Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
134/17.2JASTB.E1
Relator: CARLOS DE CAMPOS LOBO
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
MODIFICABILIDADE DA DECISÃO DE FACTO
BRANQUEAMENTO DE CAPITAIS
Data do Acordão: 06/04/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I - Na impugnação de facto na vertente mais ampla, ou seja, aquela a que se refere o artigo 412º, nºs 3, 4 e 6, do C. P. Penal, o Tribunal ad quem apenas tem de verificar se os pontos da matéria de facto impugnados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando, especificadamente, os meios de prova enunciados nessa decisão e as concretas provas indicadas pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa da proferida.
II - Para que se possa alterar o decidido em 1ª instância, necessário se torna que as provas adiantadas pelo recorrente imponham decisão diversa da proferida e não apenas que o permitam - alínea b) do nº 3 do artigo 412º do C. P. Penal - pois impor/demandar/exigir uma decisão diversa da questionada não significa admitir uma decisão diferente da recorrida. Tem um alcance mais exigente e significa que a decisão proferida, face às provas, não é possível/plausível/verosímil.
III - Não basta contrapor à convicção do julgador uma outra dissemelhante, ainda que também possível, para provocar uma modificação na decisão de facto, sendo antes necessário demonstrar que a convicção formada pelo julgador, relativamente aos pontos de facto impugnados, é impossível, desprovida de razoabilidade, destituída de sentido. Esta é, ao que se cogita, a dimensão do segmento “provas que impõem decisão diversa da recorrida”, expresso no supra citado inciso legal.
IV - O crime de branqueamento p. e p. pelo 368º-A, nº 1, do Código Penal, ao que se conjetura, consiste essencialmente na ocultação ou dissimulação da natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou titularidade de vantagens de crimes.
V - Tal ilícito, segundo certa doutrina, passa por dois momentos distintos, money launder seguido de recycling, sendo que outros o configuram por três fases, seguindo a linha de pensamento do Gabinete de Ação Financeira Internacional, apontando-as como colocação, dissimulação e integração.
Decisão Texto Integral:

Acordam em Conferência na Secção Criminal (2ª subsecção)

I – Relatório

1. No processo nº 134/17.2JASTB da Comarca de Setúbal - Juízo Central Criminal de Setúbal - Juiz 2, foi deduzida acusação pública contra A (…..), imputando-lhe a prática em coautoria material, concurso efetivo e na forma consumada, de 1 (um) crime de falsificação de documento, p.e p. pelo artigo 256º, nº 1, alíneas a), b) e c), do CPenal, com referência ao seu artigo 255º, nº 1 do mesmo normativo, 1 (um) crime de burla qualificada, p. e p. pelo artigo 218º, nºs 1 e 2, alínea a), com referência aos seus artigos 217º e 202º, alínea b) do citado normativo, e de 1 (um) crime de branqueamento de capitais, p.e p. pelo artigo 368º-A, nº 1, do CPenal.

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C (….) e “BEST – Banco Eletrónico de Serviço Total, S.A.” requereram a constituição como assistentes nos autos, que se vieram a admitir, tendo ainda o primeiro formulado nos autos pretensão indemnizatória, a qual foi rejeitada, tendo sido a apreciação da mesma relegada para os meios comuns.
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Efetuado o julgamento, e em face da prova no mesmo produzida, procedeu-se a alteração não substancial dos factos, a coberto do estatuído no artigo 358º, nº 1 do CPPenal, sendo que, sobre tal, nada houve a requerer por banda do arguido – cf. fls.1295 a 1298.
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Sequentemente, foi proferido Acórdão onde se decidiu ABSOLVER o arguido A do cometimento dos crimes pelos quais vinha publicamente acusado.

2. Inconformado com o decidido, recorreu o Assistente questionando a decisão proferida, concluindo: (transcrição)

I - O presente recurso tem como objecto toda a matéria de facto e de direito do acórdão proferido nos presentes autos, que absolveu o arguido A, da prática, em coautoria, concurso efectivo e na forma consumada, de 1 (um) crime de falsificação de documento, p.e p. pelo artigo 256º, nº 1, alíneas a), b) e c), do Código Penal, com referência ao seu artigo 255º, nº 1 do mesmo normativo, de 1 (um) crime de burla qualificada, p. e p. pelo artigo 218º, nºs 1 e 2, alínea a), com referência aos seus artigos 217º e 202º, alínea b) do citado normativo, e de 1 (um) crime de branqueamento de capitais, p.e p. pelo artigo 368º-A, nº 1, do Código Penal;
II - O Tribunal a quo considerou como provados factos que não o deveriam ter sido, considerou como não provados factos que o deveriam ter sido e não incluiu no elenco dos factos provados, factos que resultaram da prova produzida em audiência e dos restantes elementos probatórios que se encontram nos autos.
III - O Tribunal a quo considerou provados os seguintes factos:
1) O arguido foi casado com M até ao decesso desta, ocorrido em 9 de fevereiro de 2019;
2) M desempenhou funções como angariadora e depois, como promotora/agente vinculada do Banco BEST, de setembro de 2005 a princípios de julho de 2016, através da celebração de contratos de prestação de serviços celebrados em 29 de setembro de 2005 (como angariadora) – revogado em 4 de maio de 2009 – e 6 de maio de 2009 (enquanto agente vinculada/promotora) – revogado com efeitos a partir de 8 de julho de 2016;
3) Em data não concretamente apurada, mas situada no mês de setembro de 2004, o casal formado por M e o ora arguido, A, encontravam-se num estabelecimento de café desta cidade de Setúbal, no qual também se encontrava presente o aqui assistente C;
4) Este último comentava, em conversação com um terceiro, que ficara sem o gestor da conta que detinha no Banco Comercial Português (BCP);
5) Por ser-lhe audível o teor de tal conversação, M levantou-se da mesa onde se encontrava antes sentada, e onde permaneceu sentado o arguido A, e abordou C, a quem referiu estar habilitada na área da gestão de carteiras e títulos financeiros, tendo-lhe oferecido os seus serviços nessa área;
6) Em ordem a informar C de forma mais detalhada dos seus préstimos, que pressuporiam a abertura de uma conta no Banco BEST, M convocou aquele para uma reunião a ter lugar dias depois, no seu escritório, sito na Rua (…..), nesta cidade;
7) No decurso da mesma, M informou C de todos os procedimentos sobre os serviços e condições financeiras que o Banco BEST lhe podia oferecer, em termos de gestão do seu património/capital imobiliário, explicando-lhe ainda que trabalhava com programas informáticos e financeiros que ela própria havia adquirido e que lhe davam acesso a outros mercados estrangeiros, que ofereceriam maiores e melhores lucros;
8) Mais, informou-o que, caso acedesse à disponibilização dos serviços em referência, iria ser-lhe cobrada, pela gestão do seu património, uma comissão de 10% sobre todas as mais-valias líquidas que aquele viesse a obter;
9) C aceitou as condições propostas e procedeu, no dia 24 de outubro de 2004, à abertura de uma conta no Banco BEST, com o nº (…..), para onde transferiu os produtos financeiros que tinha numa conta no Banco Nacional Português (Paribas), no montante de €622.580,84, para que aquela investisse;
10) Com periodicidade mensal, e após como espaçamento de 2 em 2 meses ou de 3 em 3 meses, M passou a reunir-se com C, apresentando-lhe “extratos do valor do seu património e rentabilidades”, por si forjados, onde eram mencionadas avultadas mais-valias - que em nada tinham correspondência com a realidade -, sobre as quais incidiam as suas comissões, as quais eram pagas por aquele, através de cheques emitidos sobre o Banco BEST – e a partir de janeiro de 2017, por solicitação da arguida, através de transferências on-line -, conforme havia sido acertado entre eles, ficando C plenamente convencido da genuinidade e veracidade de tais extratos;
11) M apenas veio a assumir vínculo com o Banco BEST em 29 de setembro de 2005, por via da celebração de contrato de prestação de clientes, com vista à angariação de novos clientes para aquela instituição bancária;
12) Após, em 6 de maio de 2009, veio a celebrar novo contrato com a mencionada instituição bancária, porém visando já o exercício das funções de agente vinculada/promotora, atividade que desempenhou até à rescisão promovida pelo BEST, nos termos e data explicitados em 2 (segmento final);
13) Por seu turno, o arguido A veio a celebrar, em 12 de maio de 2006, contrato com o Banco BEST denominado contrato de prestação de serviços para o desempenho como promotor/prospetor;
14) Sempre foi M que se apresentou com dedicada à gerência efetiva do património do assistente, o qual nunca reuniu com o ora arguido;
15) Entre outubro de 2004 e fevereiro de 2015, perante as mais-valias apresentadas documentalmente pela arguida, C procedeu a reforços de capital na aludida conta bancária do Banco BEST, através de transferências e cheques provenientes da conta bancária por si titulada no Millennium BCP, no montante global de € 440.378,00;
16) Já no decurso do ano de 2016 M propôs-se investir em aplicações que renderiam um juro de 1,5%, apresentando ao assistente um documento - por si forjado - que comprovava a compra dos referidos fundos, com o logotipo do Banco BEST que teria, segundo a mesma, sido remetido para o e-mail carsibas@sapo.pt e onde constava uma subscrição de um fundo no valor de 1.996.911,00 USD e de €2.197.000,00, tendo ainda apresentado um mapa comprovativo de tais investimentos, igualmente forjado;
17) Em junho de 2016, foi solicitado ao Banco BEST, pelo preenchimento de impresso próprio, a alteração do nº de telemóvel de C, de (…..) para (…..), sendo o aludido impresso assinado pelo assistente e subscrito, como funcionária bancária remetente, por M;
18) Em abril de 2016, por via de carta redigida e assinada pelo assistente C, foi também solicitado que a correspondência bancária emitida pelo BES, alusiva à conta bancária acima mencionada, passasse a ser enviada para a morada correspondente a “Rua …..”, local onde funcionava o Office Centre, no qual também M tinha escritório;
19) Os extratos periódicos relativos à aludida conta bancária, documentando as mais valias por si invocadas e o endereço do e-mail haviam sido forjados por M - tendo o endereço eletrónico sido criado em 21 de fevereiro de 2008 - criando em C a convicção da solidez da sua situação patrimonial, justificando o pagamento de mais-valias sobre os lucros;
20) Em data não apurada, mas posterior ao mês de julho de 2017, M apresentou a C um mapa/extrato com os resultados obtidos com as aplicações financeiras efetuadas e, segundo o qual, este teria, naquele mês, um património mobiliário de €9.993.185,87, documento mais uma vez forjado e que não espelhava a realidade daquele património;
21) Perante o valor referido e porque, em data não apurada do Verão do ano de 2017, C manifestara interesse em resgatar parte do mesmo, a fim de auxiliar a sua filha na aquisição de um imóvel, M conseguiu dissuadi-lo de tal ideia, invocando que o mesmo iria pagar um montante considerável a título de impostos;
22) Ainda por ocasião do Verão de 2017, o assistente exigiu a M o acesso a alguma importância monetária por si depositada, em face do que esta contactou telefonicamente A (em conversação cujo teor se desconhece), vindo este a comparecer junto ao escritório de M com um envelope fechado, em cujo interior se encontravam cerca de €2.000,00 (dois mil euros);
23) Por motivação não plenamente apurada, mas que se sequencia e enquadra nos pedidos de acesso aos valores depositados, M procedeu ainda a diversas transferências para a conta titulada pelo assistente no Millenium BCP na mencionada dependência bancária, no valor total de €22.000,00;
24) Igualmente por ocasião do Verão de 2017, o assistente solicitou ainda a M a disponibilização de um cartão de débito, por forma a poder com o mesmo movimentar a conta bancária que detinha no Banco BEST;
25) O cartão bancário veio a ser solicitado e emitido, tendo a disponibilização/envio do seu PIN ocorrido já em setembro de 2017;
26) Desde outubro de 2004 a agosto de 2017, M transferiu da conta bancária titulada por C no Banco BEST, com o nº (…..), para contas bancárias por si tituladas e/ou pelo arguido – sendo a conta nº (…..) apenas titulada pelo arguido - e de terceiros, sedeadas no Millennium BCP, Santander Totta, CGD e BANIF – entre as quais, a mãe da arguida, J - conta nº (…..) - e a empresa Office Center (onde se situava o escritório da arguida), procedendo ainda ao débito de cheques na conta bancária de C, a quantia total de €976.098,10 (novecentos e setenta e seis mil e noventa e oito euros e dez cêntimos);
27) Tais transferências - internas, em número de 113, perfazendo o total de €256.641,39 - e interbancárias, em número de 155, perfazendo o total de €179.098,85 -, no total de €435.740,24, foram efetuadas através do website do Banco BEST, mediante a utilização das credenciais e passwords do titular da conta, C;
28) Para a conta bancária do arguido – individual e apenas titulada por este – foram transferidas, provenientes da conta de C, as seguintes quantias: - €15.367,00, em 16/08/2012; - €19.819,00, em 28/09/2012; - €11.561,00, em 09/11/2012; - €12.555,00, em 15/01/2013; - €5.800,00, em 05/02/2013; - €12.469,00, em 11/07/2013; - €11.157,00, em 29/08/2013; - €10.386,00, em 28/11/2013; - €12.480,00, em 28/02/2014; - €12.870,00, em 02/05/2014; - €5.150,00, em 15/10/2014; - €2.245,00, em 18/08/2016; - €1.300,00, em 05/10/2016;
29) No dia 1 de setembro de 2017, tomou C conhecimento, no decurso de uma reunião nas instalações do Banco BEST, que os extratos da sua conta bancária não coincidiam com os que lhe haviam sido entregues por M, já que o saldo da sua conta bancária apresentava apenas o valor de €907,61, em lugar do valor de €9.993.185,97 mencionado no extrato datado de 1 de julho de 2017, que lhe havia sido entregue por aquela;
30) Com efeito, os extratos integrados nº 9, de 1 de setembro de 2016; nº 12, de 1 de dezembro de 2016; nº 3, de 1 de março de 2017; e nº 7, de 1 de julho de 2017, apresentados por C e que lhe haviam sido entregues por M, apresentavam respetivamente o saldo de €8.692.564,66 (quando a posição patrimonial efetiva era de €44.313,96; de €8.902.037,27 (quando a posição patrimonial efetiva era de €7.857,85); de €9.227.833,57 (quando a posição patrimonial efetiva era de €685,02); e de €9.983.185,87 (quando a posição patrimonial efetiva era de €637,60);
31) No dia 8 de novembro de 2017, no decurso de buscas domiciliárias levadas a cabo na residência comum do casal formado por M e o arguido, sita na Rua (…..), Setúbal, foram apreendidos:- na sala, sobre a mesa, um PC portátil, de marca Toshiba, modelo Satellite L50-A-122, com o nº de série 8DO84179S, com o respetivo cabo de alimentação; - sobre o aparador da sala, um PC portátil, de marca Fujitsu Siemens, modelo Amilo Pro V 2000, com o nº de série 3933040022, com uma placa de comunicações TP-Link, com o nº de série 06ª10401068 e respetivo cabo de alimentação; - sobre o aparador do hall de entrada, um bloco de apontamentos com manuscritos, de capa preta; - no quarto, dentro de uma carteira de senhora, um cheque titulado em nome de Dr. C, do Banco BEST, emitido no montante de €10.340,00, datado de 28/05/2015; - no escritório, um conjunto de 3 folhas manuscritas, retiradas de um caderno de linhas, tamanho A4, mencionando no topo, “Dr. B – 2016 – Fundos”; - um PC portátil, de marca Toshiba, modelo Satellite, sem nº de série; - duas folhas, tendo a primeira o timbre do Banco Best, referente ao ano fiscal de 2015, do titular C; - nove folhas com mapas de Valores de Património e Rentabilidades até 23/11/2011 e de ETF’s; - um extrato do Banco BEST, em nome de C, datado de 18/03/2016, no total de 3 folhas; - um conjunto de 16 folhas, constituídas pela fotocópia do cartão de cidadão de V e de um contrato de trabalho ser termo, no nome de V; - uma folha, tamanho A4, com manuscritos sobre Fundos de Pensões e uma folha do Banco BEST, com o título Fundos Poupança Reforma/Planos Poupança Reforma, em nome de C; - duas fotocópias com o cartão de cidadão em nome de R; - duas fotocópias co o cartão de cidadão em nome de E; - uma folha com manuscritos sobre o E, Dr. B e D. E, feitas no verso de uma folha do Banco BEST; - um extrato do Banco BEST, em nome de C, datado de 1/01/2016, constituía por uma folha; - duas folhas com o título “Fundos Euro – cliente Dr. C”; - uma folha, tamanho A4, com diversos manuscritos de venda, compra e despesas; - duas faturas/recibo emitidas por M em nome de C; - um extrato do Banco BEST, em nome de C, datado de 31/01/2015, com manuscritos no veros da última folha; - uma listagem de créditos e débitos, constituída por 3 folhas, tendo manuscrito B1, B2 e B3, com manuscritos no veros da última folha; - um extrato do Banco BEST, em nome de C, datado de 18/03/2016; - um extrato do Banco BEST, em nome de C, datado de 3/03/2017; - um contrato de prestação de serviços assinado entre o BEST – Banco Eletrónico de Serviço Total S.A. e M, datado de 29/09/2005, num total de 8 folhas; - um contrato de prestação de serviços assinado entre o BEST – Banco Eletrónico de Serviço Total S.A. e A, datado de 12/05/2006, num total de 7 folhas; - uma agenda de capa azul do ano de 2015, tendo manuscrito no verso da capa os códigos do C e o número do pedido de senha nas Finanças do Dr. B, tendo essas páginas sido fotocopiadas e rubricadas pela arguida, sendo a agenda devolvida; - uma agenda castanha, em cartão, tendo
na capa uma quadro e uma informação de “Memories”, tendo sido fotocopiada a fls. 4 e 5, rubricada pela arguida, sendo a agenda devolvida; - um bloco com folhas brancas, tamanho A5, timbradas com o nome de M, telemóvel (…..), tendo-se fotocopiado as folhas com relevância, rubricadas pela arguida, sendo o bloco devolvido, tudo conforme auto de busca e apreensão de fls. 180 a 183, que aqui se dá por integralmente reproduzido;
32) Na mesma data, no decurso de buscas domiciliárias levadas a cabo no escritório de M, sita na Rua (…..), Setúbal, foram apreendidos: - um dossier azul, tendo na lombada os dizeres “Dr. C, a partir de 2006”, - 13 recibos verdes eletrónicos emitidos por M ao C; - dois pedidos de transferência interna/interbancária assinados por C; - duas folhas do Banco BEST, com o título Serviço de Gestão de Carteiras, assinado por C, tendo um papel autocolante amarelo com o título “comissões”; - uma folha do Banco Best sobre um pedido de Resgate do Serviço de Gestão de Carteiras; - uma fotocópia de uma declaração de IRS sem identificação; - um extato do Banco Best emitido em nome de C, datado de 20/01/2009, num total de 7 folhas; - um conjunto do Modelo 3 do IRS em nome de C, respeitante ao ano de 2008, num total de 8 folhas; - um conjunto do Modelo 3 do IRS em nome de C, respeitante ao ano de 2009, num total de 9 folhas; - um extrato do Banco BEST em nome de C, datado de 20/01/2010, num total de 2 folhas; - um extrato do Banco BEST em nome de C, datado de 24/01/2011, num total de 3 folhas; - um conjunto do Modelo 3 do IRS em nome de C, respeitante ao ano de 2010, num total de 7 folhas; - um extrato do Banco BEST em nome de C, datado de 25/02/2012, num total de 2 folhas; - um conjunto do Modelo 3 do IRS em nome de C, respeitante ao ano de 2011, num total de 9 folhas; - um conjunto do Modelo 3, em nome de C, respeitante ao ano de 2012, num total de 8 folhas e com um papel de linhas, com os dizeres “Ações BES compradas a 12/2011; - um extrato do Banco BEST, em nome de C, datado de 31/01/2015, num total de 2 folhas, tendo uma folha tamanho A, com manuscritos “Dr. B => 118587722 e outros dizeres e ainda uma folha amarelada, com manuscritos ETF’s; - um extracto do Banco Best, em nome de C, datado de 31/01/2015, num total de 2 folhas, tendo uma carta da Autoridade Tributária com a senha de acesso internet, em nome de C e uma folha com linhas tamanho A4, com manuscritos de ETF’s; - duas folhas tamanho A4, com manuscritos de ETF’s; - um bloco de apontamentos com linhas, tamanho A4, com diversas folhas manuscritas, em número de 8, as quais, após fotocopiadas e rubricadas pela arguida, foram-lhe devolvidas; - um bloco de apontamentos com linhas, tamanho A4, tendo apenas a primeira página com manuscritos, a qual, após fotocopiada e rubricada pela arguida, foi-lhe devolvida, tudo conforme auto de busca e apreensão de fls. 175 a 177, que aqui se dá por integralmente reproduzido;
Do enquadramento vivencial do arguido:
33) A é o mais novo de três filhos do casal de progenitores;
34) Natural da Póvoa do Varzim, beneficiou de um enquadramento familiar com uma dinâmica relacional equilibrada, que assegurava a sua manutenção com base na atividade a que o progenitor exerceu, como funcionário dos “Caminhos de Ferro Portugueses E.P.” e que determinou que o agregado de origem tivesse fixado residência em Santarém;
35) Com um percurso escolar ajustado, A abandonou o agregado familiar de origem quando ingressou na faculdade aos 19 anos de idade, tendo residido com a irmã em Carcavelos, durante o percurso académico, em que teve direito a bolsa de estudo e propinas reduzidas;
36) Completou a licenciatura em Gestão de Empresas em 1989, na Universidade Lusíada de Lisboa e pouco tempo antes de terminar a licenciatura foi convidado para trabalhar na empresa “L Lda.” (especializada no setor de saneamento e limpeza, com sede em Lisboa), onde trabalhou durante cerca de vinte e seis anos;
37) Na fase inicial do seu percurso profissional A desempenhou também, paralelamente, funções de professor assistente, nas disciplinas de “Introdução à informática” e de “Informática de Gestão” na “Universidade Internacional” e na “Universidade Moderna”;
38) Aos 29 anos de idade A conheceu M, com a qual contraiu matrimónio um ano mais tarde;
39) O casal constituiu agregado próprio num apartamento que o arguido já tinha adquirido (através de empréstimo bancário) localizado em Paço de Arcos, Oeiras, onde residiram entre 1994 e 2000;
40) Desta união, o arguido tem dois filhos, com atualmente 25 e 20 anos de idade;
41) Em 2000 o agregado familiar do arguido mudou-se para Setúbal, tendo adquirido inicialmente um apartamento de tipologia T3 que posteriormente (em 2004) trocou por outro de tipologia T4 no mesmo prédio onde se mantiveram a residir desde então;
42) A nível económico o agregado familiar dispôs, até 2014, de uma condição equilibrada e desafogada, assente, sobretudo, no rendimento que o arguido auferia (que nos últimos anos na empresa “L” rondava os 2000€ mensais) e nos rendimentos variáveis que a esposa do arguido obtinha como comercial, inicialmente como mediadora de seguros e posteriormente na área da banca;
43) Até 2014 a família deslocava-se normalmente uma semana de férias ao estrangeiro e dispunha de uma semana de férias em Vilamoura, no Algarve em regime de “time-sharing” que adquiriu, há cerca de 17/18 anos pelo valor de 5000€;
44) Na empresa “L Lda.” o arguido desempenhou funções de “IT manager” / Diretor do departamento de informática, com responsabilidade de coordenação da análise e do desenvolvimento de sistemas de informação e formação de quadros na referida área, bem como responsável pela aquisição de equipamentos informáticos e “software” para a empresa;
45) A desenvolveu as funções descritas até meados de 2014, altura em que a empresa encerrou atividade por se ter revelado financeiramente inviável, tendo recebido uma indeminização na ordem dos 50.0000€;
46) Em 2014 e com 50 anos de idade A beneficiou durante cerca de seis meses da atribuição do subsídio de desemprego, tendo apresentado no Centro de Emprego e Formação Profissional de Setúbal um projeto de criação de emprego, através da abertura, em Setúbal, de uma agência imobiliária, franchising da rede “Casas na Hora”, tendo iniciado essa atividade em abril de 2015, contando com a colaboração da esposa qua ali trabalhou durante um ano e seis meses, paralelamente com a atividade de comercial que a mesma desenvolvia por conta dos bancos “BANIF” e “Banco BEST”;
47) À data a que se reportam os factos A residia com a esposa e os filhos em Setúbal e exercia a atividade de responsável comercial da agência imobiliária “Casas na Hora” em Setúbal;
48) Essa atividade, tal como a que a esposa desenvolvia, dependia dos clientes que angariavam e das comissões dos serviços que eram prestados, circunstância que terá determinado uma alteração significativa na condição socioeconómica do agregado familiar, que passou a vivenciar algumas dificuldades em fazer face aos encargos assumidos (700€ de amortização do crédito contraído para a aquisição do apartamento em que residiam; 53€ mensais de amortização de um crédito de 10.000€ que contraíram para apoiar a esposa desenvolver a atividade a que se dedicava e ainda 350€ mensais, relacionados com o arrendamento de um quarto em Lisboa, onde o filho frequentava a universidade), numa altura, em que o rendimento global do casal não ultrapassava, por norma, os 1500€ mensais;
49) A esposa do arguido adoeceu em meados de 2008 com doença do foro oncológico, tendo falecido em fevereiro de 2019 na sequência de uma infeção hospitalar que contraiu enquanto realizava tratamentos;
50) Esta circunstância terá determinado grande impacto psicológico para o arguido;
51) A reside atualmente com os filhos, sendo que o filho mais velho, com 25 anos, terminou a licenciatura em Gestão de Informação há cerca de dois anos e encontra-se a trabalhar há cerca de seis meses no apoio a produtos da “Microsoft”, desempenho que lhe proporciona cerca de 1100€ mensais e que lhe permite colaborar nas despesas de manutenção do agregado familiar, e a filha do arguido (com 20 anos de idade) frequenta ainda, o ensino universitário;
52) A nível económico, atualmente, o arguido referiu conseguir obter um rendimento na ordem dos 1000€ mensais, assumindo como principais despesas os 700€ de amortização do crédito à habitação; os 53€ do crédito que tinha contraído para apoiar a esposa; 60€ de despesas de um cartão de crédito que a esposa usava de uma conta conjunta do Banco Santander;
53) Ao longo dos últimos quatro anos o arguido reconheceu ter recorrido várias vezes ao apoio económico de uma irmã (E) e de um amigo que conhece desde a adolescência (S), assumindo uma divida que ascende a 15.000€ em relação à irmã e 5.500€ em relação ao referido amigo;
54) É descrito pelos familiares como uma pessoa simples, inteligente, ponderada/sensata, dedicada a nível profissional, empenhada no papel parental que lhe cabe e sem tendência para ambição desmedida;
55) A centra atualmente o seu modo de vida no desempenho profissional e nas necessidades da família que constituiu, nomeadamente no que se refere ao acompanhamento dos filhos.
Do passado criminal do arguido:
56) Do CRC do arguido nada consta.

IV - DOS ERROS NA APRECIAÇÃO DA PROVA, NOS FACTOS JULGADOS COMO PROVADOS (ARTº 410º, Nº 2, ALÍNEA C) DO CPP),
1.- Ponto 13) dos factos provados: “Por seu turno, o arguido A veio a celebrar, em 12 de maio de 2006, contrato com o Banco BEST denominado contrato de prestação de serviços para o desempenho como promotor/prospetor”;
Sobre o facto provado 13), o Tribunal a quo não teve em consideração o facto provado 9), que fixou o dia 24.10.2004 como sendo a data da celebração do contrato da abertura da conta bancária do ora recorrente/assistente com o Banco Best, tal como não teve em consideração que o arguido A é o colaborador do Banco que consta na proposta de abertura da referida conta bancária, conforme resulta de fls. 20 a 29 do Apenso 1 dos autos.
O Tribunal a quo também não teve em conta que o arguido A foi o P.F.A. (personal financial advisor)/agente vinculado da conta do assistente C, durante o período compreendido entre Novembro de 2004 e Dezembro de 2009, conforme resulta de fls. 774 (verso) e dos extratos bancários do Apenso 2 dos autos.
Em complemento à prova documental supra aludida, o Tribunal a quo também não considerou o depoimento da testemunha CC (Director Coordenador do Banco Best), prestado em sessão de julgamento de 18.09.2023 e transcrito na página 28 do acórdão em crise.


Face ao supra exposto, estamos perante um erro (notório) do Tribunal a quo, que deu como provado o facto do arguido A ter iniciado a sua colaboração com o Banco Best a 12 de maio de 2006, quando esta se iniciou muito antes.
Assim, consideramos que, para os efeitos do art.º 412º, nº 3, al. a) do CPP, que o ponto 13) dos factos provados foi incorrectamente julgado.
2. Ponto 18) dos factos provados: “Em abril de 2016, por via de carta redigida e assinada pelo assistente C, foi também solicitado que a correspondência bancária emitida pelo BEST, alusiva à conta bancária acima mencionada, passasse a ser enviada para a morada correspondente a “Rua (…..), em Setúbal”, local onde funcionava o Office Centre, no qual também M tinha escritório;
Sobre o ponto 18) dos factos provados importa referir que da prova documental produzida e constante nos autos, não existe nenhuma carta redigida e assinada pelo assistente C, datada de abril de 2016, a solicitar que a correspondência emitida pelo Banco Best fosse para morada correspondente à “Rua (…..), em Setúbal”.
Na verdade, da documentação junto aos autos, designadamente, dos extratos bancários emitidos pelo Best entre Novembro de 2004 a Dezembro de 2009 (vd. docs./fls. Apenso 2 do autos), que o Tribunal a quo não teve em consideração, resulta que o extrato bancário de 01.12.2005 é o primeiro extrato bancário onde consta a morada de correspondência do assistente como sendo a “Rua (…..), em Setúbal”, local onde funcionava o Office Centre, no qual a M (falecida esposa do arguido) também tinha o seu escritório.
Face ao supra exposto, estamos perante um erro (notório) do Tribunal a quo, e consideramos que, para os efeitos do art.º 412º, nº 3, al. a) do CPP, que o ponto 18) dos factos provados foi incorrectamente julgado.
3. Ponto 22) dos factos provados: “Ainda por ocasião do Verão de 2017, o assistente exigiu a M o acesso a alguma importância monetária por si depositada, em face do que esta contactou telefonicamente A (em conversação cujo teor se desconhece), vindo este a comparecer junto ao escritório de M com um envelope fechado, em cujo interior se encontravam cerca de €2.000,00 (dois mil euros);”
Relativamente ao ponto 22) dos factos provados, o mesmo foi incorrectamente julgado, tendo em conta as declarações do assistente C prestadas em sessão de julgamento de 18.09.2023, gravação/duração(00.00-01.53,49), passagens 21.50-22.56 e 25.20-27.29
Face à prova supra aludida, resulta que, não só o teor da conversa entre a M e o arguido (seu marido) foi ouvida no momento (e presencialmente) pelo assistente C, como o “envelope” que este recebeu do arguido foi aberto na presença do arguido e da esposa, dentro do carro do carro do arguido, confirmando o assistente que continha € 2.000,00 (dois mil euros) em numerário, após o que foi transportado a casa na referida viatura.
O depoimento do assistente C foi sincero, espontâneo e coerente, pelo que deveria ter sido devidamente considerado pelo Tribunal a quo, o que não sucedeu.
Assim, consideramos que, para os efeitos do art.º 412º, nº 3, al. a) do CPP, que o ponto 22) dos factos provados foi incorrectamente julgado.
4. Ponto 26) dos factos provados: “Desde outubro de 2004 a agosto de 2017, M transferiu da conta bancária titulada por C no Banco BEST, com o nº (…..), para contas bancárias por si tituladas e/ou pelo arguido – sendo a conta nº (…..) apenas titulada pelo arguido - e de terceiros, sedeadas no Millennium BCP, Santander Totta, CGD e BANIF – entre as quais, a mãe da arguida J - conta nº003800590061736677133 - e a empresa Office Center (onde se situava o escritório da arguida), procedendo ainda ao débito de cheques na conta bancária de C, a quantia total de € 976.098,10 (novecentos e setenta e seis mil e noventa e oito euros e dez cêntimos);”
O ponto 26) dos factos provados não foi correctamente julgado, tendo em conta que existe erro no valor indicado (€ 976.098,10), como sendo a quantia total correspondente à soma de todos os valores transferidos (transferências bancárias internas e interbancárias) e debitados (cheques) da conta bancária titulada pelo assistente C no Banco Best, entre Outubro de 2004 e Agosto de 2017.
Na verdade, o somatório de todos os valores (conforme resulta, inequivocamente, da prova documental junta aos autos) totaliza a quantia global de € 1.267.027,66. A saber:
- € 179.098,85 - transferências interbancárias, vd. fls. 755 (verso) e 774 (frente) dos autos;
- € 256.641,39 - transferências internas, vd. fls. 756 (verso) a 759 (frente) e 774 (verso) dos autos;
- € 831.287,42 - depósitos de cheques, vd. fls. 759 a 761 (frente) e 774 (verso) dos autos;
Quantia total = €1.267.027,66
Face ao supra exposto, consideramos que, para os efeitos do art.º 412º, nº 3, al. a) do CPP, o ponto 26) dos factos provados foi incorrectamente julgado.
5. Ponto 28) dos factos provados: “Para a conta bancária do arguido – individual e apenas titulada por este –foram transferidas, provenientes da conta de C, as seguintes quantias: - €15.367,00, em 16/08/2012; - €19.819,00, em 28/09/2012; - €11.561,00, em 09/11/2012; - €12.555,00, em 15/01/2013; - €5.800,00, em 05/02/2013; - €12.469,00, em 11/07/2013; - €11.157,00, em 29/08/2013; - €10.386,00, em 28/11/2013; - €12.480,00, em 28/02/2014; - €12.870,00, em 02/05/2014; - €5.150,00, em 15/10/2014; - €2.245,00, em 18/08/2016; - €1.300,00, em 05/10/2016;
O ponto 28) dos factos provados não foi correctamente julgado porquanto:
a) as quantias: €15.367,00, em 16/08/2012; - €19.819,00, em 28/09/2012; - €11.561,00, em 09/11/2012; - €12.555,00, em 15/01/2013; - €5.800,00, em 05/02/2013; - €12.469,00, em 11/07/2013; - €11.157,00, em 29/08/2013; - €10.386,00, em 28/11/2013; - €12.480,00, em 28/02/2014; - €12.870,00, em 02/05/2014; - €5.150,00, em 15/10/2014, foram quantias depositadas na conta bancária do arguido - individual e apenas titulada por este – através de cheques debitados da conta do assistente C (vd. doc./fls. 760 (verso) dos autos), e não provenientes de “transferências bancárias” como se refere ponto 28) dos factos provados;
b) as quantias €2.245,00, em 18/08/2016 e €1.300,00, em 05/10/2016, foram efectivamente transferidas da conta bancária do assistente C para a conta bancária do arguido - individual e apenas titulada por este, conforme resulta de doc./fls. 755 (verso) dos autos;
Face ao supra exposto, consideramos que, para os efeitos do art.º 412º, nº 3, al. a) do CPP, o ponto 26) dos factos provados foi incorretamente julgado.
V – DOS FACTOS QUE, FACE À PROVA PRODUZIDA, DEVERIAM TER SIDO JULGADOS COMO PROVADOS PELO TRIBUNAL A QUO (ARTIGO 410º, Nº 2, ALÍNEA C) DO CPP)
Tendo em conta toda a prova (declarações do assistente/recorrente, testemunhal, documental e pericial) produzida e carreada para os autos, consideramos que o acórdão em crise padece do vício de erro (notório) na apreciação da prova (vd. art.º 410º, nº 2, al. c) do CPP). A saber:
1. O Tribunal a quo não julgou como provado um facto importante, relativo ao contexto subjacente aos pontos 3) e 5) dos factos provados, que diz respeito ao facto do arguido, a sua esposa e o assistente, já se conhecerem antes da “oferta dos préstimos” da M ao assistente em Setembro de 2004, por serem vizinhos do mesmo bairro e serem todos frequentadores do mesmo café,
Conforme resulta do depoimento/declarações do assistente C, sessão julgamento de 18.09.2023 – (gravação/duração 00.00-01.53,49), passagens 04.40 a 05.43;
e do depoimento da testemunha E, sessão 18.09.2023 (gravação/duração 00:00 – 40:57), passagens 03.44-03.59.
Face à prova supra aludida, consideramos que o Tribunal a quo julgou incorrectamente (vd. art.º 412º, nº 3, al. a) e b) do CPP), quando não deu como provado o seguinte facto:
“O casal formado por M e o ora arguido, A, já conheciam previamente o assistente, C, visto serem vizinhos do mesmo bairro e frequentaram o mesmo café, no qual por vezes privavam e conversavam”,


