Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
318/23.4T8ORM.E1
Relator: MARIA DOMINGAS SIMÕES
Descritores: REVELIA OPERANTE
PRECLUSÃO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Data do Acordão: 11/21/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I. Regularmente citado o Réu e verificando-se que, tendo juntado aos autos procuração a favor de ilustre Mandatário, não apresentou contestação, estamos perante uma situação de revelia (relativa) operante, a qual desencadeia o efeito cominatório semipleno previsto no artigo 567.º: consideram-se confessados os factos articulados pelo autor e o processo segue de forma abreviada, sendo concedido o prazo de 10 dias, primeiro ao mandatário do autor e depois ao mandatário do réu, para alegarem por escrito, sendo de seguida proferida a sentença, julgando-se a causa conforme for de direito.
II. Deste modo, eliminada embora eventual controvérsia quanto aos factos, ao réu revel é consentido discutir nas alegações as pertinentes questões de direito, quer ao nível do enquadramento jurídico dos factos assentes, quer da verificação de eventuais excepções, estando-lhe no entanto vedado impugnar os factos alegados na petição ou invocar outros.
III. Alegando os Autores terem celebrado o contrato de compra e venda com o 1º Réu, pessoa singular, contra o qual deduziram pedido de condenação no pagamento do preço e indemnização pelo incumprimento, e tendo justificado a demanda subsidiária da 2ª Ré, contra a qual formularam o mesmo pedido, na existência de dúvida fundamentada sobre o sujeito da relação controvertida nos termos consentidos pelo artigo 39.º do CPCiv, assim prevenindo a possibilidade de se vir a apurar ter aquele actuado em representação da sociedade, está assegurada a legitimidade de ambos os Réus.
IV. Quando formula um pedido subsidiário nos termos do n.º 1 do artigo 554.º do CPC, o autor manifesta a sua preferência pelo pedido formulado em primeiro lugar e a título principal, o qual é apreciado pelo tribunal; só no caso deste pedido não obter um juízo de procedência, será apreciado o pedido subsidiário, ordem de preferência que não sofre alteração quando estamos perante uma situação de litisconsórcio subsidiário passivo previsto no artigo 39.º, não sendo indiferente para os Autores que a condenação incida sobre o 1º Réu ou a 2ª Ré.
V. Condenado, ainda que parcialmente, o 1º Réu, por se ter apurado ter sido parte contratante em seu nome pessoal, a 2ª Ré deve ser absolvida do pedido.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 318/23.4T8ORM.E1[1]
Tribunal Judicial da Comarca de Santarém
Juízo Local Cível de Ourém

I. Relatório
(…) e marido, (…), vieram instaurar a presente acção declarativa de condenação, a seguir a forma única do processo comum, contra (…), residente na Rua (…), n.º 6, (…), freguesia da (…), concelho de Ourém, e (…), Unipessoal, Lda., com sede na Rua (…), em (…), Leiria, pedindo a final a condenação do R. no pagamento aos AA. da quantia de € 6.620,20 com fundamento no incumprimento pelo demandado de contrato de compra e venda de madeira com este celebrado; subsidiariamente, para o caso de se vir a apurar ter o 1º Réu actuado em representação da 2ª, pedem a condenação desta no pedido formulado.
Em fundamento alegaram, em síntese, que a autora mulher é a dona do prédio rústico denominado “(…)”, sito na freguesia de (…), concelho de Almeirim, melhor identificado no artigo 1º da petição inicial, tendo celebrado com o 1º Réu, no Verão de 2021, acordo verbal, nos termos do qual este declarou comprar a madeira resultante da limpeza do prédio para posterior revenda, sendo por conta do adquirente a limpeza final das lenhas e ramadas sobrantes.
No cumprimento do acordado o 1º Réu iniciou o corte das árvores a 21/4/2022, o qual ficou concluído em 27/4/2022, tendo removido madeira de eucalipto, pinho e faxina nas quantidades indicadas, ascendendo ao preço global de € 4.370,20, que deveria ter pago neste dia 27, o que não fez então, nem posteriormente, tendo deixado de responder às chamadas e mensagens que pelo autor marido lhe foram enviadas.
Os AA. encontram-se prejudicados na aludida quantia, devida a título do preço convencionado, a que acresce o montante de € 750,00 que terão que suportar com a limpeza final do prédio, que ao réu incumbia realizar, reclamando ainda € 1.500,00 para compensação do tempo despendido a tentar contactar o 1.º réu, incómodos e angústia sofridos.
Mais alegaram ter tomado conhecimento através de consulta feita ao ICNF que a 2ª Ré, de que o 1º Réu é o único sócio e gerente, declarou ter procedido no prédio sito em (…) ao abate e transporte de madeira e eliminação dos sobrantes, num total de 120 toneladas de material lenhoso, suscitando-se, assim, fundada dúvida sobre se o 1º Réu terá agido por si ou em representação da 2ª Ré, o que justifica a demanda subsidiária de ambos.
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Os RR. foram regularmente citados e não contestaram, tendo o 1º Réu procedido à junção, no prazo de que dispunha para contestar, de procuração a favor de Il. Advogado.
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Presentes os autos ao Sr. Juiz, proferiu despacho em 28/2/2023 [Ref.ª 95779005] atestando a regularidade da citação de ambos os Réus nos termos prescritos pelo artigo 566.º do CPCiv. e, tendo considerado confessados os factos alegados na petição, determinou o cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 567.º do mesmo diploma legal.
O 1º Réu apresentou alegações, peça na qual invocou irregularidade processual, tendo ainda alegado a ineptidão da petição inicial por falta de causa de pedir e a sua ilegitimidade para a causa, por não ter celebrado com os demandantes qualquer contrato em seu nome pessoal, concluindo pela sua absolvição “da instância e dos pedidos formulados”.
Também os Autores apresentaram alegações, aqui tendo sublinhado que nenhum dos Réus apresentou contestação, não podendo ser considerada como tal a alegação apresentada, concluindo pela condenação do 1º Réu, tal como peticionado a título principal.
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Ordenada a notificação dos Autores para se pronunciarem sobre as excepções arguidas pelo 1º Réu [despacho de 4/4/2024, Ref.ª 96073829], vieram reiterar o anteriormente alegado.
