Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1591/24.6YLPRT.E1
Relator: ISABEL DE MATOS PEIXOTO IMAGINÁRIO
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
RENOVAÇÃO DO CONTRATO
OPOSIÇÃO
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Data do Acordão: 10/30/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: i. por força do disposto no artigo 1068.º do CC, quer o Réu trespassário, quer o respetivo cônjuge, são arrendatários no contrato de arrendamento;
ii. do regime conjugado dos artigos 15.º/2, alínea c), do NRAU, 1097.º e 1110.º/1, do CC, a par do disposto nos mencionados artigos 11.º/4 e 10.º/2, alínea b), do NRAU, resulta que a comunicação do senhorio que visa impedir a renovação automática do contrato tem que ser dirigida a todos os arrendatários;
iii. não tem cabimento a condenação por litigância de má-fé se os termos da factualidade alegada foram espontaneamente alterados em subsequente articulado.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Évora


I – As Partes e o Litígio

Recorrente / Autor: (...)
Recorridos / Réus: (…) e (…)

O Autor intentou no Balcão Nacional do Arrendamento o presente procedimento especial de despejo com fundamento na oposição à renovação do contrato, relativo ao n.º 2 do prédio urbano sito na Rua (…), com os números de polícia 2, 4 e 8, da freguesia de (…), concelho de Lagoa, de que é proprietário, onde está instalado um estabelecimento comercial denominado “(…)”.
Alegou, para além do mais, que os Réus, apesar de devidamente notificados da não renovação do contrato de arrendamento e que teriam de proceder à entrega do locado livre de pessoas e bens até ao dia 01/08/2024, não procederam à respetiva entrega.
Em sede de contestação, os Réus invocaram, designadamente, a não comunicação da oposição à renovação do contrato à Ré, a quem se comunicou o contrato de arrendamento.