2. No conjunto dos factos provados elencados pelo Tribunal a quo, também não consta como provado, um facto da (maior) importância (para a descoberta da verdade material e para a boa decisão da causa), que diz respeito à participação, ab initio, do arguido, A, designadamente:
a) Como o colaborador do Banco Best que apresentou a proposta de abertura da conta bancária do ssistente/recorrente (vd. fls. 20 a 29 apenso 1 dos autos);
b) Como o PFA (personal financial advisor)/agente vinculado da conta do assistente/recorrente, entre Outubro de 2004 e Dezembro de 2009 (vd. extratos bancários – apenso 2 dos autos);
Em complemento à prova documental supra referida, vd. depoimento da testemunha CC, director coordenador do Banco Best, transcrito na pág. 28 do acórdão.
Face à prova supra aludida, (vd. art.º 412º, nº 3, al. b) do CPP) consideramos que o Tribunal a quo julgou incorrectamente, quando não deu como provado o seguinte facto:
“O arguido, A, consta como o colaborador do Banco Best que apresentou a proposta de abertura da conta bancária do assistente C, tal como foi o PFA (personal financial advisor)/agente vinculado da conta do assistente C, durante o período de Outubro de 2004 a Dezembro de 2009”.
3. Atentos os ilícitos criminais em causa nos autos (crime de burla, branqueamento de capitais e falsificação de documento), o modus operanti dos agentes e toda a dinâmica dos acontecimentos, impunha-se ao Tribunal a quo (porque resulta da prova produzida e porque é importante para a boa decisão da causa), tivesse feito constar no conjunto dos factos provados, o facto de que o Banco Best ser uma instituição bancária com características, funcionamento e regras muito específicas, que se aplicam às contas bancária abertas pelos seus clientes e que, diga-se, nada têm que ver com as instituições bancárias ditas “normais”, de acordo com a experiência de um homem médio colocado perante o facto concreto, conforme resulta:
a) das declarações do assistente C, sessão de julgamento de 18.09.2023, gravação/duração (00.00-01.53.49), passagens 19.25 a 20.04;
b) do depoimento das testemunhas CC e MF (vd. páginas 29 e 30 do acórdão em crise);
c) da prova documental de fls. 20 a 29 do apenso 1 e 42 a 45 dos autos)
Face à prova produzida supra aludida, (vd. art.º 412º, nº 3, al. b) do CPP) consideramos que o Tribunal a quo jugou incorrectamente, quando não deu como provado o seguinte facto:
“O Banco Best é uma instituição bancária que não tem balcões de atendimento ao público e funciona por via electrónica e por contacto telefónico, através de atendimento em centros de investimento e por contacto dos seus Angariadores/“Personal Financial Advisors”/Agentes Vinculados.”
4. Conforme se referiu em III (erro (notório) do facto provado 22), tendo em conta as declarações do assistente C (sessão de julgamento de 18.09.2023, (gravação/duração 00.00-01.53,49), passagens 21.50-22.56 e 25.20-27.29), consideramos que o Tribunal a quo julgou incorrectamente (vd. art.º 412º, nº 3, al. b) do CPP), quando não deu como provado o seguinte facto:
“Ainda por ocasião do Verão de 2017, o assistente exigiu a M o acesso a alguma importância monetária por si depositada, em face do que esta contactou telefonicamente A (em frente e na presença do assistente C), tendo o arguido se deslocado em viatura automóvel até junto do escritório da M, na posse de um envelope que entregou em mão ao assistente, o qual o abriu (dentro da viatura da arguido e na presença do arguido e da M), verificando que no seu interior se encontravam € 2.000,00 (dois mil euros) em numerário, após o que foi transportado a casa no carro do arguido;”
5. Conforme se referiu em III (erro (notório) do facto provado 26), atenta a (inequívoca) prova documental (vd. fls. 755 (verso) a 761 e 774 dos autos), consideramos que o Tribunal a quo julgou incorrectamente (vd. art.º 412º, nº 3, al. b) do CPP), quando não deu como provado o seguinte facto:
“Desde outubro de 2004 a agosto de 2017, M transferiu da conta bancária titulada por C no Banco BEST, com o nº (…..), para contas bancárias por si tituladas e/ou pelo arguido – sendo a conta nº (…..) apenas titulada pelo arguido - e de terceiros, sedeadas no Millennium BCP, Santander Totta, CGD e BANIF – entre as quais, a mãe da arguida, J - conta nº (…..) - e a empresa Office Center (onde se situava o escritório da arguida), procedendo ainda ao débito de cheques na conta bancária de C, a quantia total de € 1.267.027,66 (um milhão, duzentos e sessenta e sete mil e vinte e sete euros e sessenta e seis cêntimos);”
6. Conforme supra se referiu III (erro (notório) do facto provado 28), atenta a (inequívoca) prova documental (vd. fls. 755 (verso) a 760 (verso) dos autos), o Tribunal a quo julgou incorrectamente (vd. art.º 412º, nº 3, al. b) do CPP), quando não deu como provado o seguinte facto:
“Para a conta bancária do arguido – individual e apenas titulada por este – foram depositados cheques provenientes da conta de C, as seguintes quantias: - €15.367,00, em 16/08/2012; - €19.819,00, em 28/09/2012; - €11.561,00, em 09/11/2012; - €12.555,00, em 15/01/2013; - €5.800,00, em 05/02/2013; - €12.469,00, em 11/07/2013; - €11.157,00, em 29/08/2013; - €10.386,00, em 28/11/2013; - €12.480,00, em 28/02/2014; - €12.870,00, em 02/05/2014; - €5.150,00, em 15/10/2014. Foram ainda transferidas para a conta bancária do arguido – individual e apenas titulada por este, provenientes da conta do C, as seguintes quantias: - €2.245,00, em 18/08/2016; - €1.300,00, em 05/10/2016. A soma total das quantias debitadas e transferidas da conta do C para a conta bancária do arguido – individual e apenas titulada por este – perfazem a quantia total de € 133.159,00 (cento e trinta e três mil, cento e cinquenta e nove euros);
7. Face à prova produzida nos autos, designadamente a “prova declaracional” referente às declarações do assistente C (vd. pág. 21 do acórdão) e aos depoimentos das testemunhas E (vd. pág. 25 do acórdão), V (pág. 26 do acórdão) e MJ (vd. páginas 27/28 do acórdão), resulta, inequivocamente, demonstrado terem ocorrido várias reuniões entre o assistente C e M (esposa do arguido A) nas instalações na imobiliária “Casas na Hora” sita na Av. Dr. António Rodrigues Manito, em Setúbal, de que o ora arguido era o responsável comercial, respeitantes à conta bancária do assistente/recorrente no Banco Best, sendo que os valores que lhe eram “apresentados/explicados” pela esposa do arguido, nada tinham que ver com a realidade financeira da sua conta bancária.
Face ao supra exposto, consideramos que o Tribunal a quo julgou incorrectamente (vd. art.º 412º, nº 3, al. b) do CPP), quando não deu como provado o seguinte facto: “Para além do escritório da M no Office Centre São Julião, em Setúbal, realizaram-se também várias reuniões entre o assistente C e a M nas instalações da agência imobiliária “Casas na Hora”, em Setúbal, de que o arguido era o responsável comercial, sobre matéria relacionada com a conta bancária do assistente no Banco Best, sendo que os valores que eram apresentados e explicados pela M ao assistente, nada tinham que ver com a realidade financeira da sua conta bancária.”
8. Face à prova produzida nos autos, designadamente:
a) declarações do assistente C, sessão de 18.09.2023, (gravação/duração 00.00-01.53.49), passagens 01.17.30 a 01.18.42;
b) declarações da testemunha E, sessão de 18.09.2023, (gravação/duração 00.00-40.57), passagens 25.51 a 26.49;
c) declarações da testemunha MJ, sessão de 18.09.2023, (gravação/duração 00.00-21-59), passagens 15.11 a 16.18;
d) declarações da testemunha CC (vd. pág. 28 do acórdão);
e) facto provado 37)
Consideramos que o Tribunal a quo julgou incorrectamente (vd. art.º 412º, nº 3, al. b) do CPP), quando não deu como provado o seguinte facto:
“O arguido é uma pessoa com conhecimentos e experiência em informática e possuía meios técnicos para, por exemplo, apagar as marcas de águas das fotos.”

VI - DOS FACTOS QUE FORAM INDEVIDAMENTE JULGADOS COMO PROVADOS (SEGMENTO DO “ENQUADRAMENTO VIVENCIAL DO ARGUIDO”) (ARTIGO 412º, Nºs 3, ALÍNEA A), DO CPP)

1. Sob a rubrica “do enquadramento vivencial do arguido” o Tribunal a quo considerou provados os factos 33) a 55);
2. Os factos provados 33) a 55) constituem, inequivocamente, meras reproduções “copy paste” do relatório social do arguido A (vd. fls. 1056 a 1059 dos autos);
3. Ora, conforme resulta da Lei (vd. art.º 1º, alínea g) do CPP), o relatório social constitui uma mera «informação», com vista a auxiliar o Tribunal no conhecimento do arguido.
4. Todavia, quando num acórdão se procede à mera transcrição do relatório social, tal significa que se omitiu o devido juízo crítico sobre tal elemento probatório, redundando na omissão dos factos respeitantes às condições pessoais do arguido, o que constitui vício da insuficiência da matéria de facto provada, prevenido na al. a) do nº 2º do artigo 410.º CPP.
5. De facto, mesmo tendo em consideração o artigo 127.º do CPP, que permite que a prova seja apreciada segundo as regras da experiência e da livre convicção, isso não significa um juízo arbitrário e/ou meramente subjetivo acerca da prova produzida;
6. O relatório social não pode ser um veículo de prova que viole as regras dos meios de prova e de obtenção de prova, sendo imprescindível a possibilidade de um efetivo contraditório em audiência;
7. Os factos provados com origem no Relatório devem ser somente os factos relevantes e devem ser elencados de modo claro e inequívoco. E os factos relevantes que transitam do relatório para os factos provados não podem ser subtraídos ao contraditório, os sujeitos processuais devem poder, caso pretendam, exercer o contraditório, incumbindo ao tribunal a garantia da sua efetivação, o que no caso em apreço não se verificou;
8. Em suma, não devem ser levados aos factos provados trechos do relatório, mas os concretos factos. Consignar nos factos provados meras transcrições do relatório, não tem valor probatório como facto provado, apenas se prova que no relatório consta essa afirmação.
9. No caso em apreço, para além da ausência de contraditório e das reproduções (copy paste) de trechos do relatório social, o Tribunal a quo, apenas refere, de forma (quase) telegráfica, o seguinte: “No que tange ao enquadramento vivencial do arguido e elucidação da sua personalidade, considerou o Tribunal o relatório social feito juntar aos autos, que complementou face aos esclarecimentos prestados por J e D (demonstração probatória dos factos 33) a 55)” (vd. pág. 64 do acórdão).
10.Face ao supra exposto, o Tribunal a quo não enumerou e/ou especificou quais os factos (dentro dos 22 dados como provados sobre esta matéria) que as testemunhas supra aludidas vieram efectivamente “completar”, sem prejuízo de que o relatório tem uma valoração autónoma (sempre com contraditório) face à prova testemunhal ou por declarações.
11. Por outro lado, do depoimento da testemunha D (filho do arguido – vd. pág. 33 do acórdão) revela-se (claramente) contraditório face a prova produzida nos autos (vd. fls. 242 a 254 e fls. 601 dos autos);
VII - Assim, e pelas razões supra expostas, o acórdão em crise padece do vício da insuficiência da matéria de facto provada, previsto na al. a) do nº 2º do artigo 410.º CPP, pelo que os factos nºs 36), 42), 44), 45), 46), 48), 50) a 55) devem ser julgados como não provados.
VIII – DOS FACTOS QUE FORAM INCORRECTAMENTE JULGADOS COMO NÃO PROVADOS (ARTIGO 412º, Nº 3, ALÍNEA A) DO CPP)
Com relevo para os autos, o Tribunal a quo julgou, entre outros, os seguintes factos não provados:
A) Que tivesse o arguido, no momento e contexto explicitado em 3) e 4), formulado, conjuntamente com M, o propósito de se aproveitar da situação de C (perda do gestor de conta no BCP), revertendo-a em seu proveito, por forma a auferir quantias monetárias a que sabiam não ter direito, servindo-se para tanto dos conhecimentos e contactos que M tinha no meio bancário;
B) Que, no momento de abordagem acima explicitado, M se houvesse apresentado como colaboradora com vínculo funcional face ao Banco BEST;
Também não se provou (com implicação exclusiva face ao aqui arguido)
K) Que tivesse o arguido, em estreita colaboração com M e na execução de um plano entre eles traçado, visado auferir mais-valias que não lhe eram devidas, à custa das correlativas perdas económicas por parte de C, que se viu desapossado da quantia total de €976.098,10, verba utilizada (no todo ou em parte) em proveito próprio do ora arguido e contra a vontade do seu legítimo proprietário;
L) Para o efeito, previu e quis o arguido, sempre em estreita colaboração e na execução do aludido plano gizado com M, aproveitando-se dos conhecimentos e contactos que a última tinha nos meios bancários, persuadir C de que, mediante a gestão eficaz do seu património por parte daqueles, este beneficiaria de um aumento substancial de rendimentos;
M)Tendo para tanto o aqui arguido, no âmbito do referido plano e colaboração, previsto e querido forjar ou ver forjados os documentos atrás referidos, o que fez bem sabendo que os mesmos não espelhavam a verdadeira situação patrimonial de C, que ali era empolada, colocando em crise a seriedade que devem merecer os extratos bancários, resultado que aceitou por ser necessário aos seus desígnios, tendo ainda alterado o nº de telemóvel deste sem o seu consentimento e criado, ou visto criado, ficticiamente, e sem o conhecimento daquele, um endereço eletrónico, logrando deste modo manter a gestão do referido património, evitando que o titular da conta tivesse conhecimento da realidade e continuasse a acreditar na eficácia da sua gestão;
N) Previu e quis ainda o arguido, em colaboração com M, desde outubro de 2004 a agosto de 2017, utilizar ou disponibilizar, consciente e voluntariamente, a sua conta bancária com o nº (…..), apenas por si titulada, para o recebimento na mesma de transferências monetárias provenientes da conta bancária titulada por C no Banco BEST, com o nº (…..), tendo perfeito conhecimento de que às mesmas não tinha qualquer direito, estando ciente da forma como tais quantias eram obtidas;
O) Conhecia o arguido A o carácter proibido das suas condutas e, não obstante ter capacidade de determinação segundo as prescrições legais, não se inibiu de as levar a cabo.
Ora, face à prova produzida (documental, testemunhal, pericial, declarações do assistente/recorrente), não se pode concordar com a decisão do Tribunal a quo, de considerar não provados, os factos supra elencados.
Senão vejamos:
1. O Tribunal a quo, considerou como não provado o seguinte facto B): “Que, no momento de abordagem acima explicitado, M se houvesse apresentado como colaboradora com vínculo funcional face ao Banco BEST;”
Não pode o ora recorrente concordar com tal entendimento, tendo em conta a prova produzida nos autos. A saber:
Sessão 18.09.2023 - gravação assistente C (duração 00.00-01.53,49), passagens 07.08 a 07.57):
Assistente (07.08) – (..) não sabia da profissão dela nem dele. E então a senhora levanta se da mesa e aproximasse de mim, senta-se na minha mesa e diz o que é que faz e oferece os seus serviços de consultoria e gestão do meu eventual património que pudesse vir a ter.
Juiz (07.37) - ela diz para que banco é que trabalhava?
Assistente (07.40) - disse. E até me deu um cartão, um cartão que era não sei quê, qualquer coisa advisor.
Juiz (07.50) - deu lhe um cartão?
Assistente (07.52) - sim.
Juiz (07.54) - e esse cartão constava a referência a que entidade bancaria?
Assistente (07.57) - Best. Então se eu concordasse podíamos marcar um encontro no escritório dela para dia oportuno. Passado poucos dia, sim fui.
Complementar à “prova declaracional” supra indicada, foi carreada prova documental para os autos (vd. doc./fls. 48 do Apenso 1), designadamente o cartão de apresentação que a M deu ao assistente aquando da sua primeira abordagem no café que todos frequentavam e que não deixa dúvidas sobre a existência do logotipo do Banco Best no canto superior esquerdo, a indicação da morada (no Office Center S. Julião, em Setúbal), os contactos telefónicos (fixo e telemóvel), fax, email e no centro o nome de M, tendo imediatamente abaixo menção de CRP - Canais de Relação Pessoal, seguido de duas assinaturas da M.
Face ao supra exposto, dúvidas não subsistem que o Tribunal a quo julgou incorrectamente a prova que tinha ao seu dispor (cfr. art.º 412º, nº 2, alínea a) do CPP), pelo que o facto B deve ser julgado como facto provado;
2. Relativamente aos Factos A), K), L), M), N) e O, importa referir que, ao contrário do entendimento seguido pelo Tribunal a quo, foi produzida prova cabal e suficiente para os julgar como factos provados, demonstrando-se a participação do arguido, em co-autoria (art.º 26º do CP) ou (pelo menos) como cúmplice (art.º 27º do CP), nos factos supra aludidos.
Senão vejamos:
3. O arguido estava presente no café com a M, quando esta abordou o assistente C, após ambos terem ouvido o assistente conversar com um amigo sobre a falta de um gestor da sua conta no Banco BCP (vd. factos provados nºs 3 e 4);
4. O arguido estava presente no café quando a M ofereceu os seus serviços ao assistente C, na área de gestão de carteiras e títulos financeiros (vd. facto provado nº 5);
5. O arguido consta como o colaborador do Banco Best na proposta de abertura da conta do assistente nesse Banco, conforme resulta de fls. 20 a 29 do apenso 1 dos autos;
6. Na sequência da abertura da conta do assistente em 24.10.2004 (vd. facto provado 9), o arguido foi formalmente designado como o PFA (personal financial advisor)/Agente vinculado da conta bancária do assistente, função que desempenhou entre Novembro de 2004 a Dezembro de 2009, conforme resulta expressamente de fls. 774 (verso) dos autos, dos extratos bancários emitidos pelo Banco Best (vd. Apenso 2) e do depoimento da testemunha CC (Director Coordenador do Banco Best) que transcrito no acórdão (vd. pág. 28);
7. Enquanto PFA (personal financial advisor)/Agente Vinculado, o arguido tinha a obrigação legal de actuar como o verdadeiro “gestor” da conta do assistente, conforme resulta de fls. 20 a 29 do apenso 1 e do depoimento da testemunha CC (Director Regional do Banco Best) que explicou a diferença entre um angariador e um PFA/Agente Vinculado (vd. pág. 29 do acórdão);
8. Como decorre do supra exposto, são claros os deveres legais que cabiam ao arguido na gestão da conta bancária do assistente, enquanto seu PFA (personal financial advisor), pelo que qualquer entendimento que desvirtue ou o tente afastar dos “actos de “gestão” (e das suas consequências) praticados na conta do assistente, com base no pressuposto de sua designação de PFA era uma mera “formalidade”, constitui desde logo um erro (notório) na apreciação da prova (vd. art.º 410º, nº 2, alínea c) do CPP);
9. Desde a data de início da abertura da conta do assistente, o arguido agiu (ou pelo menos permitiu) que fosse a sua esposa, M, a “gerir” a conta do assistente C, não obstante esta não ter à data qualquer vínculo com o Banco Best (vd. facto provado 2);
10.Ou seja, o arguido sabia, ou pelos menos não podia ignorar, que no início da abertura da conta do assistente no Banco Best (24.10.2004 – facto provado 9), a M jamais poderia “gerir” a referida conta bancária, procedendo a saídas de dinheiro (pagamentos, transferências (internas e interbancárias), emissão de cheques, realizando compra e vendas de aplicações financeiras e cobrando comissões ilegais (de supostos serviços devidos por mais valias liquidas), sem o conhecimento ou sem a anuência do PFA designado pelo Banco Best para essa conta, no caso o ora arguido A, seu marido, que enquanto PFA tinha sempre acesso, entre outros actos, a poder visualizar os movimentos e património financeiro consolidado da conta;
11.A M só no dia 04.09.2009 é que celebrou um contrato com o Banco Best para desempenhar a função de PFA/agente vinculado (vd. facto provado 2);
12.Conforme resulta da auditoria interna do Banco Best (vd. fls. 774 e 775) e do histórico de movimentos da conta do assistente a título de transferências bancárias (internas e interbancárias) e cheques (vd. fls. 753 (verso) a 762), a M, a partir de 13.10.2006 (pelo menos), começou a realizar transferências (para a sua conta pessoal, da sua Mãe (J) e do arguido), bem como a emitir e debitar cheques da conta do assistente para pagamento de “comissões” sobre (falsas/inexistentes) “mais valias” liquidas (vd. facto provado 8), que o arguido sabia perfeitamente (enquanto PFA/agente vinculado do Banco Best) serem ilegais e não devidas;
13.A soma de todos os cheques debitados e de todas transferências (internas e interbancárias) realizadas a partir da conta bancária do ora recorrente (vd. 753 verso a 762), totaliza o montante global de € 1.267.027,66, sendo 179.098,85€ (transferências interbancárias), 256.641,39€ (transferência internas) e 831.287,42€ (cheques), conforme resulta de docs./fls. 752 (verso) a 761 e 774 dos autos;
14.Para a conta bancária apenas titulada pelo arguido no BANIF (e proveniente da conta do assistente C), foi creditado o montante global de € 133.159,00 (facto provado 28), através do depósito de 11 cheques e da realização de 2 transferência interbancárias, conforme resulta dos docs./fls. nºs 753 (verso) a 760 (verso) dos autos;
15.O “fluxo/movimentação de dinheiro” entre a conta do assistente e a conta bancária do arguido (apenas por ele titulada, pelo que só o arguido tinha poderes de movimentação), não se resume apenas a entradas na conta do arguido, mas também a saídas (através de transferências interbancárias) desta conta para a conta do assistente, que totalizam a quantia total de € 15.110,00, conforme resulta inequivocamente de doc./fls. 762 dos autos;
16.Em nenhum momento o arguido demonstrou, ou sequer alegou, ter sido vítima de coação, condicionamento, furto, manipulação e/ou usurpação relativamente à conta bancária de que é o único titular;
17.Face à prova supra referenciada, resulta, inequivocamente, que o arguido, actuou em planeamento com a sua esposa M ou (pelo menos) enquanto cúmplice e beneficiou de um significativo enriquecimento ilícito;
18.Decorre do depoimento da testemunha E que a M, em reunião ocorrida entre as duas a 31.08.2017, nas instalações da agência imobiliária, “Casas na Hora”, de que o arguido era o responsável comercial, lhe confidenciou, que em caso de lhe suceder alguma coisa o marido, ora arguido, “estava a par de tudo e que resolveria o problema”, conforme sessão 18.09.2023 - Depoimento Testemunha E (gravação/duração 00:00 – 40:57), passagem 15.52:
Testemunha (15:52) – Entretanto, o meu marido tinha agendada uma reunião para o dia 31 de agosto. (…). E eu tive de me inteirar assim de alguns assuntos dele. E entretanto, eu pedi-lhe a password. “Ah mas a password está sempre a mudar” …E eu entretanto até lhe disse: “Oh Dra. T, não é desejar-lhe mal, mas vamos supor que de hoje a amanhã lhe acontece qualquer coisa, como é que é?” A resposta que ela me deu foi: “Não há problema, o meu marido está a par de tudo. Ele resolve o problema.”
19.Também em sessão de julgamento de 18.09.2023, o assistente declarou que quando se encontrava com o arguido na rua e o questionava sobre como estava a sua conta do Banco Best, este respondia-lhe que estava “tudo dentro dos conformes”, vide Sessão 18.09.2023 - depoimento assistente C (gravação/duração 00.00-01.53.49), passagens 24.20-25.15. A saber:
Assistente (24.20) - (…). Com este senhor eu encontrava me por diversas vezes na rua, quando eu fazia as minhas caminhadas encontrava-me com ele quando estava a passear a cadela. Conversávamos e eu perguntava lhe como é que as coisas estavam a andar…
Juiz (24.48) - pois era isso que eu ia perguntar. Essas conversas tinham haver com os negócios e com os dinheiros?
Assistente (24.51) tinham. Quando eu achava que já tinha passado um mês ou um mês e meio, e não era contactado e na havia transação nenhuma e o encontrava eu perguntava. Eu perguntava “então como é que está?” e ele dizia “está tudo dentro dos conformes. Está tudo bem”.
Juiz (25.07) - alguma vez ele disse, olhe isso são coisas da minha mulher, não sei nada disso?
Assistente (25.15) - não. Ele dizia que estava tudo dentro dos conformes.
20.O arguido também consentiu/auxiliou a M, por forma a que fossem realizadas reuniões entre esta e o assistente, nas instalações da agência imobiliária “Casas na Hora” em Setúbal, de que o arguido era o responsável comercial,
21.nas quais se falava sobre pedidos/resgates e saldos do dinheiro da conta do assistente no Banco Best (cujos valores que lhe eram apresentados nada tinham que ver com a realidade), conforme resulta da prova testemunhal indicada em 18 e a transcrita no acórdão referente às declarações/depoimentos do assistente C e das testemunhas E, V e MJ (vd. páginas 21, 25 e 26 do acórdão)
22.A partir do ano de 2017, altura em que os fundos/saldos da conta do assistente se reduziram a valores mínimos (vd. fls. 767 (verso) dos autos, o arguido passou a evitar cruzar-se com o assistente na rua, comportamento que contrastou com aquele que manteve ao longo de 13 (treze) anos, conforme resulta do depoimento da testemunha E, Sessão 18.09.2023 -Depoimento Testemunha E (duração/gravação 00:00 – 40:57), passagem 11.28:
Testemunha (11:28) – “(…) E entretanto, o meu marido também começou a dizer que ele costumava ir à rua fazer a sua caminhada e encontrava o Sr. A na rua a passear a cadela e conversavam sempre muito…e ele muitas vezes chegava a casa e comentava comigo: “Encontrei o marido da Dra. T, estivemos a conversar…encontrei o marido da Dra. T…” E a partir de uma certa altura, ele chegava a casa e dizia assim: “Não sei porquê, mas o marido da Dra. T anda-me a evitar, porque ele quando me vê, ele muda de… muda de percurso e afasta-se” … Isto uma vez, duas vezes, três vezes…”
23.No decurso do ano de 2017, o arguido entregou pessoalmente ao assistente a quantia de € 2.000,00 (dois mil euros), em numerário dentro de um envelope, quando este (já indignado) exigiu à M que lhe entregasse dinheiro proveniente da sua conta, tendo em conta as mais valias (falsas) que esta lhe apresentava, conforme resulta das declarações do assistente em sessão de julgamento de 18.09.2023, vide sessão de julgamento de 18.09.2023, declarações do assistente C (gravação/duração 00.00-01.53,49), passagens 21.50 a 27.29;
24.O arguido tem experiência e conhecimentos informáticos acima da média e existe nos autos (vasta) prova documental de falsificações de documentos, inclusive de extratos bancários forjados/falsificados com o timbre do Banco Best (vd. fls. 36, a 44 do apenso 1) nos quais são enunciados saldos, por exemplo, no valor de € 9.993.183,85 e/ou no valor de € 9.227.822,57, que nada têm que ver com a real situação patrimonial da conta do assistente, sem prejuízo da documentação que consta nos apensos 3 e 3A, relativa a (supostas) “mais valias” decorrentes da compra e venda (fictícia) de fundos/produtos financeiros nos mercados financeiros “on line”, documentos que a M exibia ao assistente, sem que se conhecesse desta a capacidade técnica para os elaborar (atento a sofisticação e complexidade das falsificações em causa), ao contrário do arguido que tinha os meios, a capacidade e os motivos, sempre na prossecução do enriquecimento ilícito à custa do assistente e do seu património;
25. O arguido tem sólidos conhecimentos e experiência em informática e chegou mesmo a confidenciar à testemunha MJ que possuía um programa informático que “apagava a marca branca das fotos”, conforme resulta dos seguintes depoimentos. A saber:
Sessão 18.09.2023 - gravação depoimento assistente C (duração 00.00-01.53,49), passagens 01.17.30-01.18.42;
Sessão 18.09.2023 - Depoimento Testemunha E (duração 00:00 – 40:57), passagens 25.21-26.49;
Sessão 18.09.2023 - Depoimento Testemunha MJ (duração 00:00 – 21:59), passagens 15.11-16.18;
Em complemento à “prova declaracional” supra elencada, importa ter em conta o facto provado 37).
26.Para além da, indiscutível, prova documental (vd, fls. 753 (verso) a 761 e 774 dos autos) reveladora do incremento patrimonial do arguido e da esposa, fruto do enriquecimento ilícito adquirido por via das quantias monetárias provenientes da conta do assistente e da aquisição (ALD) de viaturas automóveis de alta gama (2 Mercedes GLK – vd. fls. 488 dos autos), eram ainda visíveis outros sinais de riqueza/conforto económico do arguido e da esposa, conforme relatou a testemunha MJ, conforme depoimento Testemunha MJ, sessão 18.09.2023 (gravação/duração 00:00 – 21:59), passagens 10.40-20.11.
IX - Face ao supra exposto, consideramos, para efeitos do art.º 412º, nº 3, alínea a) do CPP, que o Tribunal a quo julgou incorrectamente os factos A), B), K), L), M), N) e O) como não provados, os quais, atenta a prova produzida e carreada para os autos, deveriam ter sido julgados como provados, pelo que o acórdão em crise padece do vício de decisão previsto no art.º 410º, nº 2, alínea c) do CPP;
X – O acórdão em crise também padece do vício de erro notório na apreciação da prova, previsto no art.º 410º, nº 2, al. c) do CPP, bem como violou o princípio da livre apreciação da prova vertido no artigo 127.º do mesmo diploma legal, uma vez que “livre apreciação” não significa, todavia, um juízo arbitrário e/ou meramente subjetivo acerca da prova produzida.
XI – Ao longo do acórdão em crise (mas especialmente no segmento da “análise crítica e complementar da prova”) é impossível não registar as “hipóteses” completamente absurdas e “teses” de pura ficção sobre os factos ocorridos, sem qualquer respaldo probatório, bem como considerações injustas, absurdas, insensíveis e depreciativas face ao assistente, como se não bastasse ao ora recorrente ter sido vítima de crimes que originaram a perca de poupanças acumuladas numa vida e um dano patrimonial no valor de € 1.180.988,28;
XII – Ao contrário do entendido no acórdão em crise, a prova produzida impunha decisão diferente da proferida, para efeitos do art.º 412º, nº 3, al. b) do CPP, mais precisamente a condenação do arguido pela prática dos crimes que lhe são imputados no libelo acusatório;
XIII – De facto, os elementos probatórios carreados para os autos demonstram estarmos perante um “acordo/plano” engendrado, pelo arguido em co-autoria com a sua esposa, em comunhão de esforços, com o propósito de fazerem suas quantias monetárias que pertenciam ao assistente (objectivo que, diga-se, lograram alcançar), sabendo perfeitamente que não o podiam fazer.
XIV - Desde o início, e depois progressivamente ao longo de 13 (anos) anos, o assistente foi sendo vítima de vários “ardis”, deste a alusão, logo aquando do oferecimento dos “serviços/préstimos” por parte da esposa do arguido (e coarguida entretanto falecida) a um (suposto) “vínculo de colaboração” com o banco Best, que sabia perfeitamente que não existia em Setembro de 2004, acompanhada da entrega de um “cartão de apresentação” no qual constava um logotipo do Banco Best; os (supostos) “grandes” conhecimentos em gestão de contas bancárias no mercado financeiro “on line”; as sucessivas promessas e a criação de expectativas de grandes “mais valias” em transacções de produtos financeiros de alta rentabilidade nos mercados “on line”; a elaboração de sucessivos mapas (manipulados) sobre “valias” inexistentes; a apresentação ao assistente/recorrente de “extratos bancários” (falsificados) da sua conta onde constavam grandes ganhos/saldos, que nada tinham que ver com a realidade financeira da conta do assistente;
XV – Relembre-se que para a criação do “erro” ou “engano” não se mostra necessário que o agente contacte diretamente com a vítima prejudicada com a disposição patrimonial que vem a fazer, podendo esse erro ou engano ser provocado mediante a intervenção de terceiro;
XVI - Vítima da “astúcia” e dos sucessivos “erros” e “enganos”, o assistente não só procedeu/acedeu a abrir a conta no Banco Best em Outubro de 2004 (vd. facto provado facto provado 9), como ao longo de 13 (treze) anos também procedeu a vários reforços de capital na referida conta, no montante total de € 440.378,00 (vd. facto provado 14),
XVII – Só a título de “comissões” (fictícias e indevidas/ilegais) sobre (supostas) “mais valias” decorrentes de transacções (on line) de aplicações nos mercados financeiros, o assistente/recorrente teve um prejuízo de € 831.287,42, através de cheques que foram depositados em contas bancárias tituladas pelo arguido e a M, pela mãe desta e também pelo arguido a título individual;
XVIII - Só numa conta bancária (individual) de que o arguido era o único titular, foram depositadas e transferidas quantias monetárias da conta do assistente/recorrente, que totalizaram o montante global de € 133.159,00 (vd. facto provado 28).
IXX - Em suma, entre Outubro de 2004 e Agosto de 2017, as saídas de dinheiro da conta bancária do assistente/recorrente no Banco Best, para contas do arguido, da M e de J (sogra do arguido), totalizaram o montante total de € 1.267.027,66, conforme fls. 774 dos autos.
XX - É, pois, também incontornável a demonstração do enriquecimento ilícito do arguido.
XXI - Só em 01.09.2017, o assistente/recorrente se deu efectivamente conta da dimensão da (gigantesca) burla de que foi vítima, ao constatar que o saldo bancário da sua conta bancária no Banco Best apresentava o valor de € 907,61, em vez dos € 9.993.185,97 constantes no “extrato bancário datado de 01.07.2017” (falso/fraudulento) que lhe tinha sido mostrado pela M (vd. facto provado 29).
XXII - Face ao supra exposto, deve o arguido ser condenado pela prática do crime de burla qualificada, p. e p. pelo artigo 218º, nºs 1 e 2, alínea a), com referência aos seus artigos 217º e 202º, alínea b) do Código Penal.
XXIII – Dúvidas também não subsistem de o arguido (em co-autoria) ter cometido o crime de falsificação de documentos, tendo em conta a (vasta) prova documental apreendida nos autos, com especial incidência para os documentos/extratos bancários do Banco Best (fls. 36 a 44 do apenso 1 dos autos), que são, claramente, resultado de um processo de falsificação sofisticado e elaborado, só ao alcance de um agente com sólidos conhecimentos na área informática, como é (inegavelmente) o caso do ora arguido.
XXIV – De facto, para além dos documentos (falsificados) supra aludidos, importa também referir o doc./fls. 756 dos autos, no qual se alude a (suposto) um “contrato de prestação de serviços”, onde consta uma “assinatura” (falsa) do assistente, que este (em sede de julgamento) negou perentoriamente ter nele aposto a sua assinatura, tal como desconhecia a existência de tal “documento”, cujo propósito seria servir de “comprovativo” a enviar ao Banco Best, por forma a “justificar” a mudança da morada de correspondência postal do assistente, para o local (Office Center S. Julião) onde a M tinha o seu escritório.
XXV - Ora, no “documento” supra aludido constam duas assinaturas, em ambas as folhas, do arguido A, com a menção de “conforme o original”, situação que, face ao supra exposto, preenche desde logo os elementos objectivos do crime de falsificação de documento, tendo em conta que uma das modalidades do crime de falsificação é abusar de assinatura de outra pessoa para elaborar documento falso, o que consubstancia fraude na identificação: a assinatura, que visa provar um facto juridicamente relevante (a autoria do documento), é efetuada por pessoa diferente daquela a quem corresponde o nome escrito.
XXVI - O abuso de assinatura radica, sempre, num abuso, que, no caso, equivale a um comportamento inadequado e excessivo, a uma exorbitância de atribuições.
XXVII - Assim, e pelas razões supra expostas, deve o arguido ser condenado pela prática do crime de falsificação de documento, p.e p. pelo artigo 256º, nº 1, alíneas a), b) e c), do Código Penal, com referência ao seu artigo 255º, nº 1 do mesmo normativo.
XXVIII – Relativamente ao crime de branqueamento de capitais, importa começar por referir que só para a conta bancária de que o arguido é o único titular, é um facto incontornável que foram transferidas e depositadas (cheques) quantias monetárias (provenientes da conta bancária do recorrente) que totalizaram o montante total de € 133.159,00 (vd. facto provado 18).
XXIX - Ora, o depósito na conta do arguido de quantias monetárias que este (e a esposa) sabiam terem sido obtidas através de “actos dolosos”, a fim de dissimular essa proveniência, integra desde logo a prática de um crime de branqueamento de capitais, p.p., pelo art.º 368, nºs 1 e 2, do Código Penal;
XXX - Diga-se ainda, que da conta bancária apenas titulada pelo arguido (logo a única pessoa com poderes de movimentação) foram transferidas várias quantias pecuniárias para a conta do assistente/recorrente, que totalizam a quantia total de € 15.110,00 (vd. fls. 762 dos autos), sem qualquer outro motivo ou propósito que não fosse dissimular a origem ilícita das quantias monetárias anteriormente recebidas na sua própria conta e/ou de evitar que os autores ou participantes dessas infrações seja criminalmente perseguidos, o que consubstancia também a prática de um crime de branqueamento de capitais.
XXXI - Assim, e pelas razões supra expostas, deve o arguido ser condenado pela prática do crime de branqueamento de capitais, p.e p. pelo artigo 368º-A, nº 1, do Código Penal.
XXXII – Ao decidir absolver o arguido dos crimes de que vinha acusado, o acórdão em crise violou o disposto nos artigos 26º; 218º, nºs 1 e 2, alínea a), com referência aos seus artigos 217º e 202º, alínea b); artigo 256º, nº 1, alíneas a), b) e c), do Código Penal, com referência ao seu artigo 255º, nº 1 e 368º-A, nº 1, todos do Código Penal, que deveriam ter sido aplicados no caso em apreço.
Termos em que se requer a V. Exas. prolacção de douto acórdão revogatório da decisão proferida pelo Tribunal “a quo”, condenando-se o arguido pelos crimes de que vem acusado, assim se fazendo uma PONDERADA, SERENA E SÃ JUSTIÇA.

