Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2949/23.3T8FAR.E1
Relator: MARIA JOÃO SOUSA E FARO
Descritores: CADUCIDADE
CONTRATO
INTERPELAÇÃO ADMONITÓRIA
RESOLUÇÃO
Data do Acordão: 03/27/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO RECORRIDA
Área Temática: CÍVEL
Sumário: Sumário:
I. A caducidade opera ope legis sem necessidade de manifestação de vontade para a produzir. No caso, a caducidade operou pelo decurso do prazo contratualmente ajustado pelas partes para a vigência do contrato.

II. Como não se pode extinguir o que já está extinto, as cartas enviadas pela Autora ao Réu são destituídas de qualquer eficácia resolutiva do contrato, dado que o mesmo já caducara.

Decisão Texto Integral: 2949/23.3T8FAR.E1

ACÓRDÃO

I. RELATÓRIO


1. Torrefacção Camelo, Lda., demandou AA, pedindo que este seja condenado:


a) a pagar à A. uma indemnização por incumprimento contratual no valor de € 7.695,00 (sete mil seiscentos e noventa e cinco euros);


b) a pagar à A. a quantia de € 895,01 (oitocentos e noventa e cinco euro e um cêntimo) referente ao débito de facturas;


c) a devolver o equipamento comodatado, nomeadamente, um depurador, dois chapéus de sol com base, dez mesas marca Metar, e quarenta cadeiras marca Metar;


d) a pagar à A. os juros de mora vencidos e vincendos sobre a quantia em dívida.


Alegou, em síntese, que, em 17 de Dezembro de 2013, a A. e o Réu celebraram um contrato de fornecimento de café e publicidade da marca Camelo, a Autora cumpriu com o contrato, mas o Réu, ao invés, não pagou as últimas remessas de mercadorias que recebeu, na quantia de € 895,01 (oitocentos e noventae cinco euro e um cêntimo); o Réu estava obrigado a consumir no seu estabelecimento comercial exclusivamente café marca Camelo, Lote Super extra, nas quantidades mensais de 25 kg, pelo prazo necessário ao consumo ininterrupto de 1200 kg, mas deixou de consumir café, apenas tendo comprado 630 quilos de café.


Foi estabelecida uma cláusula penal em caso de resolução do contrato por incumprimento, pelo que, deverá o Réu indemnizar a A. no montante de 13,50 Euros, por cada quilo de café não adquirido, que corresponde a 570 Kg por 13,50 Euros, no total de € 7.695,00 (sete mil seiscentos e noventa e cinco euros).


Convencionou-se igualmente que o Réu está obrigado a restituir à A. os bens que lhe foram comodatados, no prazo de 10 dias após a notificação da resolução.


2. Contestou o Réu referindo que não foi cedido nenhum moinho de café nem nenhum depurador e os chapéus de sol eram dois e não um, e foram levados pela A., e metade das cadeiras são inexistentes porque se deterioraram com o uso.


Explicou que sofreu um enfarte e por consequência ficou ausente durante um ano e meio e impedido de dar cumprimento ao contrato a partir de Junho de 2014, e ao fim de ano e meio, quando o R. se recuperou, encerrou o estabelecimento.


3. Realizada audiência final foi, subsequentemente, proferida sentença que culminou com o seguinte dispositivo:


“Pelo exposto, com estes fundamentos, julga-se a presente acção parcialmente procedente, por parcialmente provada e, em consequência, condena-se o Réu AA:


a) a pagar à Autora uma indemnização por incumprimento contratual no valor de € 7.695,00 (sete mil seiscentos e noventa e cinco euros);


b) a pagar à Autora a quantia de € 893,36 (oitocentos e noventa e três euros e trinta e seis cêntimos) referente àquelas quatro facturas;


c) a devolver à Autora o depurador, as dez mesas marca Metar, e as quarenta cadeiras marca Metar;


d) a pagar à Autora os juros de mora vencidos e vincendos calculados sobre a quantia referida na alínea a) deste segmento decisório, à taxa supletiva para os juros moratórios de que são titulares empresas comerciais, contados desde a citação do Réu para esta acção e até integral e efectivo pagamento; e


e) a pagar à Autora os juros de mora vencidos e vincendos calculados sobre as quantias referidas na alínea b) deste segmento decisório, à taxa supletiva para os juros moratórios de que são titulares empresas comerciais, contados respectivamente desde o 15º dia subsequente a cada uma das quatro facturas e até integral e efectivo pagamento.


