Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
366/04.3TBPSR-C.E1
Relator: ELISABETE VALENTE
Descritores: LIQUIDAÇÃO PRÉVIA
CÁLCULO
TÍTULO EXECUTIVO
SENTENÇA CONDENATÓRIA
Data do Acordão: 04/28/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I - Não depende de simples cálculo aritmético (embora implique também, por definição, um cálculo aritmético) a liquidação da sentença homologatória de transacção em que as partes acordam em “suportar em partes iguais as despesas com a colocação da cerca a dividir as parcelas”, pois o preço do serviço de instalação da cerca não foi objecto de acordo, não constando do título.
II - Por isso, tal liquidação assenta em factos controvertidos, que não estão abrangidos pela segurança do título executivo, e que não são notórios nem de conhecimento oficioso, sendo por isso necessário que o exequente proceda ao “incidente de liquidação de sentença” na ação declarativa, previsto nos artigos 358.º e seguintes do CPC para conseguir uma sentença de liquidação.
III - É que o n.º 5 do artigo 716.º prevê a fixação da obrigação executiva mas só se aplica quando não vigore o ónus de proceder à liquidação no âmbito do processo de declaração.
IV - A falta de liquidação incidental em sentença genérica impede o prosseguimento da execução por falta de título – cfr. artigo 704.º, n.º 6, do Código de Processo Civil.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes da secção cível do Tribunal da Relação de Évora:

1 – Relatório.

Na execução que (…) intentou contra (…) foi proferido o seguinte despacho em 29.03.2017, ref.ª Citius 27894928 (que transitou):
“A obrigação exequenda carece de ser certa, exigível e líquida, devendo estes elementos, quando não resultem directamente do título executivo, ser alcançados preliminarmente à execução ou no início desta.
Assim, como do título executivo, que é uma sentença condenatória, não resulta a liquidez da obrigação exequenda, e sendo certo que a liquidação não depende de simples cálculo aritmético, sempre importará o cumprimento do disposto nos n.º 4 e 5 do artigo 716.º do Código de Processo Civil.
Por tudo o exposto, cite-se os executados, nos termos do disposto nos n.ºs 4 e 5 do artigo 716.º do C.P.C., e com as advertências aí constantes.”
O executado veio, por apenso aos autos de execução de sentença instaurados por (…), deduzir oposição à execução, nos termos do artigo 728.º do Código de Processo Civil, alegando, para o efeito, e em síntese, o seguinte:
- O montante exequendo não consta da sentença que serve de fundamento à execução e não foi efetuada a liquidação, sendo, por isso, o título executivo inexigível;
- Muito embora do acordo homologado nos autos de inventário principais resulte que seriam suportadas em partes iguais as despesas com colocação de cercas a dividir as propriedades ali identificadas, não foi acordado o montante global a despender com a colocação dessas cercas, nem qualquer prazo para tal colocação, sendo, por isso, a quantia exequenda inexigível;
- Não foi dado cumprimento prévio ao disposto no artigo 713.º do CPC e o montante exequendo carece de fundamento (por ser excessivo, porque o tipo de cerca colocado é desadequado e porque inexistiu qualquer acordo prévio entre exequente e executados quanto àquele montante, aos materiais a aplicar e à data de colocação das cercas), sendo, por isso, a obrigação exequenda ilíquida.
Pugna, a final, pela procedência da oposição.
Admitida liminarmente a oposição, foi notificado o exequente para contestar, o que fez, dizendo, resumidamente e com interesse para a decisão a proferir, o seguinte:
- A sentença dada à execução é título executivo, face ao disposto no artigo 703.º, n.º 1, alínea a), e n.º 4, do Código de Processo Civil;
- A mesma sentença determina terem de ser suportadas em partes iguais por exequente e executados as despesas com a colocação da cerca a dividir o prédio dos autos;
- As despesas indicadas nos autos são todas as necessárias à colocação da mesma cerca (incluindo as decorrentes do levantamento topográfico e os emolumentos devidos à Direcção-Geral do Território, doravante “D.G.T.”) e foram devidamente comprovadas nos autos pelo embargado;
- As partes pretenderam que o acordo homologado produzisse efeitos imediatos, razão pela qual não foi fixado prazo para colocação da cerca e o embargado cumpriu o acordado, colocando-a;
- Foram remetidos aos executados os orçamentos obtidos para colocação da cerca, mas aqueles nunca responderam;
- O embargado falou pessoalmente com o embargante acerca da colocação da cerca e este anuiu a tal colocação;
- Desde que a cerca foi colocada em 2016 não houve gado algum, independentemente da sua espécie, que tivesse ultrapassado a cerca;
- O embargante desde que a cerca foi colocada em 2016 nada disse quanto à mesma, nem solicitou qualquer alteração, apenas o fazendo após propositura dos autos de execução.