II – O Objeto do Recurso
Decorridos os trâmites processuais documentados nos autos, foi proferida decisão julgando a ação improcedente, absolvendo os Réus do pedido de despejo, mais condenando o Autor por litigância de má-fé em 5 UC e a pagar aos Réus o montante de € 165,00 (cento e sessenta e cinco euros) a título de indemnização.
Inconformado, o Autor apresentou-se a recorrer, pugnando pela revogação da decisão recorrida, a substituir por outra que condene os Réus a desocupar o locado. As conclusões da alegação do recurso são as seguintes:
«I - O Tribunal a quo fez uma interpretação e aplicação errada do direito adjetivo ao caso em concreto pondo em causa o direito constitucional do Recorrente à propriedade, vertido no artigo 62.º da Constituição da República Portuguesa.
II - O Tribunal a quo não atendeu à solução mais acertada, nomeadamente, interpretando os normativos que consagram os direitos das partes, e a validade dos seus atos, sempre no sentido do alargamento desses direitos, e nunca da sua restrição nos termos do artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil.
III - O Tribunal a quo ao declarar ineficaz a comunicação de oposição à renovação do contrato de arrendamento para fins comerciais, efetuada pelo Recorrente, violou de forma inequívoca os artigos 10.º, 11.º, n.º 3, 12.º e 15.º, todos do NRAU, quando devia ter, de acordo com os citados artigos, considerado como suficiente e válida a comunicação feita ao titular do contrato de arrendamento.
IV - O próprio Tribunal a quo, ao concluir desse modo, demonstra não ter apreciado corretamente, ou entendido a pretensão do Recorrente, e os respetivos fundamentos, demonstrando não ter compreendido exatamente o sentido e alcance do requerimento inicial.
V – O Recorrente não aceita que tenha resultado provado o vertido a pontos 11 da matéria de facto dada como provada, porquanto a referida menção foi feita por lapso no requerimento inicial, e posteriormente corrigida a pontos 45º a 54º do articulado superveniente voluntariamente apresentado pelo Recorrente.
VI – Tendo o Recorrente corrigido o lapso constante do requerimento inicial, e admitido expressa e voluntariamente o contrário, não se compreende como o mencionado no RI possa ter sido dado como provado, servindo de base a condenação do Recorrente como litigante de má-fé.
VII – Termos em que se pugna pela retirada/alteração do vertido a pontos 11 da matéria de facto dada como provada, e pela revogação da sentença recorrida no tocante à condenação por má-fé do aqui Recorrente.
VIII – Entendeu também o Tribunal a quo que os sucessivos trespasses envolveram a transmissão da posição de arrendatário no contrato de arrendamento, e que essa posição de arrendatário foi ainda transmitida para a cônjuge do titular do contrato, aqui Recorrida, por serem estes casados no regime supletivo da comunhão de adquiridos, e tendo esse direito sido adquirido a título oneroso, na constância do matrimónio, sempre se presumiria comunicável o referido direito, nos termos do artigo 1068.º do Código Civil.
IX – Com o devido respeito, discorda o Recorrente do entendimento adotado, e considera existir erro de julgamento no decidido quanto à eficácia da comunicação de oposição à renovação do contrato de arrendamento urbano para fins não habitacionais, porquanto a norma constante do artigo 12.º do NRAU aplica-se às situações em que se discuta a cessação de contrato de arrendamento de imóvel que constitua casa de morada de família do arrendatário.