3. O Ministério Público respondeu ao recurso pronunciando-se no sentido do provimento parcial do recurso interposto pelo Assistente, invocando, em conclusões: (transcrição)

1ª – O Ministério Público comunga da apreciação da prova pessoal produzida em audiência de discussão e julgamento e da prova documental constante dos autos que é empreendida pelo Recorrente na sua motivação de recurso, no que respeita aos factos integradores da prática pelo arguido, em co-autoria material (com a sua mulher M, entretanto falecida), de um crime de burla qualificada p. e p. pelos arts. 218º nºs 1 e 2 al. a), 217º e 202º al. b) do C.P.;
2ª – Já não quanto à suficiência da prova produzida e examinada para a condenação do arguido pela prática, igualmente em co-autoria, de um crime de falsificação de documento p. e p. pelos arts. 256º nº 1 als. a), b) e c) e 255º nº 1 do C.P. e de um crime de branqueamento de capitais p. e p. pelo artº 368º-A nº 1 do mesmo compêndio normativo;
3ª – Assim, deverá o arguido ser condenado pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de burla qualificada p. e p. pelos arts. 218º nºs 1 e 2 al. a), 217º e 202º al. b) do C.P., afigurando-se adequada a aplicação da pena de cinco anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período com a condição do pagamento ao Recorrente do valor do prejuízo patrimonial que lhe foi causado.
Termos em que deverá ser concedido parcial provimento ao recurso interposto.

4. Igualmente, o Arguido veio apresentar a sua resposta ao recurso, sem apresentar quaisquer conclusões, defendendo, (…) não deve o presente recurso merecer provimento, devendo-se manter a Douta Decisão sob censura, nos precisos termos em que foi proferida.

5. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Ex.mo Senhor Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que alude o artigo 416º do CPPenal, emitiu parecer pronunciando-se também no sentido da procedência parcial do recurso, referindo (a)companhamos a resposta apresentada pelo Ministério Público em 1ª instância (Ref.ª 7902354) (…) a mesma nos parece fundamentada, qualquer adenda de substância seria despiciente, restando-nos acompanhá-la, na íntegra[1].

Não houve resposta ao parecer.

6. Efetuado exame preliminar e colhidos que foram os vistos legais, cumpre agora, em conferência, apreciar e decidir.

II – Fundamentação

1. Questões a decidir

Sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, designadamente a verificação da existência, ou não, dos vícios indicados no artigo 410°, n°2 do CPPenal, o âmbito do recurso é dado, nos termos do artigo 412º, nº 1 do citado complexo legal, pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, nas quais sintetiza as razões do pedido - jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das secções do STJ de 19/10/95 in D.R., I-A de 28/12/95.
Tendo em conta os fundamentos do recurso interposto pelo Assistente – os quais nem sempre se mostram muito claros, por vezes de uma densidade pouco elucidativa na sua enunciação, atentando na motivação e nas conclusões apresentadas - e os poderes de cognição deste tribunal, importa apreciar e decidir as seguintes questões:
-factos incorretamente julgados / impugnação – artigos 13, 18, 22, 26, 28, 33 a 55 da matéria provada, alíneas A), B), K), L), M), N) e O) da factualidade não provada;
- erro na apreciação da prova (artigo 410º, nº 2, alínea c) do CPPenal);
- insuficiência para a decisão da matéria de facto provada – segmento do enquadramento vivencial do arguido - (artigo 410º, nº 2, alínea a) do CPPenal);
-impugnação da matéria de direito (violação do princípio da livre apreciação da prova; não preenchimento dos elementos constitutivos dos crime de burla, de falsificação ou contrafação de documento e de branqueamento).

2. Apreciação

2.1. O Tribunal recorrido, e relativamente ao arguido recorrente, considerou provados e não provados os seguintes factos: (transcrição)

Factualidade extraída da acusação pública:
1) O arguido foi casado com M até ao decesso desta, ocorrido em 9 de fevereiro de 2019.
2) M desempenhou funções como angariadora e depois, como promotora/agente vinculada do Banco BEST, de setembro de 2005 a princípios de julho de 2016, através da celebração de contratos de prestação de serviços celebrados em 29 de setembro de 2005 (como angariadora) – revogado em 4 de maio de 2009 – e 6 de maio de 2009 (enquanto agente vinculada/promotora) – revogado com efeitos a partir de 8 de julho de 2016.
3) Em data não concretamente apurada, mas situada no mês de setembro de 2004, o casal formado por M e o ora arguido, A, encontravam-se num estabelecimento de café desta cidade de Setúbal, no qual também se encontrava presente o aqui assistente C.
4) Este último comentava, em conversação com um terceiro, que ficara sem o gestor da conta que detinha no Banco Comercial Português (BCP).
5) Por ser-lhe audível o teor de tal conversação, M levantou-se da mesa onde se encontrava antes sentada, e onde permaneceu sentado o arguido A, e abordou C, a quem referiu estar habilitada na área da gestão de carteiras e títulos financeiros, tendo-lhe oferecido os seus serviços nessa área.
6) Em ordem a informar C de forma mais detalhada dos seus préstimos, que pressuporiam a abertura de uma conta no Banco BEST, M convocou aquele para uma reunião a ter lugar dias depois, no seu escritório, sito na Rua (…..), nesta cidade;
7) No decurso da mesma, M informou C de todos os procedimentos sobre os serviços e condições financeiras que o Banco BEST lhe podia oferecer, em termos de gestão do seu património/capital imobiliário, explicando-lhe ainda que trabalhava com programas informáticos e financeiros que ela própria havia adquirido e que lhe davam acesso a outros mercados estrangeiros, que ofereceriam maiores e melhores lucros;
8) Mais, informou-o que, caso acedesse à disponibilização dos serviços em referência, iria ser-lhe cobrada, pela gestão do seu património, uma comissão de 10% sobre todas as mais-valias líquidas que aquele viesse a obter;
9) C aceitou as condições propostas e procedeu, no dia 24 de outubro de 2004, à abertura de uma conta no Banco BEST, com o nº (…..), para onde transferiu os produtos financeiros que tinha numa conta no Banco Nacional Português (Paribas), no montante de €622.580,84, para que aquela investisse;
10) Com periodicidade mensal, e após como espaçamento de 2 em 2 meses ou de 3 em 3 meses, M passou a reunir-se com C, apresentando-lhe “extratos do valor do seu património e rentabilidades”, por si forjados, onde eram mencionadas avultadas mais-valias - que em nada tinham correspondência com a realidade -, sobre as quais incidiam as suas comissões, as quais eram pagas por aquele, através de cheques emitidos sobre o Banco BEST – e a partir de janeiro de 2017, por solicitação da arguida, através de transferências on-line -, conforme havia sido acertado entre eles, ficando C plenamente convencido da genuinidade e veracidade de tais extratos;
11) M apenas veio a assumir vínculo com o Banco BEST em 29 de setembro de 2005, por via da celebração de contrato de prestação de clientes, com vista à angariação de novos clientes para aquela instituição bancária;
12) Após, em 6 de maio de 2009, veio a celebrar novo contrato com a mencionada instituição bancária, porém visando já o exercício das funções de agente vinculada/promotora, atividade que desempenhou até à rescisão promovida pelo BEST, nos termos e data explicitados em 2 (segmento final);
13) Por seu turno, o arguido A veio a celebrar, em 12 de maio de 2006, contrato com o Banco BEST denominado contrato de prestação de serviços para o desempenho como promotor/prospetor;
14) Sempre foi M que se apresentou com dedicada à gerência efetiva do património do assistente, o qual nunca reuniu com o ora arguido;
15) Entre outubro de 2004 e fevereiro de 2015, perante as mais-valias apresentadas documentalmente pela arguida, C procedeu a reforços de capital na aludida conta bancária do Banco BEST, através de transferências e cheques provenientes da conta bancária por si titulada no Millennium BCP, no montante global de € 440.378,00;
16) Já no decurso do ano de 2016 M propôs-se investir em aplicações que renderiam um juro de 1,5%, apresentando ao assistente um documento - por si forjado - que comprovava a compra dos referidos fundos, com o logotipo do Banco BEST que teria, segundo a mesma, sido remetido para o e-mail carsibas@sapo.pt e onde constava uma subscrição de um fundo no valor de 1.996.911,00 USD e de €2.197.000,00, tendo ainda apresentado um mapa comprovativo de tais investimentos, igualmente forjado;
17) Em junho de 2016, foi solicitado ao Banco BEST, pelo preenchimento de impresso próprio, a alteração do nº de telemóvel de C, de (…..) para (…..), sendo o aludido impresso assinado pelo assistente e subscrito, como funcionária bancária remetente, por M;
18) Em abril de 2016, por via de carta redigida e assinada pelo assistente C, foi também solicitado que a correspondência bancária emitida pelo BES, alusiva à conta bancária acima mencionada, passasse a ser enviada para a morada correspondente a “Rua …..”, local onde funcionava o Office Centre, no qual também M tinha escritório;
19) Os extratos periódicos relativos à aludida conta bancária, documentando as mais valias por si invocadas e o endereço do e-mail haviam sido forjados por M - tendo o endereço eletrónico sido criado em 21 de fevereiro de 2008 - criando em C a convicção da solidez da sua situação patrimonial, justificando o pagamento de mais-valias sobre os lucros;
20) Em data não apurada, mas posterior ao mês de julho de 2017, M apresentou a C um mapa/extrato com os resultados obtidos com as aplicações financeiras efetuadas e, segundo o qual, este teria, naquele mês, um património mobiliário de €9.993.185,87, documento mais uma vez forjado e que não espelhava a realidade daquele património;
21) Perante o valor referido e porque, em data não apurada do Verão do ano de 2017, C manifestara interesse em resgatar parte do mesmo, a fim de auxiliar a sua filha na aquisição de um imóvel, M conseguiu dissuadi-lo de tal ideia, invocando que o mesmo iria pagar um montante considerável a título de impostos;
22) Ainda por ocasião do Verão de 2017, o assistente exigiu a M o acesso a alguma importância monetária por si depositada, em face do que esta contactou telefonicamente A (em conversação cujo teor se desconhece), vindo este a comparecer junto ao escritório de M com um envelope fechado, em cujo interior se encontravam cerca de €2.000,00 (dois mil euros);
23) Por motivação não plenamente apurada, mas que se sequencia e enquadra nos pedidos de acesso aos valores depositados, M procedeu ainda a diversas transferências para a conta titulada pelo assistente no Millenium BCP na mencionada dependência bancária, no valor total de €22.000,00;
24) Igualmente por ocasião do Verão de 2017, o assistente solicitou ainda a M a disponibilização de um cartão de débito, por forma a poder com o mesmo movimentar a conta bancária que detinha no Banco BEST;
25) O cartão bancário veio a ser solicitado e emitido, tendo a disponibilização/envio do seu PIN ocorrido já em setembro de 2017;
26) Desde outubro de 2004 a agosto de 2017, M transferiu da conta bancária titulada por C no Banco BEST, com o nº (…..), para contas bancárias por si tituladas e/ou pelo arguido – sendo a conta nº (…..) apenas titulada pelo arguido - e de terceiros, sedeadas no Millennium BCP, Santander Totta, CGD e BANIF – entre as quais, a mãe da arguida, J - conta nº (…..) - e a empresa Office Center (onde se situava o escritório da arguida), procedendo ainda ao débito de cheques na conta bancária de C, a quantia total de €976.098,10 (novecentos e setenta e seis mil e noventa e oito euros e dez cêntimos);
27) Tais transferências - internas, em número de 113, perfazendo o total de €256.641,39 - e interbancárias, em número de 155, perfazendo o total de €179.098,85 -, no total de €435.740,24, foram efetuadas através do website do Banco BEST, mediante a utilização das credenciais e passwords do titular da conta, C;
28) Para a conta bancária do arguido – individual e apenas titulada por este – foram transferidas, provenientes da conta de C, as seguintes quantias: - €15.367,00, em 16/08/2012; - €19.819,00, em 28/09/2012; - €11.561,00, em 09/11/2012; - €12.555,00, em 15/01/2013; - €5.800,00, em 05/02/2013; - €12.469,00, em 11/07/2013; - €11.157,00, em 29/08/2013; - €10.386,00, em 28/11/2013; - €12.480,00, em 28/02/2014; - €12.870,00, em 02/05/2014; - €5.150,00, em 15/10/2014; - €2.245,00, em 18/08/2016; - €1.300,00, em 05/10/2016;
29) No dia 1 de setembro de 2017, tomou C conhecimento, no decurso de uma reunião nas instalações do Banco BEST, que os extratos da sua conta bancária não coincidiam com os que lhe haviam sido entregues por M, já que o saldo da sua conta bancária apresentava apenas o valor de €907,61, em lugar do valor de €9.993.185,97 mencionado no extrato datado de 1 de julho de 2017, que lhe havia sido entregue por aquela;
30) Com efeito, os extratos integrados nº 9, de 1 de setembro de 2016; nº 12, de 1 de dezembro de 2016; nº 3, de 1 de março de 2017; e nº 7, de 1 de julho de 2017, apresentados por C e que lhe haviam sido entregues por M, apresentavam respetivamente o saldo de €8.692.564,66 (quando a posição patrimonial efetiva era de €44.313,96; de €8.902.037,27 (quando a posição patrimonial efetiva era de €7.857,85); de €9.227.833,57 (quando a posição patrimonial efetiva era de €685,02); e de €9.983.185,87 (quando a posição patrimonial efetiva era de €637,60);
31) No dia 8 de novembro de 2017, no decurso de buscas domiciliárias levadas a cabo na residência comum do casal formado por M e o arguido, sita na Rua (…..), Setúbal, foram apreendidos:- na sala, sobre a mesa, um PC portátil, de marca Toshiba, modelo Satellite L50-A-122, com o nº de série 8DO84179S, com o respetivo cabo de alimentação; - sobre o aparador da sala, um PC portátil, de marca Fujitsu Siemens, modelo Amilo Pro V 2000, com o nº de série 3933040022, com uma placa de comunicações TP-Link, com o nº de série 06ª10401068 e respetivo cabo de alimentação; - sobre o aparador do hall de entrada, um bloco de apontamentos com manuscritos, de capa preta; - no quarto, dentro de uma carteira de senhora, um cheque titulado em nome de Dr. C, do Banco BEST, emitido no montante de €10.340,00, datado de 28/05/2015; - no escritório, um conjunto de 3 folhas manuscritas, retiradas de um caderno de linhas, tamanho A4, mencionando no topo, “Dr. B – 2016 – Fundos”; - um PC portátil, de marca Toshiba, modelo Satellite, sem nº de série; - duas folhas, tendo a primeira o timbre do Banco Best, referente ao ano fiscal de 2015, do titular C; - nove folhas com mapas de Valores de Património e Rentabilidades até 23/11/2011 e de ETF’s; - um extrato do Banco BEST, em nome de C, datado de 18/03/2016, no total de 3 folhas; - um conjunto de 16 folhas, constituídas pela fotocópia do cartão de cidadão de V e de um contrato de trabalho ser termo, no nome de V; - uma folha, tamanho A4, com manuscritos sobre Fundos de Pensões e uma folha do Banco BEST, com o título Fundos Poupança Reforma/Planos Poupança Reforma, em nome de C; - duas fotocópias com o cartão de cidadão em nome de R; - duas fotocópias co o cartão de cidadão em nome de E; - uma folha com manuscritos sobre o E, Dr. B e D. E, feitas no verso de uma folha do Banco BEST; - um extrato do Banco BEST, em nome de C, datado de 1/01/2016, constituía por uma folha; - duas folhas com o título “Fundos Euro – cliente Dr. C”; - uma folha, tamanho A4, com diversos manuscritos de venda, compra e despesas; - duas faturas/recibo emitidas por M em nome de C; - um extrato do Banco BEST, em nome de C, datado de 31/01/2015, com manuscritos no veros da última folha; - uma listagem de créditos e débitos, constituída por 3 folhas, tendo manuscrito B1, B2 e B3, com manuscritos no veros da última folha; - um extrato do Banco BEST, em nome de C, datado de 18/03/2016; - um extrato do Banco BEST, em nome de C, datado de 3/03/2017; - um contrato de prestação de serviços assinado entre o BEST – Banco Eletrónico de Serviço Total S.A. e M, datado de 29/09/2005, num total de 8 folhas; - um contrato de prestação de serviços assinado entre o BEST – Banco Eletrónico de Serviço Total S.A. e A, datado de 12/05/2006, num total de 7 folhas; - uma agenda de capa azul do ano de 2015, tendo manuscrito no verso da capa os códigos do C e o número do pedido de senha nas Finanças do Dr. B, tendo essas páginas sido fotocopiadas e rubricadas pela arguida, sendo a agenda devolvida; - uma agenda castanha, em cartão, tendo
na capa uma quadro e uma informação de “Memories”, tendo sido fotocopiada a fls. 4 e 5, rubricada pela arguida, sendo a agenda devolvida; - um bloco com folhas brancas, tamanho A5, timbradas com o nome de M, telemóvel (…..), tendo-se fotocopiado as folhas com relevância, rubricadas pela arguida, sendo o bloco devolvido, tudo conforme auto de busca e apreensão de fls. 180 a 183, que aqui se dá por integralmente reproduzido;
32) Na mesma data, no decurso de buscas domiciliárias levadas a cabo no escritório de M, sita na Rua (…..), Setúbal, foram apreendidos: - um dossier azul, tendo na lombada os dizeres “Dr. C, a partir de 2006”, - 13 recibos verdes eletrónicos emitidos por M ao C; - dois pedidos de transferência interna/interbancária assinados por C; - duas folhas do Banco BEST, com o título Serviço de Gestão de Carteiras, assinado por C, tendo um papel autocolante amarelo com o título “comissões”; - uma folha do Banco Best sobre um pedido de Resgate do Serviço de Gestão de Carteiras; - uma fotocópia de uma declaração de IRS sem identificação; - um extato do Banco Best emitido em nome de C, datado de 20/01/2009, num total de 7 folhas; - um conjunto do Modelo 3 do IRS em nome de C, respeitante ao ano de 2008, num total de 8 folhas; - um conjunto do Modelo 3 do IRS em nome de C, respeitante ao ano de 2009, num total de 9 folhas; - um extrato do Banco BEST em nome de C, datado de 20/01/2010, num total de 2 folhas; - um extrato do Banco BEST em nome de C, datado de 24/01/2011, num total de 3 folhas; - um conjunto do Modelo 3 do IRS em nome de C, respeitante ao ano de 2010, num total de 7 folhas; - um extrato do Banco BEST em nome de C, datado de 25/02/2012, num total de 2 folhas; - um conjunto do Modelo 3 do IRS em nome de C, respeitante ao ano de 2011, num total de 9 folhas; - um conjunto do Modelo 3, em nome de C, respeitante ao ano de 2012, num total de 8 folhas e com um papel de linhas, com os dizeres “Ações BES compradas a 12/2011; - um extrato do Banco BEST, em nome de C, datado de 31/01/2015, num total de 2 folhas, tendo uma folha tamanho A, com manuscritos “Dr. B => 118587722 e outros dizeres e ainda uma folha amarelada, com manuscritos ETF’s; - um extracto do Banco Best, em nome de C, datado de 31/01/2015, num total de 2 folhas, tendo uma carta da Autoridade Tributária com a senha de acesso internet, em nome de C e uma folha com linhas tamanho A4, com manuscritos de ETF’s; - duas folhas tamanho A4, com manuscritos de ETF’s; - um bloco de apontamentos com linhas, tamanho A4, com diversas folhas manuscritas, em número de 8, as quais, após fotocopiadas e rubricadas pela arguida, foram-lhe devolvidas; - um bloco de apontamentos com linhas, tamanho A4, tendo apenas a primeira página com manuscritos, a qual, após fotocopiada e rubricada pela arguida, foi-lhe devolvida, tudo conforme auto de busca e apreensão de fls. 175 a 177, que aqui se dá por integralmente reproduzido;
Do enquadramento vivencial do arguido:
33) A é o mais novo de três filhos do casal de progenitores;
34) Natural da Póvoa do Varzim, beneficiou de um enquadramento familiar com uma dinâmica relacional equilibrada, que assegurava a sua manutenção com base na atividade a que o progenitor exerceu, como funcionário dos “Caminhos de Ferro Portugueses E.P.” e que determinou que o agregado de origem tivesse fixado residência em Santarém;
35) Com um percurso escolar ajustado, A abandonou o agregado familiar de origem quando ingressou na faculdade aos 19 anos de idade, tendo residido com a irmã em Carcavelos, durante o percurso académico, em que teve direito a bolsa de estudo e propinas reduzidas;
36) Completou a licenciatura em Gestão de Empresas em 1989, na Universidade Lusíada de Lisboa e pouco tempo antes de terminar a licenciatura foi convidado para trabalhar na empresa “L Lda.” (especializada no setor de saneamento e limpeza, com sede em Lisboa), onde trabalhou durante cerca de vinte e seis anos;
37) Na fase inicial do seu percurso profissional A desempenhou também, paralelamente, funções de professor assistente, nas disciplinas de “Introdução à informática” e de “Informática de Gestão” na “Universidade Internacional” e na “Universidade Moderna”;
38) Aos 29 anos de idade A conheceu M, com a qual contraiu matrimónio um ano mais tarde;
39) O casal constituiu agregado próprio num apartamento que o arguido já tinha adquirido (através de empréstimo bancário) localizado em Paço de Arcos, Oeiras, onde residiram entre 1994 e 2000;
40) Desta união, o arguido tem dois filhos, com atualmente 25 e 20 anos de idade;
41) Em 2000 o agregado familiar do arguido mudou-se para Setúbal, tendo adquirido inicialmente um apartamento de tipologia T3 que posteriormente (em 2004) trocou por outro de tipologia T4 no mesmo prédio onde se mantiveram a residir desde então;
42) A nível económico o agregado familiar dispôs, até 2014, de uma condição equilibrada e desafogada, assente, sobretudo, no rendimento que o arguido auferia (que nos últimos anos na empresa “L” rondava os 2000€ mensais) e nos rendimentos variáveis que a esposa do arguido obtinha como comercial, inicialmente como mediadora de seguros e posteriormente na área da banca;
43) Até 2014 a família deslocava-se normalmente uma semana de férias ao estrangeiro e dispunha de uma semana de férias em Vilamoura, no Algarve em regime de “time-sharing” que adquiriu, há cerca de 17/18 anos pelo valor de 5000€;
44) Na empresa “L Lda.” o arguido desempenhou funções de “IT manager” / Diretor do departamento de informática, com responsabilidade de coordenação da análise e do desenvolvimento de sistemas de informação e formação de quadros na referida área, bem como responsável pela aquisição de equipamentos informáticos e “software” para a empresa;
45) A desenvolveu as funções descritas até meados de 2014, altura em que a empresa encerrou atividade por se ter revelado financeiramente inviável, tendo recebido uma indeminização na ordem dos 50.0000€;
46) Em 2014 e com 50 anos de idade A beneficiou durante cerca de seis meses da atribuição do subsídio de desemprego, tendo apresentado no Centro de Emprego e Formação Profissional de Setúbal um projeto de criação de emprego, através da abertura, em Setúbal, de uma agência imobiliária, franchising da rede “Casas na Hora”, tendo iniciado essa atividade em abril de 2015, contando com a colaboração da esposa qua ali trabalhou durante um ano e seis meses, paralelamente com a atividade de comercial que a mesma desenvolvia por conta dos bancos “BANIF” e “Banco BEST”;
47) À data a que se reportam os factos A residia com a esposa e os filhos em Setúbal e exercia a atividade de responsável comercial da agência imobiliária “Casas na Hora” em Setúbal;
48) Essa atividade, tal como a que a esposa desenvolvia, dependia dos clientes que angariavam e das comissões dos serviços que eram prestados, circunstância que terá determinado uma alteração significativa na condição socioeconómica do agregado familiar, que passou a vivenciar algumas dificuldades em fazer face aos encargos assumidos (700€ de amortização do crédito contraído para a aquisição do apartamento em que residiam; 53€ mensais de amortização de um crédito de 10.000€ que contraíram para apoiar a esposa desenvolver a atividade a que se dedicava e ainda 350€ mensais, relacionados com o arrendamento de um quarto em Lisboa, onde o filho frequentava a universidade), numa altura, em que o rendimento global do casal não ultrapassava, por norma, os 1500€ mensais;
49) A esposa do arguido adoeceu em meados de 2008 com doença do foro oncológico, tendo falecido em fevereiro de 2019 na sequência de uma infeção hospitalar que contraiu enquanto realizava tratamentos;
50) Esta circunstância terá determinado grande impacto psicológico para o arguido;
51) A reside atualmente com os filhos, sendo que o filho mais velho, com 25 anos, terminou a licenciatura em Gestão de Informação há cerca de dois anos e encontra-se a trabalhar há cerca de seis meses no apoio a produtos da “Microsoft”, desempenho que lhe proporciona cerca de 1100€ mensais e que lhe permite colaborar nas despesas de manutenção do agregado familiar, e a filha do arguido (com 20 anos de idade) frequenta ainda, o ensino universitário;
52) A nível económico, atualmente, o arguido referiu conseguir obter um rendimento na ordem dos 1000€ mensais, assumindo como principais despesas os 700€ de amortização do crédito à habitação; os 53€ do crédito que tinha contraído para apoiar a esposa; 60€ de despesas de um cartão de crédito que a esposa usava de uma conta conjunta do Banco Santander;
53) Ao longo dos últimos quatro anos o arguido reconheceu ter recorrido várias vezes ao apoio económico de uma irmã (E) e de um amigo que conhece desde a adolescência (S), assumindo uma divida que ascende a 15.000€ em relação à irmã e 5.500€ em relação ao referido amigo;
54) É descrito pelos familiares como uma pessoa simples, inteligente, ponderada/sensata, dedicada a nível profissional, empenhada no papel parental que lhe cabe e sem tendência para ambição desmedida;
55) A centra atualmente o seu modo de vida no desempenho profissional e nas necessidades da família que constituiu, nomeadamente no que se refere ao acompanhamento dos filhos.
Do passado criminal do arguido:
56) Do CRC do arguido nada consta.

