos factos, provados e não provados, e quanto à motivação da decisão de facto):
“A) Factos provados
Produzida a prova e discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos com interesse para a boa decisão da causa:
1. No dia 8 de Abril de 2008, cerca das 9h30m, a Assistente S deslocou-se ao Tribunal Judicial de Ourique, para aí ser ouvida na qualidade de testemunha em processo judicial de divórcio em que o Arguido era parte.
2. A Assistente fora então arrolada como testemunha da parte contrária ao Arguido.
3. Nessa ocasião, o Arguido, ao deparar-se com a Assistente, dirigiu-lhe as seguintes expressões: “Puta”, “Cabra”, “Ordinária”, “Desaparece mas é daqui!”.
4. E fê-lo em tom de voz alto (aos gritos), agressivo, de forma acintosa e alterada, no átrio do primeiro piso do edifício do Tribunal, enquanto se aguardava a realização da chamada.
5. Nessa ocasião aquele local estava cheio de pessoas que presenciaram e ouviram as palavras do Arguido.
6. O Arguido conhecia a Assistente há cerca de 11/12 anos, mantendo com a mesma uma relação profissional e também de amizade.
7. E sabia que a mesma fora arrolada como testemunha no processo judicial em que era parte.
8. O Arguido sabia que as palavras referidas em 3. eram aptas a atingir a Assistente na sua honra e consideração e ainda assim quis dirigir-lhas, como o fez.
9. E fê-lo com o propósito de denegrir, diminuir e humilhar a Assistente e atingi-la na sua reputação e consideração social.
10. O Arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, ciente de que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
11. Na ocasião dos factos o Arguido encontrava-se nervoso e agitado com o processo de divórcio em curso e com a sua separação em relação aos filhos.
12. E pese embora o referido em 7., ficou revoltado e transtornado com a presença da Assistente, pois que atenta a relação de amizade que mantinha com a mesma, tivera esperança de que esta não comparecesse em Tribunal.
13. Como consequência da conduta do Arguido a Assistente ficou chocada e perturbada e sentiu desgosto, tristeza e vexame.
14. A Assistente é Técnica Profissional do Instituto Português da Juventude.
15. É pessoa honesta, séria e considerada no seu meio social.
16. E é respeitada e tida como boa profissional e pessoa de trato educado por aqueles que com ela privam.
17. O Arguido é tido por aqueles que com ele privam e se relacionam como pessoa respeitada, respeitadora e bem considerada no meio social em que se insere.
18. É Provedor da Santa Casa da Misericórdia.
19. Encontra-se reformado e aufere uma pensão no montante líquido de € 1.820,62.
20. Vive só, em casa própria, suportando o encargo mensal da prestação para amortização do empréstimo contraído para a sua construção no montante de € 352,10 a que acresce uma prestação de € 237,73 para amortização de crédito multiopções.
21. O Arguido suporta mensalmente o encargo de cerca de € 276,00 com a amortização de um crédito pessoal.
22. O Arguido paga a título de prestação de alimentos à sua filha de 11 anos de idade, a quantia mensal de € 150,00.
23.O Arguido tem como habilitações literárias o 5.º ano do liceu.
24. Por sentença datada de 17/02/2004, transitada em julgado, proferida no âmbito do processo n.º 159/01.0GCORQ, que correu termos no Tribunal Judicial de Ourique, o Arguido foi condenado pela prática de um crime de difamação, na pena de cento e quarenta dias de multa, por factos ocorridos em 15/04/2002.
25. Por sentença transitada em julgado em 01/06/2007, proferida no âmbito do Processo n.º 4/03.1TAORQ, que correu termos no Tribunal Judicial de Almodôvar, o Arguido foi condenado pela prática de um crime de difamação, na pena de duzentos e cinquenta e cinco dias de multa, por factos ocorridos em 08/07/2002.
B) Factos não provados
Expurgadas as alegações conclusivas, de direito ou meramente probatórias, que serão consideradas em sede própria, com interesse para a decisão não resultaram provados quaisquer outros factos, para além dos já mencionados, designadamente não ficaram provados os seguintes factos:
26. Que a Assistente seja tida por pessoa de esmerada sensibilidade por aqueles que com ela privam.
27. Que em consequência da conduta do Arguido a Assistente tenha visto diminuída a sua capacidade para o trabalho e concentração.
28. Que os sentimentos de desgosto e perturbação referidos em 13. ainda perdurem.
29. Que a Assistente tenha sentido mal-estar nas deslocações ao Tribunal.
C) Indicação e exame crítico das provas que serviram para fundamentar a convicção:
O Tribunal formou a sua convicção no exame crítico de toda a prova produzida, apreciada no seu conjunto segundo as regras da experiência comum e livre convicção do julgador, designadamente nas declarações do Arguido e da Assistente e nos depoimentos das testemunhas prestados em sede de audiência da discussão e julgamento e, bem assim, na documentação junta aos autos, designadamente
Concretizando.
O Arguido J prestou declarações em sede de audiência de discussão e julgamento, e pese embora ter reconhecido que nas circunstâncias de tempo e local descritas na acusação possa ter feito uso de palavras menos correctas, sem intenção de denegrir ou humilhar a Assistente, referiu apenas se recordar de lhe ter dito “o que é que fazes aqui?”, negando ter proferido as demais expressões que lhe são imputadas. O Arguido referiu que na ocasião dos factos se encontrava perturbado e alterado com o processo de divórcio em curso e que pese embora saber que a Assistente havia sido arrolada como testemunha pela sua então mulher no processo de divórcio, ficou perturbado ao ver a Assistente, pois que pensara que por força da relação de amizade e profissional que os unia há longos anos julgara que a mesma não estaria presente.