Absolvendo-se o Réu do mais que contra o mesmo vinha peticionado pela Autora.”.


4. É desta sentença que recorre o Réu, formulando na sua apelação as seguintes conclusões:


1. Deverá considerar-se que o Recorrente não tem qualquer obrigação para com a Recorrida nem se constituiu em mora, aplicando-se o disposto no artigo 790º nº 1 do Código Civil.


2. A decisão recorrida considerou provado que o Recorrente sofreu um enfarte e foi internado de 06/06/2014 a 11/06/2014 e que sofreu um novo enfarte a 21/04/2016, mas considerou não provado que esteve ausente e impedido de trabalhar durante ano e meio a partir de 2014 nem que tenha estado impedido de trabalhar após as altas hospitalares.


3. Os referidos factos provados fundamentaram-se na documentação clínica junta. Contudo, a mesma documentação clínica mostra que após os episódios de enfarte ficaram sequelas, tais como o episódio de dor em 25/04/2016 e que foi inscrito num programa de reabilitação cardíaca.


4. Mostram ainda os documentos juntos que após as altas o Recorrente teve uma intensa terapêutica a seguir e havia de necessidade de seguir determinados procedimentos para combater o risco de novos episódios de doença cardíaca.


5. De acordo com o Doc. 10 junto à contestação, só em Abril de 2016 foi consignado que “não necessita de baixa. Pode retornar à atividade profissional”, recomendação que não consta de outros documentos após o enfarte em 06/06/2014.


6. Logo, da análise da documentação clínica não deve retirar-se a conclusão de que não se tenha provado que o Recorrente ficou impedido de dar cumprimento ao contrato durante cerca de ano e meio.


7. Caso assim não se entenda, deverá, quando muito, considerar-se que existe uma dúvida razoável que deverá beneficiar o Réu e ora Recorrente.


8. A essa dúvida também conduz a conduta da Autora e ora Recorrida. Conforme ficou provado, apenas em 19/10/2018 e 03/01/2019 foram enviadas ao Recorrente cartas comunicando a resolução do contrato por incumprimento.


9. Ou seja, a Recorrida não faz prova de que tenha endereçado qualquer interpelação ao Recorrente durante o período em que este esteve extremamente doente.


10. Além do mais, antes de ser comunicada a resolução do contrato, sempre a Recorrida deveria ter interpelado o Recorrente para proceder ao respetivo cumprimento, nos termos do artigo 805º, nº 1 do Código Civil, e não demonstra que o tenha feito.


11. O contrato de fornecimento de café integra-se na categoria de obrigações previstas no nº 1 do artigo 805º do CC. Veja-se nesse sentido a decisão proferida no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa no Processo nº 14449/14.8T2SNT.L1-8 ( in http://www.gde.mj.pt).


12. Logo, o Recorrente não está em incumprimento e não podem ser-lhe exigidas as importâncias em cujo pagamento foi condenado, maxime a indemnização por incumprimento contratual.


Termos em que a decisão recorrida deve ser revogada e substituída por outra que absolva o Recorrente do pedido de pagamento das importâncias em cuja liquidação foi condenado, maxime a indemnização por incumprimento contratual.”.


5. Não houve contra-alegações.


6. Ponderando que o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões neles insertas, salvo as questões de conhecimento oficioso - arts. 608º, nº2, 609º, 635º nº4, 639º e 663º nº2, todos do Código de Processo Civil – são as seguintes as questões cuja apreciação as mesmas convocam:


6.1. Impugnação da matéria de facto;


6.2. Reapreciação jurídica da causa: da (in)exigibilidade da indemnização por incumprimento contratual.


II. FUNDAMENTAÇÃO


7. É o seguinte o quadro fáctico consignado na decisão recorrida:


“Factos provados


Discutida a causa, resultam provados os seguintes factos:


1. A Autora dedica-se à comercialização dos cafés e sucedâneos da marca “Camelo”.


2. Em Dezembro de 2013, o Réu AA explorava o estabelecimento comercial denominado “Snack Bar S...”, sito no Largo dos ..., nº 3 A, em ....