***
Factos não provados:
Com relevo para o caso dos autos, não se demonstrou, cabal e inequivocamente:
A) Que tivesse o arguido, no momento e contexto explicitado em 3) e 4), formulado, conjuntamente com M, o propósito de se aproveitar da situação de C (perda do gestor de conta no BCP), revertendo-a em seu proveito, por forma a auferir quantias monetárias a que sabiam não ter direito, servindo-se para tanto dos conhecimentos e contactos que M tinha no meio bancário.
B) Que, no momento de abordagem acima explicitado, M se houvesse apresentado como colaboradora com vínculo funcional face ao Banco BEST.
C) Que tivesse o assistente solicitado a M que efetuasse investimentos de baixo risco, de forma a garantir o capital investido, tendo esta concordado.
D) Que o início da realização das reuniões a que se alude no ponto 10) da matéria assente ocorresse apenas em setembro de 2005, assumindo, desde esse momento, periodicidade bimensal.
E) Que em meados do ano de 2016, C manifestou a M a sua intenção de transferir metade do seu património para títulos financeiros de menor risco ou risco seguro.
F) Que as alterações de telefone e morada de envio de correspondência postal, atinentes a C, hajam sido promovidas sem o conhecimento do mesmo, implicando a falsificação dos documentos que suportavam tais pedidos.
G) Que o acesso à password de segurança que era solicitada para a realização de operações bancárias houvesse decorrido sem o conhecimento e consentimento do assistente C.
H) Que o ora arguido houvesse, por proposta de M, comunicado a C, em meados de 2015, passado a figurar como colaborador na gestão do património de C, já que o mesmo teria, segundo M, mais disponibilidade para o efeito, solicitação a que este anuiu.
I) Que, no decurso da gestão assegurada por M, tivesse o assistente verbalizado àquela o interesse em ter na sua conta à ordem um saldo mensal entre €50.000,00 a €70.000,00.
J) Que a disponibilização, por M, do cartão bancário (de débito) e password correspetiva, a que se alude em 24) e 25), houvesse apenas ocorrido após insistência por parte de C, em agosto de 2017, no sentido de que lhe fosse transferida a quantia de €500.000,00.
Também não se provou (com implicação exclusiva face ao aqui arguido)
K) Que tivesse o arguido, em estreita colaboração com M e na execução de um plano entre eles traçado, visado auferir mais-valias que não lhe eram devidas, à custa das correlativas perdas económicas por parte de C, que se viu desapossado da quantia total de €976.098,10, verba utilizada (no todo ou em parte) em proveito próprio do ora arguido e contra a vontade do seu legítimo proprietário.
L) Para o efeito, previu e quis o arguido, sempre em estreita colaboração e na execução do aludido plano gizado com M, aproveitando-se dos conhecimentos e contactos que a última tinha nos meios bancários, persuadir C de que, mediante a gestão eficaz do seu património por parte daqueles, este beneficiaria de um aumento substancial de rendimentos.
M) Tendo para tanto o aqui arguido, no âmbito do referido plano e colaboração, previsto e querido forjar ou ver forjados os documentos atrás referidos, o que fez bem sabendo que os mesmos não espelhavam a verdadeira situação patrimonial de C, que ali era empolada, colocando em crise a seriedade que devem merecer os extratos bancários, resultado que aceitou por ser necessário aos seus desígnios, tendo ainda alterado o nº de telemóvel deste sem o seu consentimento e criado, ou visto criado, ficticiamente, e sem o conhecimento daquele, um endereço eletrónico, logrando deste modo manter a gestão do referido património, evitando que o titular da conta tivesse conhecimento da realidade e continuasse a acreditar na eficácia da sua gestão.
N) Previu e quis ainda o arguido, em colaboração com M, desde outubro de 2004 a agosto de 2017, utilizar ou disponibilizar, consciente e voluntariamente, a sua conta bancária com o nº (…..), apenas por si titulada, para o recebimento na mesma de transferências monetárias provenientes da conta bancária titulada por Carlos Alberto no Banco BEST, com o nº (…..), tendo perfeito conhecimento de que às mesmas não tinha qualquer direito, estando ciente da forma como tais quantias eram obtidas.
O) Conhecia o arguido A o carácter proibido das suas condutas e, não obstante ter capacidade de determinação segundo as prescrições legais, não se inibiu de as levar a cabo.

2.2. Fundamentação da matéria de facto: (transcrição)

O Tribunal fundou a sua convicção na prova carreada para os autos e produzida em julgamento, infra a detalhar.
Os elementos probatórios a considerar careceram de ser interpretados sob perspetiva de juízo crítico e complementar entre si, com natural apelo às regras da experiência comum, de acordo com a livre convicção do julgador, em observância ao disposto no artigo 127º do Código de Processo Penal.
Efetivamente, o artigo 127º do Código Processo Penal estabelece três tipos de critérios para avaliação da prova, com características e naturezas completamente diferentes: uma avaliação da prova inteiramente objetiva quando a lei assim o determinar; outra também objetiva, quando for imposta pelas regras da experiência; finalmente, uma outra, eminentemente subjetiva, que resulte da livre convicção do julgador.
A prova resultante da livre convicção do julgador pode ser motivada e fundamentada mas, neste caso, a motivação tem de se alicerçar em critérios subjetivos, embora explicitados para serem objeto de compreensão (neste sentido, acórdão do STJ de 18/1/2001, Proc. nº 3105/00-5ª, SASTJ, nº 47,88).
Tal como refere o Prof Germano Marques da Silva no Curso de Processo Penal, Vol II, a pág 131 “(…) a liberdade que aqui importa é a liberdade para a objetividade, aquela que se concede e que se assume em ordem a fazer triunfar a verdade objetiva, isto é, uma verdade que transcende a pura subjetividade e que se comunique e imponha aos outros. Isto significa, por um lado, que a exigência de objetividade é ela própria um princípio de direito, ainda no domínio da convicção probatória, e implica, por outro lado, que essa convicção só será válida se for fundamentada, já que de outro modo não poderá ser objetiva”.
Ou seja, a livre apreciação da prova realiza-se de acordo com critérios lógicos e objetivos.
Também a este propósito, refere o Professor Cavaleiro de Ferreira que esta “é um meio de descoberta da verdade, não uma afirmação infundada da verdade” -Cfr. "Curso de Processo Penal", Vol. II , a pág.30. Por outras palavras, diz o Prof. Figueiredo Dias que a convicção do juiz é "(...) uma convicção pessoal -até porque nela desempenha um papel de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais -, mas em todo o caso, também ela uma convicção objetivável e motivável, portanto capaz de impor-se aos outros ."- Cfr., Direito Processual Penal, 1º Vol., Coimbra Ed., 1974, a págs. 203 a 205.
Noutro plano, a referida tarefa de apreciação crítica assumirá a sua natural consagração face ao princípio da oralidade e da imediação da prova, no plano da audiência de discussão e julgamento.
O princípio da imediação diz-nos que deve existir uma relação de contacto direto, pessoal, entre o julgador e as pessoas cujas declarações irá valorar, e com as coisas e documentos que servirão para fundamentar a decisão da matéria de facto.
Citando ainda o Prof. Figueiredo Dias, ao referir-se aos princípios da oralidade e imediação diz o mesmo: “Por toda a parte se considera hoje a aceitação dos princípios da oralidade e da imediação como um dos progressos mais efetivos e estáveis na história do direito processual penal. Já de há muito, na realidade, que em definitivo se reconheciam os defeitos de processo penal submetido predominantemente ao principio da escrita, desde a sua falta de flexibilidade até à vasta possibilidade de erros que nele se continha, e que derivava sobretudo de com ele se tomar absolutamente impossível avaliar da credibilidade de um depoimento. (...) Só estes princípios, com efeito, permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por outro lado, avaliar o mais corretamente possível a credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais". - In Direito Processual Penal", 10 Vol., Coimbra Ed., 1974, a págs. 233 a 234.