A Assistente/Demandante S foi ouvida em declarações, tendo-as prestado com tranquilidade e isenção, confirmando no essencial os factos constantes da acusação. A declarante confirmou que fora arrolada como testemunha no processo de divórcio do Arguido pela então mulher deste, que subira a escadas na companhia desta e de uma outra testemunha C e que quando se preparava para cumprimentar o Arguido este começou a gritar, apelidando-a “puta”, “cabra” e “ordinária”, dizendo-lhe para desaparecer dali e para chamarem “M (pai dos seus filhos). Mais referiu que na ocasião o átrio do Tribunal (1.º piso) estava cheio de pessoas (12/15 pessoas) que a conheciam e que se sentiu humilhada, envergonhada e magoada. A declarante referiu ainda não compreender a reacção do Arguido, que até hoje não lhe pediu desculpa pela sua atitude, pois que mantinham há cerca de 12 anos, para além de uma relação profissional, uma relação de amizade, sendo a ora declarante visita da casa do Arguido.
O Tribunal procedeu ainda à Audição das testemunhas C, AP, MV e MJV, que revelaram ter razão de ciência, pois que presenciaram os factos, que relataram com coerência e detalhadamente, adoptando uma postura de sinceridade e objectividade, merecedora por tal de credibilidade. Estas testemunhas confirmaram a versão dos factos sustentada pela Assistente, designadamente as expressões que lhe foram dirigidas pelo Arguido, a reacção da Assistente às mesmas (perturbada, nervosa, magoada, desgostosa, chegando a chorar) e a atitude e modo de actuação do Arguido (alterado, agitado, nervoso, dirigindo-se à Assistente aos gritos/em tom de voz alto e trocista) e pronunciaram-se ainda quanto à personalidade, carácter e conduta social do Arguido e da Assistente.
O Tribunal procedeu ainda à audição das testemunhas SQ, RB, MG, MF e MEG, as quais estiveram igualmente presentes no local e data da ocorrência dos factos. Na sua generalidade estas testemunhas declararam não ter ouvido o Arguido dirigir à Assistente as expressões que na acusação lhe são imputadas, ora porque estavam mais afastadas, ora porque distraídas na conversa, ora pelo barulho que as pessoas faziam. No entanto, as testemunhas SQ e MF referiram que ouviram o Arguido questionar se a Assistente não tinha vergonha de ali estar e, com ressalva de MEG, todas referiram ter-se o Arguido alterado e exaltado com a presença da Assistente, tendo as testemunhas SQ, RB e MG referido que o mesmo falou alto e gesticulou. No mais, estas testemunhas pronunciaram-se quanto à personalidade, carácter e conduta social do Arguido e também do seu relacionamento profissional e de amizade com a Assistente.
Ora, ponderados conjugadamente as declarações e os depoimentos produzidos em sede de audiência de discussão e julgamento, nenhuma dúvida assiste ao Tribunal de que o Arguido, no local e data constantes da acusação, dirigiu à Assistente as expressões que na mesma lhe são imputadas e pela forma relatada pela Assistente e pelas testemunhas (…), que pelas razões já adiantadas mereceram ao Tribunal credibilidade, logrando convencer-nos da veracidade dos factos que relataram.
No que ao dolo e intenção do Arguido concerne, o Tribunal teve ainda em consideração o nível cultural do Arguido e as regras da experiência comum, à face dos quais e tendo em consideração a natureza das palavras proferidas pelo Arguido e as circunstâncias em que as mesmas foram proferidas, outra conclusão se não poderia extrair quanto ao conhecimento pelo mesmo do seu carácter injurioso, quanto à vontade de as proferir e quanto à intenção de com as mesmas ofender a honra e consideração da Assistente.
Já no que ao relato dos factos ocorridos efectuado pelas testemunhas (…) – com ressalva da testemunha (…) que revelou dificuldades de audição em sede de audiência de discussão e julgamento – importa referir que o mesmo foi claramente pautado pela falta de imparcialidade e isenção, ficando ao Tribunal a dúvida sobre se as mesmas não ouviram efectivamente na integralidade as palavras proferidas pelo Arguido.
No que concerne à situação pessoal, social, familiar e económica do Arguido, o Tribunal teve em consideração as declarações prestadas pelo arguido, complementadas pelos documentos juntos aos autos a fls. 219 a 255 e pelos depoimentos das testemunhas (…) quanto à sua personalidade, carácter e conduta social.
Por fim e no que aos antecedentes do Arguido respeita, o Tribunal ponderou o teor do Certificado do Registo Criminal junto aos autos.
Os factos considerados não provados tiveram essa valoração posto que nenhum meio de prova foi produzido a seu respeito de forma suficientemente consistente que, isoladamente ou em conjugação com os demais, permitisse formar convicção distinta”.
APRECIAÇÃO DO RECURSO.
1 - Delimitação do objecto do recurso.
De harmonia com o disposto no nº 1 do artigo 412º do C. P. Penal, e conforme jurisprudência pacífica e constante (designadamente do S.T.J. – Ac. de 13/05/1998, in B.M.J. 477/263, Ac. de 25/06/1998, in B.M.J. 478/242, e Ac. de 03/02/1999, in B.M.J. 477/271), o âmbito dos recursos é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelos recorrentes da motivação apresentada, só sendo lícito ao tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente, por obstativas da apreciação do seu mérito, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410º, nº 2, do mesmo diploma, mesmo que os recursos se encontrem limitados à matéria de direito (cfr. Ac. do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R., I - A Série, de 28/12/1995).
São só as questões suscitadas pelos recorrentes, e sumariadas nas conclusões da respectiva motivação, que o tribunal ad quem tem de apreciar – artigos 403º, nº 1, e 412º, nºs 1 e 2, ambos do C. P. Penal.
A este respeito, e no mesmo sentido, ensina Germano Marques da Silva (in “Curso de Processo Penal”, Vol. III, 2ª edição, 2000, pág. 335): “Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões”.
No caso destes autos, face às conclusões retiradas pelo recorrente da motivação apresentada, e em síntese, são as seguintes as questões a conhecer:
1ª - O suporte magnético que contém o registo da prova produzida na audiência de discussão e julgamento não permite ouvir inteligivelmente, nas instâncias da Mmª Juíza a quo, do Ministério Público e do advogado da assistente, as suas perguntas, e, nas instâncias do advogado do arguido, a generalidade das suas perguntas, devendo, assim, repetir-se a audiência de discussão e julgamento.