3. Em 17 de Dezembro de 2013, a Autora e o Réu celebraram um contrato, por ambas assinado, com o seguinte teor:


“CONTRATO


PRIMEIRA CONTRAENTE - TORREFACÇAO CAMELO, LDA., (…) aqui representada pelo seu gerente, também designada por "fornecedora";


SEGUNDO CONTRAENTE - AA (…) morada na Rua de ..., n°. 5 2º. Dto -, em ..., também designado por “cliente”;


I - CONSIDERANDOS E DECLARAÇÕES


Considerando que:


a) A PRIMEIRA CONTRAENTE se dedica à comercialização de cafés e sucedâneos da marca Camelo;


b) O SEGUNDO CONTRAENTE explora o estabelecimento comercial denominado “Snack Bar S...»”, sito no Largo dos ..., n°. 3 A, em ...;


c) A PRIMEIRA CONTRAENTE está interessada em fornecer ao SEGUNDO os produtos que comercializa e está disponível para ceder ao SEGUNDO CONTRAENTE, em comodato, equipamento hoteleiro para modernização do seu estabelecimento comercial, com vista a proporcionar boas condições de venda ao público dos seus produtos e outros apoios com vista á modernização e incremento do seu estabelecimento comercial;


d)O SEGUNDO CONTRAENTE no âmbito da sua actividade comercial está interessado em consumir em exclusivo os cafés CAMELO e em contrapartida receber em comodato o equipamento hoteleiro disponibilizado pela PRIMEIRA CONTRAENTE e outros apoios com vista à modernização do seu estabelecimento;


e) O SEGUNDO CONTRAENTE declara que as quantidades que se obriga a consumir pelo presente contrato, correspondem à estimativa que ele próprio apresentou à PRIMEIRA CONTRAENTE, baseada em dados objectivos do mercado em que se insere a sua actividade;


f) Ambas as partes pretendem manter a liberdade negocial e fomentar a concorrência no sector, sem prejuízo de, no prazo estipulado do presente contrato, respeitarem as obrigações que reciprocamente assumem;


g) É intenção das partes que o presente contrato tenha a duração mínima de quarenta c oito meses e máxima de cinco anos,


Celebram o presente contrato, nos termos e condições constantes das cláusulas seguintes:


II - CLÁUSULAS DO CONTRATO


PRIMEIRA


Obrigações do Fornecedor


Constituem obrigações da PRIMEIRA CONTRAENTE:


1. Entregar ao SEGUNDO CONTRAENTE, 6.030,00 €, acrescido de IVA à taxa em vigor, com vista a permitir ao SEGUNDO CONTRAENTE, ao longo do período de vigência do contrato, uma efectiva melhoria dos serviços prestados aos seus clientes, através da modernização das instalações e equipamentos do estabelecimento supra identificado.


O montante supra referido será entregue nos seguintes prazos e condições:


a) 3.000,00€, acrescido de IVA à taxa em vigor, à data da assinatura do presente contrato.


b) 3.000,006, acrescido de IVA à laxa em vigor, três meses após o início deste contrato, desde que o SEGUNDO CONTRAENTE, tenha adquirido mensalmente e pago na integra as quantidades mensais de produto previstas na cláusula Segunda N°. 1.


1.1 Se as quantidades mensais previstas na cláusula Segunda N°. 1, não forem adquiridas, a PRIMEIRA CONTRAENTE fica automaticamente desobrigada da entrega do apoio financeiro previsto na alínea b).


2. Ceder ao SEGUNDO CONTRAENTE, em comodato, os bens abaixo identificados:


a) 1 depurador


b) 2 chapéus de sol com base


c) 10 mesas marca Metar


d) 40 cadeiras marca Metar


2.1 O valor total do equipamento supra deferido é de 2.099,81 €, acrescido de Iva à taxa em vigor.


2.2. Os equipamentos referidos nas alíneas b), c) e d), em virtude de serem personalizados só serão produzidos e instalados após a assinatura do contrato de acordo com a disponibilidade do fornecedor.