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À luz dos princípios de apreciação da prova, acabados de enunciar, e não deixando de evidenciar, por incontornável e relevante para a imputação subjetiva dos factos, o falecimento da arguida M na pendência da investigação (ditando, quanto a si, a extinção das responsabilidades punitivas suscetíveis de sobre si recairem) temos que:
Declarações de arguido:
O arguido A, único indivíduo colocado na posição de arguida face ao perecimento de M, no uso de prerrogativa legal que lhe assiste, optou por relegar-se ao silêncio, fazendo pois recair sobre a demais prova produzida e/ou coligida nos autos a elucidação probatória dos factos aqui sob discussão.
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Nesse desígnio, e no domínio da prova declaracional, ressalta-se:
Declarações de assistente:
C, constituído assistente nestes autos (e apresentando-se como médico reformado, com a idade atual de 76 anos), declarou, a propósito da temática sob julgamento nos autos, o seguinte:
- ter conhecido os arguidos (A e a entretanto falecida M) como vizinhos do mesmo bairro e por serem todos frequentadores de um mesmo café;
- ter a primeira interação verbal mais “intensa” (além do simples cumprimento social) ocorrido no contexto da frequência do aludido café, quando o declarante, à mesa, confidenciava (lamentando-se) a um amigo que havia perdido o anterior gestor bancário (na instituição Millenium BCP), isto por ocasião temporal que precisa em setembro de 2004;
- encontrando-se o casal formado pelos arguidos sentado numa mesma próxima, em posição na qual seria audível tal “lamento”, refere ter-se M levantado e vindo na sua direção, disponibilizando-lhe os serviços de gestão do Banco Best, isto enquanto o aqui arguido se mantinha sentado na mesma, não assumindo pois qualquer intervenção ou papel em tal abordagem;
- mostrando-se o assistente recetivo a tal sugestão, refere ter sido, por M, proposto que agendassem ambos (M e assistente) uma reunião no escritório de M, o que sucedeu apenas dias mais tarde;
- em tal reunião, na qual apenas o declarante e M se mostraram presentes, refere ter-lhe sido explicado, pela indicada arguida, as condições de tal “auxílio funcional”, pressupondo o pagamento de comissão num valor equivalente a 10 % (a incidir sobre os lucros obtidos);
- manifestando concordância com tais condições, refere ter sido acedido a abrir conta bancária no BEST, a qual referiu ter por propósito receber quantias monetárias depositadas noutras instituições (concretamente o BNP), com vista ao seu (re)investimento em aplicações financeiras (em importância que referiu ascender a 700 ou 800 mil euros – de aplicação inicialmente em dólares – em montante de 600 a 700 mil dólares);
- para tanto, refere ter assinado a documentação para a abertura de conta, em nova reunião que contou apenas com a presença do declarante e da mencionada M;
- referiu ter-lhe sido ali informado, pela mencionada M, que a sua situação junto do BEST não se encontrava “regularizada”, sendo-lhe questionado se poderia figurar o nome do marido (aqui arguido) como gestor de conta, mas assumindo-se ela própria como efetiva gestora e interlocutora do declarante, o que este anuiu/aceitou (prolongando-se tal situação por 1 ou 2 anos, até ao momento em que passou M a figurar formalmente como responsável na gestão da conta);
- instado a esclarecer qual o propósito ou pressuposto acordado para os investimentos a efetuar (que explicitou abarcar toda a atrás referida importância), afirmou ser o propósito aceite o da realização de investimentos cuidadosos, pressupondo ainda a diversificação dos produtos a investir;
- questionado quanto aos meios disponibilizados para a movimentação da conta, afirmou não ter cartão bancário ou cheques, apenas recorrendo a cheques avulso para pagamento dos valores de comissão entregues à arguida, tendo adicionalmente, e na sua posse, um cartão de coordenadas, cujos códigos refere ter facultado a M telefonicamente sempre que esta lho solicitava;
- no que à condição de emissão e preenchimento dos cheques bancários a que acima se faz alusão, refere apenas assinar os mesmos, preenchendo os valores e apondo as datas de emissão, ficando o campo destinado à identificação do beneficiário em branco (por preencher);
- esclarece, no que aos valores pagos como pretensa comissão de gestão (10%) nunca ter solicitado ou visto entregue qualquer recibo ou nota de quitação;
- afirmou ter recebido em casa extratos bancários de início, porém acabando ele próprio, sob o intuito de não receber tanta documentação por correio, por solicitar à arguida que assim deixasse de suceder, assinando para o efeito uma declaração, a enviar para o BEST, na qual solicitava que tal informação passasse a ser remetida para a morada do escritório da arguida (o documento de fls. 735, cuja assinatura reconhece como sua);
- refere ter sido a conta em referência reforçada ao longo do tempo, além do valor inicial de abertura, mais concretamente com a importância de €50.000,00 adveniente da venda de andar do declarante sito em Santiago do Cacém, e com o valor €200.000 ou 300.000 que para ali transferiu, originário do Millenium BCP;
- menciona serem realizadas reuniões com vista à disponibilização de informação quanto à evolução dos investimentos, as quais assumiam, inicialmente, frequência mensal, passando, mais adiante, a assumir maior espaçamento (de 2 em 2 meses ou de 3 em 3 meses), sendo tais encontros marcados por M;
- em tais reuniões, que refere terem tido inicialmente lugar no escritório de M (no Office Centre), encontrando-se apenas presentes o declarante e aquela, esclarece serem-lhe exibidos/facultados mapas de evolução de investimentos, sendo sempre ali evidenciado uma evolução positiva, apresentando “bons lucros” (sic.);
- refere que tais mapas não apresentavam timbre do banco BEST o que, só mais adiante, lhe suscitou desconfiança;
- esclarece que não ia recebendo qualquer documentação oficial do BEST na sua casa, fosse ela extratos de conta ou informação sobre posição integrada de ativos ali detidos;
- convidado a esclarecer a existência de pedidos de alteração de elementos de contacto do declarante, afirmou: - no tangente ao contrato constante de fls. 735v e 736 (celebrado com o Office Centre) não ser sua a assinatura nele aposto, sendo assim tal documento adjetivado como falso;
- no respeitante a alteração de contacto telefónico, ter o mesmo ocorrido sem que o arguido de tal se apercebesse, sendo-lhe disponibilizado um impresso que não leu, limitando-se assinar, sob a justificação aventada pela arguida de que o BEST estaria a realizar atualizações de dados;
- chamado a esclarecer qual o momento temporal a partir do qual se assumiram as suas iniciais desconfianças, aludiu aos anos de 2016 ou 2017, concretizando-as com referência a este último ano em dois eventos distintos, a saber: - quando solicitou a M o acesso a €50.000,00, com vista a auxiliar a filha na aquisição de casa própria (sendo-lhe desaconselhado por aquela que o fizesse porquanto o levantamento de tal valor poderia despertar alarme público, motivando a necessidade de dar várias explicações quanto ao destino do dinheiro e razão de ser da movimentação do mesmo); - quando, já “indignado” pela dificuldade de acesso ao seu dinheiro, lhe exigiu, em julho de 2017, a entrega de valor monetário (ocasião em que a arguida, a quem foi verbalizada tal exigência, ligou telefonicamente ao arguido, o qual, cerca de meia hora após, apareceu junto ao escritório de M - sendo essa a única ocasião em que ali o refere ter visto -, trazendo na sua posse um envelope, em cujo interior se encontravam €2.000,00 em numerário, envelope esse que lhe foi entregue na viatura do casal, na qual refere ter sido transportado na companhia dos arguidos no regresso a casa;
- a par da intervenção a que supra alude, e no tangente ao aqui arguido, refere serem as interações do declarante face a A cingidas a encontros casuais na rua, nos quais, a par do cumprimento social, o aqui declarante perguntava como corriam os seus negócios/investimentos, respondendo aquele que “estava tudo bem” e que “podia ficar tranquilo”;
Ainda esclarece:
- ter passado, a dado momento, a ver cada vez com maior frequência, M na imobiliária explorada pelo marido (o aqui arguido), ao invés de no escritório onde antes decorriam os referidos encontros, local ao qual se passou a deslocar sempre que precisava de falar com aquela (precisando ter a abertura da referida imobiliária ocorrido em 2015 ou 2016);
- refere assim ter sucedido no encontro a que atrás aludiu, tendo por objetivo a disponibilização de quantia para poder auxiliar a filha na compra da casa, que referiu ter lugar na imobiliária, encontrando-se o declarante na companhia desta, esclarecendo ser a conversa assumida por aqueles e por M, e esclarecendo, no que ao arguido concerne, não ter o mesmo assumido qualquer participação, porém encontrando-se presente no espaço comercial em apreço (onde trabalhava), além de outros funcionários da imobiliária;
- ainda declarou que, por comunicação verbalizada por M, lhe era referido que o arguido lhe prestava auxílio (ainda que sem detalhe ou especificação), criando o declarante a convicção própria que tal poderia suceder no domínio da “acessoria informática”, porquanto lhe fora informado por aquela ter sido essa a área de atividade do arguido;
- não obstante, acaba por referir que, no contexto das conversações levadas a cabo no espaço da imobiliária, tendo sempre por interlocutora M, não era abordada a temática da evolução das suas aplicações financeiras, sendo a motivação e finalidade dos encontros apenas o de solicitar o acesso ou disponibilização a quantias depositadas;
- sem prejuízo refere ter sido informado por M, por volta de meados do ano de 2016, que iria ser-lhe atribuído pelo BEST um novo gestor, sob a explicação que deixara de ser colaboradora do BEST, porém sob o detalhe que seria o mesmo pessoa do conhecimento da arguida e que, por tal facto, continuaria ela a tratar da gestão dos ativos do assistente nos termos até ali vigentes;
- perante as suspeitas que, em especial no decurso do ano de 2017, passou a evidenciar (e a que acima se fez alusão), esclarece ter assumido as seguintes diligências: - solicitado a emissão de um cartão bancário para a movimentação bancária da conta (pedido que formulou perante a arguida e ao qual a mesma aduziu um conjunto de reservas), cujo PIN veio apenas a receber em momento temporal subsequente à diligência/deslocação infra a especificar; - deslocando-se à sede do Banco BEST (ao que crê em final de agosto ou início de setembro de 2017), no sentido de se inteirar do dinheiro que ali dispunha, vindo a constatar, por contacto com funcionário daquela instituição, ter pouco mais de 900 euros, por contraponto aos 9 milhões de euros que, tendo por base a documentação de evolução e investimentos disponibilizada por M, referiu estar então convicto ali dispor (em face do que, imediatamente, fez acionar a intervenção em defesa dos seus interesses do seu Advogado);
- precisa, já no âmbito da intervenção deste último, ter-se agendado uma reunião nos escritórios do Banco BEST, em Lisboa, sendo-lhe disponibilizados cópias de extratos reais que demonstravam tal discrepância;
- refere assim, a par do não recebimento da importância a que se achava intitulado, ter perdido pois as importâncias ali depositadas, e que refere ascenderem a valor superior a 1 milhão de euros;
- questionado, face à indicada (e muito expressiva) expetativa de ganhos se alguma vez proceder ao pagamento de impostos (IRS) sobre as importâncias/lucros auferidos, declarou assim não suceder, sob a verbalização, por M, de que a mesma “tinha bons amigos” que evitariam assim ter de suceder, esclarecendo ainda que, por proposta daquele, devidamente aceite pelo assistente, foi M que, do ano de 2005 em diante (até 2016), passou a tratar do preenchimento e entrega da sua declaração de IRS.
Por último, e questionado quanto à perceção do estado de “conforto” económico ou vivencial dos arguidos, declarou:
- ter conhecimento que os mesmos gozavam férias;
- ser-lhe visível a troca de viaturas automóveis, tendo memória de ver o arguido a conduzir um Toyota e, após, um jipe de marca Mercedes (esclarecendo que a arguida não conduzia);
- cerca do ano de 2014 (3 anos antes de 2017) refere ter-lhe sido percetível uma redução do até aí percecionável conforto económico, passando por exemplo a ver o arguido na condução de um mais modesto modelo da marca Peugeot.
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Prova testemunhal:
Indicados pela acusação pública produziram-se os depoimentos de E, V, MJ, CC, MF, JR e MA (sendo MJ e MA comuns ao rol do arguido), sendo ainda produzido o depoimento de D.
Dos respetivos contributos, e em ordem de relevância e interesse para a temática dos autos, emergiu o seguinte:
E:
- apresentou-se como companheira do assistente C há mais de 30 anos.
- declarou-se desprovida de conhecimento mais concretizado da situação bancária do companheiro junto do Banco BEST, que referiu apenas ter percecionado num segmento temporal final, aquando da realização de “demarches” junto dos serviços centrais do Banco BEST em Lisboa; Tem ideia que seriam inicio 700 mil +-. 900 mil a 1 milhão de investimento que depois foi reforçando com valores do Milenium e de venda de casa em Santiago do Cacém (80.000 euros).
- sem prejuízo, declarou ter ideia que tal conta teria por gestor M, ainda que com uma intervenção inicial, meramente formal, do arguido, por não se encontrar plenamente regularizada a situação da primeira;
- referiu ter também ela sido “angariada” como cliente de M, abrindo uma conta própria no ano de 2006, na qual apenas dispôs de um valor económico de pouca expressão, o qual, a dada altura, teria aplicado num seguro;
- esclareceu nunca lhe ter sido por aquela solicitado o pagamento de qualquer comissão, circunstância que se justificaria (na explicação então dada de M) na menor expressividade do seu património e na circunstância do companheiro já assegurar o pagamento de uma comissão perante aquela;
- No que à sua conta concerne, refere ter sempre rececionado por correio os correspetivos extratos, nunca se tendo registado qualquer movimento anómalo ou não autorizado;
Sendo chamada a focar a atenção do seu contributo da situação do companheiro, ainda afirmou:
- Ter C, no decurso do ano de 2015, procurado concretizar a inserção da declarante e dos filhos da conta de que era titular, para o que foi realizada uma reunião com M, a qual teve lugar na imobiliária onde aquela e o arguido habitualmente se encontravam;
- Refere que, não obstante, tal alteração não veio a concretizar-se, acabando os filhos do assistente por abrirem novas contas apenas por eles tituladas (sendo que a declarante não careceu de o fazer porquanto era já cliente do BEST);
- Nessa reunião (única em que refere ter estado presente relacionada com a conta do companheiro) refere não ter lembrança da presença ou participação do aqui arguido;
- Refere que tal desempenho veio a prolongar-se até 2016, sendo após nomeado à declarante novo gestor, mas permanecendo aquela nas mesmas funções face ao companheiro;
- Após tal encontro, refere que, apenas no decurso do ano de 2017, por ocasião do mês de agosto, o assistente verbalizou preocupação em redor da sua conta, tendo em atenção a alteração do comportamento de M (em quem refere que confiava sem reservas), que passou de uma pessoa prestável para alguém que arranjava desculpas para que o companheiro não assumisse acesso ao dinheiro ali depositado/investido;
- Por declaração/relato do assistente, refere ter também aquele verbalizado que também o arguido o começava a evitar, sempre que ambos deambulavam na via pública;
- Assim, no referido mês, e por ocasião do aniversário de C, refere ter ela própria sugerido àquele que compartilhasse com a filha tais reservas, o que o mesmo teria feito, sendo então comparados extratos das contas de assistente e filha daquele, percecionando-se a diferença “estética” de ambos;
- No dia 31 de agosto refere ter ela própria estado na companhia do assistente numa nova reunião ocorrida com M nas instalações da atrás mencionada imobiliária, na qual referiu ter sido aquela informada que a declarante parecia a inteirar-se da situação bancária do companheiro;
- Refere ter ali sido solicitada uma nova password que possibilitasse o acesso on line à conta – por se encontrar inativa a facultada aquando da abertura da conta - tendo M referido que as passwords estavam sempre a ser alteradas pelo Banco;
- Ressaltando a declarante à mencionada M que teriam de ter alguma forma de acesso informativo à conta, até por ressalva de algo que pudesse acontecer àquela gestora, refere ter sido pela mesma prontamente dito que não se preocupassem uma vez que, nessa eventualidade, o arguido (que não estava presente no local e hora indicados) estava a par de tudo;
- No dia seguinte ao de ocorrência de tal reunião, e parente as desconfianças/reservas que já se haviam instalado, afirmou ter ido na companhia de C à sede do BEST, em Lisboa, local onde falaram com um funcionário daquela entidade (Sr. M), vindo ali a ser informados das reais existências em tal conta bancária (seguindo-se a realização, dois dias depois, de uma nova reunião no mesmo local, desta feita já contando com a intervenção de Advogado).
Questionada quanto à perceção, na esfera da mencionada M e do ora arguido, de algum tipo de conforto ou incremento patrimonial, referiu que ambos aparentavam ter uma “vida confortável”, tendo memória de terem um jipe de marca Mercedes e de terem a filha a frequentar o ensino particular, o que a dada altura se alterou, passando a ser vistos com viaturas mais antigas.
Questionada quanto ao conhecimento da habilitação ou aptidão do arguido no domínio da informática, afirmou ter ela própria constatado, por consulta da rede social Linkedin, apresentar o mesmo perfil no qual se mencionava formação em informática, adiante acrescentando que o companheiro lhe chegou a solicitar ajuda em questões daquele foro.
V, filha do assistente, corroborou o segmento de depoimento da testemunha anterior que a si fez respeito, ainda declarando/complementando (em ordem de intervenção própria):
- ter conhecido M no decurso do ano de 2015 (mais concretamente no mês de dezembro), por ocasião na qual o progenitor se propunha a introduzir a declarante e o irmão na cotitularidade da conta do BES, o que, todavia, não viria a ocorrer, optando-se, após sugestão daquela, a abertura de novas contas individuais daqueles, com um valor mínimo de 500 euros, com acesso através dos canais digitais (com envio postal das credenciais para acesso e movimentação);
- ter acompanhado, em agosto de 2017, o progenitor a uma reunião com M, ocorrido numa loja imobiliária na qual também se encontrava, sentado numa outra secretária face àquele em que se reuniram em conversa com a primeira, o aqui arguido;
- explicitou ter tal encontro, no qual apenas M foi interlocutora, por temática a utilização de valor de cerca de 400 ou 500 mil euros, a levantar das aplicações feitas junto do BEST, para a aquisição de habitação por parte da declarante;
- refere que, perante tal solicitação, M teria “desaconselhado” o movimento de uma quantia tão elevada, por poder tal transação “levantar suspeitas”, aconselhado assim a mobilização fracionada em valores mais contidos (na ordem dos 1000 euros de cada vez), sempre adiantando que teria de analisar a melhor para o fazer, com obediência da lei, acabando por nada mais suceder;
- No decurso do mesmo ano e mês, e em momento mais próximo ao aniversário do progenitor, refere ter visto pela primeira vez relatada a suspeita de que algo se poderia assumir em plano irregular, sendo exibidos documentos cujo logótipo e conteúdo detetou prontamente ser “estranho” e desconforme aos que ela própria recebia do referido banco, sendo-lhe ainda detetáveis vários erros ortográficos (pouco habituais em literatura bancária).
MJ:
Identificou-se como consultora imobiliária, tarefa que declarou ter exercido para a Imobiliária do arguido entre março ou abril de 2015 e agosto de 2017.
Referiu que também ali trabalhava M, a qual, de resto, procedeu ao recebimento curricular da declarante, realizando a entrevista prévia à sua contratação, sendo certo que, no reforço de tal perceção, aquela ali se encontrava diariamente, participando em todas as reuniões de direção.
Não obstante, referiu cumular a mesma tal desempenho funcional com a de colaboradora face ao Banco BEST, por conta da qual refere ter também ela aberto conta naquela instituição no ano de 2016, por “angariação” daquela.
Referiu que, nesse desempenho, M recebia, por vezes, clientes bancários no espaço da imobiliária, assim sucedendo designadamente com o assistente.
Nesses encontros ou reuniões referiu (sem maior rigor ou precisão) que, em algumas, se poderia mostrar presente nas instalações da imobiliária o arguido e, noutras, poderia ali não se encontrar (embora nunca relatando a intervenção ou participação nas mesmas de A).
Chamada a descrever a configuração de tal espaço comercial, afirmou que o mesmo se traduzia numa sala ampla (vulgo open space), apenas compartimentada por móveis divisores (permitindo a difusão do som).
Em algumas das reuniões ali tidas lugar entre a falecida M e o aqui assistente, refere ser anunciado abertamente para os presentes (ela própria, desconhecendo se na presença ou ausência do arguido), pela mencionada M, que deveriam seguir o modelo de poupança do assistente, economizando para após viverem dos lucros, sendo até anunciados e/ou confirmados por ambos os valores dos juros recebidos ou a receber pelo último.
Chamada a esclarecer a condição económica evidenciada pelo casal formado pelo arguido e pela falecida M, ou bem assim clarificar eventuais alterações na condição ou status de vida daqueles, referiu:
- percecionar que os mesmos apresentariam uma “vida desafogada”, destacando, para tal afirmação, a circunstância de possuírem um jipe de marca Mercedes, de gozarem férias no Algarve e de apresentar-se M envergando habitualmente roupas de marca (Moschino, Fendi) e jóias, fazer aquela (on line ou telefonicamente) compras de mercearias no El Corte Ingles, também aludindo à circunstância de disporem de empregada de limpezas a tempo inteiro (embora precise nunca ter sido visita da casa daqueles);
- não obstante, e tomando por referencial o final do ano de 2016 ou início do ano de 2017, ter começado a percecionar o eventual constrangimento financeiro daqueles, afirmação que sedimenta na dilação temporal do pagamento das comissões por venda de imóveis e na circunstância de ter sido colocada em venda o veículo automóvel a que atrás fez alusão.
Em segmento diverso daquele a que se reportam os contributos supra, e especialmente incidentes na dinâmica contemplando a instituição Banco BEST, entretanto constituída assistente nestes autos, desenrolaram-se os depoimentos de CC, M e JR.
Os seus depoimentos, com especial enfoque no primeiro, evidenciaram alguma cautela ou comedimento declaracionais, que cremos justificado pela ligação (atual ou passada) ao Banco BEST, face ao qual poderá ainda vir a estender-se a discussão de temática indemnizatória conexa aos presentes autos.
Tal postura foi, sobretudo, assumida por CC, o qual declarou exercer atualmente, naquela instituição bancária, as funções de Diretor Coordenador, tendo até 2018 atribuídas funções de Direção Comercial.
Nesse enquadramento/posicionamento, o mencionado CC declarou:
- ter apenas visto o aqui arguido por uma ocasião, tendo conhecimento mais intenso de M, face à circunstância de ter a mesma exercido funções de agente vinculada ao Banco BEST durante cerca de 10 anos (sendo já antes pessoa referenciada pelo desempenho passado de funções na área de seguros);
- nesse enquadramento, e face às funções então desempenhadas pelo declarante, terem ocorrido reuniões regulares alusivas ao acompanhamento das carteiras de clientes;
- no que ao arguido concerne, ter sido o mesmo, igualmente, agente vinculado da referida entidade bancária, porém apresentando o exercício de outra atividade profissional em simultâneo (ao que crê no domínio da informática), circunstância que tornava difícil a ocorrência de tais reuniões/encontros, acabando por gerar-se a desvinculação de tal exercício perante o BEST;
- explicando a diferenciação entre o desempenho das funções de angariador e de agente vinculado (agindo o primeiro na angariação de novos clientes/abertura de contas, e atuando o segundo como verdadeiro gestor de clientes), explicitou ter o desempenho, pelo arguido, da atividade de agente vinculado ocorrido em momento no qual M era mera angariadora, sendo que, após este última passar para a posição de agente vinculado, viu passada a carteira de clientes do primeiro, acabando, pouco depois, por abandonar a colaboração face ao BEST (no ano de 2009);
- sem maior detalhe ou pormenorização, explicitou que o desempenho de tais funções pressupunha a prévia realização de formações, desde logo aptas à explicação da oferta de aplicações disponíveis;
- no que ao conhecimento da evolução patrimonial do assistente C, esclareceu ser o seu envolvimento patrimonial inicial no BEST de cerca de 1 milhão, valor que veio inicialmente a aumentar por conta de investimentos, até perfazer 1 milhão e 200 mil euros (em 2009/2010), sendo que, após, veio a ocorrer a diminuição progressiva do seu ativo no Banco (em momento temporal no qual o aqui arguido havia já cessado a sua colaboração face ao BEST);
- questionado quanto à circunstância de poder ou não ter tal diminuição motivado uma intervenção do BEST referiu – diga-se com algumas e compreensíveis cautelas – que, em caso de saídas de capital superiores a 100.000 euros, ocorrer geralmente um contacto da entidade bancária, por forma a aquilatar a causa de tal “afastamento” relacional, o que afirmou, com reporte ao caso concreto, estar registado em sistema ter sucedido em 2013;
- explicitou estar vedada a possibilidade dos agentes vinculados auferirem comissões pagas pelos próprios clientes.
Ainda declarou:
- ter, a partir do ano de 2007, sido implementado no BEST, um procedimento adicional de segurança, complementar ao antes vigente (cartão de coordenadas), traduzido no envio para telemóvel de um SMS (vulgo “Token”) sempre que eram ordenadas transferências/movimentações de conta, sendo tais mensagens identificativas da importância transferida, da conta de origem e do IBAN de destino.
MF, atualmente “desvinculado” do Banco BEST, mas no passado ali tendo desempenhado funções (entre 2006 e 2018, sendo, no período compreendido entre 2014 e 2018 como sub-diretor comercial – para a zona sul), declarou:
- não conhecer pessoalmente o arguido ou M (não tendo sequer o conhecimento ou perceção de que o primeiro haja, por algum momento, estado vinculado ao BEST);
- ter estado presente numa reunião ocorrida no Centro de Investimentos de Lisboa, a pedido do aqui assistente, na qual procurava aquele inteirar-se do estado da sua conta e património à mesma associado;
- ainda que sem capacidade de concretização numérica, refere ter sido o mesmo confrontado com o saldo existente na conta do BEST, evidenciando o mesmo surpresa face à existência de uma disparidade muito significativa entre aquilo que ali se encontrava e a ideia ou expetativa pelo mesmo assumida nesse conspecto;
- da memória que conserva quanto à dinâmica evolutiva dos ativos ali depositados, afirmou ter presente a existência de investimentos expressivos (na casa das centenas de milhares de euros) em fundos de investimento, bem como de operações de resgate (explicitando que os fundos de investimento tinham sempre risco associado e que não conferiam a garantia do capital), também tendo presente a existência de transferências interbancárias;
- perante a situação em apreço, refere ter prontamente reportado a situação ao Administrador Executivo do Banco (PN), não assumindo mais nenhuma intervenção e desconhecendo da eventual existência de auditoria (realçando uma vez mais ter, pouco após, abandonado a estrutura do BEST).
JR, apresentando-se como agente vinculado do Banco BEST desde o ano de 2012 (e até à atualidade), explicitou:
- conhecer M, com a qual havia partilhado a frequência de escola, e face à qual veio a “herdar” alguns clientes (entre os quais, em 2018, o assistente C, com o qual refere nunca ter antes falado, e, desde 2017, E, que refere desconhecer ser companheira do primeiro, e com a qual refere ter estado numa reunião de apresentação com a cliente e M numa imobiliária de Setúbal);
- no tocante ao aqui arguido, refere apenas conhecer como cliente da citada instituição bancária;
- corroborou a impossibilidade de recebimento de quantias de clientes por conta de qualquer tipo de comissão ou prémio, ainda destacando a impossibilidade de movimentarem as contas dos clientes – o que apenas a estes ficava reservado – tendo apenas acesso a uma página web do banco por forma a consultarem as carteiras dos clientes aos mesmos afetos.
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Num derradeiro plano, alusivo ao circulo vivencial mais próximo do arguido e da falecida M, prestaram depoimento MF (mãe de M e sogra do arguido – indicada pela acusação pública) e D (filho de M e do aqui arguido – arrolado pela defesa deste último).
Não obstante a proximidade vivencial ou afetiva face à pessoa do arguido, os seus depoimentos afiguraram-se-nos dotados de desenvoltura e sinceridade.
Nesse plano ou enquadramento emerge dos seus depoimentos, em ordem de maior relevância para estes autos:
MF:
- atualmente com 85 anos, referiu estar reformada há 23 anos, tendo antes desempenhado funções como professora;
- referiu ter acedido, a pedido da filha M, a abrir uma conta em seu nome do Banco BEST, sob o fundamento invocado por aquela de permitir-lhe o recebimento de uma comissão por abertura, conta essa que refere nunca ter usado ou movimentado e face à qual afirmou, de resto, nunca ter visto entregue qualquer meio de movimentação;
- enjeitou ter alguma vez aberto conta no Banco BANIF ou Santander Totta;
- no tangente à conta do Banco BEST refere nunca ter recebido qualquer extrato da mesma, cujo valor depositado referiu ter, a dado momento, pedido que transferisse para os netos, passando apenas a receber extratos após a morte da filha;
- ainda que sob juízo dedutivo/opinativo, referiu estar em crer que os movimentos a que aludem os autos, mormente os alusivos a contas criadas em seu nome, à própria filha, que referiu “ser muito esperta” e desenvolta e que dificilmente lhe relataria ações menos claras, face às quais é a declarante contrária;
- por contraponto, do arguido assumiu a descrição de um indivíduo de perfil “low profile”, dedicado à profissão (primeiro numa empresa e, após, numa imobiliária) e aos filhos;
- concluindo pela ausência de conhecimento, por este último, de eventuais ações levadas a cabo por M, explicitou ser esta última a “mulher das contas” na dinâmica familiar, ainda relatando a surpresa evidenciada pelo arguido, cerca de um mês após a morte da mulher, quando veio a ser surpreendido por dívidas existentes que, até aí, afirmou desconhecer (a testemunha utilizou a expressão “caiu na terra”);
- Instada a descrever a condição económica do casal referiu que, desde o casamento de ambos, sempre os ajudou financeiramente, vindo também ela própria, já após o decesso da filha, e percecionadas então as dívidas existentes, a auxiliar o arguido no pagamento de cerca de 16 mil euros de rendas habitacionais deixadas em atraso, tendo ainda de custear as cerimónias fúnebres da filha.
D, por seu turno, declarou:
- ser desconhecedor da temática dos autos ou bem assim das questões atinentes ao desempenho profissional dos progenitores, que referiu nunca ser objeto de discussão em contexto doméstico;
- com enfoque na pessoa do progenitor (aqui arguido) referiu ter do mesmo a imagem de uma pessoa de trabalho (primeiramente na empresa L e, após, em agência imobiliária), saindo cedo de casa e retornando já muito cansado, nunca trabalhando em casa, designadamente no computador, descrevendo-o como pessoa pouco disponível para navegar on line ou aceder a redes sociais;
- ser a mãe do declarante, M, que descreveu como pessoa de personalidade muito forte, ativa e quase impositiva (por contraponto a uma posição mais calma, reservada e passiva - algo submissa - do pai), com maior à vontade no uso da internet, quem liderava as opções em família, sendo também a pessoa que chamava a si a gestão da economia familiar, ali contemplando o pagamento de contas;
- exemplificou tal facto com a circunstância de, aquando do decesso da progenitora, não ter o arguido qualquer conhecimento da forma ou código de acesso às contas de fornecimento e luz e gás, tendo por isso de recuperar novos acessos;
Instado a esclarecer quanto à “saúde financeira” do agregado, referiu:
- ter a situação do agregado registado ajuste da condição aquando do términus da atividade do progenitor na L, passando aí o agregado a contar unicamente com o rendimento laboral da mãe (afirmando nunca ter conhecido ao arguido o desempenho laboral no BEST);
- ter realizado, tal como a irmã (mais nova) o percurso escolar em colégio do 1º ao 6º ano, transitando após para o ensino público (no ano de 2008);
- em matéria de férias, referiu serem sempre passadas no Algarve, onde dispunham de uma semana anual de arrendamento em regime de time-sharing, tendo apenas memória de uma viagem ao estrangeiro, mais concretamente a Paris, quando o declarante apresentava 11 anos de idade;
- no que à disponibilidade de viaturas automóveis terem primeiramente uma viatura Toyota, recebida pelo arguido na sequência do acordo de cessação de atividade laboral na L, que acabou por vender, passando então a dispor de um jipe/SUV de marca Mercedes, o qual após também foi vendido, sendo trocado por uma viatura mais antiga. No que ao Peugeot 206 referiu ter sido cedido pela avó ao declarante, acabando este por ceder o seu uso ao arguido, sendo assim o atual veículo daquele;
- no que à frequência do ensino universitário, ter carecido de arrendar um quarto em Lisboa em 2015 ou 2016, sendo o valor de tal despesa custeado pela avó;
- terem tido empregada doméstica 3 dias por semana.
Conclui assim no sentido de nunca ter percecionado, em contexto doméstico, um padrão vivencial tido por superior à norma, destacando mesmo a progressiva degradação da saúde financeira do casal (com necessidade de recurso ao auxílio de terceiros).
Reforça tal realidade no momento subsequente ao de óbito da mãe, o qual refere ter sido contemporâneo à descoberta, pelo progenitor e por ele próprio, de que “estavam afundados em dívidas” (designadamente dívida habitacional e relacionada com cartões de crédito), para o que está em crer não ter contribuído a ação do arguido, na medida em que este reagiu a tal realidade sendo apanhado de surpresa.
Ainda acrescentou ter também apenas após aquele momento percecionado a existência de contas bancárias criadas em seu nome e da irmã, e cuja existência ou movimentação antes desconhecia.
Uma vez mais sob domínio de convicção própria, e em decorrência do que atrás assinalou, referiu estar em crer que M assumiria por motu próprio a movimentação e acesso das contas do arguido, tal como sucederia relativamente à conta dele próprio.
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Prova documental:
Importará agora centrar a nossa atenção na análise da extensa prova documental feita carrear para os autos, salientando da mesma os aspetos mais relevantes para a elucidação da temática dos autos.
Em segmento final da presente apreciação probatória, compatibilizar-se-á a mesma com a prova declaracional antes assinalada, em exercício de interpretação alargada, crítica e conjugada de toda a prova tida por relevante.
Assim, e ainda no domínio da análise segmentária inicialmente proposta concretizar, temos que:
→ Volume I dos autos (processo principal – aquele que é adveniente da apresentação de queixa por parte do assistente C):
O presente processo inicia-se em 8 de setembro de 2017 com a apresentação de queixa-crime subscrita, por motu próprio, pelo agora assistente, C.
A mesma consta de fls. 11 a 16, firmando o relato dos factos, sendo visada pela denúncia, única e exclusivamente, M.
Apenas ali é muito esparsamente referenciado o nome do aqui arguido, descortinando-se três curtas e singelas referências, mais concretamente: - o pedido, formulado por M, em meados de 2005, de que pudesse figurasse aquele como colaborador (sem que, todavia, ocorresse qualquer reunião posterior com aquele); - a deteção de movimentações (saídas) de dinheiro passando por contas daquela e por contas do marido; - a existência de uma entrega, pelo arguido, sequencial a uma reunião com M e de pedido/exigência formulado àquela, de um envelope com dinheiro, contendo €2.000,00.
Mais nenhuma referência ou atuação, ou bem assim suspeita, é ali descrita no tangente à pessoa do aqui arguido, também nada se referindo quanto ao suposto conforto económico ou vivencial de que pudesse aquele, ou bem assim a denunciada, usufruir ou demonstrar.
Segue-se a disponibilização, pelo próprio assistente, de documentação bancária que o mesmo teria em seu poder, designadamente:
- Impresso/formulário com o logótipo “Banco BEST”, sob a denominação “ficha de caracterização/alteração de dados”, assinada em 28/06/2016 pelo assistente (como cliente), e da qual consta a assinatura (como “recebedora”) de M (na mesma data de 28/06/2016) e confirmação pelos serviços centrais do BEST, em 5/07/2016.
Ainda que tal documento não seja explícito na indicação da alteração ali efetuada, constata-se que o único campo preenchido é o atinente ao n.º de contacto telefónico, que se constata ser o “0351 962771787” (fls. 33 e 34, replicado a fls. 752 e 753).
O tipo de formulário em apreço, contemplando o preenchimento em letra maiúscula e por quadriculas, não permite elucidar quanto à autoria do seu preenchimento, sendo que, no domínio da sua assinatura, o assistente não coloca em crise a validade daquela que ele próprio ali firmou.
- Extrato integrado numerado com o n.º 7, datado de 1/07/2016 (indicando como data do prévio extrato 1/06/2016 – permitindo pois a conclusão da periodicidade mensal da emissão e envio), constante de fls. 36) identificando (como entidade emissora) o Banco BEST – quanto ao não se evidencia suspeita de falsificação -, endereçado ao cliente C, e indicando como morada de destino “Rua (…..), em Setúbal”. A morada indicada é diversa daquela que é referida pelo assistente como correspondendo à sua efetiva morada (a saber, Praceta (…..), em Setúbal), sendo correspondente àquela que é indicada no texto acusatório como correspondente ao escritório de M.
-Missiva enviada pelo Banco BEST, sob o assunto “Emissão de cartão BEST VISA ELECTRON”, datada de 22 de agosto de 2017, indicando, uma vez mais, como morada de envio, a correspondente a “Rua (…..), em Setúbal”.
- Cópia do cartão de segurança/coordenadas do Banco BEST (fls. 41), acompanhado de folha anexa (à qual o mesmo se encontraria colado), referindo: “código de utilizador: (…..)” e “password de negociação: …….”. No impresso anexo consta ainda a seguinte redação: “Por razões de segurança guarde a sua password em local seguro. Lembre-se que esta password deve ser apenas do seu conhecimento, dado que o identifica perante o sistema para realizar operações ou aceder a informação confidencial” e “código pessoal secreto: …..”.
- Clausulado de adesão aos serviços contratualizados com o Banco BEST, constante de fls. 42 a 45, subscritos e assinados pelo assistente Carlos Basto (constante de fls. 42 a 45), no qual se indica, entre outras cláusulas, a seguinte: “3. Segurança e Identificação do Cliente. 3.1 – A adesão ao BEST pressupõe o correcto preenchimento pelo Cliente dos diversos campos de identificação obrigatórios constantes do referido site ou da ficha de abertura de conta, bem como a definição do código de utilizador e introdução da password de acesso do primeiro titular, que é única, pessoal e intransmissível por si determinada para o acesso ao serviço, e cumprimento das demais instruções ali previstas. 3.2 – As passwords de acesso ao BEST, com excepção da do primeiro titular na abertura de conta on-line, e as passwords de negociação são geradas e atribuídas pelo BEST de acordo com um processo que garante a sua total confidencialidade e têm carácter único, pessoal e instransmissível, sendo o Cliente responsável pelo bom uso e confidencialidade de tais elementos, comprometendo-se a não os divulgar a terceiros, seja com carácter temporário ou permanente, sendo da sua única, inteira e exclusiva responsabilidade a utilização não autorizada, abusiva ou fraudulenta dos mesmos, pela qual suportará todos os prejuízos daí resultantes”.
- Documentos comprativos de movimentações/transferências, constantes de fls. 46 a 59, 60 e 61 e 154 a 169 (contemplando documentos bancários oficiais e mapas de apuramento de autoria particular);
- Declarações de IRS relativas aos anos fiscais de 2012, 2013, 2014, 2015 e 2016, dos quais é evidenciada a ausência de declaração de quaisquer mais valias (fls. 63 a 104);
- Autos de busca e apreensão (os quais visam apenas a suspeita M e não o aqui arguido, incidindo sobre a imobiliária, escritório e residência daquela), constantes de fls. 170 e segs. No primeiro local (imobiliária “Arrenda na Hora” e “Casa na Hora”), espaço que evidencia a prova antecedente ser também local de trabalho do arguido após abertura (em 2015 ou 2016), nada de relevante para a investigação é encontrado ou apreendido (fls. 172). No escritório arrendado pela arguida, correspondente a Rua (…..) – local referenciado como correspondendo ao local de realização de reuniões com o assistente – sendo ali encontrado e apreendido, entre outros documentos, - 1 dossier tendo escrito na lombada “Dr. C”; - 13 recibos eletrónicos emitidos por M ao assistente; - documentação bancária alusiva ao assistente; - documentação manuscrita vária, entre os quais extratos da conta bancária do assistente (tendo aquela como morada de correspondência final); - declarações fiscais (IRS) do assistente e senha de acesso a portal das finanças – fls. 175 a 177 (documentação compilada sob APENSO 4). Por último, na residência comum de M e do agora arguido, são encontrados e apreendidos (na sala) um PC portátil Toshiba e um PC portátil Fujitsu Siemens. Da informação policial de fls. 184 e 205 consta referência que apenas no equipamento Toshiba são encontrados documentos bancários alusivos ao aqui assistente (que se aponta serem manipulados), bem como correio eletrónico. Num móvel do hall de entrada um bloco de apontamentos, com manuscritos (documentos integrantes do APENSO 6). No quarto dos buscados é encontrado no interior de uma mala de senhora, um cheque titulado em nome do assistente, datado de 28/05/2015, com o valor aposto de €10.340,00. No escritório da habitação é encontrada documentação bancária a manuscrita alusiva ao assistente, folhas timbradas com indicação do nome de M, bem como cópias dos contratos de prestação de serviços de ambos os arguidos face ao Banco BEST – fls. 108 a 193 – Demais documentação encontrada na residência indicada compilada no APENSO 5.
→ Volume 2 (do processo principal);
- Informação alusiva a contas bancárias (tituladas pelos arguidos) de fls. 485 e 486 (junto do Banco BEST), 492, 497 a 523, 550 (Millenium BCP), 579 (Banco BPI)
- Informação alusiva a contratos de locação automóvel (da marca Mercedes-Benz) celebrados em nome do aqui arguido (juntos de fls. 488);
- Contrato de prestação de serviços (como agente vinculado) celebrado entre M e o Banco BEST em 6 de maio de 2009 (constante de fls. 537 a 540);
- Missiva de rescisão do contrato supra, enviada pelo Banco BEST a M em 31 de maio de 2016 (fls. 541 e 542);
- Informação alusiva à titularidade do n.º de telefone 962771787 (facultado como contacto associado à conta do assistente), que se constata ser um número pré-pago;
- certidão de óbito da arguida M, constante de fls. 655 e 656 (óbito ocorrido em 9 de fevereiro de 2019).
→ Volume 3 (do processo principal):
- Documentação bancária (identificativa de operações de transação de valores mobiliários) de fls. 718 a 734, fls. 737 a 751 e 769 a 773;
- Missiva de alteração de morada de envio de correspondência, manuscrita e assinada sob os nomes “C” e “C”, com a datação “29 de abril de 2009” (fls. 735);
- Contrato de prestação de serviços outorgado em nome do assistente e a “Office Center S. Julião, Lda.” (fls. 735v e 736), assinado sob o nome “C”, datado de 3 de novembro de 2008;
- Mapa(s) de transferências, apurado a fls. 753v a 755, 756v a 761;
- Mapa de evolução de património financeiro do assistente, na qual se evidencia evolução com oscilações ab initio, pese embora com predominância crescente, até final do ano de 2007, registando-se uma vez mais flutuação oscilante (já abaixo de 1 milhão) até finais do ano de 2011, início de 2012, registando-se a partir desse momento um decréscimo mais significativo;
- Parecer elaborado no âmbito da auditoria efetuado pelo Banco BEST em sequência da denúncia efetuada pelo aqui assistente (datado de 8 de fevereiro de 2018), constante de fls. 774 e 775, do qual emerge, em plano de maior relevância, o seguinte: “(…) na análise a que procedemos aos movimentos espelhados nos extratos durante o hiato de tempo compreendido entre 22/10/2004 (data de abertura da conta) e 23/08/2017, verificamos que os mesmos foram efetuados através do Web Site do Banco Best com a utilização das credenciais (chaves de acesso) e passwords únicas, pessoais e intransmissíveis do titular da conta. De acordo com a documentação disponível, em 28/06/2016, o cliente autorizou a alteração de dados nomeadamente a alteração do número de telemóvel para o envio de segurança adicional por SMS para a concretização das operações”. São ali identificadas transferências interbancárias para contas da titularidade e M, A (ora arguido) e MF (mãe da primeira) e Office Center, transferências internas (em contas BEST) para 3 contas tituladas por M e MF, e cheques depositados em contas do BANIF tituladas pelo arguido e pela mãe de M. E ali conclui-se, a final, que: “Em face do explanado, concluímos que a movimentação questionada, com início há mais de 10 anos, foi realizada através da Web, pelo que o cliente, ao facultar as suas credenciais de acesso ao sistema a M, infringiu ele próprio deveres e obrigações contratuais e não observou os princípios e procedimentos instituídos no âmbito da sua relação com o Banco”.
- Informações alusivas a contas bancárias tituladas pelo aqui arguido A (com informação acerca da (in)atividade, saldo e/ou movimentos), constante de fls. 836 (informação centralizada do Banco de Portugal), 850 (Millenium BCP), 854 (Santander), 857 (BPI), 859 a 861 (Caixa Geral de Depósitos), 862 (Banco BEST) e 914 a 923 e 926 a 928 (Banco BANIF).
→ Volume 4 (do processo principal):
- Documentação feita juntar pelo arguido em sede de contestação subscrita nos autos (fls. 1038 a 1040 e 1098v a 1108v – alusiva a saldos e movimentos bancários de conta(s) titulada(s) pelo arguido);
- Relatório social do arguido (constante de fls. 1056 a 1059);
- CRC do arguido (fls. 1141);
- Prova junta do decorrer do julgamento: registo de mensagens de segurança de operações bancárias – vulgo TOKEN – enviadas por telemóvel, de cuja análise se evidencia o envio, em 6/07/2016, de mensagem SMS para o n.º te telemóvel do assistente - (…..) -, sob o assunto “alteração de número de telefones, telemóvel e e-mail”, passando só a partir desse momento o envio de idênticas mensagens a seguir para o novo número comunicado (o …..) – cfr. fls. 1169 a 1170v e 1233;
- Extratos bancários da conta do assistente no Banco BEST (já replicados noutros segmentos dos autos) constantes de fls. 1176 a 1232).
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→ Apenso 7486/18.5T9LSB (adveniente de denúncia criminal apresentada pela assistente “Banco BEST”, contra incertos), sendo o NUIPC em referência incorporado aos presentes autos:
- Extratos respeitantes à conta bancária de Carlos Basto no Banco BEST, constantes de fls. 17 a 34 do citado apenso;
- Documentação alusiva à vinculação de M à assistente “Banco BEST” (fls. 35 a 62).
Da respetiva análise emerge, em plano de destaque, o seguinte: - são celebrados entre as entidades supra dois contratos, sendo um primeiro (datado de 29/09/2005) intitulado de “Contrato de prestação de serviços - Angariador” e um segundo (com a aposição da data de 29/09/2005) denominado “Contrato de prestação de serviços – Agentes Vinculados e Promotores” (este último com a data de 6/05/2009).
No primeiro destacam-se as seguintes cláusulas: “1.2. Os serviços previstos no número anterior compreendem, exclusivamente, a apresentação, pelo Angariador ao Banco BEST e nos termos previstos no artigo 2., de pessoas que pretendam celebrar contratos de abertura de conta DO com o Banco BEST, no montante igual ou superior a €500,00 (“Potenciais Clientes”). 1.3. Fica expressamente entendido e acordado que, após a respetiva apresentação ao Banco BEST nos termos previstos neste contrato, os potenciais clientes passarão a ser clientes do próprio Banco BEST, com o qual estabelecerão diretamente, sem qualquer intervenção do angariador, todos os contratos e correspondentes relações comerciais. (…) 3. Retribuição: 3.1. A título de remuneração pelos serviços prestados, o Banco BEST pagará ao angariador, por cada contrato de abertura de conta DO que seja ativado, celebrado com uma pessoa referida pelo angariador nos termos previstos no artigo 2. que não tenha ainda estabelecida qualquer relação contratual com o Banco BEST, o montante previsto no Anexo I ao presente contrato, que deste faz parte integrante para todos os efeitos legais e contratuais. (…) 4.3. O angariador não poderá receber dos potenciais clientes quaisquer importâncias, sob qualquer forma, correspondentes a operações por si executadas ao abrigo do presente acordo, nem assinar, em nome e representação de potenciais clientes ou do Banco BEST quaisquer documentos ou contratos, nomeadamente condições gerais e impressos de solicitação ou contratação de aberturas de conta DO”.