2ª - O tribunal a quo não valorou devidamente os depoimentos prestados pelas testemunhas (…), sendo que dos mesmos decorre que o arguido, ao proferir as expressões que lhe são imputadas, não quis ofender a assistente na sua honra e consideração.
3ª - A pena de multa aplicada é exagerada, devendo a mesma ser fixada em 30 dias, à taxa diária de 5 euros, e substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade.
4ª - O montante da indemnização é também exagerado, devendo ser atribuída uma indemnização não superior a 100 euros.
2 - Apreciação do mérito do recurso.
a) A deficiente gravação da prova.
Alega o recorrente que o suporte informático que contém o registo da prova não permite ouvir (inteligivelmente) as perguntas colocadas por parte da Mmª Juíza, do Ministério Público e dos Ilustres advogados do arguido e da assistente, o que impossibilita o recurso sobre a matéria de facto e impõe a necessidade de repetição da audiência de discussão e julgamento.
Cumpre decidir.
Em primeiro lugar, e analisada a gravação em causa, verifica-se que as perguntas colocadas pela Mmª Juíza a quo, pela Exmª Magistrada do Ministério Público e pelos Ilustres advogados do arguido e da assistente são, efectivamente, de difícil audição, mas não são inaudíveis, permitindo até, e ao contrário do alegado pelo recorrente, fazer uma leitura lógica e correcta, dos depoimentos prestados e gravados.
Aliás, é esta constatação que, manifestamente, se infere da motivação do presente recurso, na qual se transcrevem todas as partes consideradas relevantes dos depoimentos prestados em audiência de discussão e julgamento.
Em segundo lugar, a invocação feita a este propósito pelo recorrente é intempestiva.
Na verdade, consta da acta da audiência de discussão e julgamento ocorrida em 20 de Setembro de 2010 (fls. 200 a 203 dos autos), a seguir às declarações e aos depoimentos prestados em tal audiência, que tais declarações e depoimentos foram gravados “através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste tribunal”.
Em 08 de Outubro de 2010, teve lugar uma outra sessão da audiência de discussão e julgamento, tendo ficado a constar da acta igual referência quanto à gravação (acta de fls. 208 a 210).
A sentença dos autos foi lida (na presença de todos os sujeitos processuais) e depositada no dia 25 de Outubro de 2010 (cfr. fls. 274 a 276).
O arguido interpôs recurso da sentença, via “fax”, no dia 25 de Novembro de 2010 (cfr. fls. 279 dos autos).
Antes desta data (25-11-2010), em momento algum o arguido algo requereu ao tribunal, ou algo invocou, no tocante à deficiente gravação da prova prestada nas audiências de discussão e julgamento que tiveram lugar em 20 de Setembro de 2010 e 08 de Outubro de 2010.
Ou seja, só no termo do prazo do recurso (no último dia dos 30 dias de que dispunha para recorrer) é que o arguido vem, na própria motivação do recurso, suscitar a questão da deficiente gravação da prova.
A nosso ver, e com o devido respeito por opinião contrária, esta invocação é extemporânea.
Senão vejamos.
Há que começar por salientar que, face ao que consta dos autos (cfr. actas da audiência de discussão e julgamento), a gravação das declarações e dos depoimentos prestados em audiência ficou imediatamente disponível no sistema informático dos tribunais.
Dispõe o artigo 363º do C. P. Penal, na sua actual redacção (introduzida pela Lei nº 48/2007, de 29/08), que “as declarações prestadas oralmente na audiência são sempre documentadas na acta, sob pena de nulidade”.
Ou seja, a não gravação e/ou imperceptibidade da prova produzida em audiência configura nulidade. Esta questão não suscita quaisquer dúvidas, face à actual redacção do artigo 363º do C. P. Penal (introduzida, como se disse, pela Lei nº 48/2007). Desta alteração legislativa resulta, pois, prejudicada a doutrina expressa no Ac. do S.T.J. nº 5/2002, de 27-06-2002, que havia fixado a seguinte jurisprudência uniformizadora: “a não documentação das declarações prestadas oralmente em audiência de julgamento, contra o disposto no artigo 363º do Código de Processo Penal, constitui irregularidade, sujeita ao regime estabelecido no artigo 123º do mesmo diploma legal, pelo que uma vez sanada o tribunal já dela não pode conhecer”.
Em suma: a omissão da gravação, ou qualquer deficiência relevante da mesma, configuram, no domínio do C. P. Penal vigente, nulidade sanável, sujeita ao regime de arguição e de sanação previsto nos artigos 105º, nº 1, 120º, nº 1, e 121º do C. P. Penal.
Assim sendo, o sujeito processual interessado tem de arguir essa nulidade no prazo de 10 dias, tal como estabelecido no artigo 105º, nº 1, do C. P. Penal.
A questão que se coloca é saber qual a data de início desse prazo de 10 dias, isto é, determinar, com rigor, o exacto momento a partir do qual se deve contar tal prazo.
Neste ponto, e olhando à jurisprudência dos nossos tribunais de recurso, é talvez possível descortinar três entendimentos essenciais: o de quem entende que a nulidade em referência, tendo de ser arguida no tribunal a quo, o há-de ser no prazo de 10 dias a contar da sessão da audiência de discussão e julgamento em que o depoimento (ou a declaração) haja sido registado; quem entenda que esses 10 dias se contam a partir do dia em que o sujeito processual recorrente procede ao levantamento em tribunal das cassetes contendo a gravação da prova; e, finalmente, quem entenda que a arguição da nulidade em análise pode ser feita na motivação do recurso interposto da sentença, pelo que, neste caso, o será perante o tribunal ad quem (o mesmo é dizer, a nulidade pode ser arguida no próprio prazo de apresentação da motivação do recurso).
Na opinião de Paulo Pinto de Albuquerque (in “Comentário do Código de Processo Penal”, Universidade Católica Editora, 2ª ed., 2008, pág. 923, nota 7ª ao artigo 363º), o prazo de 10 dias em discussão conta-se “a partir da audiência, acrescido do tempo que mediou entre a entrega do suporte técnico pelo sujeito processual interessado ao funcionário e a entrega da cópia do suporte técnico ao sujeito processual que a tenha requerido”. Acrescenta o referido autor (ob. e local citados) que, “se a audiência de julgamento se prolongar por várias sessões, o prazo conta-se a partir de cada sessão da audiência”, com acréscimo nos mesmos termos.