X – Mais entende o Recorrente que a referida norma exceciona essa situação específica, e que o seu sentido é claro, não se aplicando no presente caso, uma vez que o locado objeto do contrato de arrendamento não constitui morada de família, ou sequer tem finalidade habitacional, mas sim comercial, que em nada se confunde com uma casa de morada de família.
XI – Da interpretação a contrario sensu do artigo 12.º do NRAU resulta que nas restantes situações, em que não esteja em causa a casa morada de família, as notificações de oposição à renovação são enviadas apenas para o(s) outorgante(s).
XII – Não teria, pois, sentido que o legislador excecionasse expressamente quanto à casa morada de família, se em todo o caso fosse aplicável a regra da comunicação para ambos os cônjuges com base no simples pressuposto de o titular do contrato de arrendamento ser casado à data da celebração do contrato de arrendamento.
XIII – Se fosse essa fosse a ratio legis da norma, bastaria para o efeito prever que em todos os contratos de arrendamento em que o outorgante fosse, à data da celebração do contrato, casado em regime que permitisse a comunicabilidade do direito de arrendamento, a comunicação teria que ser enviada a ambos os cônjuges.
XIV - Acresce que o senhorio não tem como assegurar concretamente qual o estado civil, ou o regime de bens que efetivamente vigora entre o arrendatário e o seu cônjuge, limitando-se a fazer constar no contrato o estado civil e/ou regime de bens declarados pelo arrendatário.
XV – Nem tem, enquanto homem médio, o dever de saber/confirmar qual o regime de casamento do arrendatário, se o estado civil do arrendatário se mantém à data da pretensa oposição à renovação do contrato de arrendamento, e muito menos pode inferir os efeitos que esse regime possa produzir quanto aos bens do casal.
XVI – O Tribunal a quo devia ter aplicado as normas de processo, impondo, por conseguinte, a prevalência da justiça material sobre a justiça formal, isto é, sobre uma pretensa justiça que, sob a capa de requisitos processuais, se manifeste numa decisão que, afinal, não consubstancia mais do que uma simples denegação de justiça.
XVII – Assim, violou o Tribunal a quo as normas vertidas nos artigos 62.º da Constituição da República Portuguesa, artigos 10.º, 11.º, n.º 3, 12.º e 15.º, todos do NRAU, termos em que, e salvo melhor entendimento, entende o Recorrente que os direitos/obrigações do arrendatário, não se confundem com a posição contratual de arrendatário, e que da interpretação conjugada do n.º 1 do artigo 12.º, do n.º 2 do artigo 10.º, ambos do NRAU, e do n.º 1 do artigo 1907.º do Código Civil, não pode resultar a obrigatoriedade de se comunicar à Recorrida a oposição de renovação de um contrato subscrito apenas pelo Recorrido.
XVIII – Deste modo, o Tribunal a quo não fez uma correta apreciação do vertido no requerimento inicial, devendo a sentença em crise ser revogada e substituída por sentença que ordene o despejo dos Recorridos.»
Os Recorridos apresentaram contra-alegações sustentando que o recurso deverá ser julgado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida, por acertada.
Como questão prévia, mais dão conta de que o Autor enviou, após a prolação da sentença, cartas com vista à oposição à renovação do contrato, com efeitos pretendidos a 01/08/2026, o que traduz se tenham conformado com a sentença e implica esteja o recurso desprovido de objeto.