Concluiu pugnando pela improcedência da oposição.
Após a audiência final foi proferida sentença que julgou a oposição à execução totalmente improcedente e, em consequência, determinou o prosseguimento da execução.

Inconformado com a sentença, veio o executado/opositor interpor recurso, concluindo a sua alegação da forma seguinte (transcrição):
«1ª No presente recurso o recorrente imputa violação de caso julgado à sentença recorrida, na parte em que consignou que a sentença dada à execução constituía título executivo dado que liquidez da obrigação exequenda dependia de simples cálculo aritmético, e violação de caso julgado ao despacho proferido em sede de audiência de julgamento de 02.09.2021, na parte em que indeferiu a junção de prova suplementar por irrelevância da mesma para os autos.
2ª Com efeito, sucede que, no âmbito do processo executivo, de que estes autos constituem apenso, logo após a interposição do requerimento executivo o tribunal consignou em despacho datado de 29.03.2017 e já transitado em julgado que,
3ª O título executivo é uma sentença condenatória da qual não resulta a liquidez da obrigação exequenda sendo certo que a liquidação não depende de simples cálculo aritmético sempre importará o cumprimento do disposto nos nº 4 e 5 do artigo 716.º do CPC., devendo citar-se os executados nos termos dessa norma legal.
4ª Sendo que citado o ora embargante, veio o mesmo deduzir embargos de executado alegando, além do mais, a iliquidez da obrigação exequenda, nos termos constantes dos artigos 12.º e seguintes dos seus embargos.
5ª Pelo que, neste circunstancialismo, deveria o exequente promover o incidente de liquidação nos termos dos artigos 358.º e seguintes, o que não fez.
6ª Assim, o tribunal ao considerar que a liquidação do valor exequendo dependia de simples operação aritmética violou manifestamente o caso julgado que se formou anteriormente com despacho que decidiu em sentido oposto, prevalecendo a decisão anterior, artigos 620.º, n.º 1 e 625.º, n.º 2, do CPC.
7ª Por outro lado, em sede de despacho saneador, transitado em julgado, foi incluído como tema da prova apurar se o exequente despendeu a quantia global de € 4.739,45 com a colocação da cerca.
8ª Ora, na sequência do depoimento da testemunha do exequente (…) que procedeu à edificação da cerca em causa e emitiu a fatura de fls. 12 , requereu o embargante que, por a testemunha ter declarado que não se recordava do valor da cerca em causa porque tinha procedido à edificação de outra cerca na mesma altura para o exequente, fosse notificado o embargado para juntar a outra fatura afim de se determinar qual era aplicável à cerca dos autos e qual o seu valor.
9ª Porém o Tribunal desatendeu o requerido com o fundamento do recorrente não ter impugnado anteriormente qualquer documento, sendo irrelevante para a decisão da causa o solicitado.
10ª Ora, não está aqui em causa a falta de impugnação de qualquer documento anterior mas um facto superveniente resultante de se vir a saber que afinal foram edificadas duas cercas não recordando o autor das mesmas do valor correspondente à dos autos pelo que teria todo o interesse confrontar a testemunha com as duas faturas para apurar qual correspondeu à cerca em referência na execução.
11ª Consequentemente, além da violação do princípio do dispositivo, incorreu o Tribunal em violação de caso julgado dado que anteriormente no despacho saneador foi fixado como tema da prova apurar precisamente qual o valor global despendido pelo exequente na edificação da cerca do imóvel, prevalecendo o anteriormente decidido, artigos 620.º, n.º 1 e 625.º, n.º 2, do CPC.