Não obstante os sujeitos processuais puderem ter acesso, no termo de cada sessão de julgamento, e no prazo de 48 horas após requerimento para o efeito, aos suportes técnicos de gravação da prova oralmente produzida, nos termos do disposto no artigo 101º, nº 3, do C. P. Penal, esta posição de Paulo Pinto de Albuquerque, quanto ao início do prazo reportado a cada sessão de julgamento, configura, para nós, um ónus injustificado, imposto a cada sujeito processual, sobre o controlo da omissão ou deficiência da gravação.
A seguirmos este entendimento, e como bem se salienta no Ac. da R.P. de 29-10-2008 (in www.dgsi.pt), estaríamos “a exigir ao sujeito processual, nos casos de audiências extensas e que ocupam o dia todo e várias semanas, senão meses, uma “super diligência” (na expressão do Ac. do STJ de 27/03/2006). Como ainda a coarctar de forma desproporcionada o direito ao duplo grau de jurisdição em sede de reapreciação da matéria de facto”.
Além de que, na grande maioria das situações, se revelaria um labor árduo e desnecessário, porquanto o acesso ao registo da gravação só se justifica em função do recurso que se pretende interpor relativo à matéria de facto.
Assim, sustentamos que, quer se trate de julgamento com uma ou com mais sessões, o prazo de 10 dias para a arguição da nulidade em causa só poderá ter início após a leitura da sentença.
Porém, não impondo a lei processual penal, nomeadamente o artigo 101º do C. P. Penal, um prazo determinado para que o sujeito processual, tendo em vista a interposição de recurso visando a matéria de facto, requeira a entrega de cópia do registo das gravações, entendemos que o prazo de 10 dias para a arguição da nulidade em questão apenas se inicia a partir do dia em que os suportes técnicos são disponibilizados pelo tribunal ao sujeito processual requerente, uma vez que só nessa data o mesmo poderá tomar conhecimento de omissão ou deficiência do registo de gravação da prova.
Aqui chegados, e revertendo ao caso destes autos, regressamos àquilo com que iniciámos este tema: a gravação das declarações e dos depoimentos prestados em audiência ficou imediatamente disponível no sistema informático dos tribunais (as declarações e depoimentos foram gravados “através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste tribunal”).
Além disso, a sentença recorrida foi lida (na presença de todos os sujeitos processuais), e depositada, no dia 25 de Outubro de 2010.
A partir desta data (25-10-2010), iniciou-se o decurso do prazo de 10 dias para o recorrente poder arguir a nulidade decorrente da omissão ou deficiência da documentação (nos termos do disposto no artigo 105º do C. P. Penal).
Não se pode esquecer, repete-se (porque, in casu, é decisivo), que a gravação ficou imediatamente disponível no sistema informático dos tribunais, e a ela, de imediato, pôde o arguido/recorrente aceder.
Ora, só em 25 de Novembro de 2010, passados 30 dias sobre a prolação e notificação da sentença, e sem que antes, em momento algum, o tenha feito, o arguido, na motivação do seu recurso, invocou a nulidade decorrente da deficiente gravação da prova produzida nas audiências de discussão e julgamento que tiveram lugar em 20 de Setembro de 2010 e 08 de Outubro de 2010.
A nosso ver, tendo assim procedido, ao invocar a nulidade em causa apenas no termo do prazo do recurso (no último dia dos 30 dias de que dispunha para recorrer), o arguido fê-lo extemporaneamente.
Aliás, este nosso entendimento é o único, com o devido respeito pela opinião contrária, que se coaduna com a possibilidade de reparação tempestiva da nulidade ora em discussão, sem que haja lugar à prática de actos inúteis, designadamente com a interposição de recurso da sentença, quando, manifestamente, ocorre evidente nulidade por falta de gravação da prova (ou por deficiência relevante em tal gravação).
Em jeito de síntese: temos por manifesta a exigibilidade de que, numa actuação normalmente diligente, o sujeito processual se assegure que a gravação que foi feita da prova (e à qual ele pode aceder em qualquer momento, por estar disponível na aplicação informática em uso no tribuna), esteja correcta, e, assim, permita a efectiva reapreciação da prova produzida. E, em consequência, temos também por claro que uma actuação prudente do sujeito processual implicará sempre a verificação, no prazo de 10 dias após a prolação da sentença, e muito antes do termo do prazo para a interposição do recurso, da efectiva existência e da suficiente qualidade da gravação.
Assim sendo, o prazo de 10 dias em causa conta-se, desde a sentença, e a partir do dia em que o sujeito processual pôde aceder ao conteúdo das gravações (ou por estarem disponíveis no sistema informático do tribunal, ou por as cassetes respectivas terem sido entregues ao mandatário).
Por outras palavras: o termo inicial do prazo de 10 dias para arguir a nulidade ora em apreciação ocorre, a partir da sentença, no dia em que os suportes técnicos com o registo das gravações ficam á disposição dos sujeitos processuais.
Visto que a sentença destes autos é datada de 25-10-2010, e que antes dela já o arguido tinha acesso ao conteúdo das gravações (por estarem disponíveis no sistema informático do tribunal), podendo delas tomar conhecimento (designadamente da omissão ou deficiência da gravação do registo da prova), tinha o arguido de, no prazo máximo de 10 dias a contar da sentença, arguir o respectivo vício, o que não fez, invocando tal vício 30 dias após a leitura da sentença, quando dela interpôs recurso.
Posto tudo o que precede, improcede, assim, neste ponto, o recurso.
b) A valoração dos depoimentos prestados pelas testemunhas (…).