No derradeiro vínculo negocial assinalado, lê-se, entre outro clausulado, o seguinte: “Cláusula 1ª – 1. O segundo outorgante obriga-se a desenvolver a atividade de agente vinculado e de promotor em nome e por conta da primeira outorgante. 2. Em particular, o segundo outorgante representará a primeira outorgante na prestação dos seguintes serviços: a) prospeção de investidores, fora do estabelecimento da primeira outorgante, com o objetivo de captação de clientes para quaisquer atividades de intermediação financeira; b) receção e transmissão de ordens, colocação e consultoria sobre instrumentos financeiros ou sobre serviços prestados pela primeira outorgante; c) promoção de operações bancárias; e, d) mediação de seguros. (…) Cláusula 3ª (Atos e operações especialmente vedadas ao segundo outorgante) – Ao segundo outorgante encontra-se vedada: a) a celebração de contratos em nome da primeira outorgante; b) a tomada de qualquer decisão de investimento em nome ou por conta dos clientes ou qualquer outra atuação em nome ou por conta dos clientes; c) a receção de dinheiro, títulos de crédito ou de quaisquer outros valores dos clientes; d) a cobrança aos clientes de qualquer remuneração (…) Cláusula 8º (honorários) 1. O valor de honorários que o segundo outorgante receberá pelo resultado do seu trabalho são aqueles que, em cada momento, constam do documento emitido pela primeira outorgante para o efeito, podendo este valor ser revisto com a periodicidade ali estabelecida. (…)”.
- missiva de rescisão contratual promovida pelo Banco BEST face a M, datada de 31 de maio de 2016 (fls. 61 e 62).
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Demais apensos:
→ Apenso 1 (documentação que se crê ter sido entregue pelo próprio assistente C, logo existente na sua posse ou pelo mesmo obtida): contemplam-se quadros informativos (alusivos a saldos ou comissões pagas a M), documentos, impressos e fichas bancárias alusivas à conta daquele, recibos verdes emitidos por M ao assistente, e cópias de talões de depósito de valores na conta BEST do assistente, encontrando-se, pelo menos os constantes de fls. 30, 31 e 34, assinados por M.
→ Apenso 2 (contempla extratos bancários – reais – da conta bancária do assistente C no período temporal compreendido entre novembro de 2004 e agosto de 2017 – refletindo a perda patrimonial de ativos junto do Banco BEST – em termos conformes com os sintetizados nos autos principais).
→ Apensos 3-A e 3-B (Contêm mapas/quadros informativos alusivos a património e rentabilidade de investimentos relativos ao assistente C): tratam-se de documentos elaborados em programa informático – em word ou excel -, sem qualquer indicação da respetiva autoria ou aposição de assinatura/rubrica, e sem qualquer aposição de logotipo da instituição Banco BEST) – a informação neles aposta dá conta de evolução positiva do ativo patrimonial.
→ Apenso 4 (aglutina e integra documentação apreendida na residência comum do atual arguido A e da ex-arguida M): contempla cheque totalmente preenchido e com aposição de assinatura do assistente C, no valor de €10,340,00, com a data de 28/05/2015, encontrando-se omisso o campo “à ordem de”, o qual se encontrava guardado nas condições acima indicadas; segue-se documentação (mapas) informativos alusiva a movimentos e valores de património e rentabilidades (uns em formato word, outros em excel), alguns dos quais com aposição e inscrições/anotações manuscritas; declarações bancárias alusivas à conta do assistente; folhas manuscritas (com letra não sujeita a perícia mas em tudo similar a documentação encontrada no escritório de M – sendo algumas alusivas a operações financeiras e outra indicativa de despesas cremos que a inscrever em declarações fiscais); - os contratos celebrados entre os arguidos e o Banco BEST (como angariadora e/ou promotor – sendo que, destes, apenas a assinatura respeitante a M é similar à caligrafia aposta na documentação manuscrita e/ou anotada apreendida; - uma agenda pertencente a M e folhas com aposição do nome impresso daquela contendo anotações, na mesma caligrafia, identificativa da conta e contactos do assistente C (entre os quais o e-mail assinalado nos autos – carsibras@sapo.pt), bem como da identificação de contas bancárias do BEST de familiares (filhos).
→ Apenso 5 (compila a documentação apreendida no escritório da arguida M – sito na Rua ….. – Office Centre): São ali detetados e apreendidos: - cópia de bilhete de identidade e cartão de contribuinte do assistente C; - documentação bancária alusiva a operações bancárias realizadas na conta do assistente; - documento redigido a computador alusivo a valores de venda de ativos e despesas associadas (com inscrições manuscritas em tudo similares à caligrafia dos demais elementos apreendidos); - prints do site do Banco BEST com a identificação “histórico de ordens”; - recibos verdes, em formato eletrónico, emitidos por M e identificando como beneficiário de serviço o assistente C (anos de 2011, 2012 e 2013); - impressos tipo para a realização de movimentos bancários e/ou reforço e resgate de aplicações, assinados (em tinta azul) pelo assistente, sendo um deles em branco e outros com preenchimento em letras maiúsculas, de caligrafia similar aos documentos apreendidos nos autos; - declarações de IRS do assistente; - código de acesso à plataforma de contribuinte fiscal daquele e prints alusivos à entrega das correspetivas declarações fiscais; - documentação manuscrita vária.
Prova pericial:
- A fls. 866 a 895 do processo principal consta a perícia forense efetuada aos 3 computadores apreendidos aquando da realização de busca domiciliária à habitação comum de M e do aqui arguido A.
São assim sujeitos a exame os seguintes equipamentos informáticos: 1 - PC portátil marca Toshiba, modelo Satellite L-50, que se identifica sob o n.º referencial EQ01/HD01; 2 – PC portátil da marca Fujitsu Siemens, modelo Amilo Pro V 2000, a que se atribui o n.º referencial EQ02/HD01; 3 – PC portátil da marca Toshiba, modelo Satellite, ao qual é atribuído o n.º referencial EQ03/HD01.
No primeiro equipamento (EQ01) nada de relevante é detetado com relevo para os autos.
No segundo equipamento citado (EQ02) é detetado sistema operativo registado no nome “M”, sendo identificado, a par da conta de Administrador, a conta do utilizador “M”, cujo acesso é sujeito a aposição de password. É apenas nesta última conta que são detetados ficheiros com a referência Banco Best e ainda documentos com referência ao assistente (irs dr C e DC.pdf). É ainda detetado o acesso via Micosoft Internet Explorer ao site do Banco BEST.
Inexiste qualquer registo de conta associado ao arguido A.
No último equipamento analisado (EQ03) existe apenas uma conta de utilizador ativa (Administrador), nada de relevante sendo encontrado para a matéria dos autos.
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Análise crítica e complementar da prova:
Elencada nos termos retromencionados a prova (documental e declaracional) a considerar para a presente sede, importará agora proceder à sua apreciação crítica, complementar e conjugada, não deixando de descurar, na sua interpretação, as chamadas regras da experiência comum, vistas no caso concreto com respeito ao padrão do homem médio.
Nesse conspecto, diremos, com especial enfoque na extensa prova documental feita carrear para os autos, designadamente documentação de origem bancária, resultarem plenamente demonstrados os factos concernentes à abertura de conta, por parte do assistente C (médico de profissão), na instituição bancária Banco BEST, na data de 24 de outubro de 2004.
Também resulta inequívoco o incremento patrimonial (relevante) do saldo da mesma, por respeito a transferências/depósitos promovidos para aquela por banda do mencionado assistente, oriundas da transferência de aplicações juntos de outras instituições bancárias e/ou por depósito de valor adveniente de alienação de património imobiliário (firmando-se o património ali detido em cerca de 1 milhão de euros).
Igualmente resulta demonstrado que a evolução do património detido pelo assistente C em plano continuamente crescente até 2007, passando a partir desse momento a constatar-se uma maior oscilação (positiva e negativa) de ativos, sendo a tendência geral de decréscimo registada em especial a partir do final do ano de 2011 e início de 2012.
Por apelo à mesma evidência probatória, é também inquestionável a existência de saídas de valores económicos de montante relevante para contas bancárias tituladas por M e familiares daquela (marido, ora arguido e progenitora).
Tal realidade permite-se extrair (quantificando em conformidade com o plasmado no texto acusatório) da documentação bancária feita coligir nos autos, com especial relevância para os extratos bancários, quer da conta do assistente, quer das contas de destino (uma das quais titulada pelo arguido), corroborando, nesse segmento, o depoimento do assistente.
Não obstante a clareza e inequivocidade da demonstração de uma tal realidade, afigura-se-nos ser menos evidente e clara a intervenção e/ou conhecimento, na ação conducente a tal realidade, do aqui arguido.
Vejamos qual(is) as razão(ões) para assim suceder:
Em primeiro plano, cumprirá destacar que os autos (principais) advêm de queixa/denúncia criminal subscrita pelo assistente C, única a exclusivamente contra M.
Na peça processual que desencadeia os autos, após feita plasmar (quase de forma plena ou textual) em sede de despacho acusatório, todas as ações ou comportamentos contendentes à abertura de conta, captação de investimentos, realização de investimentos, “updates” periódicos da sua evolução, reuniões periódicas, contactos conducentes ao acesso a tal conta e ação de depauperação dos montantes antes ali depositados, até ao momento final de agosto de 2017 (contemporâneo com a deslocação aos serviços centrais do Banco BEST), são assacadas, em singelo, à ação individualizada de M.
Apenas ali se indicam singelas e pontuais referências ao nome do aqui arguido, sendo uma delas direta, a saber, a referência de ter sido o mesmo a trazer, a pedido de M, desencadeado pela insistência de C, de um envelope, contendo no seu interior dinheiro (cerca de 2000 euros) e, numa referenciação mais secundarizada, a circunstância de ter, a partir de determinado momento temporal, passado a encontrar frequentemente M na agência imobiliária gerida por A.
Também ali se fez alusão do pedido formulado por M que, num primeiro segmento temporal, figurasse o aqui arguido a posição de agente promotor da conta do assistente, por não ter aquela as habilitações para assumir tal tarefa, no entanto ressaltando-se ser tal intervenção (aceite pelo assistente) meramente formal, declarando nunca ter reunido ou falado com A a propósito de tal assunto.
Mais nenhuma menção ou ação relevante se descreve ou imputa ao aqui arguido.
Nesse encadeamento, é pois com naturalidade que se constata ser a ação investigatória direcionada, única e exclusivamente, para a pessoa de M, relativamente à qual se firmam as iniciais ações investigatórias (o mesmo sucedendo no apenso 7486/18 adveniente de denúncia firmada pela após assistente Banco BEST).
Entre tais diligências, conta-se também o pedido e execução de mandados de busca física, a realizar na morada de escritório de M (Rua ………, em Setúbal) e na residência que a mesma, em comum, assumia com o ora arguido A (Rua …….., em Setúbal) – ressalta-se que os mandados são emitidos tendo por única referenciação subjetiva a denunciada M.
É pois, diga-se de forma algo surpreendente (diremos mesmo incoerente face à tramitação até ali observada), que se constata desencadear tal diligência probatória a constituição, como arguido, de A, que, a partir desse momento, passa a ser sujeito da mesma atenção face à denunciada inicial (sua esposa) – designadamente com sujeição a 1º interrogatório de arguido.
Em plano temporalmente não muito distante (cerca de 1 ano e 2 meses depois), passa-se a centrar unicamente em si a atenção processual investigatória dos autos, por ocasião e em sequência do óbito de M, ocorrido em 9 de fevereiro de 2019 (fls. 656).
E, perante uma tal realidade, o posicionamento da investigação passou a ser um só, sendo destinado a procurar criar uma “ponte” eventual entre a ação (na 1ª pessoa e em plano primordial) da arguida entretanto falecida e o aqui arguido.
E nesse mesmo posicionamento se passou a enquadrar o depoimento do assistente C.
Na realidade, não divergindo o mesmo, na essência do seu relato, da descrição firmada na denúncia inicial por si subscrita, foi bem evidente o esforço de mencionação da pessoa e nome do agora único arguido, por apelo a realidades não ali inicialmente descritas (vg. a presença do arguido no estabelecimento de café onde se registou a abordagem inicial do assistente, a presença em plano de audibilidade na loja imobiliária aquando da realização, no local, de reuniões com M, a existência de cruzamentos “sociais” entre ambos na rua, no âmbito do qual questionaria o arguido quanto à evolução dos seus negócios, sendo-lhe respondido que tudo estava bem e que “estava bem entregue”, no mesmo enquadramento a existência, a partir de determinado momento, de uma postura “furtiva” a tais contactos, ou mesmo a referenciação à verbalização, por M, de que também trabalhava em casa e que contava com o auxílio/ajuda do coarguido, que após declarou estar convicto ser no domínio da informática).
Ora, este novo posicionamento, inovatório face ao inicialmente firmado nos autos, no qual se ressalta, de forma expressa, a ausência de qualquer contacto de índole, teor ou temática profissional, direto ou indireto, com A - não obstante este figurar inicialmente, sob um plano meramente formal, como promotor dedicado -, afigura-se-nos, pese embora natural face à fragilização da sua posição patrimonial em virtude do perecimento da pessoa por si denunciada (M), passível de assumir-se “artificialmente” criada, diremos mesmo forçada, não deixando de fragilizar, nesse segmento, a desenvoltura, equidistância e crédito do seu discurso.
Na realidade, por nenhum contributo da prova testemunhal resultou relatada ou passível de extrair-se a participação ativa e real de A na gestão dos ativos financeiros do assistente, ou sequer fazer concluir pelo conhecimento, por aquele, em plano abrangente e/ou de pormenor, dos termos em que aquela temática se processava (o simples relato da presença do arguido no local físico onde, a dado momento, se passaram a efetivar reuniões entre o assistente e a mulher, ainda que na configuração de open space, sem qualquer participação ativa em tais reuniões – diga-se, a par de outros funcionários do espaço – não o poderá, por si só, fazer evidenciar).
Por outro lado, e a par do posicionamento passado a assumir supra, o depoimento do assistente, porventura no desenvolvimento maior de questionação a que é em julgamento sujeito, vem agora a assumir-se pelo menos parcialmente contraditado pela prova documental produzida nos autos ou pelas regras da experimentação comum.
Vejamos, exemplificativamente, alguns dos segmentos em que assim sucede:
- O assistente, por iniciativa própria e sem que nada lhe fosse questionado, preocupa-se em ressaltar ser por si exigido que os investimentos a realizar no Banco BEST fossem seguros, declarando-se assim um investidor cauteloso ou conservador (dessa forma procurando certamente afastar a possibilidade da perda – ainda que parcial - de ativos financeiros advir de investimentos “de risco”), isto não obstante evidencie ter a conta por si aberta naquela instituição bancária por único propósito o investimento de poupanças (ao invés do uso como conta de movimentação “corrente”).
No entanto, a análise das aplicações efetuadas, ab initio, contemplando período em que o mesmo recebia ainda na sua morada os extratos bancários, evidencia um perfil bem distinto, com carteira de ativos/investimentos detidos pelo assistente, na qual se inscrevem investimentos avultados em fundos de investimento internacionais, cuja seleção certamente não se contenderá num chamado perfil conservador de investimento.
Neste conspecto, e em plano mais compaginável com um perfil dinâmico de investimentos (com assunção do inerente risco) emerge a realidade, permitida dar pelos extratos bancários (fidedignos) feitos juntar aos autos, que o património do assistente assume tendência geral de crescimento até 2007, sendo a partir daí que se regista uma tendência de perda (pouco expressiva num momento inicial e mais acentuada a partir de final de 2011/início de 2012).
E tal contexto ou ocasião temporal não é, cremos, indissociável de episódio de crise no imobiliário, iniciada em 2008, com reflexos alargados e distendidos no tempo (no caso português com manifestação em crise da dívida pública no ano de 2011), sendo que tais eventos, a par de outros, conduziram a uma evidente contração do fulgor ou rentabilidade de investimentos e apontaram para uma crise feita prolongar no tempo.
Não se diz com isto que toda a perda patrimonial ocasionada na esfera do assistente decorra de tais eventos “de mercado”, isto na evidência documental da ocorrência de transferências da conta daquele para a conta de terceiros. Porém, afigura-se-nos que parte da perda do seu ativo poderá decorrer de riscos normais de funcionamento dos mercados e, cremos, riscos plena e conscientemente assumidos e conhecidos pelo assistente.
Na realidade, pouco ou nenhum crédito se nos merece a afirmação feita, pelo assistente C, de estar convicta e genuinamente convencido de ter assegurado, em cerca de 13 anos, o reforço, em 8 vezes, do seu ativo patrimonial (passando de 1 milhão para 9 milhões de euros) com o simples recurso a aplicações seguras ou de capital assegurado, isto na medida em que é do conhecimento generalizado e comum que investimentos seguros implicam esferas ou margens de rentabilidade diminutas.
Por outro lado, idêntica reserva se nos assumirá a afirmação do assistente de que, não obstante os expectáveis e significativos ganhos, nunca foi o mesmo fiscalmente alvo da tributação correspetiva, pretensamente sob o pretexto de existirem “bons conhecimentos ou contactos” que o permitiriam assim suceder.
Aliás, com tal afirmação, C evidenciou, diga-se, uma postura inconciliável com a posição de inocência que procura fazer transparecer nos autos, acabando por admitir a aceitação de uma realidade pouco clara ou de legalidade questionável, como forma de obtenção de lucro, passando, pelo menos, pela adesão a um esquema de fuga à cobrança fiscal.
E essa realidade ou postura, cremos, não poderá ser vista em plano de dissociação face à circunstância de ter M, a dado momento (pese embora sem qualquer formação ou certificação para tanto), passado a assumir a tarefa de preenchimento e entrega das declarações periódicas/anuais de imposto (IRS), fazendo-o com o conhecimento, anuência e aceitação do assistente que, de resto, para tanto lhe fez chegar os códigos de acesso à plataforma de contribuinte fiscal.
Assim sucedeu sem que M se assumisse como gestora de negócios ou contabilista certificada, sendo as declarações certificadas eletronicamente como se tratassem de documentos assinados pelo próprio contribuinte (reforça-se, com a concordância deste último).
E, neste cenário ou enquadramento, não se deixa o Tribunal, legitimamente, de questionar…
Seria o cenário das saídas de dinheiro da conta do assistente, passando por outras contas e “perdendo-se o rasto do dinheiro” uma forma de assegurar a realização de investimentos em nome do assistente sem ditar para o mesmo a inerente e legal responsabilização tributária?
E seria a ausência de retorno de valores para a conta de origem adveniente de investimentos de risco implicando perda de ativos?
E, neste enquadramento, seria a divulgação, por M, de informação desajustada e inverídica, destinada a ocultar tais perdas?
São cenários que não descartamos de forma plena.
- Dir-se-á, ainda a propósito da postura ou comportamento do assistente, o seguinte:
O mesmo refere ter-lhe sido exigido, como contrapartida do desempenho funcional, como gestora dos ativos financeiros a si pertencentes, e depositados no Banco BEST, o pagamento de 10 % de comissões sobre as mais-valias auferidas.
Esclarece ter acedido a tal pedido, efetuando o pagamento com recurso à emissão de cheques bancários.
No entanto, refere nunca lhe terem sido disponibilizados recibos ou documentos de quitação dos valores entregues, com o que, cremos, procura apenas demonstrar a perceção do enquadramento de tal comissão como prevista pelos serviços do BEST.
Nada mais falso!
Desde logo, porque é o próprio assistente a entregar, aquando do início dos autos, documentação que tem na sua posse, na qual se contemplam recibos verdes emitidos por M (fls. 45 a 47 do Apenso).
Por outro lado, aquando da efetivação da(s) busca(s), são também apreendidos recibos verdes (eletrónicos) emitidos pela mencionada M (fls. 43 e 44 do Apenso 4).
Tais documentos encontram-se emitidos, como contribuinte individual, por M, não tendo qualquer alusão à atuação por intermédio do Banco BEST.
De resto, a emissão de recibos verdes ou a necessidade de emissão de cheques bancários (do próprio BEST) sentido algum faria no âmbito da apontada convicção, pelo assistente, da existência de previsão contratual que o permitisse, isto na medida em que, numa relação tripartida, poderia o BEST fazer o próprio acerto das mais valias após dedução da comissão devida, sendo esta descontada ao valor do rendimento a auferir, sem necessidade de ser o cliente a assegurar, por motu próprio, tal pagamento.
Perante esta realidade incontornável, uma vez mais nos questionamos se a cobrança de tais valores se encerraria na referida ligação bancária tripartida ou, ao invés, seria apenas ajustada bilateralmente entre o assistente a M – no âmbito da autonomia contratual de ambos (ainda que implicando a violação do vínculo contratual da arguida perante o BEST) como pagamento dos seus serviços, os quais se constata irem além da ação de promotora (M tratava das declarações fiscais do assistente) e que, em determinados segmentos temporais, se mostram desprendidos de qualquer vínculo face ao BEST (assim sucede no momento de contratação dos serviços da referida instituição Bancária, no qual M refere não ter a sua situação regularizada por forma a atuar em representação daquela, ou após ver cessado o vínculo assumido, de que também informa o assistente, aceitando este que a mesma continuasse a gerir, já sem o referido vínculo, os seus ativos).
Na realidade, é apenas este último cenário aquele que se revela digno de credibilidade, isto quando se constata que tais comissões começariam, segundo o próprio assistente, admite, ab inito a ser cobradas, isto em momento no qual nem M nem o arguido assumiam qualquer ligação ao Banco BEST.
E assim sendo questionamos, porque razão inexistem recibos emitidos por A?
E, reforça-se, tal sucede também num momento temporal final, ocorrido já após maio de 2016, momento em que ocorre a cessação plena de funções de M junto do BEST, facto que é levado ao conhecimento do assistente e que está na origem da nomeação de novo gestor de conta, e que, não obstante, não o demove de, segundo o mesmo refere, continuar a efetuar pagamento de comissões que, face à cessação do vínculo de gestora do BEST, deixaria de ter fundamento de ocorrerem.
A resposta, cremos, apontará para o sentido atrás aventado, que apontará para a existência de um vínculo contratual assumido diretamente, e a título particular, entre o assistente e M, no qual a existência de conta no BEST se assumiria, essencialmente, como mera conta de suporte e angariação.
De resto, a prova demonstra também que, além dos valores efetivamente entregues pelo arguido a M, fossem eles em plano de comissões ou, admite-se, de prestação de qualquer outro serviço, a referida arguida apresentava-se, à data de realização da busca domiciliária (em 8/11/2017), titular de um outro cheque, emitido já no transato ano de 2015, pelo valor de €10.340,00, assinado pelo assistente, encontrando-se o campo “à ordem de” por preencher (nota-se que tal cheque se encontrava no interior de uma mala de mulher, sendo assim a sua pertença inquestionavelmente feita por referência a M).
Mais uma vez questiona-se o Tribunal qual a razão da existência de tal título de crédito nunca apresentado a pagamento e sem preenchimento integral dos seus campos de preenchimento, pouco compaginável com o desígnio feito descrever nos autos.
Mais:
- A análise documental dos autos permite a soma de valores pretensamente devidos a título das atrás mencionadas comissões em valor superior a 800 mil euros!
Ora, uma vez mais, tal valor é muito expressivo como simples remuneração de um agente comercial bancário, sendo quase equivalente ao valor inicialmente subscrito pelo assistente na conta do BEST.
Não seria a expressividade de tal valor, pago ao longo de um período temporal de cerca de 13 anos, merecedor de reservas do assistente?
A resposta é, para qualquer um, óbvia.
Na realidade, o assistente apresenta-se em julgamento como um indivíduo vivido, dotado de estudos superiores e com desempenho alargado das funções de médico, não sendo pois um indivíduo de parca escolaridade ou diminuta experiência de vida.
Outrossim, invoca ser a origem do capital investido como correspondendo às “poupanças de uma vida de trabalho”. Porém, revela, no mínimo, uma posição desinteressada ou alheada do controlo efetivo da evolução de tais poupanças, as quais entrega a uma pessoa que, não tendo uma situação de regularidade formal face ao Banco BEST, na posição de promotora, conhecera apenas do contacto de café.
De resto, nessa posição de alheamento, acaba mesmo por criar, ele próprio, todo o contexto porventura aproveitado para o eventual “abuso” de quem gere o seu património, solicitando ao BEST, por intermediação de M, que deixasse de receber em casa dos extratos bancários da sua conta, e facultando àquela arguida (entretanto falecida) os códigos de acesso à sua conta (necessários para a realização de operações bancárias), os quais, da leitura do clausulado que ele próprio assinou, são de uso pessoal e estritamente intransmissíveis.
E não se invoque, em plano apto a contraditar esse “laxismo” do assistente, a existência de uma atuação criada por terceiros, o que se poderia extrair da alteração, que se refere promovida por M, dos elementos de contacto postal e telefónico do assistente, como propensos a retirar-lhe a capacidade de controlo da sua conta.
Senão vejamos:
→ relativamente à indicação de morada diversa para o envio de correspondência postal, importa ressaltar que a mesma é complementar e indissociável à comunicação escrita feita, a fls. 735 (carta datada de 29/05/2009), pelo assistente, no sentido de passar a ser a comunicação bancária enviada para a Rua (…..), em Setúbal.
O assistente admite tal facto (a redação e assinatura da missiva supra) mas enjeita ter celebrado o contrato de aluguer/arrendamento de fls. 735v e 736, com base no qual se fundamenta a razão de ser do envio de correspondência para aquele local, afirmando ser a assinatura ali aposta falsa.
No entanto, importa considerar que tal documento é anexado à missiva primeiramente mencionada, tendo datação anterior, sendo salientado na missiva o envio de comprovativo de possuir o requerente, no novo local de notificação de correspondência postal, de gabinete profissional (sendo assim fls. 735 a 736 um único documento e não dois elementos separados).
De resto, até se estranha a reserva ora passada a assumir pelo assistente, porquanto, constando tal elemento documental desde uma fase muito embrionária da investigação, constata-se que nunca antes aduzira tal reserva, a qual, a suceder, certamente demandaria a sujeição de tal documento a um exame pericial.
Mais, o referido documento encontra-se igualmente assinado pelo representante do centro de escritórios Office Center, sem que se invoque ou demonstre o conluio ou envolvimento do mesmo na outorga de um contrato falseado.
Tal contrato, de resto, motiva a realização dos devidos pagamentos de arrendamento, os quais se constata serem feitos em débito da própria conta bancária do BEST titulada pelo assistente.
E disso o assistente, pretensamente, também não dá conta…
→ Relativamente à alteração do contacto telefónico o mesmo se diga.
A mesma é promovida pelo preenchimento e entrega nos serviços do BEST de impresso próprio, o constante de fls. 33 e 34 – e replicado noutros momentos dos autos -, o qual se mostra assinado pelo assistente (sem menção de qualquer reserva em redor da fidedignidade da assinatura).
Segue-se à sua entrega nos serviços centrais do BEST o envio de uma mensagem SMS dando conta do pedido de alteração formulado, e informando quanto ao envio postal de documentos destinados à comprovação e finalização do mesmo.
Tal mensagem SMS é enviada para o n.º (…..), que se constata ser o contacto do assistente (os próprios autos de inquirição do assistente nos autos o evidenciam), não havendo qualquer demonstração que não haja ali sido rececionados.
Não obstante referir nunca ter solicitado tal alteração, o assistente nada faz no sentido de invalidar tal alteração ou sequer de se inteirar da razão da sua comunicação, também não procurando indagar quanto ao envio – e para que local – de documentação de validação de tal ordem.
E, mais uma vez, apenas encaramos tal “passividade” ou face a um cenário de evidente incúria, desinteresse ou desleixo do mesmo, ou, porventura com maior aproximação da realidade, por ser tal operação de alteração efetivamente desejada, e porventura encarada como forma de conceder a M uma maior liberdade de ação (o assistente evidenciou incómodo por ser contactado pelo Banco e por ter de facultar código de acesso a solicitação telefónica de M).
De resto, a mesma lógica se firma quanto à disponibilização do código/password necessária à autorização de operações bancárias, a qual refere suceder a solicitação telefónica de M, com disponibilização da mesma pelo assistente, procedimento que, a deixar de suceder (conforme sustentaria a ausência de perceção das movimentações realizadas ao arrepio da sua vontade ou conhecimento), ou pressuporia a disponibilização plena e voluntária dessa informação ou (“entregando-se o assistente à atuação da arguida”) ou, a assim não suceder, mereceria de um cidadão normal e diligente o esclarecimento sobre a razão de ser de não mais lhe serem solicitadas tais validações.
*
Mas se algumas das inconsistências ou incongruências acima apontadas se nos permitem apor, pelo menos em parte, algumas reservas em redor da plena validade do relato dos factos veiculada pelo assistente C em julgamento - alimentando a sua absoluta inocência no processo que conduz ao inegável empobrecimento do seu património -, a evidência probatória do envolvimento, participação e/ou conhecimento das ações que conduziram a tal desfecho por parte do aqui arguido é ainda mais frágil.
Senão vejamos:
→ Exercício de funções de promotor/gestor de investimentos:
A assunção, pelo arguido A, das funções de promotor dedicado da conta bancária do assistente C, a suceder (o que, diga-se, não é claro e inequívoco), é apenas formal, sendo que o próprio assistente refere nunca ter reunido com o arguido ou lidado com o mesmo a propósito das questões de gestão do seu património financeiro.
→ Interação entre arguido e assistente:
A ocorrência de pretensas interações verbais casuais, em cruzamentos ocorridos em via pública, ou o teor (sempre genérico, quase de “circunstância”) nos mesmos aduzido pelo assistente, nada permite evidenciar a existência de conhecimento genérico ou pormenorizado da gestão empreendida por M.
→ Entrega de envelope com dinheiro:
A circunstância de ser o mesmo a pessoa responsável pela entrega de um envelope contendo dinheiro nada evidencia, na medida em que tal sucede após conversação com M, por solicitação ou sob fundamentação que se desconhece, desconhecendo-se igualmente a origem de tal envelope ou do dinheiro que nele se encontrava (por exemplo se mostrava já naqueles termos, se foi necessário efetuar algum levantamento e quem o fez), sendo também de ressaltar que não se demonstrar ter o arguido atestado o que ali se encontrava, face à circunstância de o ter entregue fechado.
É também de destacar que a entrega do referido envelope sucede na rua e não no escritório de M, não se relatando a ocorrência de uma qualquer interação verbal mais impressiva.
De resto, a ação descrita é de entrega ao assistente de uma importância monetária ao invés da sua retirada da esfera de disponibilidade daquele, o que, isso sim, configura ser o núcleo da infração penal assacada.
→ A presença física do arguido em reuniões/encontros entre M e o assistente C:
A admita-se provável presença física do arguido, a partir de determinada altura, no local onde passam a existir encontros entre C e M, a saber, a imobiliária explorada pelo próprio arguido, e a circunstância do mesmo poder percecionar, até sonoramente, o teor de tais encontros face à configuração física do espaço – open space -, nada evidencia ou permite concluir, sendo que, a par do arguido, outros funcionários que ali se encontravam poderiam igualmente inteirar-se das mesmas, sem que tal lhes conceda o conhecimento da situação económica ou financeira (real ou fictícia) do assistente.
De resto, é o próprio assistente a afirmar que, no indicado local, já não ocorreram reuniões de comunicação de resultados de investimentos ou de comunicação de evolução patrimonial, mas tão somente encontros no âmbito dos quais o mesmo manifestaria o propósito de aceder a importâncias ali pretensamente detidas.
→ Buscas:
Na decorrência das buscas efetuadas ao escritório exclusivo de M, à residência e à imobiliária onde desempenhava funções do arguido, constata-se que, no último espaço, nada é encontrado, apenas ocorrendo apreensão de documentos no escritório da arguida (em maior número e dimensão) e alguma documentação (essencialmente anotações manuscritas) na habitação comum dos arguidos.
Neste último segmento, há documentação física que é detetada em condição de acesso estrito à arguida M (cheque guardado numa mala feminina), sendo outra documentação identificativa daquela arguida (agenda e folhas com cabeçalho identificativo daquela).
No restante, a documentação apreendida (com conexão face à conta do assistente) é encontrada numa zona comum (de escritório), porém com aposição de anotações em escrita similar àquela que é detetada em espaços da disponibilidade exclusiva de M, ou, no que à contida em suporte digital, num único computador, o qual tem criado uma conta única de utilizador, em nome de M.
E também não pode colher a insinuação de que seria o arguido, por titular de conhecimentos no domínio da informática, a pessoa responsável pelo auxílio de M na elaboração de mapas e documentos falsos, quando se constata que estes últimos são feitos sem maior sofisticação ou apuramento, certamente com recurso a programas de uso hoje plenamente generalizado (word, excel).
→ Movimentação para contas tituladas pelo arguido:
O segmento, quanto a nós, mais fortemente passível de revelar o envolvimento do arguido na ação levada a cabo por M prende-se com a circunstância de uma das contas utilizadas para a saída de importâncias monetárias originárias da conta do assistente ser a conta titulada pelo mesmo.
Assim é uma realidade incontornável.
Porém, a mesma carece de ser analisada com cautela e em plano alargado.
Efetivamente, constata-se que outras contas bancárias são utilizadas nesse mesmo plano, designadamente a conta titulada por MF (mãe da arguida).
Diga-se, de resto, que é esta última a permitir a movimentação de quantias económicas mais expressivas (por comparação face à conta do arguido).
Por outro lado, demonstra-se que as importâncias por ali transferidas não permanecem por períodos temporais alargados, registando-se a sua pronta saída das mesmas.
Ora, os depoimentos das testemunhas MF e D evidenciam, cremos que de forma sincera e credível, que a abertura de contas no Banco BEST, em nome de vários familiares de M, ocorrera por iniciativa daquela, tendo desde logo a motivação de permitir a obtenção da comissão devida pela sua abertura.
Por outro lado, também evidenciam tais depoimentos que a movimentação das mesmas sempre foi assegurada por M, a qual assumiria uma postura mais dinâmica, por contraponto ao arguido, o qual foi descrito como um indivíduo mais pacato e passivo.
Ora, concedendo a decisão final de inquérito que assim haja sucedido quanto a MF (podendo apenas essa realidade justificar a opção pela não dedução, contra aquela, de acusação pública), porque razão não se poderá admitir que o mesmo pudesse suceder quanto à(s) conta(s) do arguido (na qual poderia até ser facilitada a movimentação por M)?
De resto, os autos são omissos de elementos de prova que permitam concluir ser apenas o arguido a pessoa encarregue da utilização ou acesso a tal(is) conta(s) – tal como sejam quais os cartões bancários emitidos e respetiva titularidade, existência ou inexistência de canais digitais associados e os seus acessos e utilizadores autorizados, etc.
Ou sequer se tais contas eram ou não utilizadas no domínio da atividade profissional que o mesmo desempenhava, designadamente pela agência imobiliária que, a partir de determinada altura, passou a gerir.
E, nesse enquadramento, à luz de um agregado que se prefigura ser essencialmente matriarcal, nada nos permite concluir não ter sido M a atuar a jusante e complementarmente à ação que, individualmente, havia já iniciado (sendo inequivocamente ela que se encarregou das ordens de transferência para a saída de montantes da conta do assistente).
Diga-se, de resto, e à luz do que se vem atrás analisando, que não se descarta por totalmente inverosímil que, pelo menos em parte, o esquema de saída de montantes da conta bancária do assistente, como passagem por outras contas e eventual destino à concretização, em seu interesse, de investimentos, pudesse ter por propósito evitar a tributação em sede de mais valias, que o próprio C referiu, a dado momento, ter interesse e benefício em ver concretizado.
Por outro lado, e ainda que se demonstrasse ter o aqui arguido, em algum momento, percecionado a passagem pela sua conta de tais valores, nada permite clarificar ser a sua ação ou contributo destinada a uma coautoria, ou se, ao invés, numa mera cumplicidade (facilitando a ação delituosa de terceiro).
→ Do incremento patrimonial do(s) arguido(s):
Por último, e em plano necessariamente conexo com o antecedente, cumpre salientar que não se vislumbra, no plano atual, qualquer situação demonstrativa de conforto ou incremento patrimonial, demonstrando os autos, ao invés, que o mesmo se veio apenas a tornar, pelo decesso de M, das dívidas por aquela ou por ambos (na constância do matrimónio) contraídas.
Assim se demonstra da análise da documentação bancária alusiva a contas pelo mesmo tituladas, as quais não evidenciam saldos de conta ou aplicações em montante expressivo.
Por outro lado, também sob o ponto de vista do património físico, não se vislumbra tal conforto ou incremento.
Quanto à habitação, a mesma encontra-se hipotecada em garantia de empréstimo bancário.
Quanto às viaturas automóveis descritas como mais “luxuosas” ou de gama mais alta, constata-se que as mesmas haviam sido utilizadas na decorrência da celebração de contratos de leasing.
Quanto a aproveitamento para lazer e férias, a prova apenas permite demonstrar a titularidade de um “time-sharing” de um apartamento no Algarve e a realização de uma viagem a Paris, o que, muito dificilmente, poderá ser visto como uma demonstração desproporcional ou evidente de riqueza.
De resto, o que a prova produzida espelha é, ao invés, uma maior contração de gastos e despesas, concretizada por exemplo pela troca de viaturas automóveis por outras de condição ou gama mais modesta, o que em tudo contrariaria a lógica refletida na acusação.
E diga-se que o aproveitamento, em benefício próprio e ou em benefício familiar alargado, de uma importância de mais de 1 milhão de euros, em chamados gastos ou despesas correntes, isto é insuscetíveis de serem após palpáveis em património real e efetivo, ainda que distendida por um período de cerca de 13 anos (e importa salientar que as perdas se assumem, essencialmente, ocorridas em prazo mais curto – desde 2011/2012), se revela ser dificilmente compreensível, afigurando-se porventura mais crível a realização, sem o esperado retorno, de investimentos em mercados de risco, por ação de M (em nome próprio – e abusivamente – ou em nome do assistente C).
Assim, e em síntese, do cotejo de toda a prova acima mencionada, com especial enfoque ao que é permitido retirar da análise da prova documental, a realidade permitida demonstrar é, cremos, não plenamente coincidente com a feita acolher no texto acusatório, quer, num primeiro domínio, quanto ao absoluto desconhecimento e inocência do assistente, que, apenas parcialmente (e numa lógica bem mais circunscrita) se concede poder existir, quer em especial quanto ao envolvimento, participação ou pleno conhecimento, ou bem assim benefício real, que o ora arguido pudesse assumir, em plano de ação concertada face à entretanto falecida M, ou permitindo a esta, com facilitação material, a consumação de um plano pela mesma gizado e executado.
O que se crê, ao invés, evidenciado, no que à primeira dinâmica salientada – a da postura do assistente -, é a demonstração clara e real de quem poderá ter pensado, admita-se que iludido pela atuação de M, mas sendo esta temperada por uma “dose significativa”, diremos desmedida, de ambição, ter encontrado uma chamada “fórmula dourada” para o seu enriquecimento rápido e fácil, porventura aceitando o risco associado a tal ensejo (não estando descartada a ocorrência de perdas por funcionamento do risco dos mercados) e/ou descurando ou querendo desconsiderar a realidade comummente conhecida e aceita de que não há lucros fáceis ou soluções milagrosas para o enriquecimento e bem-estar financeiro (pelo menos em plano de legalidade ou isenção de risco).
Aliás, a conclusão evidenciada no parecer realizado na auditoria promovida internamente pelo Banco BEST, segundo a qual não haviam sido ali detetadas outras anomalias ou fraudes relacionadas com a gestão de ativos, por M, pertencentes a outros clientes da sua carteira, poderá reforçar a ideia de que o relacionamento entendido assumir entre assistente C e a sua gestora se poderá ter concretizado em termos muito singulares, admita-se consensuais, na sua base, aos envolvidos, ainda que merecendo uma execução que se posse ter assumido desconforme às expetativas de ganho criadas (sendo consabido que, havendo criadas rotinas ou procedimentos habituais de fraude, e intenções de obtenção de rendimentos avultados, estes tendem a generalizar-se a outras vítimas).
Dito de outra forma, e fazendo já a ponte com o segundo segmento assinalado - o da intervenção ou conhecimento, pelo arguido, da ação levada a cabo por M -, com apelo aos princípios vigentes no domínio probatório penal, deverá este último segmento, insuscetível de demonstração ou elucidação cabal, ser interpretado com benefício do arguido.
O princípio in dubio pro reo é o correlato processual do princípio da presunção da inocência do arguido.
Gozando o arguido da presunção de inocência (artigo 32, nº 2, da Constituição da República Portuguesa), toda e qualquer dúvida com que o tribunal fique reverterá a favor daquele.
O princípio in dubio pro reo, enunciado por Stubel no século XIX, constitui um princípio probatório segundo o qual a dúvida em relação à prova da matéria de facto deve ser sempre valorada favoravelmente ao arguido.
"O principio in dubio pro reo aplica-se sem qualquer limitação, e portanto não apenas aos elementos fundamentadores e agravantes da incriminação, mas também ás causas de exclusão da ilicitude (v. g. a legitima defesa), de exclusão da culpa. Em todos estes casos, a persistência de dúvida razoável após a produção da prova tem de actuar em sentido favorável ao arguido e, por conseguinte, conduzir à consequência imposta no caso de se ter logrado a prova completa da circunstância favorável ao arguido" - Figueiredo Dias in D.tº Processual Penal, 1974, 211.
"Não adquirindo o tribunal a "certeza" (a convicção positiva ou negativa da verdade prática) sobre os factos (...), a decisão tem de ser, por virtude do princípio in dubio pro reo, a da absolvição. Neste sentido não é o princípio in dubio pro reo uma regra de ónus da prova, mas justamente o correlato processual da exclusão desse ónus" - vd. Castanheira Neves in processo criminal, 1968, 55/60.
Assim, com natural implicação no desfecho decisório dos autos, crê-se unicamente demonstrada a realidade feita descrever em 1) a 32), mas já não cabalmente demonstrada a factualidade indicada em A) a O).
De forma mais detalhada, e quanto a cada um dos factos não merecedores de prova, temos que:
- A não prova do facto A) estribou-se no conjunto da prova produzida e/ou examinada nos autos, a qual, na leitura acabada de explicitar, se nos afigurou insuficiente para fazer concluir pelo conluio face á ação de M, ou adesão ou apoio a plano gizado em comum ou unicamente por aquela. A mesma lógica impedirá a demonstração probatória plena dos factos K) a O) – os tangentes à imputação subjetiva dos lícitos assacados em acusação pública -, apenas se demonstrando possível provar que algumas importâncias terão passado por conta do arguido, à semelhança do sucedido quanto a outras contas e intervenientes, porém sem demonstração real da ação ou benefício daquele concreto arguido;
- Quanto à opção pela não prova do facto B), a opção probatória sedimentou-se, uma vez mais, na análise da prova feita carrear nos autos, designadamente aquela que se assume demonstrativa da análise dos vínculos contratuais de M face ao BEST, demonstrando que, ao ano de 2004, a mesma não assumia ainda qualquer vínculo face àquela instituição bancária. Tal realidade careceu de ser vista à luz da afirmação assumida pelo assistente C em julgamento, no âmbito da qual lhe foi dito, nesse momento inicial, por M, que a mesma não reunia ainda as condições para exercer funções de gestão junto do BEST, sugerindo assim que, na gestão formal, figurasse o nome do arguido (o qual, por análise do suporte contratual que lhe diz respeito, também não assumia, à data de celebração do contrato de abertura de conta, qualquer ligação ou vínculo face ao BEST);
- No que ao facto C), afigura-se-nos ter o mesmo resultado contraditado da análise dos investimentos bancários firmados, ab initio, pelo assistente – designadamente em momento no qual era ainda recebedor dos competentes extratos e informações de conta -, os quais se efetivam em montantes elevados aplicados em fundos internacionais, designadamente indexados a índice de bolsa, o que muito dificilmente lhes concede qualquer garantia do investimento do capital investido (não consta, de resto, qualquer literatura aos mesmos respeitante que o evidencie). Aliás, a própria acusação contradiz-se ao afirmar que, inicialmente, o perfil de investidor se assumiu sempre como cauteloso, para, adiante, dar conta de uma pretensa alteração do posicionamento do investidor, verbalizando a vontade de mudança se subscrição para aplicações “mais seguras” – realidade feita refletir no ponto E), do qual também não se fez qualquer prova. Aliás, a acusação assumiria contradição ao afirmar ser o perfil de investimento ser, ab initio, conservador, fazendo após alusão a um pedido pelo cliente de passagem do capital (ou parte) dele para aplicações mais seguras;
- O facto D) foi contraditado pelas próprias declarações do assistente, quer no tangente ao momento de início das reuniões assumidas face a M (logo após o momento de abertura da conta no BEST), quer quanto à periodicidade (inicial e subsequente) das mesmas. De resto, a acusação assumia-se, também neste tocante, contraditória, na medida em que fazia relegar “artificialmente” o início das reuniões para setembro de 2005 – data que se percebe ser a de início da prestação de funções de M para o BEST (procurando sustentar a lógica de atuação como gestora do BEST) -, porém descrevendo após ações de captação de capital para investimentos anteriormente a tal data (por exemplo na redação acolhida no ponto 13 da acusação);
- A demonstração do facto F) resultou afastada por via da prova efetuada nos autos, a qual demonstrar ter sido o assistente a assinar, por motu próprio, um impresso de alteração de informação do cliente, que se constata ser correspondente ao número telefónico de contacto pelo Banco BEST, rececionando, ainda no seu telefone pessoal, uma mensagem SMS gerada pelo Banco BEST (token) que lhe dava conta da formulação do pedido de alteração de número de contacto. Também no domínio da alteração da correspondência postal, o assistente é subscritor de uma missiva cujo teor é claro na formulação desse pedido (escrita manuscritamente e pelo mesmo assinada), na qual se envia anexa a cópia de um contrato de arrendamento cuja validade não se permite assim duvidar. Nesta medida, o único elemento de contacto cuja alteração se admite puder não ser o assistente conhecedor é o de um endereço de correio eletrónico (email), na medida em que se dá conta da ausência de uso habitual, por C, de meios informáticos;
- A não prova do facto G) firmou-se no próprio discurso do assistente C, o qual afirma serem-lhe solicitados por M os códigos/password necessários à validação de operações, que o mesmo lhe fornecia (contrariando, de resto, as obrigações que sobre si impendiam – como alerta – na contratação que ele celebrar com o Banco BEST – onde se ressaltava serem tais elementos de segurança pessoais e intransmissíveis);
- O facto H) não mereceu qualquer sequência probatória, sendo que a alusão feita à intervenção “formal” do arguido refere-se reportada a outro momento temporal (fase inicial da gestão) e tendo por suporte motivação diversa (a ausência de condições técnicas para M o fazer);
- Também o facto I) não encontrou na prova firmada em julgamento qualquer sustentação probatória, apenas se demonstrando ter o assistente C, por mais do que uma ocasião, solicitado a M o acesso a importâncias depositadas na conta do Banco BEST;
- O facto J) também não mereceu, designadamente no que tange à motivação ou fundamento ali mencionados, qualquer corroboração probatória.
Também não se provou (com implicação exclusiva face ao aqui arguido)
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No que tange ao enquadramento vivencial do arguido e elucidação da sua personalidade, considerou o Tribunal o relatório social feito juntar aos autos, que complementou face aos esclarecimentos prestados por MF e D (demonstração probatória dos factos 33) a 55).
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Por último, para a apreciação do seu passado criminal (ou ausência do mesmo), atendeu-se ao CRC feito juntar aos autos – facto 56).