3. Fornecer ao SEGUNDO CONTRAENTE os produtos por este solicitados (…)


4. Prestar assistência técnica remunerada a pedido do SEGUNDO CONTRAENTE aos equipamentos fornecidos pela PRIMEIRA CONTRAENTE e de acordo com a tabela de preços em vigor;


(…)


SEGUNDA


Obrigações do Cliente


Constituem obrigações do SEGUNDO CONTRAENTE:


1. Adquirir à PRIMEIRA CONTRAENTE, durante a vigência do contrato, em regime de exclusividade, uma média mensal de 25 Kgs. de café, lote SUPER EXTRA, perfazendo 1200 kgs. totais.


(…)


4. Pagar pontualmente, nos termos previstos na cláusula Terceira, os produtos fornecidos pela PRIMEIRA CONTRAENTE, aos preços previstos na tabela geral de preços em vigor à data de cada fornecimento, a qual é do conhecimento do SEGUNDO CONTRAENTE.


TERCEIRA


Pagamento de Fornecimentos


O SEGUNDO CONTRAENTE pagará até 15 dias da data da factura.


QUARTA


Trespasse ou Cessão de Exploração


1. Nos termos do artº 424°. do Código Civil, qualquer das partes tem a faculdade de transmitir a sua posição contratual, desde que a outra parte o consinta.


2. Se durante a vigência deste contrato, o SEGUNDO CONTRAENTE trespassar ou ceder a exploração do seu estabelecimento, deverá o respectivo contrato de trespasse ou cessão de exploração, incluir a transmissão dos direitos e obrigações decorrentes do presente contrato de fornecimento para o trespassado ou cessionário, ficando o SEGUNDO CONTRAENTE obrigado a comunicar à PRIMEIRA, por escrito, a pretendida transmissão.


3. Se a PRIMEIRA CONTRAENTE não concordar com a referida transmissão informará o SEGUNDO CONTRAENTE no prazo de 15 dias após a comunicação deste.


4. Em alternativa ao disposto no N°. 1, pode o SEGUNDO CONTRAENTE, denunciar o contraio, mediante carta registada com aviso de recepção.


5. Em qualquer dos casos previstos nos N° 3 e N° I da presente cláusula, fica o SEGUNDO CONTRAENTE obrigado a pagar à PRIMEIRA CONTRAENTE, uma indemnização calculada nos termos do disposto na cláusula Sexta N°. 3.


QUINTA


Prazo


1. O presente contrato é celebrado pelo prazo de quatro anos;


2. No caso do SEGUNDO CONTRAENTE não ter adquírido a quantidade total prevista no N°. 1 da cláusula Segunda, poderá a PRIMEIRA CONTRAENTE optar por prorrogar o contrato por mais um ano.


3. O SEGUNDO CONTRAENTE poderá pôr termo ao contrato no mês seguinte a ter adquirido a totalidade do produto prevista na cláusula Segunda N". 1.


4. Sem prejuízo do disposto no N". 2, terminado o contrato pelo decurso do prazo previsto no N°. 1, sem que o SEGUNDO CONTRAENTE tenha adquirido a totalidade dos quilos a que se obrigou, a PRIMEIRA CONTRAENTE tem o direito a ser indemnizada nos termos do N°. 3 da cláusula Sexta.


SEXTA


Resolução


1. Sem prejuízo do disposto no N°. 3 da cláusula Quinta, o presente contrato poderá ser resolvido por qualquer dos contraentes nos termos gerais de direito.


2. A resolução do contrato comunicar-se-á, por carta registada com aviso de recepção, a enviar para a sede/morada dos contraentes, considerando-se como data de resolução a que for fixada na comunicação. A não recepção da comunicação por parte dos contraentes, desde que enviada para as moradas acordadas, não obsta à válida resolução do contrato.


3. Em caso de resolução fundada no incumprimento das obrigações do SEGUNDO CONTRAENTE, a PRIMEIRA CONTRAENTE tem o direito a ser indemnizada, no montante de 13,50€ por cada quilo de café não adquirido, relativamente à quantidade total prevista na cláusula Segunda N°. 1.