Foi de seguida proferida decisão, por cujos termos foi:
i. indeferida a irregularidade decorrente da omissão da notificação invocada pelo 1º Réu;
ii. julgada improcedente a excepção da nulidade de todo o processo decorrente da ineptidão da petição inicial por falta de causa de pedir;
iii. julgada procedente a excepção da ilegitimidade passiva que pelo alegante havia sido também arguida com a consequente absolvição do 1º Réu da instância;
iv. julgada a causa, com aplicação do direito aos factos apurados, tendo sido decretada a procedência parcial da acção e a 2ª Ré condenada a pagar aos Autores:
“a) o valor do preço das árvores adquiridas que ainda permanece em dívida, correspondente à quantia global de € 4.370,20;
b) a quantia de 750 euros correspondente ao custo da limpeza do terreno dos AA onde estavam plantadas as árvores;
c) os juros de mora vencidos desde a data em que a Ré sociedade foi citada para a presente acção, sobre as quantias referidas em a) e b), à taxa dos juros moratórios civis, que está actualmente fixada em 4%”, julgando-se improcedente quanto ao mais e absolvendo-se a 2ª Ré em conformidade.

Inconformados com a decisão proferida, dela apelaram os AA e, tendo desenvolvido no corpo das alegações apresentadas os fundamentos da sua discordância com o decidido, formularam a final as seguintes conclusões:
“1. O presente recurso é interposto da aliás, douta sentença proferida pelo Tribunal a quo que absolveu da instância o Réu (…), “julgando procedente a excepção dilatória da ilegitimidade invocada”, condenando a Ré (…), Unipessoal, Lda. a pagar aos Autores o valor do preço das árvores adquiridas aos AA. que ainda permanece em dívida, correspondente à quantia global de € 4.370,20, acrescida da quantia de 750 euros correspondente ao custo da limpeza do terreno dos AA. onde estavam plantadas as árvores vendidas e dos juros de mora vencidos desde a data em que a Ré sociedade foi citada para a presente acção, à taxa dos juros moratórios civis, fixada em 4%, absolvendo a Ré sociedade do pedido de indemnização por danos não patrimoniais,
2. Na sequência do pedido formulado pelos Autores, que demandaram o Réu (…) e a Ré (…), Unipessoal, Lda., pedindo, a título principal, que o 1º Réu seja condenado a pagar-lhes a quantia total de € 6.620,00, sendo a quantia de € 5.120,20 a título de danos patrimoniais e € 1.500,00 a título de danos não patrimoniais sofridos, acrescida de juros vencidos desde 27/04/2022 até à data de entrada da presente ação, no valor de € 221,33, à taxa supletiva legal e dos vincendos até integral pagamento e, a título subsidiário, a condenação da Ré (…), Unipessoal, Lda., a liquidar as referidas quantias.
3. O objeto dos presentes autos é assim, constituído pelas questões jurídicas referentes à celebração do contrato de compra e venda e/ou prestação de serviços nas condições arguidas na petição inicial e às dívidas de preço daquele emergente, inscritas na esfera jurídica dos Réus, em ambos os casos os pedidos assentam em responsabilidade contratual dos Réus.
4. Justificaram os Autores o litisconsórcio passivo nos termos do disposto no artigo 39.º do CPC, por existir dúvida sobre o sujeito da relação jurídica, que fundamentaram com base nos fatos alegados nos artigos 2º, 20º e 21º da p.i. sendo a Ré (…), Unipessoal, Lda. demandada para ver a sua situação jurídica apreciada, apenas e só, no caso de não proceder pedido deduzido a título principal contra o Réu (…).
5. O Réu (…) e a Ré (…), Unipessoal, Lda., citados para contestar respetivamente a 09/06/2023 e a 27/11/2023, não apresentaram contestação, tendo o primeiro constituído mandatário mediante procuração que juntou aos autos.
6. Dito isto, as questões que se trazem à apreciação deste Venerando Tribunal da Relação são assim: decidir se o Réu (…) é parte ilegítima na presente ação, com a consequente absolvição da instância e decidir se o Réu (…) deve ser condenado no pedido principal formulado pelos Autores.
Vejamos,
7. É sabido que toda a defesa deve ser deduzida na contestação, exceptuados os incidentes que a lei mande deduzir em separado – cfr. artigo 573.º do CPC, precludindo toda a defesa que o Réu não haja oportunamente feito valer contra a concreta causa de pedir invocada pelo Autores.
8. O Réu (…), apesar de não ter contestado a presente ação, notificado para apresentar alegações escritas nos termos do disposto no artigo 567.º, n.º 2, do CPC, veio, ao arrepio das elementares regras de processo, alegar fatos impeditivos e extintivos do direito invocado pelos Autores e entre eles a sua ilegitimidade, a pretexto que a Autora não havia discriminado com qual dos Réus havia celebrado o contrato de prestação de serviços e que ele, “pessoa singular” não havia “assinado” qualquer contrato de prestação de serviços nem qualquer negócio com os Autores – cfr. artigos 38º a 46º do articulado do Apelado, pedindo que o Tribunal o declarasse parte ilegítima na presente ação e em consequência “ser absolvido da instância e dos pedidos formulados”.
9. O que foi declarado pelo Sr. Juiz a quo, na sentença ora em crise, em claro erro na interpretação e subsunção dos factos e do direito, ou seja, em verdadeiro erro de julgamento.
10. A excepção de ilegitimidade é efetivamente uma excepção dilatória, de conhecimento oficioso e implica a absolvição da instância.
11. A respeito do conceito de legitimidade das partes, estabelece o artigo 30.º do CPC, que: o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer, exprimindo-se este pelo prejuízo que dessa procedência advenha, sendo que, na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor.
12. Como bem refere a sentença em apreço, ficou assim, ultrapassada a polémica entre Barbosa de Magalhães – Alberto dos Reis, surgida em 1918 a propósito de um caso judicial e que até então dividiu a doutrina e a jurisprudência a respeito da relevância da relação jurídica material controvertida na aferição da legitimidade das partes da relação jurídica processual, discutindo-se se o interesse directo em contradizer (legitimidade passiva), se aferia por as partes serem efectivamente os sujeitos da relação jurídica material, ou por serem apresentados pelo autor como sendo os sujeitos da pretensa relação jurídica controvertida tal como configurada na petição inicial. Na verdade, com a revisão operada no Código de Processo Civil em 95/96, a questão ficou resolvida no sentido desta segunda teoria, por via do n.º 3 do artigo 26.º do CPC, actualmente vertida no n.º 3 do artigo 30.º do CPC.