2.3. Das questões a decidir

Do texto recursivo de onde perpassa, como se apontou, alguma mescla argumentativa, parece veicular-se um afloramento no sentido de se pretender impugnar a materialidade fáctica, elencando o Assistente recorrente diversos traços da matéria de facto dada como provada e como não provada, com os quais não concorda em termos de dimensão.
Como decorre de todo o articulado recursório, em primeiro e pronto passo, insurge-se o Assistente recorrente relativamente à matéria de facto dada como provada, constante dos pontos 13, 18, 22, 26, 28 da matéria provada e alíneas A), B), K), L), M), N) e O) da factualidade não provada.
Nesse alinhamento, ancorando-se na existência de erro de julgamento, pretende impugnar a matéria de facto, sendo de referir que, neste particular, esta via de reação não se apresenta como um direito inacabável / irrestrito / infindável, assumindo-se antes como um remédio jurídico para enfrentar quadros de ilustração de um decidir erróneo / desajustado / inadequado.
Acresce, que desponta como nota enformadora do sistema processual penal vigente que os Tribunais da Relação conhecem de facto e de direito, nos termos do estatuído no artigo 428º, do CPPenal, sendo que no tocante à matéria de facto, o trajeto a seguir é o de apurar, primeiramente, com base no mecanismo da impugnação alargada, se esta tiver sido suscitada, incumbindo a quem recorre o ónus de impugnação especificada, previsto no artigo 412º, nº 3 e, nº 4, do citado compêndio legal, condição para que a mesma seja apreciada, e depois, e se for o caso, dos vícios prevenidos no artigo 410º, nº 2, do dito diploma legal.
No retrato em sindicância, ao que tudo aponta, o Assistente recorrente, em primeira mão, ensaia posicionamento integrável na vertente mais ampla, ou seja, aquela a que se refere o artigo 412º, nºs 3, 4 e 6, do mesmo diploma.
O erro de julgamento abordado neste inciso ocorre quando o tribunal considere provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova, pelo que deveria ter sido considerado não provado ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado.
Desta feita, este caminho de reação leva a que a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que contém e se pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos nºs 3 e 4 do artigo 412.º do CPPenal.
Aqui não está em causa a realização de um segundo julgamento sobre a matéria em questionamento, agora com base na audição de gravações, mas antes constitui um mero expediente para obviar a eventuais erros ou incorreções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspetiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente.
O recurso que impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não pressupõe, por conseguinte, a reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos «concretos pontos de facto» que o recorrente especifique como incorretamente julgados.
Para tanto, deve o tribunal de recurso verificar se os aspetos da materialidade fáctica questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa[2].
E, nesse desiderato, porque o recurso em que se impugne amplamente a decisão sobre a matéria de facto não constitui um novo julgamento do objeto do processo, mas antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir, cirurgicamente, erros “in judicando” (violação de normas de direito substantivo) ou “in procedendo” (violação de normas de direito processual), o recorrente deverá expressamente indicar e se lhe impõe o ónus de proceder a uma tríplice especificação, nos termos constantes do nº 3, do artigo 412º, do CPPenal.
No fundo, o que está em causa e se exige na impugnação mais ampla da matéria de facto é que o recorrente indique a sua decisão de facto em alternativa àquela que consta da decisão revidenda, justificando, com base no todo dos elementos probatórios existentes e produzidos, considerando-os na globalidade e não apenas em parcelas cirurgicamente selecionadas, e em relação a cada facto alternativo que propõe, porque deveria o tribunal ter decidido de forma diferente.
De outro modo, exige-se que o recorrente observe / respeite os requisitos formais da motivação de recurso face à imposta especificação dos concretos pontos da matéria de facto, que considera incorretamente julgados, das concretas provas e a referência ao conteúdo concreto dos depoimentos que o levam a concluir que o tribunal julgou indevidamente e que impõem decisão diversa da recorrida, tudo com referência ao consignado na ata, com o que se opera a delimitação do âmbito do recurso.
Tal exigência é de entender como contemplando o princípio da lealdade processual, de modo a definir em termos concretos o exato / preciso sentido e alcance da pretensão, de modo a poder ser cabalmente exercido o contraditório[3].
Sequentemente, como o que está em questão, tal como se afirmou, é despistar e corrigir, cirurgicamente, erros in judicando ou in procedendo, o ónus da tríplice especificação decorrente do artigo 412º, nº 3, do CPPenal, encerra:
- indicação dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
- indicação das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
- indicação das provas que devem ser renovadas.
A especificação dos «concretos pontos de facto» traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da decisão recorrida e que se consideram incorretamente julgados.
Por sua vez, a pormenorização das «concretas provas» só se satisfaz com a enunciação do conteúdo especifico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida.
Finalmente, a particularização das provas que devem ser renovadas implica o elenco dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento em 1.ª instância cuja renovação se pretenda.
Relativamente às duas últimas individuações recai ainda sobre o recorrente uma outra exigência: havendo gravação das provas, essas especificações devem ser feitas com referência ao consignado na ata, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens (das gravações) em que se funda a impugnação, pois são essas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes, tal como decorre do plasmado nos nºs 4 e 6 do artigo 412º do CPPenal.
Nesta dimensão, importa salientar que (v)isando o recurso a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, basta, para efeitos do disposto no artigo 412.º, n.º 3, alínea b), do CPP, a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações[4].
Visitando todo o instrumento recursivo, sendo claro que não prima o mesmo pela clareza / diafaneidade / limpidez / precisão no cumprimento das máximas supra enunciadas e extraídas do disposto nas diversas alíneas integradoras do nº 3 do artigo 413º do CPPenal, crê-se que daquele exubera um mínimo elucidativo de tal, propiciador da ponderação nesta vertente.
Não deixou, por isso, este tribunal, de proceder à audição da gravação respeitante à prova indicada pelo recorrente, e de outra, sem prejuízo de ouvir outras passagens que não as indicadas (nº 6 do artigo 412º do CPPenal) e de analisar a motivação que sustenta a decisão recorrida, por forma a verificar se as conclusões alcançadas pelo tribunal recorrido, a partir da prova que valorou, se mostram razoáveis ou se, eventualmente, as provas e posicionamento indicados pelo Assistente recorrente, à luz de um raciocínio comum, impõem decisão diversa - alínea b) do nº3 do artigo 412º.
O que se pretende num julgamento é conhecer um acontecimento pretérito e por isso, a valoração das provas sobre o mesmo tem de traduzir uma atividade racional, objetivada e motivada, para além de toda a dúvida razoável, consistente na eleição da hipótese mais provável entre as diversas reconstruções possíveis dos factos.
E procedeu-se dessa forma tendo sempre em vista que, como realçou oportunamente o STJ[5], a sindicância da matéria de facto, na impugnação ampla, ainda que se debruçando sobre a prova produzida em audiência de julgamento, sofre quatro tipos de limitações:
- a que decorre da necessidade de observância pelo recorrente do mencionado ónus de especificação, pelo que a reapreciação é restrita aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorretamente julgados e às concretas razões de discordância, sendo necessário que se especifiquem as provas que imponham decisão diversa da recorrida e não apenas a permitam;
- a que decorre da natural falta de oralidade e de imediação com as provas produzidas em audiência, circunscrevendo-se o “contacto” com as provas ao que consta das gravações;
- a que resulta da circunstância de a reponderação de facto pela Relação não constituir um segundo / novo julgamento, cingindo-se a uma intervenção cirúrgica, no sentido de restrita à indagação, ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo à sua correção se for caso disso;
- a que tem a ver com o facto de ao tribunal de 2ª instância, no recurso da matéria de facto, só ser possível alterar o decidido pela 1ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida.
Anote-se, também, que o Tribunal ad quem apenas tem de verificar se os pontos da matéria de facto impugnados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando, especificadamente, os meios de prova enunciados nessa decisão e as concretas provas indicadas pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa da proferida.
Na verdade, para que se possa alterar o decidido em 1ª instância, necessário se torna que as provas adiantadas pelo recorrente imponham decisão diversa da proferida e não apenas que o permitam - alínea b) do n.º 3 do artigo 412.º do CPPenal.
Impor / demandar / exigir uma decisão diversa da questionada não significa admitir uma decisão diferente da recorrida. Tem um alcance mais exigente e significa que a decisão proferida, face às provas, não é possível / plausível / verosímil pois, como se vem entendendo pacificamente, não basta contrapor à convicção do julgador uma outra dissemelhante, ainda que também possível, para provocar uma modificação na decisão de facto.
É necessário que a convicção formada pelo julgador, relativamente aos pontos de facto impugnados, é impossível, desprovida de razoabilidade, destituída de sentido. Esta é, ao que se cogita, a dimensão do segmento "provas que impõem decisão diversa da recorrida'', expresso no supra citado inciso legal[6].
Atendendo a todos estes considerandos e concatenando-os com o palco factual em presença, cumprirá então apurar da bondade da tese trazida pelo Assistente recorrente, neste traço impugnativo, denotando-se, desde já, que toda a motivação elaborada pelo tribunal recorrido exibe rigor, detalhe, lucidez e uma clareza, absolutamente inquestionáveis.
O Assistente recorrente, como se enunciou, de modo confuso, ora tentando seguir o modo de impugnação ampla - 412º, nºs 3 e 4 do CPPenal – ora arrimando com o erro na apreciação da prova como vício expresso no artigo 410º, nº 2, alínea c) do CPPenal, pretende que se considerem como provados os factos constantes dos pontos 13, 18, 22, 26, 28, com uma outra dimensão.
Desde logo, o Assistente recorrente, discordando do conteúdo de tais pontos, como extravasa do seu articulado recursório, elucubrando sobre diversos elementos de prova que seleciona, parece olvidar outros e, essencialmente, não logra apontar, com clareza e certeza, o que com os mesmos, com a tessitura que apresenta, se vai alcançar em termos de conjunto factual bastante para imputar ao aqui arguido os crimes dos quais foi absolvido.
O ponto 13 da matéria provada - Por seu turno, o arguido A veio a celebrar, em 12 de maio de 2006, contrato com o Banco BEST denominado contrato de prestação de serviços para o desempenho como promotor/prospetor – decorre do artigo 12. do libelo acusatório onde claramente se retira que (…) o arguido (…) celebrara previamente um contrato de prestação de serviços por tempo indeterminado, com o Banco Best em 12 de Maio de 2006[7], sendo que o Assistente recorrente, ao que se deslinda de todo o processado, nunca questionou tal facto até ao momento do recurso.
Acresce que a alegada justificação ora trazida - o Tribunal a quo não teve em consideração o facto provado 9), que fixou o dia 24.10.2004 como sendo a data da celebração do contrato da abertura da conta bancária do ora recorrente/assistente com o Banco Best, tal como não teve em consideração que o arguido A é o colaborador do Banco que consta na proposta de abertura da referida conta bancária, conforme resulta de fls. 20 a 29 do Apenso 1 dos autos – em nada belisca, ao que se pensa, a conclusão retirada pelo tribunal recorrido relativamente ao dito ponto 13.
Na verdade, auscultando todos os dados colhidos, tendo até em conta o declarado pelo Assistente recorrente, nos mais variados passos do seu depoimento – (…) estava um dia no café a lamentar com um amigo a dizer que o meu gestor do outro banco onde eu tinha uns pequenos depósitos (…) tinha mudado de banco e eu tinha ficado sem gestor (…) isto foi mais ou menos setembro (…) 2004 (…) então uma senhora levanta-se da mesa e aproxima-se de mim (…) diz o que é que faz e oferece os seus serviços de consultoria e gestão do meu eventual património que eu pudesse vir a ter (…) passados poucos dias (…) fui ao escritório (…) ela identificou-se disse o que é que fazia o que não fazia (…) ofereceu os seus préstimos caso eu aceitasse (…) nessa reunião estava só ela e eu (…) ela apresentou-me uns papeis para eu abrir uma conta no Best (…) eu fiz a abertura da conta (…) passado dias recebo num envelope um conteúdo que pego e vou ter com ela (…) cheguei ao pé dela no escritório abriu-se e ela mostrou-me e então explicou-me o que é que era (…) o que se ia fazer, em que é que se ia trabalhar, os códigos e umas chaves, explicou-me isso (…) era sempre tudo com ela (…) desde 2004 e até 2016 reuniu-se sempre só com a Dona M (…) lá no escritório não vi este senhor[8] (…) este senhor eu encontrava-me por diversas vezes na rua quando fazia as minhas caminhadas encontrava-me com ele, estava a passear a cadela, conversávamos, eu perguntava como estão as coisas a andar (…) ele dizia está tudo a correr (…) não há problema (…) não era conversa concretizada com este senhor (…) era aquela conversa geral (…) corriqueira (…) –, considerando o depoimento de CC (Diretor Coordenador do Banco Best) - (…) o Senhor A foi também agente vinculado do Banco mas ao contrário da M não era uma pessoa tão, por isso acabou por saí mais tarde (…) vi-o uma vez, como disse há pouco, no banco (…) tenho ideia que começou o A como agente vinculado a M era promotora e depois mais tarde (…) a M passou para agente vinculado e o A não sei se ainda foi promotor e depois deixou de ser (…), o que se retira é que o arguido terá tido diversos enquadramentos / posições no Banco Best em diferentes momentos, sendo que, como cristalinamente o refere, e bem justificando a decisão recorrida, em análise muitíssimo detalhada a assunção, pelo arguido A, das funções de promotor dedicado da conta bancária do assistente C, a suceder (o que, diga-se, não é claro e inequívoco), é apenas formal, sendo que o próprio assistente refere nunca ter reunido com o arguido ou lidado com o mesmo a propósito das questões de gestão do seu património financeiro.
Ante tal, emergindo como claro intento do Assistente recorrente, com esta alegação, envolver o arguido em todo o sucedido, parece o mesmo cair por terra, resultando como de manter o descritivo do ponto 13 da matéria provada.
Insurge-se o Assistente recorrente, também, quanto ao que se narra no ponto 18 - Em abril de 2016, por via de carta redigida e assinada pelo assistente C, foi também solicitado que a correspondência bancária emitida pelo BES, alusiva à conta bancária acima mencionada, passasse a ser enviada para a morada correspondente a “Rua ….., em Setúbal”, local onde funcionava o Office Centre, no qual também M tinha escritório.
Defende que da prova documental junta não consta qualquer carta redigida e assinada por si datada de abril de 2016.
Neste conspecto, considerando o documento constante de fls. 735 e o referido na decisão revidenda – (…) relativamente à indicação de morada diversa para o envio de correspondência postal, importa ressaltar que a mesma é complementar e indissociável à comunicação escrita feita, a fls. 735 (carta datada de 29/05/2009[9]), pelo assistente, no sentido de passar a ser a comunicação bancária enviada para a Rua ……., em Setúbal – parece obviamente claro que a dita missiva de alteração de morada data de 29 abril de 2009 e não de abril de 2016, sendo um notório lapso que não tem qualquer efeito na decisão, mormente quando à tentativa de demonstração do envolvimento do arguido nos factos em causa.
Se a intenção do Assistente recorrente é afirmar / insinuar que tal carta não foi por si escrita e assinada, o certo é que não há qualquer dado que denuncie resultar a mesma de uma falsificação, sendo que o Assistente recorrente até à interposição do presente recurso, tanto quanto transparece do processado, nunca o afirmou.
Deste modo, deverá passar a constar do dito ponto factual 29 de abril de 2009, aspeto este que, como já se adiantou, não surtirá qualquer efeito no desenlace final.
Prosseguindo, importa olhar à materialidade inserta no ponto 22 - Ainda por ocasião do Verão de 2017, o assistente exigiu a M o acesso a alguma importância monetária por si depositada, em face do que esta contactou telefonicamente A (em conversação cujo teor se desconhece), vindo este a comparecer junto ao escritório de M com um envelope fechado, em cujo interior se encontravam cerca de €2.000,00 (dois mil euros) – em que pretende o Assistente recorrente detalhar que ouviu a conversa tida entre M e o arguido e que o envelope que deste recebeu foi aberto na presença do arguido.
Cotejando todo o enunciado, tanto quanto se crê, é óbvio que se está perante pormenor que, ainda que a ser verdadeiro, não tem o menor efeito na tentativa de envolver o arguido em todo o sucedido, sendo que a essência / substância do facto está devidamente retratado – foi o arguido que após contacto de M levou o envelope contendo 2 mil euros o qual foi entregue ao Assistente recorrente.
Assim, nada há a alterar.
Olhe-se, agora, ao facto vertido no ponto 26 - Desde outubro de 2004 a agosto de 2017, M transferiu da conta bancária titulada por C no Banco BEST, com o nº ……, para contas bancárias por si tituladas e/ou pelo arguido – sendo a conta nº ……. apenas titulada pelo arguido - e de terceiros, sedeadas no Millennium BCP, Santander Totta, CGD e BANIF – entre as quais, a mãe da arguida, MF - conta nº …….. - e a empresa Office Center (onde se situava o escritório da arguida), procedendo ainda ao débito de cheques na conta bancária de C, a quantia total de €976.098,10 (novecentos setenta e seis mil e noventa e oito euros e dez cêntimos) – em que o Assistente recorrente pretende ver inscrito um outro valor, ou seja, o montante de €1.267.027,66, socorrendo-se de determinada prova documental – fls. 755, 756 e fls. 759 a 761.
Cumpre salientar que na motivação da decisão, e no segmento respeitante à prova documental, a dado passo, apelando-se ao volume 3 do processo principal, inscreve-se a menção Mapa (s) de transferências, apurado a fls. 753v a 755, 756v a 761.
Mostra-se também que o narrado no dito ponto corresponde precisamente ao que consta do artigo 23 da acusação[10], nota esta que, na verdade, nunca foi questionada até ao momento do recurso, tanto quanto transparece do processado, sendo que tendo havido oportunidade para se proceder à alteração dos factos, como aqui aconteceu, nada relacionado com esta vertente foi suscitado pelo Assistente recorrente.
Resulta igualmente que no elenco de prova trazido pela acusação – fls. 956 – se faz claro apelo aos documentos constantes de fls. 718 a 773, onde por isso se incluem os ditos mapas.
Sopesando todos estes matizes e procedendo ao somatório dos valores em questão, parece emergir que, na verdade, o quantum total das diversas parcelas se foi mantendo como ascendendo a €976.098,10, sendo antes de €1.267.027,66.
Este contorno, em termos imediatos, pode configurar situação enquadrável numa possível alteração não substancial dos factos e, nessa medida, apelar ao uso do mecanismo previsto no artigo 414º, nº 3 do CPPenal, ou seja, determinar a notificação do arguido para se pronunciar, em 10 dias.
Todavia, como decorre da normação em referência, o dever de notificação só existe se esta alteração não for conhecida do arguido, ou seja, se puder surgir como novidade trazida pela decisão a proferir pelo tribunal ad quem, apresentando-se como uma imprevisibilidade que impede o arguido de exercer o seu direito de defesa.
Com efeito, parece pacífico que se a alteração resulta de posição assumida pelo Digno Mº Pº nas conclusões do recurso ou no visto e, bem assim, do posicionamento que é assumido pelo assistente nas conclusões do seu recurso – como é aqui o caso – tal já é conhecido do arguido pois ele foi notificado para responder ao recurso, não sendo assim necessário este notificar.
Ou seja, o dever de notificação do arguido para se posicionar ante uma alteração não substancial dos factos, decorrente do preceituado no nº 3 do artigo 424º do CPPenal, não existe, quando tal derive, entre outras situações, das conclusões do recurso do assistente[11].
Acresce que, in casu não surtirá qualquer efeito na esfera do arguido, como se verá adiante.
Neste desiderato, no ponto 26, onde consta o valor de €976.098,10, deverá passar a constar o valor de €1.267.027,66.
Por fim, e no que tange à matéria provada, atente-se ao apontado ponto 28 - Para a conta bancária do arguido - individual e apenas titulada por este - foram transferidas, provenientes da conta de C, as seguintes quantias: - €15.367,00, em 16/08/2012; - €19.819,00, em 28/09/2012; - €11.561,00, em 09/11/2012; - €12.555,00, em 15/01/2013; - €5.800,00, em 05/02/2013; - €12.469,00, em 11/07/2013; - €11.157,00, em 29/08/2013; - €10.386,00, em 28/11/2013; - €12.480,00, em 28/02/2014; - €12.870,00, em 02/05/2014; - €5.150,00, em 15/10/2014; - €2.245,00, em 18/08/2016; - €1.300,00, em 05/10/2016 - que, no entender do Assistente recorrente, socorrendo-se dos documentos supra referidos, em vez de se referir que todas as quantias foram transferidas, há que mencionar que umas advêm de cheques debitados da conta daquele e, outras, foram realmente transferidas.
Efetivamente, do exame de fls. 760 vº e 755 vº, respetivamente, ao que transparece, existem diversas verbas oriundas de cheques emitidos sobre a conta do assistente recorrente e outras – duas – resultantes de transferências.
Mais uma vez se trata de um mero pormenor, sem a menor consequência no resultado da causa.
O importante, ao que se crê, é o apuramento claro dos valores / montantes em questão e que foram integrados numa conta do arguido, por este individualmente titulada.
E isso está claramente transposto no ponto em ponderação, podendo ler-se, aqui, a expressão foram transferidas em termos gerais, ou seja, como verbas que saíram da conta do Assistente recorrente.
Face a todo o expendido, no que tange aos pontos provados e aqui em sindicância, importa reescrever o ponto 18 - Em 29 abril de 2009, por via de carta redigida e assinada pelo assistente C, foi também solicitado que a correspondência bancária emitida pelo BES, alusiva à conta bancária acima mencionada, passasse a ser enviada para a morada correspondente a “Rua ….. em Setúbal”, local onde funcionava o Office Centre, no qual também M tinha escritório e, ainda, o ponto 26 - Desde outubro de 2004 a agosto de 2017, M transferiu da conta bancária titulada por C no Banco BEST, com o nº ……., para contas bancárias por si tituladas e/ou pelo arguido – sendo a conta nº ……. apenas titulada pelo arguido - e de terceiros, sedeadas no Millennium BCP, Santander Totta, CGD e BANIF – entre as quais, a mãe da arguida, MF - conta nº …….. - e a empresa Office Center (onde se situava o escritório da arguida), procedendo ainda ao débito de cheques na conta bancária de C, a quantia total de €1.267.027,66 (um milhão duzentos e sessenta e sete mil e vinte e sete euros e sessenta e seis cêntimos).