Entende o recorrente, e em síntese apertada, que o tribunal a quo não valorou devidamente, entre outros, os depoimentos das testemunhas (…), já que, se os tivesse valorado, o recorrente não poderia ter sido condenado pela prática de um crime de injúria. Com efeito, de tais depoimentos resulta que o arguido, ao proferir as palavras que lhe são imputadas, não quis ofender a honra e a consideração da assistente, tendo proferido aquelas palavras como poderia ter proferido quaisquer outras, sob fortíssimo estado de tensão, e não tendo essas mesmas palavras conteúdo ou intenção de ofender, como percebeu claramente quem as ouviu, não tendo ninguém acreditado que o recorrente quisesse chamar o que chamou à assistente, como também ninguém ficou a acreditar que aquela seria o que o arguido lhe chamou.
Cabe apreciar e decidir.
Desde logo há que salientar que, no fundo, o recorrente não questiona as concretas expressões dirigidas à assistente, nem o local onde praticou os factos (no átrio do primeiro piso do edifício de um tribunal), nem os concretos termos em que proferiu tais expressões (em tom de voz alto, e perante inúmeras pessoas) - tudo nos precisos termos dados como provados na sentença sub judice.
Em segundo lugar, cumpre dizer que, na sentença recorrida, a Mmª Juíza deu como provados, no essencial, os motivos da actuação do arguido (motivos que são relevantes para a compreensão do comportamento deste, do ponto de vista da compreensão dos comportamentos humanos, e relevantes para aferir do grau de ilicitude dos factos e do grau de culpa do agente).
Na verdade, nos factos dados como provados na sentença, consta, além do mais, o seguinte (cfr. factos provados nºs 6, 7, 11 e 12): o arguido conhecia a assistente desde há cerca de 11 a 12 anos, mantendo com a mesma uma relação profissional e também de amizade; sabia que a mesma fora arrolada como testemunha no processo judicial em que era parte; na ocasião dos factos, o arguido encontrava-se nervoso e agitado com o processo de divórcio em curso e com a sua separação em relação aos filhos; ficou revoltado e transtornado com a presença da assistente, pois que, atenta a relação de amizade que mantinha com a mesma, tivera esperança de que esta não comparecesse em tribunal.
Em terceiro lugar, o que recorrente alega nesta sede é totalmente irrelevante para o preenchimento dos elementos típicos do crime de injúria pelo qual foi condenado.
Incorre na prática de um crime de injúria “quem injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivos da sua honra ou consideração” (artigo 181º, nº 1, do Código Penal).
De acordo com a doutrina tradicional, a ofensa à honra é “a ofensa a esse sentimento da própria dignidade e do decoro que toda a gente, no seu íntimo, põe acima de todas as coisas (honra subjectiva) e a esse património moral de estima e de reputação, junto dos outros, que qualquer pessoa adquira e de que goze vivendo em sociedade (honra objectiva), os quais podem ser ofendidos por meio de actos ou de palavras de outra pessoa” (Borciani, in “As Ofensas à Honra”, tradução Portuguesa, 1950, Coimbra, pág. 5).
Nelson Hungria (in “Comentários ao Código Penal”, Vol. VI, 4ª ed., Rio de Janeiro, 1958, pág. 39) sustenta que “o interesse jurídico que a lei protege (...) refere-se ao bem material da honra, entendida esta, quer como o sentimento da nossa dignidade própria (honra interna, honra subjectiva), quer como o apreço e respeito de que somos objecto ou nos tornamos merecedores perante os nossos concidadãos (honra externa, honra objectiva, reputação, boa fama). Assim como o Homem tem direito à integridade do seu corpo e do seu património económico, tem-no igualmente à indemnidade do seu amor-próprio (...) e do seu património moral”. Acrescenta este autor (obra e local citados) que “a honra é um bem precioso, pois a ela está necessariamente condicionada a tranquila participação do indivíduo nas vantagens da vida em sociedade”.
Na previsão legal do crime de injúria fala-se em ofensa à honra ou consideração. A honra, em nosso entender, refere-se à supra-aludida “honra subjectiva”, ao passo que a consideração será a reputação da pessoa, a estima que o homem soube, pelos seus actos, conquistar (“honra objectiva”) - cfr., na distinção destes conceitos, Lopes da Silva Araújo, “Crimes Contra a Honra”, Coimbra Editora, 1957, págs. 90 a 97.
Perante o que fica dito, cumpre analisar se o conteúdo das expressões dirigidas pelo arguido à assistente é ou não ofensivo da honra ou da consideração desta.
Foi dado como provado na sentença recorrida (sendo factos que o recorrente, repete-se, não questiona na motivação do recurso) que, no dia 08 de Abril de 2008, cerca das 9h30m, a assistente se deslocou ao Tribunal Judicial de Ourique, para aí ser ouvida na qualidade de testemunha em processo judicial de divórcio em que o arguido era parte, e que, nessa ocasião, o arguido, ao deparar-se com a assistente, lhe dirigiu as expressões “puta”, “cabra”, “ordinária” e “desaparece mas é daqui!”.
Ora, com o devido respeito pela opinião expressa na motivação do presente recurso, e independentemente do estado de inquietação em que o arguido se encontraria (devido a estar em causa o seu processo de divórcio), é para nós inquestionável que essas afirmações, proferidas pelo arguido, possuem um nítido cariz ofensivo da honra e da consideração da assistente.
Trata-se, com efeito, de expressões clara e objectivamente injuriosas, não correlacionadas com uma crítica que se pudesse pretender exprimir face à presença da assistente, ou com uma formulação de juízos de valor sobre a pessoa da assistente feita de forma deseducada e/ou excessiva, revelando tais expressões, isso sim, uma vontade de agressão à assistente e de confronto com a mesma (o que o recorrente não desconhecia).
E não esquecemos que, para determinar se as imputações feitas são ou não ofensivas, se deve atender à opinião comum do meio em que arguido e assistente se movem. É que, objectivamente, e em qualquer meio social e cultural, as imputações dos autos são ofensivas. Basta, a qualquer Homem comum, raciocinar com bom senso e razoabilidade, para assim as considerar.
Por aqui, nenhuma razão assiste, pois, ao recorrente na motivação do seu recurso.
Por outro lado, e quanto à verificação do elemento subjectivo do crime de injúria, basta uma actuação do arguido com dolo genérico (mesmo eventual), desde que os factos imputados ou as palavras dirigidas ao visado sejam objectiva e subjectivamente ofensivas da honra, dignidade ou consideração do mesmo.