13. E, no seguimento de vasta doutrina, Teixeira de Sousa afirma que a legitimidade tem de ser apreciada e determinada pela utilidade (ou prejuízo) que da procedência (ou improcedência) da ação possa advir para as partes, face aos termos em que o autor configura o direito invocado e a posição que as partes, perante o pedido formulado e a causa de pedir, têm na relação jurídica material controvertida, tal como a apresenta o autor.
14. Também Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in Código de Processo Civil Anotado, volume 1.º, artigos 1.º a 361.º, 4.ª edição, Almedina, 2018, pág. 92., referem que, quando nos cingimos à legitimidade processual, ela constitui uma das condições necessárias ao proferimento da decisão de mérito, ou seja, «como pressuposto processual (geral), exprime a relação entre a parte no processo e o objecto deste (a pretensão ou pedido) e, portanto, a posição que a parte deve ter para que possa ocupar-se do pedido, deduzindo-o ou contradizendo-o».
15. A relação controvertida, tal como a apresenta os Autores, forma o conteúdo jurídico da pretensão destes e é, em orientação jurídica, o objecto do processo, em face do qual (e, por isso, quase sempre determinável por simples exame da petição inicial) se aferem a legitimidade e os outros pressupostos que desse objecto dependam – vide Castro Mendes, Manual de Processo Civil, II.º Vol., Coimbra, 1987, pág. 212.
16. Revertendo ao caso em apreço, mercê desta regra indicadora da determinação da legitimidade em face da titularidade da relação controvertida tal como a configuram os Autores, a tarefa do Sr. Juiz a quo pareceria facilitada: o Réu(…) é parte legítima se, no desenho da relação jurídica em causa, tal como configurada pelos Autores na petição inicial, é apresentado como tendo interesse em demandar ou contradizer.
17. Senão leia-se o que referem os Autores: Como expressamente alegado nos artigos 4º a 7º da p.i., “no verão de 2021, o 1º Réu propôs ao marido da Autora mulher comprar-lhes a madeira resultante da limpeza do prédio referido no artigo desta p.i., para posterior revenda, mediante um preço por kilo, que estipulou em função da madeira, ou seja, pinho/serração a 32,00 kg, eucalipto a € 25,00/kg e faxina a € 10,00/kg, sendo por conta do 1º Réu os trabalhos de desramação, corte e remoção das lenhas e ramadas sobrantes, o que foi aceite pelos Autores”.
18. “Mais ficou acordado entre os Autores e 1º Réu que o preço da madeira removida deveria ser pago aos Autores, imediatamente após a conclusão dos trabalhos” – cfr. alegação artigo 8º da p.i..
19. De igual modo, é referido expressamente nos artigos 9º a 11º da p.i., que “Após sucessivos adiamentos, o 1º Réu iniciou o corte das árvores a 21/04/2022, serviço que concluiu a 27/04/2022, transportando e removendo do prédio, as seguintes quantidades de madeira, que adquiriu: no dia 21/04/2022, 51.840 quilogramas de eucalipto; no dia 25/04/2022, 56.450 quilogramas de pinho; no dia 26/04/2022, 44.700 quilogramas de faxina; e por último, no dia 27/04/2022, 25.650 quilogramas de pinho, após o que, abandonou o prédio, sem proceder à limpeza final do terreno, ali deixando ramos, folhas e lixo variado, sem pagar o preço acordado”.
20. Mais é referido que no artigo 12º da p.i. que “O preço global da madeira adquirida pelo 1º Réu aos Autores, e não paga, foi de 4.370,20 (…)”.
21. E, no artigo 15º da p.i., referem os Autores, juntando o respetivo comprovativo da mensagem (documento 4 junto com a p.i.) que “O Réu no dia 17/05/2022, enviou mensagem escrita ao Autor marido, afirmando “Boa tarde Sr. (…) tive um problema estou com covid testei positivo hoje!! Se pretender eu faço a transferência não quero que fique a pensar que não quero pagar”, sem, contudo, realizar o pagamento em falta, após o que deixou de atender chamadas e responder às mensagens dos Autores”.
22. Dúvidas não podem existir que os Autores alegaram que o acordo foi firmado com o 1º Réu, o ora Apelado (…) pelo que os Autores em conformidade, peticionaram a sua condenação, a título principal, para que este Réu em concreto, fosse condenado a pagar-lhes o valor da madeira e demais prejuízos sofridos.
23. Consequentemente, em face do pedido e da causa de pedir tal como expressamente exposta na p.i., o 1º Réu, (…) é parte legítima para a presente acção.
24. Diferentemente entendeu o Sr. Juiz, que numa interpretação totalmente alheia ao texto articulado pelos Autores, vem a fundamentar a decisão de absolvição da instância do Réu Amílcar Bastos Alvos no por este afirmado em sede de alegações de Direito, após ter já confessado os fatos alegados pelo Autor!
25. O Sr. Juiz a quo, em sede de fundamentação da sua decisão, revela que confunde o pedido subsidiário apresentado pelos Autores contra a sociedade (…), Unipessoal, Lda., nos termos do disposto no artigo 39.º do CPC, com um pedido alternativo, à escolha do Réu (…), num manifesto erro interpretativo e de julgamento porquanto, o texto da p.i., as palavras com que os Autores se exprimiram devem ser o ponto de partida e o limite da interpretação, do Tribunal a quo. E, do articulado dos Autores, resulta expressamente, sem margem para dúvida, que os fatos que os Autores referem, respeitam a um acordo firmado com o Réu (…) e por este incumprido.
26. Mais, numa clara confusão entre ilegitimidade processual e substantiva, veio o Sr. Juiz a quo a referir que “Compulsados os autos, consta-se que, tendo em conta o esclarecimento efetuado pelo Réu (…) nas suas alegações, apenas a interveio como outorgante no contrato de compra e venda em causa. Verifica-se que o Réu (…) interveio no contrato, na qualidade de gerente da R. sociedade e em representação desta”, concluindo que “Logo o R. (…) não faz parte da relação material controvertida em causa nos presentes autos”, “Em conformidade, o R. (…) não se encontra vinculada ao cumprimento de qualquer obrigação constante no contrato de compra e venda em causa, nomeadamente no pagamento do preço, na medida em que não celebrou o mesmo”, o que fez, ao arrepio da confissão do Réu (…) e dos factos dados como provados (os constantes na p.i.).