Cumpre conhecer das seguintes questões:
i. da questão prévia suscitada pelos Recorridos;
ii. do regular exercício, pelo Recorrente, do direito de oposição à renovação do contrato de arrendamento;
iii. da falta de fundamento para condenação do Recorrente por litigância de má-fé.

III – Fundamentos
A – Os factos provados em 1.ª instância
1. Em 30 de julho de 2015, o Autor (…) celebrou com (…) um escrito denominado “Contrato de arrendamento para fins não habitacionais em regime de renda livre com prazo certo”, através do qual o primeiro declarou dar de arrendamento ao segundo, o prédio urbano sito na Rua (…), com o n.º de polícia 2, em (…), inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…), da referida freguesia, onde está instalado um estabelecimento comercial denominado “(…)” – conforme documento 1 junto com o requerimento inicial de despejo.
2. No referido escrito, além do mais, consta o seguinte:
- Cláusula Primeira (Propriedade): “O Primeiro Outorgante é proprietário e legítimo possuidor do prédio sito na Rua (…), em (…), inscrito na matriz predial urbana da freguesia de (…), Concelho de Lagoa, sob o artigo (…), isento de licença de utilização nos termos do n.º 2 do artigo 5.º do Decreto-lei n.º 160/2006, de 8 de Agosto.
- Cláusula Segunda (Objecto): “Pelo presente contrato, o Primeiro Outorgante dá de arrendamento ao Segundo Outorgante, que toma de arrendamento, o imóvel identificado na cláusula antecedente com o n.º de Policia 2”.
- Clausula Terceira (Fim): “1. A fracção autónoma arrendada destina-se, única e exclusivamente às actividades económicas de comércio a retalho de pão, produtos de pastelaria e confeitaria, em estabelecimento especializados (CAE 477240), e de pastelaria e casa de chá (CAE 56303), desde que licenciado para o efeito pelas entidades competentes, por parte do Segundo Outorgante, não lhe sendo lícito atribuir outro fim ou uso sem o consentimento, por escrito, do Primeiro Outorgante. (…)”.
- Cláusula Quarta (Duração. Denúncia ou oposição à renovação): “1. O prazo de duração do arrendamento é de cinco anos com início em 1 de agosto de 2015, renovável automaticamente por períodos sucessivos de um ano, se não for denunciado ou não sofrer oposição por qualquer das partes, nos termos da lei. 2. Qualquer dos Outorgantes pode denunciar o contrato, e impedir a sua renovação, comunicando o facto à outra parte, por carta registada com aviso de recepção, com a antecedência de um ano, por parte do Primeiro Outorgante, e de quatro meses, por parte do Segundo Outorgante”.
- Cláusula Quinta (Renda): “1. O Segundo Outorgante obriga-se a pagar a renda mensal de € 525,00 (quinhentos e vinte e cinco euros), automática e anualmente actualizada de acordo com o coeficiente de actualização apurado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) e publicado no Diário da República. (…)”.
3. Posteriormente o estabelecimento comercial identificado em 1) foi trespassado por (…) para (…).
4. Em 16 de fevereiro de 2018, (…) declarou trespassar o estabelecimento comercial, onde se incluía o direito de arrendamento, para o Réu (…), casado com a Ré (…), sob o regime de comunhão de adquiridos.
5. Em 13 de março de 2023, o Autor remeteu ao Réu carta registada com aviso de receção dirigida para a Rua (…), n.º 35/37, (…), com vista a comunicar a oposição à renovação do contrato de arrendamento mencionado em 1) e 2), a qual foi devolvida com a indicação de “objeto não reclamado”.
6. O Autor comunicou ao Réu através de notificação judicial avulsa a sua oposição à renovação do contrato, com efeitos a partir de 1 de agosto de 2024 e da obrigação de desocupar o imóvel arrendado.
7. A notificação judicial avulsa foi notificada ao Réu em 25 de maio de 2023.
8. Os Réus não procederam à entrega do imóvel arrendado.
9. O Autor remeteu à Ré carta registada com aviso de receção a comunicar a oposição à renovação do contrato de arrendamento, rececionada pela própria no dia 14 de março de 2023, não referente ao prédio urbano sito na Rua (…), n.º de polícia 2, em (…), mas referente ao n.º de polícia 8, respeitante a outro contrato de arrendamento.
10. O Autor não comunicou à Ré a oposição à renovação do contrato de arrendamento mencionado em 1) e 2).
11. No requerimento inicial de despejo o Autor alegou, além do mais, o seguinte:
“O Requerente, por não pretender continuar o referido contrato de arrendamento para fins não habitacionais, enviou aos aqui Requeridos cartas registadas com aviso de receção, em que lhes comunicou a oposição à renovação do contrato de arrendamento.
A Requerida (…) rececionou pessoalmente a carta de oposição à renovação do contrato de arrendamento, no dia 14.03.2023, pelo que tomou conhecimento de que o contrato não se renovaria dentro do prazo legalmente estabelecido (…).
Sucede que o aqui Requerido, apesar de a carta lhe ter sido entregue pessoalmente, conforme consta no envelope da mesma, e que aqui se junta como doc. 5, que se dá por reproduzido, não quis aceitá-la, nem assinar o respetivo aviso de receção”.