É, assim, irrelevante a circunstância de o arguido/recorrente ter actuado, segundo alega, sem intenção de ofender a honra ou a consideração da assistente.
No crime de injúria tem, é certo, de se verificar o dolo em qualquer das suas modalidades (directo, necessário ou eventual), mas já não é exigível que haja a especial intenção, o propósito de ofender, sendo bastante a consciência, por parte do agente, de que a sua conduta é de molde a produzir a ofensa da honra e consideração de alguém.
Como bem salienta Augusto Silva Dias (in “Materiais Para o Estudo da Parte Especial do Direito Penal - Alguns Aspectos do Regime Jurídico dos Crimes de Difamação e Injúria”, AAFDL, 1989, págs. 35 e 36), a propósito do crime de difamação (onde idêntica questão se coloca), é hoje pacífico na jurisprudência e na doutrina portuguesas que o animus difamandi não integra o tipo subjectivo do crime de difamação, sendo suficiente para a sua realização que o autor saiba que está a atribuir um facto (ou a formular um juízo de valor) cujo significado ofensivo do bom nome e consideração alheia ele conheça, e o queira fazer”.
Nos presentes autos, ficou provado que o arguido, ao proferir as expressões em análise, actuou consciente e voluntariamente, bem sabendo que, com tais expressões, atingia a honra e a consideração pessoal da assistente. É quanto basta, a nosso ver, para estar preenchido, como está, o elemento subjectivo do crime de injúria que vem imputado ao arguido.
Alega ainda o recorrente que as expressões proferidas (e que, repete-se mais uma vez, o recorrente não questiona na motivação do recurso) o foram sob fortíssimo estado de tensão, que as mesmas não possuem conteúdo nem intenção de ofender, como percebeu claramente quem as ouviu, não tendo ninguém acreditado que o recorrente quisesse chamar o que chamou à assistente, como também ninguém ficou a acreditar que a assistente seria o que o recorrente lhe chamou.
Ora, com o devido respeito por tal alegação, nada releva, para efeitos de preenchimento do tipo legal do crime de injúria, que alguém tenha acreditado ou não que o recorrente quisesse chamar o que chamou à assistente, como também nada releva que alguém tivesse ficado a acreditar ou não que a assistente fosse (ou não) o que o arguido lhe chamou.
Por último, em toda esta vertente da motivação do recurso, o recorrente, em síntese, acha que o tribunal a quo não valorou devidamente os depoimentos das testemunhas (…).
Ora, a Mmª Juíza não só valorou com rigor toda a prova produzida na audiência de discussão e julgamento, como, no aspecto agora em análise, deixou consignado na sentença, e muito bem, o seguinte: “no que ao dolo e intenção do Arguido concerne, o Tribunal teve ainda em consideração o nível cultural do Arguido e as regras da experiência comum, à face dos quais e tendo em consideração a natureza das palavras proferidas pelo Arguido e as circunstâncias em que as mesmas foram proferidas, outra conclusão se não poderia extrair quanto ao conhecimento pelo mesmo do seu carácter injurioso, quanto à vontade de as proferir e quanto à intenção de com as mesmas ofender a honra e consideração da Assistente”.
Também nós, indiscutivelmente, tal como o tribunal a quo, chegamos à conclusão acabada de enunciar, estando, assim, inteiramente seguros dos factos dados como provados na sentença recorrida.
Por outras palavras: perante o que vem alegado no recurso, e após análise integral da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, concluímos que a nossa convicção acerca dos factos sob julgamento não diverge daquela que o tribunal a quo alcançou e exprimiu, de forma clara, vasta e eloquente, na sentença recorrida.
Ou seja: procedendo a ponderação e convicção autónomas, e autonomamente formuladas nesta instância de recurso, e sem embargo dos inultrapassáveis limites de apreciação nesta mesma instância, ditados pela natureza (de remédio), pelo momento de apreciação (de segunda linha e em suporte estático, não sendo caso de renovação de provas), e pelos termos, modelo e modo de impugnação inerentes ao recurso em análise, constatamos, sem dificuldade, que a prova produzida em audiência impõe uma decisão inteiramente conforme com a que foi tomada pelo tribunal a quo.
Improcede, pois, também esta vertente do recurso.
c) A pena aplicada.
Invoca o recorrente que a pena de multa aplicada na primeira instância é exagerada, devendo a mesma ser fixada em 30 dias, à taxa diária de 5 euros, e substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade.
Há que decidir.
Preceitua o artigo 40º do Código Penal que “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” (nº 1), sendo que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa” (nº 2).
O artigo 71º do mesmo diploma, estipula, por outro lado, que “a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção” (nº 1), atendendo-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra ele (nº 2 do mesmo dispositivo).
Dito de uma outra forma, a função primordial de uma pena, sem embargo dos aspectos decorrentes de uma prevenção especial positiva, consiste na prevenção dos comportamentos danosos incidentes sobre bens jurídicos penalmente protegidos.
O seu limite máximo fixar-se-á, em homenagem à salvaguarda da dignidade humana do condenado, em função da medida da culpa revelada, que assim a delimitará, por maiores que sejam as exigências de carácter preventivo que social e normativamente se imponham.
O seu limite mínimo é dado pelo quantum da pena que em concreto ainda realize eficazmente essa protecção dos bens jurídicos.
Dentro destes dois limites, situar-se-á o espaço possível para resposta às necessidades da reintegração social do agente.
Passemos então, no presente caso, à concretização destes enunciados, sendo certo que, para o efeito, o tribunal deverá atender “a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele” (artigo 71º, nº 2, do Código Penal).
No caso em apreço, devemos considerar:
- A imagem global e complexiva dos factos praticados, afigurando-se-nos, face a tal imagem, que as exigências de prevenção geral se fazem aqui sentir com média intensidade.
- O dolo do arguido (dolo directo).
- O grau de ilicitude dos factos, que é relativamente elevado, atendendo às concretas expressões proferidas pelo arguido e ao local onde o foram.