27. Ora, reitera-se que o antes afirmado! A legitimidade, enquanto pressuposto processual, é uma condição necessária para que o juiz se possa pronunciar sobre o mérito da causa, mas que não antecipa o conhecimento do mérito da pretensão dos Autores, nem das circunstâncias de facto ou de direito necessárias para a procedência do pedido, com as quais não se confunde.
28. O Sr. Juiz, ao fundamentar da forma como o fez, não se limitou a apreciar a legitimidade processual e, baseando-se em fatos meramente alegados extemporaneamente pelo Réu (…), os quais nem sequer veio a dar como provados, antecipou o conhecimento do mérito da ação relativamente a tal Réu, que absolveu da instância.
29. E, ao assim decidir, declarando o Réu (…) parte ilegítima, a sentença ora em crise faz errada interpretação do Direito, violando o disposto nos artigos 30.º, 39.º, 278.º, n.º 1, d), 576.º, n.º 2, 577.º, e), 578.º e 608.º, n.º 1, todos do CPC.
30. Uma vez verificada esta condição, deveria o Tribunal a quo ter condenado o Réu (…) no pedido principal formulados pelos Autores.
31. Com a formulação de um pedido principal e um pedido subsidiário, os Autores declaram uma preferência pelo primeiro, devendo o tribunal apreciar essa pretensão jurisdicional e apenas passar à apreciação do pedido subsidiário, no caso do pedido principal improceder.
32. Ora, de acordo com a sentença ora em apreço, em “consequência da falta de contestação dos RR, que se encontram devidamente citados, nos termos do disposto no artigo 567.º do Código de Processo Civil ficaram confessados os fatos articulados pelo Autor”.
33. Com interesse para a decisão, está assim provado que : A Autora mulher é dona e legítima possuidora do prédio rústico denominado (…), sito na freguesia de (…), concelho de Almeirim, com a área de 2,080000, inscrito na respetiva matriz sob o artigo (…), da respetiva freguesia, composto por cultura arvense, horta, vinha, pinhal e eucaliptal e citrinos (cfr. artigo 1º da p.i.); No Verão de 2021, Autores e o Réu (…), acordaram na compra e venda da madeira resultante da limpeza do prédio da Autora mulher, mediante um preço a determinar em função da quantidade e natureza da madeira, sendo por conta do Réu, os trabalhos de desramação, corte e remoção das árvores existentes, bem como, a limpeza final das lenhas e ramadas sobrantes (cfr. artigos 4º a 7.º da p.i.); Ficou acordado entre os Autores e o Réu (…), que o preço da madeira removida deveria ser pago aos Autores, imediatamente após a conclusão dos trabalhos (cfr. artigo 8º da p.i.).
34. Encontra-se ainda provado em 1.ª Instância que o Réu (…) iniciou o corte e transporte das árvores a 21/04/2022 terminando-o a 27/04/2022, transportando e removendo do prédio, as seguintes quantidades de madeira: no dia 21/04/2022, 51.840 quilogramas de eucalipto, no dia 25/04/2022, 56.450 quilogramas de pinho, no dia 26/04/2022, 44.700 quilogramas de faxina, no dia 27/04/2022, 25.650 quilogramas de pinho (cfr. artigo 9º da p.i.); concluindo a remoção e transporte da madeira a 27/04/2022 e não procedendo à limpeza final do terreno, deixando ramos, folhas e lixo variado (cfr. artigos 9º e 10º da p.i.).
35. Demonstrado está também que o preço global da madeira adquirida pelo Réu Amílcar Bastos Alves aos Autores, no valor de € 4.370,20 deveria ser pago aos Autores a 27/04/2022, o que não sucedeu, pese embora a insistência dos Autores (cfr. artigos 12º a 14º), assim se verificando o incumprimento contratual do Réu (…).
36. Aliás, está também provado que Réu (…), no dia 17/05/2022, enviou mensagem escrita ao Autor marido, afirmando “Boa tarde sr. (…) tive um problema estou com covid testei positivo hoje!! Se pretender eu faço a transferência não quero que fique a pensar que não quero pagar” e que o 1º Réu não realizou o pagamento em falta e deixou de atender chamadas e responder às mensagens dos Autores (cfr. artigo 15º da p.i.).
37. De igual modo, está provado que a limpeza do terreno que o Réu não realizou, importa em pelo menos, € 750,00 (cfr. artigo 17º da p.i.).
38. E que os Autores tiveram aborrecimentos e incómodos com o incumprimento do acordo firmado com o Réu (…), e despenderam parte do seu tempo livre em deslocações ao fim-de-semana, pelo menos, por quatro vezes, a (…) e à (…), numa enorme angústia quanto à cobrança do valor em dívida, quando o Réu deixou de atender o telemóvel e de responder às inúmeras mensagens escritas enviadas, pelo Autor – (cfr. artigo 18º da p.i.).
39. E nada mais se provou! Em concreto, diferentemente da justificação apresentada pelo Sr. Juiz a quo, o Réu (…) não provou que o contrato cujo incumprimento ora se decide, foi celebrado com a Ré (…), Unipessoal, Lda., conclusão que se extrai das regras da experiência conjugada com as dificuldades que o Tribunal a quo teve em citar os Réus, não dispondo a Ré sociedade de qualquer sede, conforme decorre da consulta aos autos.
40. Perante esta factualidade, a decisão de condenar o Réu (…) no pedido principal impunha-se ao Tribunal a quo, uma vez que o contrato de compra e venda celebrado entre os Autores e o 1º Réu está sujeito ao regime dos artigos 874.º e seguintes do Código Civil, não carecendo de forma escrita.
41. Os Autores cumpriram o ónus probatório que sobre si impendia, ou seja, além de alegarem os factos constitutivos dos seus direitos, lograram demonstrar esses mesmos factos (cfr. artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil e 414.º do Cód. Proc. Civil), tendo-se também apurado que as obrigações cujo cumprimento se pretende pela presente ação, venciam-se em data certa e que até à data não foram pagas – não pagamento que é constitutivo do direito à indemnização moratória peticionada, razão pela qual dúvidas não restam estar-se ante obrigações com prazo certo que não foram cumpridas no tempo devido, constituindo-se por tal o Réu em mora, na medida em que a culpa na responsabilidade contratual se presume.