12ª Devendo, em conformidade, julgarem-se procedentes os embargos e declarar-se extinta a execução ou, subsidiariamente, revogar-se o despacho proferido na sessão de julgamento de 02.09.2021 por outra que admita a produção de prova aí requerida.
(…) NESTES TERMOS e nos melhores de direito doutamente supridos deverá ser dado provimento ao presente recurso e, por via do mesmo, revogar-se a sentença recorrida julgando-se os embargos procedentes e, em consequência, declara-se a extinção da execução ou, subsidiariamente, revogar-se o despacho proferido na sessão de julgamento de 02.09.2021 por outro que admita a produção de prova aí requerida, com o que se fará TOTAL JUSTIÇA.»
Não há contra-alegações.
Dispensados os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

Na 1ª instância foram considerados provados os seguintes factos:
A) Em sede de conferência de interessados realizada no dia 22 de janeiro de 2015 nos autos de inventário principais, (…), (…), (…), (…), (…) e (…) acordaram em dividir em partes iguais a verba n.º 4 da relação de bens daqueles autos, denominada Herdade do (…), indicando os termos dessa divisão, acarretando a constituição de duas parcelas, denominadas pelos mesmos de parcela A e de parcela B.
B) Na sequência da divisão referida em A) antecedente, acordaram ainda em adjudicar a parcela B da verba n.º 4 (entre outras) a …, …, … e a …, e a parcela A da mesma verba n.º 4 (entre outras) a … e a ….
C) Finalmente, naquela ocasião acordaram também em suportar em partes iguais as despesas com a colocação da cerca a dividir as parcelas A e B da mencionada verba n.º 4.
D) O acordo referido em A) a C) antecedentes foi objeto de sentença homologatória proferida no dia 22 de janeiro de 2015 e transitada em julgado no dia 29 de abril de 2015.
E) Na conferência de interessados indicada em A) antecedente, os interessados presentes declararam prescindir do prazo de recurso da sentença indicada em D) antecedente.
F) O exequente obteve mais de um orçamento para colocação da cerca.
G) Dos orçamentos obtidos, o exequente optou pelo de custo inferior.
H) O custo total com a colocação da cerca ascendeu a € 4.739,45.
I) Desde a colocação da cerca, ocorrida em 2016, e até à data de dedução dos embargos, nunca o embargante se opôs à mesma ou solicitou uma qualquer alteração.
Ficaram por provar quaisquer outros factos que se não compaginam com a factualidade apurada e/ou nela não constam, não se tendo considerado matéria conclusiva, irrelevante ou de Direito.

2 – Questões a decidir.

Face ao disposto nos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste tribunal, pelo que as questões a decidir são as seguintes:
1ª Questão – Saber se há caso julgado / análise do título executivo.
2ª Questão – Saber se deve ser admitida a requerida junção de documento.

3 – Análise do recurso.

1ª Questão – Saber se há caso julgado / análise do título executivo.

Defende o recorrente que, o tribunal, ao considerar que a liquidação do valor exequendo dependia de simples operação aritmética, violou manifestamente o caso julgado que se formou com o despacho anterior do mesmo tribunal, há muito transitado em julgado e proferido no mesmo processo, que decidiu em sentido oposto, prevalecendo a decisão anterior, nos termos dos artigos 620.º, n.º 1 e 625.º, n.º 2, do CPC e alega ainda que o título executivo é uma sentença condenatória da qual não resulta a liquidez da obrigação exequenda sendo certo que a liquidação não depende de simples cálculo aritmético do mais, pelo que, neste circunstancialismo, deveria o exequente promover o incidente de liquidação nos termos dos artigos 358.º e seguintes, o que não fez.
Conclui que face à iliquidez da obrigação exequenda a execução deve ser extinta.
Vejamos:
Alega o recorrente que, o despacho proferido na Execução em 29.03.2017 (que transitou) que refere que a obrigação exequenda não é liquida e a liquidação não depende de simples cálculo aritmético contraria a sentença da Oposição e viola o caso julgado constituído por tal despacho.
Sabemos que, o caso julgado é a situação em que a mesma questão foi já resolvida por uma decisão judicial de que já não é possível interpor recurso – Vide Palma Carlos, Dir. Processual Civil, Acção executiva 1967, pág. 103.