B – As Questões do Recurso
i. Da questão prévia
Os Recorridos consideram que o presente recurso se encontra desprovido de objeto porquanto o Autor, após a prolação da sentença, comunicou a pretensão de oposição à renovação do contrato, o que evidencia ter-se conformado com o teor da decisão.
Não lhes assiste razão.
É bom de ver que se trata de diligência encetada segundo a jurisprudência das cautelas, atalhando o exercício renovado do direito para o caso de o recurso não merecer o almejado provimento.
Não contende com o recurso interposto, pois não configura desistência válida e expressa do mesmo, pelo que o presente recurso, cujo objeto está conformado pelas conclusões da alegação, prosseguirá os seus regulares termos.

ii. Do regular exercício, pelo Recorrente, do direito de oposição à renovação do contrato de arrendamento
Em 1ª instância, a decisão de improcedência da pretensão de despejo do locado alicerçou-se na circunstância de à Ré, a quem foi comunicado o direito do seu marido, arrendatário, não ter sido comunicada a oposição à renovação do contrato.
Ao que se opõe o Recorrente, sustentando que a comunicação apenas deve ser dirigida a ambos os cônjuges quando se trate da situação versada no artigo 12.º do NRAU, ou seja, quando o local arrendado constitua casa de morada de família. Por se tratar de um estabelecimento comercial e por não lhe ser exigível conhecer o regime de bens que vigora no casamento do arrendatário, considera ter sido regularmente exercido o direito de oposição à renovação do contrato.
Não lhe assiste razão.
As formalidades relativas às comunicações entre as partes no âmbito dos contratos de arrendamento urbano encontram-se consagradas nos artigos 9.º e ss do NRAU, aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro.
É certo que, nos termos do artigo 12.º/1, se o local arrendado constituir casa de morada de família, as comunicações previstas no n.º 2 do artigo 10.º devem ser dirigidas a cada um dos cônjuges, sob pena de ineficácia.
No caso em apreço, o local arrendado não constitui casa de morada de família, pelo que não tem aplicação o citado regime legal.
Porém, por força do disposto no artigo 1068.º do CC, nos termos do qual o direito do arrendatário comunica-se ao seu cônjuge, nos termos gerais e de acordo com o regime de bens vigente, o contrato de arrendamento que era singular resultou convertido em contrato de arrendamento plural.[1] Quer o Réu trespassário, quer o respetivo cônjuge, ambos os Réus são arrendatários no contrato de arrendamento.
O artigo 11.º do NRAU dispõe, designadamente, o seguinte:
3 - Havendo pluralidade de arrendatários, a comunicação do senhorio é dirigida ao que figurar em primeiro lugar no contrato, salvo indicação daqueles em contrário.
4 - A comunicação prevista no número anterior é, contudo, dirigida a todos os arrendatários nos casos previstos no n.º 2 do artigo anterior.
Ora, o n.º 2 do artigo 10.º, por sua vez, estabelece que:
2 - O disposto no número anterior não se aplica às cartas que:
a) Constituam iniciativa do senhorio para a transição para o NRAU e atualização da renda, nos termos dos artigos 30.º e 50.º;
b) Integrem título para pagamento de rendas, encargos ou despesas ou que possam servir de base ao procedimento especial de despejo, nos termos dos artigos 14.º-A e 15.º, respetivamente, salvo nos casos de domicílio convencionado nos termos da alínea c) do n.º 7 do artigo anterior.
c) Sejam devolvidas por não terem sido levantadas no prazo previsto no regulamento dos serviços postais.
O que implica se atente, agora, no regime inserto nos artigos 14.º-A e 15.º do NRAU.
O artigo 14.º-A reporta-se à constituição de título executivo para cobrança de rendas, encargos e despesas que corram por conta do arrendatário.
O artigo 15.º reporta-se ao procedimento especial de despejo, independentemente do fim a que este se destina, quando o arrendatário não desocupe o locado na data prevista na lei ou na data fixada por convenção entre as partes.
Do regime conjugado dos artigos 15.º/2, alínea c), do NRAU, 1097.º e 1110.º/1, do CC, a par do disposto nos mencionados artigos 11.º/4 e 10.º/2, alínea b), do NRAU, resulta que a comunicação que visa impedir a renovação automática do contrato tem que ser dirigida a todos os arrendatários.
Tratando-se, como se trata, de carta que pode servir de base ao procedimento especial de despejo, a falta de comunicação à Ré arrendatária da oposição à renovação automática do contrato implica no irregular exercício de tal direito.
O que implica na falta de fundamento para considerar extinto o contrato de arrendamento e para determinar o consequente despejo do locado.