42. Consequentemente, ter-se-á que concluir que houve incumprimento contratual dos Réu (…), designadamente quanto à obrigação de pagamento do preço e limpeza do terreno, incorrendo na obrigação de pagar aos Autores aos danos patrimoniais sofridos e peticionados pelos Autores no valor de € 5.120,20.
43. De igual modo, deve o Réu (…) ser condenado no pagamento dos danos não patrimoniais peticionados, não assistindo também aqui razão ao Sr. Juiz a quo quando conclui “que ficou apenas provado que os AA. sofreram um pequeno incómodo, consistente na preocupação que teve ao verificar o incumprimento pela R. sociedade do contrato de compra e venda entre eles celebrado. Consequentemente, esse pequeno incómodo, que, aparentemente, pouco ou nada afectou os AA. e em nada perturbou a sua vida normal, não tem relevância jurídica, nem gravidade suficiente para poder ser considerado um dano não patrimonial, passível de ser ressarcido”.
44. Na verdade, está também provado, conforme fatos alegados no artigo 18º da p.i., que os Autores “tiveram aborrecimentos e incómodos com o incumprimento do acordo firmado com o Réu, e despenderam parte do seu tempo livre em deslocações ao fim de semana, pelo menos por quatro vezes, a (…) e à (…), numa enorme angústia quanto à cobrança do valor em divida, quando o Réu deixou de atender o telemóvel e de responder às inúmeras mensagens escritas e enviadas”.
45. Ora, conforme referido no Acórdão do STJ de 24/01/2012, Processo n.º 540/2001.P1.S1, in www.dgsi.pt: I - A aplicação analógica à responsabilidade contratual do princípio da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais, expresso no capítulo da responsabilidade extracontratual, há-de justificar-se pela necessidade de proteger de forma igual os contraentes que forem vítimas da inexecução contratual, igualmente carecidos de tutela quando as consequências resultantes dessa inexecução assumirem gravidade bastante. II - Neste sentido deve ser feita a leitura dos artigos 798.º e 804.º, n.º 1, do CC, que, ao aludirem à reparação do prejuízo e à ressarcibilidade dos danos causados ao credor, não fazem qualquer distinção entre uma e outra categoria de danos ou a restringem aos danos patrimoniais. III - O dano que releva, segundo o artigo 496.º do CC, é aquele que, pela sua gravidade, merece a tutela do direito e o montante ressarcitório que lhe há-de corresponder deve ser encontrado por recurso a critérios de equidade. IV - Como se escreveu em acórdão deste tribunal dano grave não terá que ser considerado apenas aquele que é “exorbitante ou excepcional”, mas também aquele que “sai da mediania, que ultrapassa as fronteiras da banalidade”, um dano que, segundo as regras da experiência e do bom senso, “se torna inexigível em termos de resignação”.
46. Estando provado os fatos alegados no artigo 18º da p.i., em consequência do incumprimento do Apelado, não será necessário sequer o recurso à presunção natural para se afirmar, segundo a experiência da vida, que os Autores sofreram danos não patrimoniais, os quais possuem contornos de melindre e incomodidade merecedores de tutela jurídica, e obrigam à sua ressarcibilidade.
47. Ao assim não entender, o Sr. Juiz a quo, faz também, errada interpretação da lei, violando o disposto nos artigos 799.º, n.º 1, 804.º e 805.º, 2, alínea a), 496.º, 798.º e 804.º, n.º 1, todos do Código Civil.
48. Deve assim, ser revogada a sentença recorrida, substituindo-se a mesma por decisão que julgue a presente acção procedente e em consequência condene o Réu (…) no pedido principal formulado pelos Autores.
Concluem requerendo que na procedência do recurso seja revogada a sentença recorrida e substituída por decisão que condene o Apelado, (…), no pagamento aos Apelantes da quantia de € 6.841,33 peticionada nos autos, acrescido de juros de mora à taxa legal supletiva para os juros civis até integral e efetivo pagamento.

Não foram oferecidas contra-alegações.
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Assente que pelo teor das conclusões se fixa e delimita o objecto do recurso, são as seguintes as questões suscitadas pelos recorrentes perante este Tribunal da Relação:
i. decidir se o 1º Réu é parte legítima;
ii. determinar se, face à confissão dos factos alegados na petição inicial, deve ser condenado o 1º Réu no pedido formulado a título principal pelos apelantes, incluindo o ressarcimento dos danos de natureza não patrimonial sofridos.
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i. Da excepção da ilegitimidade do 1º Réu.
Os AA insurgem-se contra a absolvição do 1º Réu da instância com um duplo fundamento: por não lhe dever ser consentido que em sede de oferecimento das alegações a que alude o artigo 567.º, n.º 2, do CPC[2] suscitasse quaisquer excepções, estando precludida essa possibilidade dado que, citado regularmente embora, não ofereceu contestação; atendendo ao preceituado nos artigos 30.º e 39.º do mesmo diploma legal, o Réu é parte legítima.
No que ao primeiro argumento invocado pelos apelantes cremos não lhe assistir razão.
Vejamos porquê.
Resulta do disposto no artigo 574.º que o Réu tem o ónus de contestar, a fim de obviar aos efeitos da revelia operante. Daí que no acto da citação lhe sejam obrigatória e expressamente transmitidas “as cominações em que incorre em caso de revelia” (cfr. n.º 2 do artigo 227.º).
Preceitua o artigo 567.º que “1. Se o réu não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se citado regularmente na sua própria pessoa ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor”.
Por força da transcrita disposição legal o comportamento omissivo do réu tem um especial efeito probatório: os factos alegados pelo autor consideram-se provados por admissão, ficando definitivamente adquiridos para o processo, não podendo o réu revel vir posteriormente negar os factos sobre os quais se manteve silencioso[3].
Do silêncio do réu regularmente citado decorre ainda um outro relevante efeito: nos termos do n.º 2 do preceito, estando em causa, como aqui ocorre, revelia relativa, “É concedido o prazo de 10 dias, primeiro ao mandatário do autor e depois ao mandatário do réu, para alegarem por escrito, com exame do suporte físico do processo, se necessário, e em seguida é proferida sentença, julgando-se a causa conforme for de direito”, ocorrendo um abreviamento do processo.