É caso julgado material, o que assenta sobre decisão de mérito proferida em processo anterior, nela a decisão recai sobre relação material ou substantiva litigada;
É caso julgado formal quando há decisão anterior proferida sobre a relação processual dentro do mesmo processo – in Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2ª ed., páginas 307-308.
Ora, neste caso estamos perante um despacho que inicial de citação na execução que vai mais além e tece considerações de mérito relativas à natureza da execução, referindo que a liquidação do valor exequendo dependia de simples operação aritmética.
Porém não deixa de ser um despacho que apenas ordena o prosseguimento dos autos, pelo que está em causa o caso julgado formal com tem força obrigatória apenas dentro do processo (cfr. artigo 620.º, n.º 1, do CPC), obstando a que o juiz possa, na mesma acção, alterar a decisão anteriormente proferida – Cfr., por todos, Antunes Varela / Miguel Bezerra / Sampaio Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra, Coimbra Editora, 1985 (2.ª edição), pág. 703.
Mas não cremos que exista caso julgado, conforme o alegado.
O primeiro despacho – que é proferido para que a execução prossiga com a citação – embora faça referência ás características da obrigação (a liquidação da valor exequendo dependia de simples operação aritmética) não é consequente e não configura nem envolve, ao contrário do pretendido, qualquer decisão que impeça a decisão de mérito relativa à defesa por Oposição que traduz a 2ª decisão em causa – essa sim de mérito – e que é a decisão recorrida.
É que tal despacho iniciou apenas um processado.
Aliás, ordenando a citação e permitindo a Oposição o primeiro despacho – ainda que o seu teor levante muitas dúvidas, tendo no entanto transitado – abriu a possibilidade de discussão da exequibilidade do título pelo que não esgotou o Tribunal o seu poder jurisdicional relativamente à decisão sobre tal questão, e por isso são, por isso, injustificadas quaisquer expectativas que o executado pudesse ter quanto a que tal despacho fosse o único despacho ou o despacho definitivo sobre a questão substancial, não lhe sendo possível alegar a violação do caso julgado.
Tanto basta para que não se possa concluir que exista caso julgado que impeça a prolação da sentença de Oposição.
No entanto, adiantamos desde já que, no nosso entender, o recorrente tem razão ao pedir a extinção da execução por falta de liquidez da obrigação exequenda.
Nos termos do artigo 704.º, n.º 6, do CPC – Requisitos da exequibilidade da sentença:
«Tendo havido condenação genérica, nos termos do n.º 2 do artigo 609.º, e não dependendo a liquidação da obrigação de simples cálculo aritmético, a sentença só constitui título executivo após a liquidação no processo declarativo, sem prejuízo da imediata exequibilidade da parte que seja líquida e do disposto no n.º 7 do artigo 716.º».
Nos termos do artigo 358.º do CPC – Ónus de liquidação:
«1 - Antes de começar a discussão da causa, o autor deduz, sendo possível, o incidente de liquidação para tornar líquido o pedido genérico, quando este se refira a uma universalidade ou às consequências de um facto ilícito.
2 - O incidente de liquidação pode ser deduzido depois de proferida sentença de condenação genérica, nos termos do n.º 2 do artigo 609.º e, caso seja admitido, a instância extinta considera-se renovada».
E nos termos do artigo 716.º do CPC (Liquidação):
«1 - Sempre que for ilíquida a quantia em dívida, o exequente deve especificar os valores que considera compreendidos na prestação devida e concluir o requerimento executivo com um pedido líquido.
2 - Quando a execução compreenda juros que continuem a vencer-se, a sua liquidação é feita a final, pelo agente de execução, em face do título executivo e dos documentos que o exequente ofereça em conformidade com ele ou, sendo caso disso, em função das taxas legais de juros de mora aplicáveis.
3 - Além do disposto no número anterior, o agente de execução liquida, ainda, mensalmente e no momento da cessação da aplicação da sanção pecuniária compulsória, as importâncias devidas em consequência da imposição de sanção pecuniária compulsória, notificando o executado da liquidação.
4 - Quando a execução se funde em título extrajudicial e a liquidação não dependa de simples cálculo aritmético, o executado é citado para a contestar, em oposição à execução, mediante embargos, com a advertência de que, na falta de contestação, a obrigação se considera fixada nos termos do requerimento executivo, salvo o disposto no artigo 568.º; havendo contestação ou sendo a revelia inoperante, aplicam-se os n.ºs 3 e 4 do artigo 360.º.