4. Em caso de resolução contratual, fica ainda o SEGUNDO CONTRAENTE obrigado a, no prazo de 10 dias, após a notificação da resolução, restituir à PRIMEIRA CONTRAENTE os bens comodatados.


(…)


Campo Maior, 17 de Dezembro de 2013


(…)”.


4. Para cumprimento da cláusula primeira nº 2 do mencionado contrato, a Autora cedeu ao Réu um depurador, dois chapéus de sol com base, dez mesas marca Metar e quarenta cadeiras marca Metar.


5. A Autora entregou ao Réu as quantias de 3.000,00 Euros, acrescidas de IVA, de acordo com o disposto na cláusula Primeira nº 1, daquele contrato.


6. Em Janeiro de 2017, o Réu deixou de consumir café da marca Camelo, lote SuperExtra, e de comprar café à Autora, tendo encerrado o estabelecimento “Snack Bar S...»”.


7. O Réu não pagou as remessas, de café Camelo Super Extra, Açúcar saquetas e chávenas, que recebeu, a que se referiram as seguintes facturas emitidas pela Autora ao Réu:


- factura nº 73346/0204 de 09/03/2016, no valor de € 248,34 (duzentos e quarenta e oito euros e trinta e quatro cêntimos);


- factura nº. 73346/0651 de 19/10/2016 no valor de € 248,34 (duzentos e quarenta e oito euros e trinta e quatro cêntimos),


- factura nº 73346/0704 de 16/11/2016, no valor de € 248,34 (duzentos e quarenta e oito euros e trinta e quatro cêntimos), e


- fatura nº 73346/0728 de 29/11/2016 no valor de 248,38 (duzentos e quarenta e oito euros e trinta e quatro cêntimos).


8. Das mencionadas facturas o Réu apenas liquidou a quantia de € 100,00 (cem euros).


9. O Réu apenas comprou 630 quilos de café.


10. A Autora enviou ao Réu carta registada com aviso de recepção, assinada pela advogada da Autora, com o seguinte teor:


“(…)


EXM SENHOR


AA


RUA DE ... N95 - 29 DT9 ...


Carta Registada C/A.R


Proc. n.º 24/18-C e 25/18


N/REF: CR/MP


Campo Maior, 19 de Outubro de 2018


ASSUNTO: Resolução do contrato realizado em 17 de Dezembro de 2013 com a firma TORREFACÇÃO CAMELO, LDA + Débito de Fornecimentos


Exm. Senhor,


Fomos informados pelo nosso departamento comercial de ... que deixou V.Ex.ª de consumir no s/estabelecirnento comercial, o nosso café marca Camelo, lote Super Extra. Como muito bem sabe deixou em dívida a quantia de 895,01 Euros, referente a débito de fornecimentos de café.


Constatámos, assim, o incumprimento por parte de V. Exa. das obrigações a que estava cometida por força do contrato em epígrafe e em particular da cláusula Segunda nº 1 que lhe impunha o dever de exclusividade com o consumo mensal de 25 kg de café Super Extra, até perfazer 1.200 kg totais.


Pelo exposto, e atendendo a que violou a cláusula supra referida, ao abrigo do disposto na cláusula Sexta nº 2 e 3, resolve-se o sobredito contrato de fornecimento, com efeitos a contar do recebimento da presente notificação.


Ao abrigo do disposto na referida cláusula Sexta, notificamo-la para no prazo de 10 dias, após recepção desta carta, proceder ao pagamento da indemnização que é devida a Torrefacção Camelo, Lda., no valor de 7.695,00 euros, referente a 570 kg de café não adquiridos X 13,50€/kg, acrescido ao valor das facturas em divida perfaz a quantia de 8.590,01 Euros.


Nos termos da clausula Sexta pt. 4 deverá no mesmo prazo preceder à entrega de todo o equipamento cedido em comodato.


Caso não proceda ao pagamento e à entrega do equipamento no prazo estipulado, a referida quantia será acrescida de juros de mora à taxa legal, contados desde a constituição em mora até integral pagamento.


Aguardando o s/contacto, afim de evitarmos o recurso a outros meios, subscrevemo-nos, com os melhores cumprimentos.


A Advogada


(…)”.