iii. Da falta de fundamento para condenação do Recorrente por litigância de má-fé
O Recorrente sustenta ser indevida a condenação por litigância de má-fé, uma vez que a factualidade considerada para o efeito foi por si espontaneamente retificada em sede de subsequente articulado.
Assiste-lhe razão.
Nos termos do n.º 1 do artigo 542.º do CPC, tendo litigado de má-fé, a parte será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta pedir. Em face do disposto no n.º 2 do citado preceito, a litigância de má-fé, desde que revestida de dolo ou negligência grave, pode ser considerada sob dois aspetos:
- a má-fé material, que abrange os casos de dedução de pretensão ou de oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar, a alteração da verdade dos factos ou a omissão de factos relevantes para a decisão da causa;
- a má-fé instrumental, relativa à omissão grave do dever de cooperação, ao uso manifestamente reprovável do processo ou dos meios processuais para conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, para entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
Como ensina Abrantes Geraldes[2], as partes devem estar cientes de que, no âmbito da resolução de conflitos de direito privado, devem pautar-se pelas regras da cooperação intersubjetiva, pela lealdade e pela boa-fé processual. A lei, porém, não pede a nenhuma das partes que se entregue, sem luta. Por isso, a todas é garantida a possibilidade de fazerem vingar as respetivas posições, desde que estejam convencidas da sua legitimidade, mesmo que assentem em normas jurídicas objetivamente injustas, ou desde que não sejam excedidos certos limites para além dos quais se considera ilegítimo o exercício dos direitos processuais. Comportamentos dolosos ou gravemente culposos, materializados na dedução de pretensões ou de oposições manifestamente infundadas, assentes na alteração censurável da verdade dos factos, corporizados na grave violação do dever de cooperação ou, por fim, exteriorizados através do uso ilegítimo de instrumentos do direito adjetivo, com vista à obtenção de objetivos ilegais, à ocultação da verdade ou ao entorpecimento ou retardamento da atividade dos tribunais, são considerados ilícitos e, por isso, merecedores de sanções de natureza cível, independentemente do resultado final da ação ou da execução.
Certo é que não basta a não prova de determinado facto alegado, ou mesmo a prova do contrário do referido facto, para que a conduta da parte alegante seja censurável a coberto do referido regime legal.
No caso em apreço, o Autor invocou ter remetido cartas aos Réus para comunicação da oposição à renovação do contrato de arrendamento, e que a Ré rececionou pessoalmente a carta no dia 14/03/2023.
Consta, contudo, dos artigos 50.º e ss. do articulado apresentado pelo Autor a 19/12/2024, o seguinte:
50º - Não tinha a Ré (…) que receber qualquer comunicação de oposição à renovação do contrato de arrendamento,
51º - Razão pela qual apenas o Réu (…) foi recetor dessa comunicação,
52º - Onde resulta perfeitamente claro que se trata da oposição à renovação do contrato de arrendamento referente ao n.º 2 de polícia do prédio do Autor.
53º - Não obstante, o Autor aproveitou a mesma altura (13 de março de 2023) para se opor igualmente à renovação do n.º 8 de polícia, respeitante a outro contrato de arrendamento, daí que a Ré (…) tenha recebido o doc. 4 junto aos autos pelo Autor,
54º - O qual nada tem a ver com os presentes autos.
Afigura-se-nos que a alegação inserta na p.i., descrita no n.º 11 dos factos provados, por si só, não legitimaria a condenação por litigância de má-fé por não consubstanciar conduta dolosa ou gravemente culposa que reclame censura a coberto de tal instituto. A alegação de factos que não correspondem à realidade só implicam tal censura nos casos em que a violação do dever de probidade consagrado no artigo 8.º do CPC (que impõe às partes o dever de não formular pedidos injustos, não articular factos contrários à verdade e não requerer diligências meramente dilatórias) assume intensidade tal que revele terem sido excedidos os limites da sã e regular litigância.
O que não se verifica no caso em apreço. Tanto mais que o Autor emendou a mão quanto a tal alegação em subsequente articulado.

As custas recaem sobre o Recorrente, resultando, contudo, insubsistente a condenação em custas proferida em 1ª instância relativamente ao incidente da litigância de má-fé – artigo 527.º, n.º 1, do CPC.

Sumário: (…)

IV – DECISÃO
Nestes termos, decide-se pela parcial procedência do recurso, em consequência do que se revoga a decisão recorrida no que concerne à condenação do Autor por litigância de má-fé.
Mantendo-se, no mais, o decidido em 1ª instância.
Custas pelo Recorrente.
Évora, 30 de outubro de 2025
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
Mário João Canelas Brás
Vítor Sequinho dos Santos

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[1] Cfr. Ac. do STJ de 17/10/2023 (Barateiro Martins).
[2] E seguindo de perto o que deixa exposto in Temas Judiciários, I vol., pág. 303 e ss.