5 - O disposto no número anterior é aplicável às execuções de decisões judiciais ou equiparadas, quando não vigore o ónus de proceder à liquidação no âmbito do processo de declaração, bem como às execuções de decisões arbitrais. (…) »
Assim, como ensinam – Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. II, Almedina, págs. 47 e 49 – notas 1, 9 e 10:
«Relativamente a sentenças proferidas no âmbito das ações declarativas que, no todo, ou em parte, condenem o réu numa obrigação ilíquida, a sua liquidação é feita através de incidente posterior, nos termos do artigo 358.º, n.º 2. Tal liquidação constitui, aliás, condição de exequibilidade da sentença (artigo 704.º, n.º 6). Já se essa liquidação depender de simples cálculo aritmético, a liquidação será levada a cano requerimento executivo. (…) Quanto à liquidação pelo tribunal na ação executiva, cabe salientar que, por princípio, este mecanismo não está previsto para a execução de sentença judicial proferida em sede de ação declarativa. Com efeito, quando for proferida sentença de condenação genérica, nos termos do artigo 609.º, n.º 2, a liquidação total ou parcial do segmento condenatório é feita ainda em via declarativa através de incidente próprio (artigo 358.º, n.º 2, 360.º, n.º 3 e 704.º, n.º 6), de tal modo que a execução apenas será instaurada depois e por referência a um valor já quantificado.
A liquidação enxertada na fase inicial da acção executiva, cujos trâmites implicam produção de prova e decisão judicial (de liquidação), está gizada para execuções fundadas em título executivo, diversos de sentença, de que conste obrigação pecuniária não liquidada, nem liquidável por simples cálculo aritmético (n.º 4) bem assim para execuções baseadas em decisões judiciais ou equiparadas não envolvidas pelo regime específico do artigo 358.º, n.º 2 (como sucede com indemnizações ilíquidas arbitradas em processo penal ou em procedimento cautelar) e ainda para execuções fundadas em decisões arbitrais que condenem em quantia ilíquida não liquidável por simples cálculo aritmético (n.º 5).»
Portanto, a questão está em saber se, no caso existe o “ónus de proceder à liquidação no âmbito do processo declarativo”, sendo certo que se a obrigação não for líquida, nos termos do próprio título executivo, não pode ser executada a obrigação exequenda (artigo 713.º do Código de Processo Civil).
Antes de mais, importa apurar se a liquidação da obrigação depende ou não de simples cálculo aritmético.
“… há duas situações a considerar:
1ª A liquidação resume-se em meras operações aritméticas, numa conta ou contas de somar, de multiplicar, etc.
2ª A liquidação depende do apuramento de factos e exprime um juízo de valor sobre esses factos.
(…) No primeiro caso a liquidação incumbe ao exequente, posto que seja parte interessada, uma vez que ele não tem de entrar na apreciação de provas, nem proferir uma decisão: limita-se a fazer contas, a exercer uma atividade, por assim dizer, mecânica.
No segundo caso a liquidação cabe ao juiz ou a árbitros, isto é, a pessoas estranhas à lide, pois que tem a significação e o valor de um julgamento” (Alberto dos Reis, Processo de Execução, Vol. I, 3ª Edição, pág. 478).
Como refere Rui Pinto, “Manual da Execução e Despejo”, págs. 242 e 243:
“A liquidação feita por simples cálculo aritmético assenta em factos que ou estão abrangidos pela segurança do título executivo ou são factos que podem ser oficiosamente conhecidos pelo tribunal e agente de execução. Estes são, nos termos gerais, os factos notórios, de conhecimento resultante do exercício das suas funções ou cujo próprio regime permita esse conhecimento.
A liquidação que não depende de simples cálculo aritmético, embora implique também, por definição, um cálculo aritmético, assenta em factos (i.e., em matéria de facto) que, por não estarem abrangidos pela segurança do título executivo, não serem notórios ou não serem do conhecimento oficioso, são passíveis de controversão”.