- Os antecedentes criminais do arguido, que já foi condenado, por duas vezes, pela prática de crimes de idêntica natureza (crimes de difamação), revelando-se, assim, que o arguido não interiorizou o desvalor dessas suas condutas anteriores.
O crime pelo qual o arguido foi condenado nos presentes autos é punível com pena de multa até 120 dias ou com pena de prisão até 3 meses (cfr. artigo 181º, nº 1, do Código Penal), sendo que a pena de multa tem como limite mínimo 10 dias (cfr. o disposto no artigo 47º, nº 1, do mesmo Código Penal).
Ora, nenhuma das apontadas circunstâncias (ou o conjunto delas todas) aconselha ou impõe a aplicação de uma pena de multa não superior a 30 dias, como pretende o recorrente.
Bem pelo contrário: sobretudo atendendo às expectativas comunitárias na validade e vigência da norma violada, às finalidades próprias da punição, e às exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico, a pena de multa aplicada pelo tribunal a quo (100 dias) mostra-se perfeitamente adequada.
Se, perante as circunstâncias deste caso concreto e olhando aos antecedentes criminais do arguido, fosse imposta a este uma pena de multa inferior à aplicada na sentença recorrida, tal pena não assegurava, de forma eficaz, a protecção dos bens jurídicos que o tipo legal de crime em causa visa salvaguardar.
Considerando todos os factos provados, sobretudo a natureza das expressões utilizadas e o local onde o foram, e atendendo à moldura penal abstracta prevista para o crime pelo qual o arguido se encontra condenado, a pena de multa aplicada ao arguido (100 dias) é adequada à culpa e às exigências de prevenção, geral e especial, que no caso concreto se fazem sentir.
Conclui-se, assim, que a pena fixada na decisão sub judice não o foi em medida excessiva, improcedendo, neste ponto, a pretensão do recorrente.
Pretende também o recorrente que, vista a sua condição económica e financeira espelhada nos factos dados como provados, a taxa diária da multa seja reduzida para 5 euros.
Dispõe o artigo 47º, nº 2, do Código Penal, que “cada dia de multa corresponde a uma quantia entre € 5 e € 500, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais”.
Na sentença recorrida foi dado como provado (e tal não é sequer questionado pelo recorrente) que o arguido se encontra aposentado, auferindo mensalmente a quantia líquida de 1.820,62 euros. Mais resultou provado que o arguido vive só, em casa própria, suportando um encargo mensal de prestação para amortização do empréstimo contraído para a sua construção no montante de 352,10 euros, a que acresce uma prestação de 237,73 euros para amortização de crédito multiopções, e 276,00 euros para amortização de crédito pessoal, sendo ainda que o arguido contribui com a quantia de 150,00 euros a título de alimentos para uma sua filha menor.
Ponderando a situação económica e financeira do arguido, assim descrita, consideramos que o quantitativo diário da pena de multa estabelecido pelo tribunal a quo (doze euros) se mostra adequado e proporcional.
Aliás, a pena de multa aplicada nestes autos deve representar um incómodo efectivo na vida do arguido, e não ser tida tão-só como mais um pagamento entre todos os outros que o arguido tem de fazer mensalmente e que planeou e ajustou às suas capacidades financeiras.
A pena de multa em questão, dada a sua função e vista a condição socioeconómica do arguido, não se compadece com a fixação, para a mesma, de um quantitativo diário de cinco euros, conforme proposto pelo arguido.
Bem vistas as coisas, só para pessoas com enormes dificuldades financeiras (no limiar da sobrevivência, ou mesmo em situação de indigência) é que teria de ser fixada uma taxa diária de multa de cinco euros (mínimo legal).
Assim, para alguém que dispõe de um rendimento mensal (líquido) de 1.820,62 euros, e vive só e em casa própria, não faz qualquer sentido, salvo o devido respeito, estabelecer em apenas cinco euros a taxa diária da pena de multa.
Em suma, nada há a alterar à fixação da taxa diária da pena de multa, a qual, tendo sido estabelecida em doze euros, não se revela excessiva nem representa qualquer sacrifício desadequado e incomportável para o recorrente.
Posto o que precede, o recurso interposto é, também neste segmento, de improceder.
Ainda nesta vertente do recurso, o recorrente entende que a pena de multa deve ser substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade.
Uma única nota se impõe, no que tange à pretendida (na motivação do recurso, entenda-se) prestação de trabalho a favor da comunidade.
O tribunal recorrido não optou (e bem) pela aplicação ao arguido de uma pena de prisão.
Por isso, não recorreu o mesmo tribunal ao mecanismo previsto no artigo 58º do Código Penal, como não podia recorrer. Com efeito, aí se dispõe que “se ao agente dever ser aplicada pena de prisão não superior a dois anos, o tribunal substitui-a por prestação de trabalho a favor da comunidade, sempre que concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição” (nº 1 do artigo 58º em referência).
O arguido poderá requerer, isso sim, em momento posterior ao do trânsito em julgado da sentença condenatória, a substituição da pena de multa por prestação de dias de trabalho, nos termos e prazos previstos no artigo 48º do Código Penal e no artigo 490º do C. P. Penal.
Esta prestação de dias de trabalho é uma pena substitutiva da pena de multa, a qual depende da manifestação da vontade do arguido, que terá de fazer requerimento junto do tribunal de primeira instância no sentido de lhe ser aplicada tal pena em substituição da multa, tribunal esse que, em seu exclusivo critério, decidirá então se é ou não de deferir esse mesmo requerimento do arguido.
Não compete a este tribunal de recurso apreciar, neste momento, essa questão, a qual não foi ainda suscitada nem decidida em primeira instância, sob pena de violação da garantia do duplo grau de jurisdição.
Neste ponto da substituição da multa por dias de trabalho, bem esclarece Paulo Pinto de Albuquerque (in “Comentário do Código Penal”, Universidade Católica Editora, 2008, págs. 191 e 192, notas 1ª e 3ª ao artigo 48º), corroborando o agora exposto, que “a prestação de trabalho é uma pena substitutiva da pena de multa (…). A aplicação da pena substitutiva depende da manifestação da vontade do condenado no sentido de que lhe seja aplicada a pena de prestação de trabalho. Este “requerimento” tem lugar depois da prolação da sentença condenatória”.