11. A Autora enviou ao Réu carta registada com aviso de recepção, assinada pela advogada da Autora, com o seguinte teor:


“(…)


EXM SENHOR


AA


RUA DE ... N95 - 29 DT9 ...


Carta Registada C/A.R


Proc. n.º 24/18-C e 25/18


N/REF: CR/MP


Campo Maior, 03 de Janeiro de 2019


ASSUNTO: Resolução do contrato realizado em 17 de Dezembro de 2013 com a firma TORREFACÇÃO CAMELO, LDA + Débito de Fornecimentos


Exm. Senhor,


Fomos informados pelo nosso departamento comercial de ... que deixou V.Ex.ª de consumir no s/estabelecirnento comercial, o nosso café marca Camelo, lote Super Extra. Como muito bem sabe deixou em dívida a quantia de 895,01 Euros, referente a débito de fornecimentos de café.


Constatámos, assim, o incumprimento por parte de V. Exa. das obrigações a que estava cometida por força do contrato em epígrafe e em particular da cláusula Segunda nº 1 que lhe impunha o dever de exclusividade com o consumo mensal de 25 kg de café Super Extra, até perfazer 1.200 kg totais.


Pelo exposto, e atendendo a que violou a cláusula supra referida, ao abrigo do disposto na cláusula Sexta nº 2 e 3, resolve-se o sobredito contrato de fornecimento, com efeitos a contar do recebimento da presente notificação.


Ao abrigo do disposto na referida cláusula Sexta, notificamo-la para no prazo de 10 dias, após recepção desta carta, proceder ao pagamento da indemnização que é devida a Torrefacção Camelo, Lda., no valor de 7.695,00 euros, referente a 570 kg de café não adquiridos X 13,50€/kg, acrescido ao valor das facturas em divida perfaz a quantia de 8.590,01 Euros.


Nos termos da clausula Sexta pt. 4 deverá no mesmo prazo preceder à entrega de todo o equipamento cedido em comodato.


Caso não proceda ao pagamento e à entrega do equipamento no prazo estipulado, a referida quantia será acrescida de juros de mora à taxa legal, contados desde a constituição em mora até integral pagamento.


Aguardando o s/contacto, afim de evitarmos o recurso a outros meios, subscrevemo-nos, com os melhores cumprimentos.


A Advogada


(…)”.


12. A Autora já levou os dois chapéus de sol, que não restituiu ao Réu.


13. Em 2014 o Réu sofreu um enfarte, e deu entrada no hospital, tendo sido internado a 06 de Junho de 2014, e tido alta médica a 11 de Junho de 2014.


14. A Autora foi informada do ocorrido com o Réu pelos funcionários do estabelecimento explorado pelo Réu, o Snack Bar S....


15. O Réu sofreu outro enfarte em 21 de Abril de 2016.


16. Em Janeiro de 2017, o Réu encerrou o estabelecimento Snack Bar S..., e foi explorar outro.


Factos não provados


Não se provaram os seguintes factos:


1. Devido ao seu estado de saúde o Réu ficou ausente, tendo-se visto impedido de trabalhar, durante um ano e meio a partir de Junho de 2014.


2. As cadeiras são inexistentes porque metade deterioraram-se com o uso continuado.


8. Do mérito do recurso


8.1. Impugnação da matéria de facto


Insurge-se o apelante contra a decisão do Tribunal “a quo” de dar como “Não Provado”o seguinte facto: “1. Devido ao seu estado de saúde o Réu ficou ausente, tendo-se visto impedido de trabalhar, durante um ano e meio a partir de Junho de 2014.”.


Para tanto, refere que a documentação clínica mostra que após os episódios de enfarte ficaram sequelas, tais como o episódio de dor em 25/04/2016 mencionado no Doc. 10 junto à contestação, onde consta ainda que o Recorrente foi inscrito num programa de reabilitação cardíaca.


No seu entender, mostram ainda os documentos juntos que após as altas o Recorrente teve uma intensa terapêutica a seguir e havia de necessidade de seguir determinados procedimentos para combater o risco de novos episódios de doença cardíaca.


E salienta que “ainda de acordo com o Doc. 10, só em Abril de 2016 foi consignado que “não necessita de baixa. Pode retornar à atividade profissional”, recomendação que não consta de outros documentos após o enfarte em 06/06/2014”.