A distinção entre depender ou não de simples cálculo aritmético assenta fundamentalmente na ideia de que a liquidação se basta ou não com o simples fazer contas, trabalhar com números, em que a controversão possível é apenas relativamente à exactidão desses números e dos correspondentes cálculos».
Na sentença recorrida entendeu-se que, o montante exequendo não consta da sentença, mas esta pode ser titulo executivo, pois foi apresentada prova pelo exequente das despesas em causa da responsabilidade dos executados, e, portanto, também do aqui embargante, do pagamento de metade dessas mesmas despesas. Argumenta que basta apurar o custo da cerca que veio a ser colocada por uma das partes e dividir tal valor em partes iguais, conforme acordado e no caso vertente essa prévia operação de cálculo não pressupõe qualquer litígio substancial sobre a matéria da prestação devida ou de um ato prévio conformador da escolha, determinação ou concentração da mesma, sendo que o exequente especificou e procedeu ao cálculo do montante abrangido na prestação devida e concluiu a pretensão executiva com um pedido líquido do qual fez prova documental e /ou testemunhal, concluindo que se está no domínio da liquidação dependente de simples cálculo aritmético, realizada logo no requerimento executivo, pelo que a exequibilidade da sentença dada à execução não estava dependente de liquidação anterior.
Foi esta a posição da sentença, que no fundo admitiu a liquidação na própria Oposição à execução.
Discordamos deste entendimento.
Porquê? Porque o n.º 5 do artigo supra referido exclui da liquidação em processo executivo as situações em que exista o ónus de proceder à liquidação no âmbito do processo declarativo, o que é o caso.
Com efeito, embora a oposição à execução introduza no processo executivo uma fase declarativa, autónoma e própria, a mesma não se destina à “liquidação da quantia exequenda” mas sim à extinção da execução, com os fundamentos previstos no artigo 814.º do Código de Processo Civil, devendo o oponente, devedor presumido da dívida exequenda, ter de afirmar e demonstrar factos impugnativos (impeditivos, modificativos ou extintivos) da própria exequibilidade do título executivo, da inexistência de “causa debendi” ou do direito do exequente, ou factos que, em processo normal, constituiriam matéria de excepção, os quais seriam afirmados e provados pelo réu, de harmonia com o disposto no artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil).
O ónus de proceder à liquidação no âmbito do processo declarativo justifica-se quando a obrigação que consta do título – no caso uma sentença de homologação – não condenou no pagamento de uma quantia liquida nem passível de simples cálculo aritmético.
Neste caso não se pode utilizar o mecanismo do artigo 716.º, n.os 4 e 5, sendo necessário proceder à liquidação nos termos do artigo 358.º do CPC.
Com efeito, a execução baseia-se numa sentença correspondente a uma condenação genérica, nos termos do artigo 609.º, n.º 2, do CPC, pois “é certa a existência do direito mas incerta ou indeterminada a extensão desta, reservando-.se a sua determinação para momento posterior” – in Antunes Varela, ‘Manual de Processo Civil’, 2ª ed. página 18.
Em concreto, a sentença condenatória determina uma obrigação de pagamento no sentido de serem suportadas, em partes iguais, por exequente e executados, as despesas com a colocação da cerca a dividir o prédio dos autos, mas não resulta do título qual o preço desse serviço, nem é possível de obter apenas com o cálculo dos elementos que constam do mesmo.
E esta liquidação não depende de simples cálculo aritmético (pois não que assenta em factos que ou estão abrangidos pela segurança do título executivo ou são factos que podem ser oficiosamente conhecidos pelo tribunal e agente de execução que são, nos termos gerais, os factos notórios, de conhecimento resultante do exercício das suas funções ou cujo próprio regime permita esse conhecimento ou que assente em números que possam ser retirados, porque directa e imediatamente escrutináveis, de documentos juntos com o requerimento inicial) logo, não pode ser levada a cabo no próprio requerimento executivo.
É que a liquidação de condenação genérica depende de simples cálculo aritmético se assenta em factos que ou estão abrangidos pela segurança do título executivo ou são factos que podem ser oficiosamente conhecidos pelo tribunal e agente de execução e não depende de simples cálculo aritmético (embora implique também, por definição, um cálculo aritmético) se assenta em factos controvertidos, que não estão abrangidos pela segurança do título executivo, e que não são notórios nem de conhecimento oficioso.