Consagra assim a lei um efeito cominatório semipleno, dado que a revelia não implica, por si, a condenação do réu. Impondo a lei ao juiz que julgue a causa “conforme for de direito”, poderá decretar a absolvição da instância caso jugue verificada excepção dilatória de conhecimento oficioso, ou até mesmo absolver do pedido, caso entenda que os factos articulados e julgados assentes não produzem os efeitos jurídicos pretendidos pelo autor ou se impõe a procedência de excepção peremptória de que possa conhecer[4].
Decorre do que vem de se dizer que, eliminada embora eventual controvérsia quanto aos factos, terá ainda assim de se aceitar que o réu revel possa discutir nas alegações as pertinentes questões de direito, quer ao nível do enquadramento jurídico dos factos assentes, quer da verificação de eventuais excepções. O que, todavia, lhe está vedado, é impugnar os factos alegados na petição ou invocar outros. Conforme se refere no acórdão deste TRE de 30.06.2021 (proferido no proc. n.º 2856/18.1T8PTM.E1[5]) «a revelia operante, não arreda o réu da lide, o qual, nos termos do n.º 2 do artigo 567.º do Código de Processo Civil, pode apresentar alegações escritas, que se destinam a permitir que a parte, face à circunstância de se registar assente a matéria de facto invocada pelo A., possa apresentar a sua argumentação de direito, ou melhor, expor a sua posição quanto ao direito que poderá ser aplicado quanto àquela factualidade. O que não pode é a parte revel transmutar as alegações de direito na contestação que não apresentou.»
No caso presente, tendo o 1º Réu sido regularmente citado e tendo procedido à junção, no prazo da contestação, de procuração a favor de Ilustre mandatário, a revelia (relativa) é operante. Daí que o Tribunal tenha considerado assente a factualidade alegada pelos AA ora apelantes na petição inicial e ordenado a notificação das partes para, querendo, produzirem as pertinentes alegações. E se ao 1º Réu não era consentido invocar novos factos ou contrariar os alegados na petição inicial, já então tido como assentes, nada obstava a que, como fez, invocasse a excepção dilatória da sua ilegitimidade para a causa, tanto mais que se trata de excepção de conhecimento oficioso, que, a verificar-se, sempre podia/devia ser conhecida pelo Tribunal.
Mas se não assiste razão aos apelantes no primeiro fundamento, é de reconhecê-la quando sustentam a legitimidade passiva do 1º Réu.
Dispondo sobre a legitimidade das partes, diz-nos o artigo 30.º que o autor é parte legítima quando tem interesse directo em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse directo em contradizer, interesse que se exprime para o primeiro pela utilidade que para ele resulta da procedência da acção, e para o demandado pelo prejuízo que dessa procedência lhe advenha (cfr. n.ºs 1 e 2 do preceito).
Esclarece por último o n.º 3 do preceito que “na falta de indicação em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor. A legitimidade processual respeita portanto à relação de interesse das partes com o objeto da acção, aferindo-se em face do concreto pedido formulado e da causa de pedir em que assenta.
Nos presentes autos os AA, tendo alegado a celebração com o Réu (…) de contrato de compra e venda de material lenhoso e o incumprimento por este do acordo celebrado – causa de pedir –, pediram a final a sua condenação no pagamento do preço convencionado e quantia ajustada para limpeza do terreno, reclamando ainda uma compensação por danos de natureza não patrimonial alegadamente sofridos. Tendo todavia acedido a informação prestada ao ICNF no sentido de ter sido uma outra entidade a remover o material lenhoso, na circunstância a sociedade (…), Unipessoal, Lda. de que o 1º Réu é o único sócio e gerente, e prevenindo a possibilidade de se vir a apurar ter este actuado em representação da sociedade, contra ela deduziram subsidiariamente o mesmo pedido, litisconsórcio subsidiário passivo[6] permitido pelo artigo 39.º, que garante a legitimidade de ambos os demandados.
Em face da aqui alegada causa de pedir e pedido formulado afigura-se evidente a legitimidade do recorrente: a provar-se que celebrou o contrato e por ele se vinculou em seu nome pessoal, impõe-se a sua condenação no pedido; a demonstrar-se, inversamente, que não foi parte contratante, a consequência é a sua absolvição do pedido e não da instância, uma vez que se trata já da apreciação do mérito da causa.
O 1º Réu é, pois, parte legítima, não podendo subsistir a sentença impugnada no segmento em que decretou a sua absolvição da instância por ilegitimidade.
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II. Fundamentação
De facto
É a seguinte a factualidade assente nos autos com relevância para a decisão:
1. Encontra-se inscrito a favor da autora mulher o prédio rústico sito em (…), freguesia de (…), concelho de Almeirim, composto de cultura arvense, horta, pinhal e eucaliptal e citrinos, a confrontar do Norte com (…), Sul com (…), Nascente com (…) e Sociedade Agrícola Casal de (…), Lda. e do Poente com (…) e (…), inscrito na matriz sob o artigo (…), da Secção (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Almeirim sob o n.º (…), por aquisição em partilha da herança de … e … (certidão de fls. 6 e verso).
2. A 2ª Ré é uma sociedade unipessoal que se dedica à exploração florestal e comércio de madeiras e lenha, entre outras atividades, sendo o 1º Réu o seu único sócio e gerente (doc. n.º 3 junto com a petição).
3. No Verão de 2021, o 1º Réu propôs ao marido da Autora mulher comprar-lhes a madeira resultante da limpeza do prédio referido no artigo 1º desta p.i., para posterior revenda mediante um preço por kilo, que estipulou em função da natureza da madeira, ou seja, pinho/serração a € 32,00/ton., eucalipto a € 25,00/ton. e faxina a € 10,00/ton.[7], sendo por conta do 1º Réu os trabalhos de desramação, corte e remoção das árvores existentes, bem como a limpeza final das lenhas e ramadas sobrantes.
4. Os Autores aceitaram a proposta do 1º Réu.
5. Acordaram ainda os Autores e o 1º Réu que o preço da madeira removida deveria ser pago imediatamente após a conclusão dos trabalhos.
6. Após sucessivos adiamentos, o 1º Réu iniciou o corte das árvores a 21/04/2022, serviço que concluiu a 27/04/2022, transportando e removendo do prédio, as seguintes quantidades de madeira, que adquiriu: no dia 21/04/2022, 51.840 kg. de eucalipto; no dia 26/04/2022, 44.700 kg. de faxina; no dia 27/04/2022, 25.650 kg. de pinho.