“Logo, da análise da documentação clínica não deve retirar-se a conclusão de que não se tenha provado que o Recorrente ficou impedido de dar cumprimento ao contrato durante cerca de ano e meio”.


Vejamos.


Para justificar a sua decisão referiu o Tribunal “a quo”o seguinte: “Inexistiu prova que corroborasse a matéria que temos como não provada, sequer à luz das regras de experiência comum e da normalidade da vida. Quanto ao ponto 1, o que se retira da documentação clínica junta pelo Réu é que sofreu um enfarte e esteve internado de 6 a 11 de Junho de 2014, e que a 21 de Abril de 2016 sofreu novo enfarte que lhe determinou novo internamento entre esse dia e o dia 26 de Abril de 2016: ao invés, não se retira desses elementos que o Réu tenha ficado impedido de trabalhar após as altas hospitalares.”.


Não podemos deixar de acompanhar o decidido, tanto mais que que se o R. tivesse ficado de “baixa” após após o primeiro enfarte, teria sido emitido o competente atestado.


Não o tendo sido, não se pode alcançar conclusão inversa.


Ademais, nem sequer resulta provado que tivesse sido a situação de doença do Réu que tivesse determinado a não aquisição de café no estabelecimento (v.g. pelo seu encerramento) durante esses períodos – tanto mais que o estabelecimento tinha funcionários (ponto 14), o que retira relevância exculpatória aos episódios de doença invocados.


Improcede, pois, a pretensão do apelante neste conspecto.


8.2. Reapreciação jurídica da causa:


Invoca agora o apelante a ausência da interpelação admonitória prévia à resolução do contrato e, por consequência, a não conversão da mora em incumprimento definitivo.


Trata-se, porém, de uma questão nova, i.e. uma questão não suscitada em sede própria – na contestação- e que não pode ser apreciada no recurso.


É que os recursos se destinam a reapreciar decisões e não a decidir questões novas. Se assim não fosse, comprometer-se-ia o princípio da preclusão e suprimir-se-ia um grau de jurisdição em prejuízo das partes.


Mas o apelante olvida-se de outro facto assaz relevante: é a de que, como bem assinalou o Tribunal “a quo”, o contrato previamente ao envio das ditas missivas já estava extinto por caducidade.


Com efeito, no contrato firmado a 17 de Dezembro de 2013, o Réu vinculou-se para com a A. a adquirir-lhe, durante a vigência do mesmo (prazo de 48 meses, que terminaria a 17 de Dezembro de 2017), em regime de exclusividade, uma média mensal de 25 Kg de café, perfazendo 1200 Kgs totais, para consumo no Snack Bar S....


Resulta também provado que o Réu apenas comprou 630 quilos de café à Autora, e que em Janeiro de 2017 o Réu deixou de comprar café à Autora, tendo encerrado o supra referido estabelecimento.


Por conseguinte quando o contrato atingiu o seu termo, em Dezembro de 2017, o Réu não havia cumprido a obrigação de adquirir os 1200 kgs totais de café, a que se vinculara, o que, só por si, conferia à Autora o direito a ser indemnizada de acordo com o convencionado na cláusula 5ª nº 4, do contrato firmado entre as partes, ou seja, no montante de € 13,50 por cada quilo de café não consumido, que se cifra (1200 Kgs - 630 = 570 x € 13,50 = 7.695,00)no montante de € 7.695,00 (sete mil seiscentos e noventa e cinco euros).


A caducidade opera ope legis sem necessidade de manifestação de vontade para a produzir. No caso, a caducidade operou pelo decurso do prazo contratualmente ajustado pelas partes para a vigência do contrato.


Por isso, e como não se pode extinguir o que já está extinto, concordamos com a conclusão da sentença de que as cartas enviadas pela Autora ulteriormente ficaram destituídas de qualquer eficácia resolutiva do contrato, dado que o mesmo já caducara.


A condenação do Réu no pagamento da indemnização peticionada era, pois, inevitável.


III. DECISÃO


Pelo exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.


Custas pelo Apelante.


Évora, 28 de Março de 2025


Maria João Sousa e Faro (relatora)


Filipe César Osório


Sónia Moura