Concluindo, e em síntese, não tendo o tribunal a quo optado pela aplicação de uma pena de prisão, que pudesse ser substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade, não é este o momento próprio para este tribunal de recurso apreciar qualquer discordância (ainda não existente) quanto à não substituição da pena de multa aplicada por prestação de dias de trabalho.
Improcede, por conseguinte, esta outra pretensão constante da motivação do recurso (substituição da pena de multa por prestação de trabalho a favor da comunidade).
d) O montante da indemnização.
Alega o recorrente que o montante da indemnização arbitrada à assistente/demandante (1.500 euros) é excessivo, devendo ser atribuída uma indemnização não superior a 100 euros.
Cumpre apreciar e decidir.
A demandante pediu a condenação do arguido a pagar-lhe a quantia de 7.000,00 euros, a título de ressarcimento por danos não patrimoniais.
No tocante a tais danos não patrimoniais, consta da matéria de facto dada como provada na sentença recorrida (facto nº 13), que a ofendida, em consequência directa e necessária da conduta do arguido, ficou chocada e perturbada, e sentiu desgosto, tristeza e vexame.
Ponderando esses factos, a Mmª Juíza a quo considerou adequado ao caso concreto fixar a compensação por danos não patrimoniais em 1.500 euros.
É esta decisão, relativa ao concreto montante da indemnização atribuída a título de compensação por danos não patrimoniais, decisão colocada em crise no recurso, que importa agora analisar.
Conceitualmente, o dano pode definir-se como sendo toda a desvantagem ou perda que é causada nos bens jurídicos, de carácter patrimonial ou não.
O dano não patrimonial é regulado pelo disposto no artigo 496º do Código Civil, o qual preceitua (na redacção vigente à data dos factos em apreço, sendo que, posteriormente à data da prática de tais factos, entrou em vigor a Lei nº 23/2010, de 30/08, a qual procedeu à alteração ao disposto em tal preceito legal, passando o nº 3 do artigo 496º a ser o nº 4 desse mesmo artigo, e introduzindo-se, no nº 3, a questão das uniões de facto):
“1. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
2. Por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes; e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem.
3. O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos do número anterior”.
Assim, na fixação da indemnização por danos não patrimoniais, releva a gravidade do dano causado, o grau de culpa do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso.
É necessário considerar, desde logo, que estes elementos têm, no seu todo, uma dupla finalidade: a da reparação dos danos causados e a da sanção ou reprovação do agente no plano civilístico, com os meios adequados do direito privado (cfr., neste sentido, Prof. Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, 9ª edição, Vol. I, pág. 630).
Por outro lado, na fixação equitativa do valor da indemnização deve ter-se sempre presente que os montantes não devem ser tão escassos que possam ser vistos como miserabilistas, nem tão elevados que possam assumir-se como enriquecimento indevido.
Na fixação do montante da indemnização em análise deve o tribunal orientar-se por um critério de equidade, que não pode fazer corresponder a indemnização a um enriquecimento despropositado do lesado, nem a uma simples esmola, a um valor meramente simbólico (cfr., em igual entendimento, o Ac. do S.T.J. de 16-12-1993, in CJ - Acórdãos do S.T.J., III, pág. 182).
Nesta perspectiva, tem existido uma acentuada tendência para a elevação das indemnizações a arbitrar em casos como o dos autos, de maneira a ultrapassar uma certa timidez que se tinha instalado na prática dos nossos tribunais e a acompanhar a evolução positiva dos padrões económicos da nossa sociedade, geradora de maiores hábitos de consumo por parte das famílias, pretendendo-se que o lesado atinja prazeres e bem estar que de algum modo lhe façam esquecer ou mitigar o sofrimento causado pela lesão.
Devem incluir-se entre os danos não patrimoniais indemnizáveis as dores físicas e psíquicas, a perturbação da pessoa, os sofrimentos morais, e os prejuízos na vida e relação sociais da vítima.
A este respeito, ensina o Prof. Antunes Varela (ob. citada, págs. 599 e 600) que “o montante da indemnização deve ser proporcionado à gravidade do dano, devendo ter-se em conta na sua fixação todas as regras de prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida”.
Do exposto decorre que o tribunal, para a fixação dos danos não patrimoniais, no cumprimento da disposição legal supra citada que determina que se julgue da acordo com a equidade, deverá atender aos elementos expressamente previstos na lei e, bem assim, a outras circunstâncias que derivem da matéria de facto provada. Isto com a finalidade de, após a adequada ponderação, poder concluir sobre o valor pecuniário que no caso concreto se mostra justo e adequado.
Nesta perspectiva, e além dos danos já acima citados, verifica-se, in casu, que a assistente/demandante se viu humilhada perante inúmeras pessoas, que se encontravam no átrio de um Tribunal, e, por outro lado, constata-se que o grau de culpa do arguido é elevado e que são boas as condições económicas do mesmo.
Tudo ponderado, entende-se como adequado e proporcional o montante indemnizatório de 1.500,00 euros fixado pelo tribunal a quo a título de ressarcimento pelos danos não patrimoniais sofridos pela demandante.
Ou seja, tendo em conta todo o circunstancialismo que o acervo factológico provado nos dá a conhecer, com particular destaque para a relativa gravidade das expressões dirigidas pelo arguido à demandante, a boa situação económica do arguido e a concreta situação (e local) em que foram proferidas as ditas expressões, temos como justo e equilibrado o quantum indemnizatório fixado pelo tribunal recorrido, afigurando-se-nos este perfeitamente consentâneo com a apreciação global e complexiva de todos os elementos relevantes para o efeito (e antes enunciados).
Nesta parte, e por isso, tem também de ser negado provimento ao recurso.
Face a tudo o que antes se deixou dito, o presente recurso é totalmente de improceder.
III - DECISÃO
Nos termos expostos, nega-se provimento ao recurso do arguido J, mantendo-se, consequentemente, a douta sentença recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UCs.
Évora, 21 de Junho de 2011.
(João Manuel Monteiro Amaro - Ana Teixeira e Silva)
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