7. O 1º Réu abandonou o prédio sem proceder à limpeza final do terreno, ali deixando ramos, folhas e lixo variado.
8. O 1º Réu não pagou o preço acordado, que ascende a € 4.370,20 (51,84 Ton. de eucalipto X € 25,00 = € 1.296,00 + 82,10 Ton. de pinho x € 32,00 = € 2.627,20 + 44,70 Ton. de faxina X € 10,00 = € 447,00).
9. Os Autores insistiram com o 1º Réu para que lhes entregasse as quantias acordadas, tendo este enviado ao Autor em 17/05/2022 mensagem escrita com o seguinte teor: “Boa tarde sr. (…) tive um problema estou com covid testei positivo hoje!! Se pretender eu faço a transferência não quero que fique a pensar que não quero pagar”.
10. O 1º Réu deixou de atender chamadas e de responder às mensagens dos Autores.
11. Os Autores terão de despender a quantia de pelo menos € 750,00 para efectuar a limpeza final do terreno, que ficou por realizar.
12. Os Autores tiveram aborrecimentos e incómodos, tendo despendido parte do seu tempo livre em deslocações ao fim de semana, tendo-se deslocado pelo menos por quatro vezes a (…) e à (…).
13. Os Autores sentiram enorme angústia quanto à cobrança do valor em dívida, quando o 1º Réu deixou de atender o telemóvel e de responder às mensagens escritas enviadas.
14. Os Autores tomaram conhecimento que o 1º Réu era o único sócio gerente da 2ª Ré, informação que confirmaram junto do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) e do respetivo registo comercial.
15. A 2ª Ré declarou junto do ICNF, no período de 18-04-2022 a 30-04-2022, ter procedido na propriedade de (…) ao abate e transporte de madeira e eliminação de sobrantes, correspondente a 120 toneladas de material lenhoso (doc. 6).
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De Direito
Do incumprimento contratual
Resulta da petição inicial terem os AA alegado como causa de pedir a título principal, ou seja, como factos constitutivos do direito de crédito que aqui vieram exercer, a celebração com o 1º Réu de um contrato de compra e venda. E isso mesmo resultou demonstrado.
Vistos os factos assentes, deles resulta terem os AA celebrado acordo verbal, nos termos do qual se obrigaram a vender ao Réu (…) a lenha existente no prédio identificado em 1, mediante o preço acordado de € 32,00 por tonelada de pinho/serração, € 25,00 por tonelada de eucalipto e € 10,00 por cada tonelada de faxina, a pagar quando estivesse concluída a remoção da madeira, tendo-se o demandado obrigado ainda a proceder à limpeza final das lenhas e ramadas sobrantes.
Inscrevendo-se a presente acção no âmbito do instituto da responsabilidade contratual, releva quanto dispõe o artigo 406.º do Código Civil. Epigrafado de “Eficácia dos contratos”, nele se dispõe que:
“1. O contrato deve ser pontualmente cumprido, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei;
2. Em relação a terceiros, o contrato só produz efeitos nos casos e termos especialmente previstos na lei”.
Consagra assim a lei o princípio da força vinculativa dos contratos – uma vez celebrado, o contrato plenamente válido e eficaz constitui lei imperativa entre as partes celebrantes. Todavia, em relação a terceiros, o contrato, ressalvadas as excepções consagradas na lei, é inoperante – é o princípio da eficácia relativa dos contratos, segundo o qual os efeitos contratuais não afectam terceiros, restringindo-se às partes contratantes.
Atendendo aos factos apurados, tendo o 1º Réu negociado e celebrado o acordo sem qualquer menção à sua qualidade de eventual representante da 2ª Ré – assim resultou provado –, é esta terceira em relação ao contrato, sendo por isso irrelevante a comunicação feita ao ICNF.
Estando em causa um contrato de compra e venda válido – dado que a lei não exige forma especial para a venda de coisa móvel – tendo por objecto a madeira existente no identificado prédio da autora mulher (vide artigo 874.º do Cód. Civil), dele emergem os efeitos típicos plasmados no artigo 879.º do mesmo diploma, ficando o 1º Réu, uma vez que pelo contrato apenas ele se vinculou perante os AA, a pagar o preço fixado. Acresce que tendo as partes convencionado que o 1º Réu ficaria ainda obrigado, para além da prestação típica de pagamento do preço, a proceder à limpeza do prédio após recolha do material lenhoso, ficou também adstrito ao cumprimento desta obrigação, atentos os princípios da liberdade de estipulação e pontual cumprimento dos contratos, consagrados nos artigos 405.º e 406.º, n.º 1, também do Código Civil.
Deste modo, resultando da factualidade apurada o incumprimento por banda do 1.º réu, cuja culpa se presume nos termos do também convocado artigo 799.º, bem como a sua constituição em mora, impõe-se a sua condenação no pagamento do preço e ainda a suportar o custo da limpeza do prédio, no apurado montante de € 750,00.
Sobre a quantia de € 4.370,00 são devidos juros de mora desde a data do vencimento – 27/4/2022 –, nos termos dos artigos 804.º, n.ºs 1 e 2 e 805.º, n.º 2, alínea a), do Código Civil, e sobre o valor de € 750,00 apenas desde a data da citação, atendendo à falta de uma convenção de prazo (artigo 805.º, n.º 1).

Reclamam ainda os AA indemnização no valor de € 1.500,00 para ressarcimento dos danos de natureza não patrimonial sofridos, incluindo a perda de tempo nos seus dias de descanso em deslocações a (…) e à (…), face à conduta do 1º Réu, que deixou de os atender e de responder às mensagens que enviaram, tendo sofrido incómodos e angústia quanto à cobrança do valor em dívida.
É sabido que os danos de natureza não patrimonial – únicos aqui agora em causa, uma vez que os demandantes, podendo fazê-lo, não reclamaram o reembolso do dispêndio efectuado com as viagens efectuadas – só beneficiam da tutela do direito quando se revistam de gravidade, conforme pressupõe e exige o artigo 496.º.