Neste último caso é necessária uma sentença de liquidação.
Que não existe no nosso caso.
Como se pode ler no Acórdão da RC de 25-6-2013, Processo: 367/07.0TMCBR-D.C1 (relator: Barateiro Martins), in http://www.dgsi.pt:
«Sempre que o exequente, para fazer as contas duma liquidação, tem que acrescentar/introduzir/alegar factos que não constam do título executivo, não estamos perante uma liquidação dependente de simples cálculo aritmético».
É esse o caso, já que o preço do serviço de instalação da cerca não é objecto de acordo, mas sim de discordância das partes.
No caso de condenação genérica, a possibilidade de concretização da obrigação em “incidente de liquidação de sentença” na ação declarativa, tem a sua sede nos artigos 358.º e seguintes do Código de Processo Civil.
Não pode a defesa por Oposição (cujos fundamentos estão expressamente previstos no artigo 814.º do CPC) – que visa a extinção da execução – servir para suprir essa falta de liquidação na sede própria, pelo exequente.
A obrigação exequenda está dependente de alegação e ulterior prova dos factos que fundamentam a liquidação, o que implica que se observe o contraditório e que esta se realize na própria acção declarativa através do incidente de liquidação, seguindo-se para o efeito o regime processual previsto nos artigos 358.º a 361.º do novo Código de Processo Civil, e só fixada tal liquidação a sentença constitui título executivo.
Tal liquidação era um ónus do exequente.
E a falta de liquidação incidental em sentença genérica impede o prosseguimento da execução por falta de título – cfr. artigo 704.º, n.º 6, do CPC – e não prosseguimento com a citação, como foi o caso.
É que o n.º 5 do artigo 716.º prevê a fixação da obrigação executiva, mas só se aplica quando não vigore o ónus de proceder à liquidação no âmbito do processo de declaração”.
E vigora o ónus de proceder à liquidação no âmbito do processo de declaração quando a decisão que serve de base à execução tenha sido proferida nos termos do artigo 609.º, n.º 2, do C.P.C. e a liquidação da obrigação não dependa de simples cálculo aritmético.
Ora, na situação em causa nos autos, como já referimos, não sendo a obrigação constante do título executivo líquida, dado que a sentença base não condenou no pagamento de uma quantia líquida, nem passível de simples cálculo aritmético, o exequente não podia usar do mecanismo previsto nos n.os 4 e 5 do artigo 716.° do CPC., mas antes, proceder ao incidente de liquidação nos termos constantes do artigo 358.° do CPC, mediante incidente de liquidação, a deduzir no processo em que a respectiva sentença foi proferida.
Consequentemente, a execução não podia prosseguir sem que o exequente (que não o fez) promovesse o incidente da liquidação, nos termos do artigo 358.º e seguintes do CPC, apresentado no processo de declaração, cuja instância se renova (artigos 358.º, 359.º e 360.º do CPC), porquanto houve condenação genérica e a liquidação da obrigação de pagamento não depende de simples cálculo aritmético, pelo que a sentença não constitui título executivo nessa parte (artigo 704.º, n.º 6,a contrario, do CPC.
Pelo exposto, não podemos concordar com a sentença recorrida ao consignar que a liquidez da obrigação dependia de simples cálculo aritmético.
Nos termos do artigo 726.º, n.º 2, alínea a), do CPC, o juiz deve indeferir liminarmente o requerimento executivo quando seja manifesta a falta ou insuficiência do título.
Não o tendo feito, deve proceder a oposição que visa a extinção da execução, mediante o reconhecimento da actual inexistência do direito exequendo ou da falta dum pressuposto, específico ou geral, da acção executiva – cfr. Lebre de Freitas, in A Acção Executiva, pág. 141.
Ficam prejudicadas todas as demais questões levantadas no recurso.

Sumário: (…)

4 – Dispositivo.

Pelo exposto, os juízes da secção cível do Tribunal da Relação de Évora acordam em julgar procedente o recurso de apelação, revogando-se tal decisão recorrida e declarando extinta a execução.
Custas na 1ª instância pelo exequente.
Sem custas nesta instância por o exequente não ter contra-alegado.
Évora, 28.04.2022
Elisabete Valente
Cristina Dá Mesquita
José António Moita