A propósito da ressarcibilidade dos danos desta natureza, conforme se fez notar na decisão recorrida, vem sendo entendido que meros transtornos, incómodos e contrariedades inerentes “à vida” e à execução dum contrato não revestem a gravidade objetiva que justifique a tutela do direito em termos de ressarcimento por indemnização compensatória. Não obstante, e como se faz notar no acórdão do STJ de 13/12/2022 (processo n.º 497/19.5T8TVD.L1.S1) “(…) noutro e diverso registo argumentativo, que reputamos como mais certeiro, pode/deve ocorrer a reparação de danos não patrimoniais decorrentes do incumprimento de obrigações contratuais se se descortinar uma conexão entre os danos não patrimoniais e o vínculo obrigacional em causa, de forma a poder concluir-se que os mesmos se compreendem ainda na órbita do vínculo assumido pelas partes”[8].
Aderindo-se embora a este último entendimento, verifica-se que no caso dos autos está em causa o incumprimento de uma prestação pecuniária. Ora, sem poder afastar que possam ocorrer danos de natureza não patrimonial relevantes em resultado do incumprimento de obrigações desta natureza, afigura-se não ser suficiente para tal a factualidade descrita nos pontos 12 e 13. Vejamos:
Não se dúvida, é certo, que os AA, tal como de resto se provou, tenham tido arrelias e aborrecimentos, receando não receber o preço que lhes é devido. Sem que, todavia, a situação vivenciada se tenha revestido de uma particular gravidade -nem o montante é muito expressivo nem se fez prova, desde logo porque nada a este respeito foi alegado, que os AA estivessem em situação de necessidade ou tivessem sequer previsto uma especial afectação para a quantia em dívida-, como pressupõe e exige o citado artigo 496.º. Deste modo, e secundando o juízo feito na 1ª instância, também aqui se recusa o arbitramento de indemnização pelos danos de natureza não patrimonial.
Assim julgado parcialmente procedente o pedido principal, não há que apreciar a responsabilidade da 2ª Ré, que só em via subsidiária foi demandada.
Diz-se subsidiário o pedido que é apresentado ao tribunal para ser tomado em consideração somente no caso de não proceder um pedido anterior – vide n.º 1 do artigo 554.º do CPC. Quando assim é, o autor manifesta a sua preferência pelo pedido formulado em primeiro lugar e a título principal, o qual é apreciado pelo tribunal; só no caso deste pedido não obter um juízo de procedência, será apreciado o pedido subsidiário. Tal ordem de precedência não sofre alteração quando, como é aqui o caso, estamos perante uma situação de litisconsórcio subsidiário passivo, por não ser indiferente para os AA que a condenação incidisse sobre o 1.º Réu ou a 2.ª Ré.
Resultando de todo o exposto a procedência, ainda que parcial, do pedido principal, com a consequente condenação do 1º Réu, impõe-se a absolvição da 2ª Ré do pedido, com a consequente revogação da decisão recorrida.
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Sumário: (…)

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III. Decisão
Acordam os juízes da 2.ª secção cível em julgar parcialmente procedente o recurso, revogando a sentença recorrida, em consequência do que:
a) condenam o Réu (…) a pagar aos Autores (…) e marido, (…) as quantias de € 4.370,20, acrescida dos juros de mora vencidos desde 27/4/2022 e vincendos até integral pagamento à taxa supletiva legal para as dívidas de natureza civil, e de € 750,00, esta acrescida dos juros vencidos desde a data da citação e vincendos até integral pagamento à referida taxa legal;
b) absolvem a Ré (…), Unipessoal, Lda. dos pedidos formulados.
Custas nesta e na 1ª instância a cargo dos Autores e do Réu condenado, na proporção dos respectivos decaimentos (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).
Évora, 21 de Novembro de 2024
Maria Domingas Alves Simões
Eduarda Branquinho
Isabel de Matos Peixoto Imaginário


__________________________________________________
[1] Exmas. Sr.ªs Juízas Adjuntas:
1.ª Adjunta: Sr.ª Juíza Desembargadora Eduarda Branquinho;
2.ª Adjunta: Sr.ª Juíza Desembargadora Isabel de Matos Peixoto Imaginário.
[2] Diploma a que pertencerão as demais disposições legais que vierem a ser citadas sem menção da sua origem.
[3] Segue-se aqui a lição do Prof. Lebre de Freitas, no seu “A Acção Declarativa Comum à luz do Código Revisto”, 2.ª edição, págs. 85-86, que se mantém actual dado que o Código do Processo Civil agora em vigor manteve as soluções anteriores.
[4] Cfr. neste preciso sentido, o acórdão do TRG de 30/1/2020, processo n.º 2615/18.1T8VRC-G1, em www.dgsi.pt.
[5] Neste mesmo sentido decidiram o TRL em acórdão de 8/10/2015, processo n.º 296/13.8TBLNH.L1-2 e o TRG, em acórdão de 11/4/2024, processo n.º 2398/23.3T8BRG.G1, também acessíveis em www.dgsi.pt.
[6] Como explicava o Conselheiro Lopes do Rego “Comentários ao Código de Processo Civil”, vol. I, 2.ª edição, pág. 70, em comentário ao então artigo 31.º-B, antecessor do vigente artigo 29.º, que se mantém actual: “A razão de ser da consagração desta figura consistiu na necessidade de tutelar, em termos bastantes, o interesse do demandante, nos casos de dúvida fundada e razoável sobre a titularidade da relação material controvertida, nomeadamente nas hipóteses em que o próprio credor ignora, sem culpa sua, a que título ou em que qualidade terá o devedor intervindo no acto que serve de causa de pedir à acção: são, na verdade, cada vez mãos frequentes no comércio jurídico as situações em que surge, desde logo, como controvertida a qualidade jurídica em que o demandado interveio no acto ou contrato a que a causa se reporta – em nome próprio ou como representante de outrem”.
[7] É evidente o lapso na referência a Kg., como resulta desde logo da operação aritmética feita no artigo 12º.
[8] Estava em causa um contrato de empreitada, no âmbito do qual a prestação do empreiteiro foi defeituosamente cumprida, tendo o STJ considerado que “(…) a remodelação dum apartamento, para nele se passar a habitar em permanência (…) configura uma situação jurídica objetivamente funcionalizada a interesses de índole não patrimonial, pelo que o incumprimento por parte do empreiteiro da obrigação de realizar a obra sem defeitos determina, em face dos concretos defeitos verificados e dos desgostos, perturbações e incómodos para o dono da obra, a responsabilização do empreiteiro por danos de natureza não patrimoniais, uma vez que foram afetados a qualidade do gozo do apartamento por parte do dono da obra e os interesses não patrimoniais que lhes estão ligados”.