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Impõe-se, agora, conjeturar, sobre a factualidade entendida pelo tribunal a quo como não provada e que o Assistente recorrente pretende que venha a considerar-se como provada.
Aqui, ao que exulta, aponta-se, em primeiro mote, a circunstância de o tribunal recorrido não ter dado como provado - O casal formado por M e o ora arguido, A, já conheciam previamente o assistente, C, visto serem vizinhos do mesmo bairro e frequentaram o mesmo café, no qual por vezes privavam e conversavam; - O arguido, A, consta como o colaborador do Banco Best que apresentou a proposta de abertura da conta bancária do assistente C, tal como foi o PFA (personal financial advisor)/agente vinculado da conta do assistente C, durante o período de Outubro de 2004 a Dezembro de 2009; - O Banco Best é uma instituição bancária que não tem balcões de atendimento ao público e funciona por via electrónica e por contacto telefónico, através de atendimento em centros de investimento e por contacto dos seus Angariadores/“Personal Financial Advisors”/Agentes Vinculados; - Para além do escritório da M no Office Centre São Julião, em Setúbal, realizaram-se também várias reuniões entre o assistente C e a M nas instalações da agência imobiliária “Casas na Hora”, em Setúbal, de que o arguido era o responsável comercial, sobre matéria relacionada com a conta bancária do assistente no Banco Best, sendo que os valores que eram apresentados e explicados pela M ao assistente, nada tinham que ver com a realidade financeira da sua conta bancária; - O arguido é uma pessoa com conhecimentos e experiência em informática e possuía meios técnicos para, por exemplo, apagar as marcas de águas das fotos.
Num segundo vetor, questiona o Assistente recorrente a opção tida pelo tribunal recorrido relativamente à materialidade vertida nas alíneas A), B), K), L), M), N) e O).
Quanto ao primeiro vetor, pretende o Assistente, sem mais e sem que invoque qualquer normativo legal que o sustente, que se acrescentem factos que no seu único e exclusivo entendimento, pretendendo substituir-se ao tribunal, estão provados.
Desde logo, tanto quanto se pensa, toda esta materialidade, cuja essencialidade para o que aqui se discute é duvidosa, não consta da acusação e não foi trazida aos autos pelo Assistente recorrente, em nenhum momento, mormente usando a prerrogativa inserta no artigo 358º, nº 1 do CPPenal, a não ser agora recursivamente.
Por seu turno, como já se fez antever, dentre estes “factos novos”, há matéria que pura e simplesmente não tem o menor interesse para saber se o arguido incorreu ou não nos crimes que o Assistente lhe pretende imputar, tais como a questão relativa ao modo como o Banco Best desenvolve a sua atividade, a existência de reuniões entre o Assistente recorrente e M na agência imobiliária e, bem assim, a questão do arguido ser conhecedor e experiente em matéria de informática.
Na verdade, não se descortina nem o Assistente recorrente o explica, em que medida o modo de ação do Banco Best – não tem balcões de atendimento ao público e funciona por via electrónica e por contacto telefónico – vem trazer algum colorido que possa conduzir à participação do arguido em todo o sucedido com a conta, investimentos e utilização dos dinheiros do Assistente recorrente.
De outra banda, o ter havido reuniões com M em diversos locais, como bem diz o Assistente recorrente, foram com esta e nunca com o arguido. Por conseguinte, sendo o próprio Assistente recorrente a afirmar era sempre tudo com ela (…) desde 2004 e até 2016 reuniu-se sempre só com a Dona M, a circunstância de ter havido ou não reuniões na imobiliária onde por vezes poderia estar o arguido, em nada contribui para demonstrar o que se pretende recursivamente.
Quanto ao conhecimento e experiência do arguido em matéria de informática, que lhe permitia apagar as marcas de água em fotografias, pretendendo-se com isso, ao que se pensa, delucidar que o arguido é que congeminou e forjou toda a “documentação bancária” com que o Assistente recorrente foi enganado, basta atentar nas declarações de E (companheira do assistente recorrente) – (…) fui buscar a minha pasta com o extrato da mesma data e comparámos os extratos (…) e eu disse estes extratos não são iguais, eu não acredito que um banco tenha um extrato diferente para cada cliente (…) – e de V (filha do Assistente recorrente) – (…) entretanto mostraram-me documentos que tinham[12] na posse deles com uns logotipos mais estranhos com a escrita cheia de erros ortográficos, com algumas gralhas que é estranho para um banco (…) – para perceber que o alegado grau de experiência e conhecimento do arguido, a ter sido ele a o fazer, é de muito duvidosa consistência.
Aliás, o tribunal a quo de modo que se reputa acertado / límpido / certeiro, neste particular conspecto anuncia. E também não pode colher a insinuação de que seria o arguido, por titular de conhecimentos no domínio da informática, a pessoa responsável pelo auxílio de M na elaboração de mapas e documentos falsos, quando se constata que estes últimos são feitos sem maior sofisticação ou apuramento, certamente com recurso a programas de uso hoje plenamente generalizado (word, excel).
Por outro lado, no que tange ao grau do prévio conhecimento entre o Assistente recorrente e o casal composto pelo arguido e M, com a densidade que se insinua, sendo uma leitura da prova produzida levada a cabo pelo Assistente recorrente, sem efetivo ancoradouro na prova produzida, não se vislumbra o como e onde se pretende chegar para afirmar que o arguido esteve envolvido no todo acontecido relativamente aos dinheiros e investimentos daquele.
Na verdade o Assistente recorrente, em termos de proximidade do casal composto pelo arguido e M afirma (…) conhecia de vizinhança (…) frequentávamos o mesmo café (…) conversávamos de mesa para mesa (…) nunca entrei na casa dos arguidos (…) nunca fui visita de casa (…) quando via o casal era na rua (…), sendo que E, companheira daquele, e a este propósito, é absolutamente cristalina (…) o meu marido é que encontrava o casal (…) no café (…) eu nunca os vi e nunca os encontrei (…).
Ora, partir daqui para uma referência em que se pretende dar uma conotação de uma maior ligação, ao ponto de se afirmar que privavam, parece ser uma leitura nada conciliável com a prova produzida, nomeadamente das declarações do Assistente recorrente.
Aliás, se houvesse o tipo de laço que se intenta alavancar, não conversariam de mesa para mesa, sentando-se todos na mesma mesa, em sã e amena conversa.
Relativamente à questão do arguido ter sido colaborador do Best e que ele é quem consta como o colaborador do Banco Best que apresentou a proposta de abertura da conta bancária do assistente C, trata-se de matéria já por diversas vezes tratada, sendo claro que tudo não passou de uma mera formalidade, referindo o Assistente recorrente (…) assinar um documento por parte do arguido não (…) ela até me disse (…) no início ela ainda não estava bem totalmente regularizada no Best mas este senhor estava como colaborador (…) e ela pediu-me se eu não me importava que o nome dele figurasse como meu gestor e eu disse qua não tinha nada a opor (…) foi o início e passado muito pouco tempo ela ficou logo regularizada (…) quando ia às reuniões, no mapa figurava o nome dela (…) sempre falei com a Senhora M (…).
Diga-se que a ligação do arguido ao Banco Best está devidamente tratada no ponto 13 dos factos provados, sendo completamente despiciendo, para o efeito pretendido com o recurso, o acrescento ora pretendido.
Em suma, no que concerne a estes pontos, não constando os mesmos da acusação, não tendo o Assistente recorrente, por alguma forma, os suscitado em momento anterior ao recurso e revelando-se os mesmos totalmente inúteis para deles se concluir pela intervenção do arguido, ainda que indiretamente, em todo o acontecido, nada mais resta que concluir pela sucumbência do peticionado.
Um debruce, agora, sobre as diversas alíneas consideradas não provadas que o Assistente recorrente defende que deveriam constar como pontos provados.
Tal factualidade, esta sim, suscetível de encerrar carga bastante para a condenação do arguido, pelo menos, pelo crime de burla.
Conquanto, tal como sobejamente tratado na decisão em dissídio e sopesando toda a prova coligida, sendo que foi auditada a totalidade da prova testemunhal produzida, examinada a prova documental pertinente, é por demais evidente que são escassos, para não dizer quase inexistentes, os dados probatórios que permitam retratar a participação do arguido em todo o histórico sucedido.
Reiterando, é absolutamente apreensível que é o próprio Assistente recorrente que tudo reporta a M (…) nessa reunião estava só ela e eu (…) ela apresentou-me uns papeis para eu abrir a conta no Best (…) marquei encontro com ela (…) cheguei ao pé dela no escritório abriu-se e ela mostrou-me e então explicou-me o que era (…) o que se ia fazer, em que é que se ia trabalhar, os códigos e umas chaves, explicou-me isso (…) era só para ela fazer os investimentos (…) ela levantava os cheques para mim (…) os cheques eram para pagamento da comissão dela (…) ela (…) quando achasse oportuno e julgasse que havia uma quantia razoável me convocava para me apresentar uns mapas das evoluções dos investimentos e nos quais refletia a percentagem dela (…) ela só me ligava ao telefone para me pedir os quatro dígitos de uma chave de negociação e eu telefonicamente respondia e dava-lhe (…) apenas eram-me entregues os mapas que ela fazia das evoluções, ela entregava-me e eu lia (…) pedi a ela (…) era sempre tudo a ela (…) lá no escritório não vi este senhor[13] (…) este senhor eu encontrava-me por diversas vezes na rua quando fazia as minhas caminhadas encontrava-me com ele estava a passear a cadela, conversávamos, eu perguntava como estão as coisas a andar (…) ele dizia está tudo a correr (…) ela a querer por-me a fazer uma vida modesta (…) um dia fui ter com ela e disse-lhe você não pode dizer ao banco (…) que me deixe de mandar tantas cartas (…) eram quase diárias (…) ela disse então está bem pronto eu trato disso (…) depois deu-me uns papeis para eu assinar (…) assinei várias coisas (…) fui sim às instalações da imobiliária (…) estava lá o arguido assim como estavam lá outras pessoas (…) eu às vezes dispensava de ir à reunião com ela (…) ela entregou-me um documento oficial do Best eu aceitei sem desconfiança (…) assim um documento por parte do arguido não (…) sempre falei com a Senhora M (…) vou-lhe exigir a ela que me arranje um cartão multibanco (…) ela meteu-me uma data de senãos a adiar o cartão (…) o que se passou foi que a M a uma certa altura veio-me dizer que o banco queria fazer umas atualizações (…) meteu-me uns impressos à frente (…) não li o que estava lá (…) assinei (…) ela deixou de ser colaboradora do Best um ano e picos antes de agosto de 2017 e ela disse-me que o banco havia de me atribuir outro gestor (…), na conversa na imobiliária o marido da Senhora M estava na secretária ao lado (…) não houve qualquer intervenção (…) ela explicou logo aquilo tudo (…) a princípio via o nome dele como gestor (…) depois começou a aparecer o nome dela (…) para mim sempre foi a Senhora M (…) segundo ela me mostrava nos mapas devia ser um milhão e duzentos mil (…) no início (…) no final seriam nove milhões (…) eu sempre ouvi dizer através dela que ele trabalhava em informática (…) só sabia que ele trabalhava numa empresa no Porto (…) ela até dizia que para fazer os meus investimentos ela tinha comprado dois programas (…) cada um no valor de 3 mil euros (…) ela também percebia de informática (…) desde 2004 e até 2016 sempre reuniu só com a Dona M (…) ela dizia que tinha umas duas velhotas como clientes (…) dizia que tinha um cliente indiano para o Alentejo que tinha um património de 40 milhões (…) quem fazia os movimentos era ela (…) a Senhora M tratou do IRS logo desde o início (…).
Corroborando, importa repescar o declarado por E, companheira do Assistente recorrente que, prestando o seu depoimento, vem dizer (…) com a Senhora M tive dinheiro aplicado no Best e foi através dela que fiz essa aplicação (…) logo no início o meu marido disse-me que numa reunião que tinha tido com a Dona M que ela lhe tinha perguntado se ele se importava que (…) figurasse o marido como gestor de conta porque ela inda não tinha o processo (…) ainda não estava bem no Best (…) de início ela fazia aplicações talvez passado um ano ela disse que como o meu montante era pequeno ela ia aplicar num seguro (…) ela disse que como o meu marido já pagava comissão ela não me cobrava (…) eu não reuni muitas vezes com a Senhora M (…) na imobiliária (…) o marido da Senhora M (…) encontrei-o lá algumas vezes única e simplesmente não falava com ele dirigia-me à Drª M (…) o comportamento da Drª M nos últimos tempos ela que era sempre uma pessoa muito simpática e muito prestável estava um bocado diferente e entretanto o meu marido pedia dinheiro à Drª M e ela arranjava sempre desculpas nunca havia disponibilidade para ter dinheiro (…) o meu marido (…) encontrava o Senhor A a passear a cadela e conversavam sempre muito e ele muitas vezes chegava a casa e comentava comigo, encontrei o marido da Drª M, estivemos a conversar (…) vais falar com a V e vais-lhe contar aquilo que me tens contado em relação às atitudes da Drª M (…) estivemos nessa reunião e eu fiz-lhe a pergunta sobre (…) aquela figuração dos filhos e eu na conta como é que isso funcionava, perguntei-lhe daquele dinheiro aplicado (…) o meu marido foi-lhe dizer que a partir daquela data eu iria estar sempre presente nas reuniões (…) entretanto eu pedi-lhe a password e ela disse Ah! Mas a password está sempre a mudar (…) o marido não estava, nunca tive nenhuma reunião com ele[14] (…) ele confiava absolutamente nela, tudo o que ela dissesse era lei (…) eu nunca assisti a nenhuma reunião do meu marido com a M a não ser no dia 31 de agosto (…).
Em reforço, colecione-se o que V, filha do Assistente recorrente trouxe como contributo (…) eu vi o Sr. A uma vez (…) foi numa ocasião em que me desloquei com o meu pai ao escritório na altura da Drª M em que o objetivo era o meu pai emprestar-me dinheiro para a compra de uma casa (…) nessa ocasião estivemos a discutir esta possibilidade com a Drª M com a gestora de conta do meu pai (…) ele não teve qualquer intervenção na conversa (…) a Drª A disse na altura que movimentar (…) à volta dos 400/500 mil por aí (…) que não seria muito conveniente deslocar ou mover um montante tão elevado porque ia levantar suspeita (…) esta reunião foi em agosto depois dos anos do meu pai, em agosto de 2017 (…) o senhor não teve intervenção nenhuma (…) esta foi a última vez que estive com a Drª M (…) a primeira vez foi cerca de dois anos antes (…) já no final de 2015 (…) quando a ideia seria eu e o meu irmão (…) sermos titulares da conta dele (…) nessa altura foi-nos proposto pela Drª M entrarmos como beneficiários diretos (…) nunca chegámos a ter acesso à conta do meu pai (…) esta reunião foi também neste sítio (…) quem eu tenho presente é a Drª M, o meu pai, o meu irmão, eu e a E (…).
Ainda, como nota de relevo, neste particular traço, considere-se o trazido por CC, Diretor Coordenador do Banco Best, (…) o conhecimento que tem é com a Senhora M (…) vi o A uma vez (…) a M foi agente vinculada do banco durante muitos anos (…) seguramente 10 anos mais ou menos (…) durante esse período cheguei a ter reuniões com ela, ela ia ao banco também com alguma frequência (…) se não estou enganado ela foi promotora e depois passou a ser agente vinculada (…) acompanhei a Senhora M desde o princípio (…) era uma pessoa conhecida de algumas pessoas da área comercial (…) era uma pessoa bem referenciada (…) o Senhor A foi também agente vinculado do banco mas ao contrário da M não era uma pessoa tão, por isso acabou por sair mais tarde (…) com ele raramente o via, numa reunião não tenho memória de ter estado (…) vi-o uma vez (…) tenho ideia que começou o A como agente vinculado e a M era promotora depois mais tarde (…) a M passou para agente vinculado e o A não sei se ainda foi promotor e depois deixou de ser porque efetivamente (…) dentro dos nossos critérios não tinha disponibilidade para o projeto também não acrescentou valor e como tal não fazia sentido continuar (…) a M tinha uma carteira de clientes, talvez uns 40/50 (…) a informação que tenho a carteira da M também não crescia, em 2016 (…) a M mantinha-se presente (…) no caso da M foi mais o volume da carteira que estava áquem dos objetivos (…) saídas (…) superiores a 100 mil euros peço sempre a justificação e se for possível até tentamos falar com o cliente (…) neste caso concreto houve uma evolução do património que começou por ser positivo depois desceu foi evoluindo ao longo do tempo (…) eu diria que até ao final de 2009 manteve-se relativamente estável (…) seguramente em algum momento foi pedido um ponto se situação à M (…) nós não temos mecanismos que nos permitam auditar todas as transações que são feitas entre clientes do banco não há capacidade para o fazer (…) não tenho nenhum momento específico com ela (…) devo ter estado com ela 4/5 vezes (…) quando confrontada com a perda de património não tenho registo da resposta (…) foi dada uma resposta coerente (…) não sei qual (…) quando o património do Assistente começou a descer o Senhor A nem formalmente nem informalmente tinha qualquer ligação ao Banco.
Por último, chame-se à colação alguns excertos do declarado por MF, mãe de M, sogra do arguido, (…) na conta do Best (…) eu não percebo nada de computadores e tudo isso era tratado pela minha filha (…) eu adoro a minha filha (…) era muito esperta portanto ela sabia que se me mostrasse alguma coisa dessas (…) eu seria o mais contra possível (…) no Banco Best nunca abri mas ela abriu em meu nome até que me pediu para eu abrir juntamente com cada um dos miúdos (…) eu nunca vi nenhum documento concreto (…) eu nunca tinha recebido extratos (…) depois da minha filha falecer (…) o meu genro foi dar com tudo, foi ver o que se passava e os cartões e essas coisas e encontrou uma carta (…) vinha dirigida a mim (…) mas com a direção deles por isso eu não recebia as cartas (…) era do Banco Best (…) a data é de 1/10/18 até 1/01/19 (…) extrato desta conta nunca recebi exceto esta (…) ela mandou-me um extrato que não tinha impresso nada do Best (…) que eu saiba o meu genro não tinha trabalhado no Best (…) ele trabalhava numa empresa que não é o Best (…) o meu genro entregou-me a carta (…) estava fechada (…) o envelope tinha o Best (…) ele disse olhe está aqui esta carta para si e entregou (…) ele é um rapaz muito atilado em contas e tudo (…) a minha filha era a mulher das contas ela é que decidia tudo e o meu genro penso que como tinha trabalhos na empresa e responsabilidades deixava um bocadinho a coisa andar nas mãos dela (…) ela é que decidia (…) ela era uma rapariga muito ativa (…) era ela que fazia isso tudo sozinha (…).
Cotejando todo o acima expresso nada há que com segurança mínima permita apontar a participação do arguido em todo o esquema que terá sido montado por M, sua mulher, entretanto falecida.
E isso, ao que se pensa, mostra-se devidamente tratado / analisado / trabalhado na decisão propalada, o que se pode extrair de alguns fragmentos da extensa e pormenorizada motivação da decisão de facto que, por se entenderem mais relevantes, e os mesmos se subscreverem inteiramente, se passam a reproduzir de seguida.
Assim (…) A fls. 866 a 895 do processo principal consta a perícia forense efetuada aos 3 computadores apreendidos aquando da realização de busca domiciliária à habitação comum de M e do aqui arguido A (…) No primeiro equipamento (EQ01) nada de relevante é detetado com relevo para os autos (…) No segundo equipamento citado (EQ02) é detetado sistema operativo registado no nome “M”, sendo identificado, a par da conta de Administrador, a conta do utilizador “M”, cujo acesso é sujeito a aposição de password (…) apenas nesta última conta que são detetados ficheiros com a referência Banco Best e ainda documentos com referência ao assistente (irs dr C e DRC.pdf). É ainda detetado o acesso via Micosoft Internet Explorer ao site do Banco BEST. Inexiste qualquer registo de conta associado ao arguido A. (…) com especial enfoque na extensa prova documental feita carrear para os autos, designadamente documentação de origem bancária, resultarem plenamente demonstrados os factos concernentes à abertura de conta, por parte do assistente C (médico de profissão), na instituição bancária Banco BEST, na data de 24 de outubro de 2004 (…) resulta inequívoco o incremento patrimonial (relevante) do saldo da mesma, por respeito a transferências/depósitos promovidos para aquela por banda do mencionado assistente, oriundas da transferência de aplicações juntos de outras instituições bancárias e/ou por depósito de valor adveniente de alienação de património imobiliário (firmando-se o património ali detido em cerca de 1 milhão de euros) (…) resulta demonstrado que a evolução do património detido pelo assistente C em plano continuamente crescente até 2007, passando a partir desse momento a constatar-se uma maior oscilação (positiva e negativa) de ativos, sendo a tendência geral de decréscimo registada em especial a partir do final do ano de 2011 e início de 2012 (…) é também inquestionável a existência de saídas de valores económicos de montante relevante para contas bancárias tituladas por M e familiares daquela (marido, ora arguido e progenitora) (…) Não obstante a clareza e inequivocidade da demonstração de uma tal realidade, afigura-se-nos ser menos evidente e clara a intervenção e/ou conhecimento, na ação conducente a tal realidade, do aqui arguido (…) cumprirá destacar que os autos (principais) advêm de queixa/denúncia criminal subscrita pelo assistente C, única a exclusivamente contra M (…) a peça processual que desencadeia os autos, após feita plasmar (quase de forma plena ou textual) em sede de despacho acusatório, todas as ações ou comportamentos contendentes à abertura de conta, captação de investimentos, realização de investimentos, “updates” periódicos da sua evolução, reuniões periódicas, contactos conducentes ao acesso a tal conta e ação de depauperação dos montantes antes ali depositados, até ao momento final de agosto de 2017 (contemporâneo com a deslocação aos serviços centrais do Banco BEST), são assacadas, em singelo, à ação individualizada de M (…) é pois com naturalidade que se constata ser a ação investigatória direcionada, única e exclusivamente, para a pessoa de M, relativamente à qual se firmam as iniciais ações investigatórias (o mesmo sucedendo no apenso 7486/18 adveniente de denúncia firmada pela após assistente Banco BEST) (…) conta-se também o pedido e execução de mandados de busca física, a realizar na morada de escritório de M (Rua ….., em Setúbal) e na residência que a mesma, em comum, assumia com o ora arguido A (Rua ……., em Setúbal) – ressalta-se que os mandados são emitidos tendo por única referenciação subjetiva a denunciada M (…) É (..) de forma algo surpreendente (diremos mesmo incoerente face à tramitação até ali observada), que se constata desencadear tal diligência probatória a constituição, como arguido, de A, que, a partir desse momento, passa a ser sujeito da mesma atenção face à denunciada inicial (sua esposa) (…) (cerca de 1 ano e 2 meses depois), passa-se a centrar unicamente em si a atenção processual investigatória dos autos, por ocasião e em sequência do óbito de M, ocorrido em 9 de fevereiro de 2019 (fls. 656) (…) perante uma tal realidade, o posicionamento da investigação passou a ser um só, sendo destinado a procurar criar uma “ponte” eventual entre a ação (na 1ª pessoa e em plano primordial) da arguida entretanto falecida e o aqui arguido (…) este novo posicionamento, inovatório face ao inicialmente firmado nos autos, no qual se ressalta, de forma expressa, a ausência de qualquer contacto de índole, teor ou temática profissional, direto ou indireto, com A (…) afigura-se-nos, pese embora natural face à fragilização da sua posição patrimonial em virtude do perecimento da pessoa por si denunciada (M), passível de assumir-se “artificialmente” criada (…) nenhum contributo da prova testemunhal resultou relatada ou passível de extrair-se a participação ativa e real de A na gestão dos ativos financeiros do assistente, ou sequer fazer concluir pelo conhecimento, por aquele, em plano abrangente e/ou de pormenor, dos termos em que aquela temática se processava (o simples relato da presença do arguido no local físico onde, a dado momento, se passaram a efetivar reuniões entre o assistente e a mulher, ainda que na configuração de open space, sem qualquer participação ativa em tais reuniões – diga-se, a par de outros funcionários do espaço – não o poderá, por si só, fazer evidenciar) (…) a par do posicionamento passado a assumir supra, o depoimento do assistente (…) vem agora a assumir-se pelo menos parcialmente contraditado pela prova documental produzida nos autos ou pelas regras da experimentação comum (…) - O assistente, por iniciativa própria e sem que nada lhe fosse questionado, preocupa-se em ressaltar ser por si exigido que os investimentos a realizar no Banco BEST fossem seguros, declarando-se assim um investidor cauteloso ou conservador (…) isto não obstante evidencie ter a conta por si aberta naquela instituição bancária por único propósito o investimento de poupanças (ao invés do uso como conta de movimentação “corrente” (…) a análise das aplicações efetuadas, ab initio, contemplando período em que o mesmo recebia ainda na sua morada os extratos bancários, evidencia um perfil bem distinto, com carteira de ativos/investimentos detidos pelo assistente, na qual se inscrevem investimentos avultados em fundos de investimento internacionais, cuja seleção certamente não se contenderá num chamado perfil conservador de investimento (…) e em plano mais compaginável com um perfil dinâmico de investimentos (com assunção do inerente risco) emerge a realidade, permitida dar pelos extratos bancários (fidedignos) feitos juntar aos autos, que o património do assistente assume tendência geral de crescimento até 2007, sendo a partir daí que se regista uma tendência de perda (pouco expressiva num momento inicial e mais acentuada a partir de final de 2011/início de 2012 (…) tal contexto ou ocasião temporal não é, cremos, indissociável de episódio de crise no imobiliário, iniciada em 2008, com reflexos alargados e distendidos no tempo (…) afigura-se-nos que parte da perda do seu ativo poderá decorrer de riscos normais de funcionamento dos mercados e, cremos, riscos plena e conscientemente assumidos e conhecidos pelo assistente (…) pouco ou nenhum crédito se nos merece a afirmação feita, pelo assistente C, de estar convicta e genuinamente convencido de ter assegurado, em cerca de 13 anos, o reforço, em 8 vezes, do seu ativo patrimonial (passando de 1 milhão para 9 milhões de euros) com o simples recurso a aplicações seguras ou de capital assegurado, isto na medida em que é do conhecimento generalizado e comum que investimentos seguros implicam esferas ou margens de rentabilidade diminutas (…) idêntica reserva se nos assumirá a afirmação do assistente de que, não obstante os expectáveis e significativos ganhos, nunca foi o mesmo fiscalmente alvo da tributação correspetiva, pretensamente sob o pretexto de existirem “bons conhecimentos ou contactos” que o permitiriam assim suceder (…) Seria o cenário das saídas de dinheiro da conta do assistente, passando por outras contas e “perdendo-se o rasto do dinheiro” uma forma de assegurar a realização de investimentos em nome do assistente sem ditar para o mesmo a inerente e legal responsabilização tributária? (…) seria a ausência de retorno de valores para a conta de origem adveniente de investimentos de risco implicando perda de ativos? (…) seria a divulgação, por M, de informação desajustada e inverídica, destinada a ocultar tais perdas? São cenários que não descartamos de forma plena (…) ainda a propósito da postura ou comportamento do assistente (…) refere ter-lhe sido exigido, como contrapartida do desempenho funcional, como gestora dos ativos financeiros a si pertencentes, e depositados no Banco BEST, o pagamento de 10 % de comissões sobre as mais-valias auferidas. Esclarece ter acedido a tal pedido, efetuando o pagamento com recurso à emissão de cheques bancários (…) no entanto, refere nunca lhe terem sido disponibilizados recibos ou documentos de quitação dos valores entregues (…) Nada mais falso! (…) é o próprio assistente a entregar, aquando do início dos autos, documentação que tem na sua posse, na qual se contemplam recibos verdes emitidos por M (fls. 45 a 47 do Apenso). Por outro lado, aquando da efetivação da(s) busca(s), são também apreendidos recibos verdes (eletrónicos) emitidos pela mencionada M (fls. 43 e 44 do Apenso 4) (…) documentos encontram-se emitidos, como contribuinte individual, por M, não tendo qualquer alusão à atuação por intermédio do Banco BEST (…) Perante esta realidade incontornável, uma vez mais nos questionamos se a cobrança de tais valores se encerraria na referida ligação bancária tripartida ou, ao invés, seria apenas ajustada bilateralmente entre o assistente a M – no âmbito da autonomia contratual de ambos (ainda que implicando a violação do vínculo contratual da arguida perante o BEST) como pagamento dos seus serviços, os quais se constata irem além da ação de promotora (M tratava das declarações fiscais do assistente) e que, em determinados segmentos temporais, se mostram desprendidos de qualquer vínculo face ao BEST (…) é apenas este último cenário aquele que se revela digno de credibilidade, isto quando se constata que tais comissões começariam, segundo o próprio assistente, admite, ab inito a ser cobradas, isto em momento no qual nem M nem o arguido assumiam qualquer ligação ao Banco BEST (…) assim sendo questionamos, porque razão inexistem recibos emitidos por A? (…) o assistente apresenta-se em julgamento como um indivíduo vivido, dotado de estudos superiores e com desempenho alargado das funções de médico, não sendo pois um indivíduo de parca escolaridade ou diminuta experiência de vida (…) invoca ser a origem do capital investido como correspondendo às “poupanças de uma vida de trabalho”. Porém, revela (…) uma posição desinteressada ou alheada do controlo efetivo da evolução de tais poupanças, as quais entrega a uma pessoa que, não tendo uma situação de regularidade formal face ao Banco BEST, na posição de promotora, conhecera apenas do contacto de café (…) relativamente à indicação de morada diversa para o envio de correspondência postal, importa ressaltar que a mesma é complementar e indissociável à comunicação escrita feita, a fls. 735 (carta datada de 29/05/2009), pelo assistente, no sentido de passar a ser a comunicação bancária enviada para a Rua ……., em Setúbal (…) O assistente admite tal facto (a redação e assinatura da missiva supra) mas enjeita ter celebrado o contrato de aluguer/arrendamento de fls. 735v e 736, com base no qual se fundamenta a razão de ser do envio de correspondência para aquele local, afirmando ser a assinatura ali aposta falsa (…) importa considerar que tal documento é anexado à missiva primeiramente mencionada, tendo datação anterior, sendo salientado na missiva o envio de comprovativo de possuir o requerente, no novo local de notificação de correspondência postal, de gabinete profissional (sendo assim fls. 735 a 736 um único documento e não dois elementos separados) (…) o referido documento encontra-se igualmente assinado pelo representante do centro de escritórios Office Center, sem que se invoque ou demonstre o conluio ou envolvimento do mesmo na outorga de um contrato falseado (…) Tal contrato, de resto, motiva a realização dos devidos pagamentos de arrendamento, os quais se constata serem feitos em débito da própria conta bancária do BEST titulada pelo assistente (…) E disso o assistente, pretensamente, também não dá conta…(…) Relativamente à alteração do contacto telefónico o mesmo se diga (…) Não obstante referir nunca ter solicitado tal alteração, o assistente nada faz no sentido de invalidar tal alteração ou sequer de se inteirar da razão da sua comunicação, também não procurando indagar quanto ao envio – e para que local – de documentação de validação de tal ordem (…) De resto, a mesma lógica se firma quanto à disponibilização do código/password necessária à autorização de operações bancárias, a qual refere suceder a solicitação telefónica de M, com disponibilização da mesma pelo assistente, procedimento que, a deixar de suceder (…) ou pressuporia a disponibilização plena e voluntária dessa informação ou (“entregando-se o assistente à atuação da arguida”) ou, a assim não suceder, mereceria de um cidadão normal e diligente o esclarecimento sobre a razão de ser de não mais lhe serem solicitadas tais validações (…) se algumas das inconsistências ou incongruências acima apontadas se nos permitem apor, pelo menos em parte, algumas reservas em redor da plena validade do relato dos factos veiculada pelo assistente C em julgamento (…) a evidência probatória do envolvimento, participação e/ou conhecimento das ações que conduziram a tal desfecho por parte do aqui arguido é ainda mais frágil (…) a assunção, pelo arguido A, das funções de promotor dedicado da conta bancária do assistente C, a suceder (o que, diga-se, não é claro e inequívoco), é apenas formal, sendo que o próprio assistente refere nunca ter reunido com o arguido ou lidado com o mesmo a propósito das questões de gestão do seu património financeiro (…) a ocorrência de pretensas interações verbais casuais, em cruzamentos ocorridos em via pública, ou o teor (sempre genérico, quase de “circunstância”) (…) nada permite evidenciar a existência de conhecimento genérico ou pormenorizado da gestão empreendida por M (…) a circunstância de ser o mesmo a pessoa responsável pela entrega de um envelope contendo dinheiro nada evidencia, na medida em que tal sucede após conversação com M, por solicitação ou sob fundamentação que se desconhece, desconhecendo-se igualmente a origem de tal envelope ou do dinheiro que nele se encontrava (…) também de destacar que a entrega do referido envelope sucede na rua e não no escritório de M, não se relatando a ocorrência de uma qualquer interação verbal mais impressiva (…) A (…) provável presença física do arguido, a partir de determinada altura, no local onde passam a existir encontros entre C e M (…) nada evidencia ou permite concluir, sendo que, a par do arguido, outros funcionários que ali se encontravam poderiam igualmente inteirar-se das mesmas, sem que tal lhes conceda o conhecimento da situação económica ou financeira (real ou fictícia) do assistente (…) é o próprio assistente a afirmar que, no indicado local, já não ocorreram reuniões de comunicação de resultados de investimentos ou de comunicação de evolução patrimonial, mas tão somente encontros no âmbito dos quais o mesmo manifestaria o propósito de aceder a importâncias ali pretensamente detidas (…) Na decorrência das buscas efetuadas ao escritório exclusivo de M, à residência e à imobiliária onde desempenhava funções do arguido, constata-se que, no último espaço, nada é encontrado, apenas ocorrendo apreensão de documentos no escritório da arguida (em maior número e dimensão) e alguma documentação (essencialmente anotações manuscritas) na habitação comum dos arguidos (…) há documentação física que é detetada em condição de acesso estrito à arguida M (cheque guardado numa mala feminina), sendo outra documentação identificativa daquela arguida (agenda e folhas com cabeçalho identificativo daquela) (…) também não pode colher a insinuação de que seria o arguido, por titular de conhecimentos no domínio da informática, a pessoa responsável pelo auxílio de M na elaboração de mapas e documentos falsos, quando se constata que estes últimos são feitos sem maior sofisticação ou apuramento, certamente com recurso a programas de uso hoje plenamente generalizado (word, excel) (…) O segmento (…) mais fortemente passível de revelar o envolvimento do arguido na ação levada a cabo por M prende-se com a circunstância de uma das contas utilizadas para a saída de importâncias monetárias originárias da conta do assistente ser a conta titulada pelo mesmo (…) Porém, a mesma carece de ser analisada com cautela e em plano alargado (…) constata-se que outras contas bancárias são utilizadas nesse mesmo plano, designadamente a conta titulada por MF (mãe da arguida) (…) de resto, que é esta última a permitir a movimentação de quantias económicas mais expressivas (por comparação face à conta do arguido) (…) Por outro lado, demonstra-se que as importâncias por ali transferidas não permanecem por períodos temporais alargados, registando-se a sua pronta saída das mesmas (…) os depoimentos das testemunhas MF e D evidenciam (…) de forma sincera e credível, que a abertura de contas no Banco BEST, em nome de vários familiares de M, ocorrera por iniciativa daquela, tendo desde logo a motivação de permitir a obtenção da comissão devida pela sua abertura (…) também evidenciam tais depoimentos que a movimentação das mesmas sempre foi assegurada por M, a qual assumiria uma postura mais dinâmica, por contraponto ao arguido, o qual foi descrito como um indivíduo mais pacato e passivo (…) concedendo a decisão final de inquérito que assim haja sucedido quanto a MF (podendo apenas essa realidade justificar a opção pela não dedução, contra aquela, de acusação pública), porque razão não se poderá admitir que o mesmo pudesse suceder quanto à(s) conta(s) do arguido (na qual poderia até ser facilitada a movimentação por M)? (…) os autos são omissos de elementos de prova que permitam concluir ser apenas o arguido a pessoa encarregue da utilização ou acesso a tal(is) conta(s) – tal como sejam quais os cartões bancários emitidos e respetiva titularidade, existência ou inexistência de canais digitais associados e os seus acessos e utilizadores autorizados, etc (…) à luz de um agregado que se prefigura ser essencialmente matriarcal, nada nos permite concluir não ter sido M a atuar a jusante e complementarmente à ação que, individualmente, havia já iniciado (…) não se descarta por totalmente inverosímil que, pelo menos em parte, o esquema de saída de montantes da conta bancária do assistente, como passagem por outras contas e eventual destino à concretização, em seu interesse, de investimentos, pudesse ter por propósito evitar a tributação em sede de mais valias, que o próprio C referiu, a dado momento, ter interesse e benefício em ver concretizado (…) ainda que se demonstrasse ter o aqui arguido, em algum momento, percecionado a passagem pela sua conta de tais valores, nada permite clarificar ser a sua ação ou contributo destinada a uma coautoria, ou se, ao invés, numa mera cumplicidade (facilitando a ação delituosa de terceiro) (…) em plano necessariamente conexo com o antecedente, cumpre salientar que não se vislumbra, no plano atual, qualquer situação demonstrativa de conforto ou incremento patrimonial, demonstrando os autos, ao invés, que o mesmo se veio apenas a tornar, pelo decesso de M, das dívidas por aquela ou por ambos (na constância do matrimónio) contraídas (…) da análise da documentação bancária alusiva a contas pelo mesmo tituladas, as quais não evidenciam saldos de conta ou aplicações em montante expressivo (…) também sob o ponto de vista do património físico, não se vislumbra tal conforto ou incremento (…) a habitação, a mesma encontra-se hipotecada em garantia de empréstimo bancário (…) as viaturas automóveis descritas como mais “luxuosas” ou de gama mais alta, constata-se que as mesmas haviam sido utilizadas na decorrência da celebração de contratos de leasing (…) aproveitamento para lazer e férias, a prova apenas permite demonstrar a titularidade de um “time-sharing” de um apartamento no Algarve e a realização de uma viagem a Paris (…) o que a prova produzida espelha é, ao invés, uma maior contração de gastos e despesas, concretizada por exemplo pela troca de viaturas automóveis por outras de condição ou gama mais modesta, o que em tudo contrariaria a lógica refletida na acusação (…) Assim, e em síntese, do cotejo de toda a prova acima mencionada, com especial enfoque ao que é permitido retirar da análise da prova documental, a realidade permitida demonstrar é, cremos, não plenamente coincidente com a feita acolher no texto acusatório (…) em especial quanto ao envolvimento, participação ou pleno conhecimento, ou bem assim benefício real, que o ora arguido pudesse assumir, em plano de ação concertada face à entretanto falecida M, ou permitindo a esta, com facilitação material, a consumação de um plano pela mesma gizado e executado (…) O que se crê (…) é a demonstração clara e real de quem poderá ter pensado, admita-se que iludido pela atuação de M, mas sendo esta temperada por uma “dose significativa” (…) de ambição, ter encontrado uma chamada “fórmula dourada” para o seu enriquecimento rápido e fácil, porventura aceitando o risco associado a tal ensejo (…) e/ou descurando ou querendo desconsiderar a realidade comummente conhecida e aceite de que não há lucros fáceis ou soluções milagrosas para o enriquecimento e bem-estar financeiro (pelo menos em plano de legalidade ou isenção de risco) (…) a conclusão evidenciada no parecer realizado na auditoria promovida internamente pelo Banco BEST, segundo a qual não haviam sido ali detetadas outras anomalias ou fraudes relacionadas com a gestão de ativos, por M, pertencentes a outros clientes da sua carteira, poderá reforçar a ideia de que o relacionamento entendido assumir entre assistente C e a sua gestora se poderá ter concretizado em termos muito singulares, admita-se consensuais (…) - A não prova do facto A) estribou-se no conjunto da prova produzida e/ou examinada nos autos, a qual, na leitura acabada de explicitar, se nos afigurou insuficiente para fazer concluir pelo conluio face á ação de M, ou adesão ou apoio a plano gizado em comum ou unicamente por aquela. A mesma lógica impedirá a demonstração probatória plena dos factos K) a O) – os tangentes à imputação subjetiva dos lícitos assacados em acusação pública -, apenas se demonstrando possível provar que algumas importâncias terão passado por conta do arguido, à semelhança do sucedido quanto a outras contas e intervenientes, porém sem demonstração real da ação ou benefício daquele concreto arguido (…) a opção pela não prova do facto B) (…) sedimentou-se, uma vez mais, na análise da prova feita carrear nos autos, designadamente aquela que se assume demonstrativa da análise dos vínculos contratuais de M face ao BEST, demonstrando que, ao ano de 2004, a mesma não assumia ainda qualquer vínculo face àquela instituição bancária. Tal realidade careceu de ser vista à luz da afirmação assumida pelo assistente C em julgamento, no âmbito da qual lhe foi dito, nesse momento inicial, por M, que a mesma não reunia ainda as condições para exercer funções de gestão junto do BEST, sugerindo assim que, na gestão formal, figurasse o nome do arguido (o qual, por análise do suporte contratual que lhe diz respeito, também não assumia, à data de celebração do contrato de abertura de conta, qualquer ligação ou vínculo face ao BEST):
Perante todo este exaustivo / esmiudado / minudenciado explicativo, de uma clareza e apreensão imediatas, o Assistente recorrente não esgrime a menor argumentação / reflexão / réplica que a possa por algum modo, ainda que ténue, abalar.
Diga-se, que de todo inicialmente aqui sublinhado por força de trechos transcritos de diversos depoimentos, se mostra reforçada toda a motivação da matéria de facto executada pelo tribunal recorrido.
Repare-se, ainda, como mote de interesse, que o Digno Mº Pº, ante toda a acusação por si propalada e havendo posterior decisão de absolvição, não reagiu, limitando-se a um mero seguimento, em parte, do ensejo recursivo do Assistente recorrente, diga-se, sem o esgrimir do mais pequeno argumento questionador do Acórdão proferido, resumindo-se a afirmar que (…) comunga da apreciação da prova pessoal produzida em audiência de discussão e julgamento e da prova documental constante dos autos que é empreendida pelo Recorrente na sua motivação de recurso, no que respeita aos factos ntegradores da prática pelo arguido, em co-autoria material (com a sua mulher M, entretanto falecida), de um crime de burla qualificada p. e p. pelos arts. 218º nºs 1 e 2 al. a), 217º e 202º al. b) do C.P., omitindo um mínimo qualquer suporte argumentativo de tal linha de pensamento.
Na presença do expendido, considerando-se devidamente alicerçado todo o trajeto preconizado pelo tribunal a quo, nada mais resta que concluir que o Assistente recorrente não logrou demonstrar que a decisão proferida não é possível / plausível / verosímil, considerando todo o recorte probatório existente e ponderado.
Antes pelo contrário, buscando sobre todo o processo decisório o que se retira é um retrato de segurança, solidez, logicidade, racionalidade, congruência e sentido.
Deste modo, também aqui baqueia o intento recursivo.
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Em ligação com o anterior vetor, e ao que se desbulha de todo o alegado, refulja do entendimento do Assistente recorrente, existir quanto aos aspetos que impugnou, o vício precavido no artigo 410º, nº 2, alínea c) do CPPenal - erro notório na apreciação da prova.
Improcedendo a impugnação da matéria de facto, pelo trilho anteriormente enfrentado, pode ainda este Tribunal, e porque claramente decorre recursivamente e é de conhecimento oficioso, apreciar sobre a eventual modificação da decisão proferida em sede de matéria de facto se se verificarem os vícios prevenidos no nº 2 do artigo 410º do CPPenal.
Os vícios decisórios previstos nas diversas alíneas do nº 2 do referido artigo 410º, para efeitos de indagação, como resulta do citado preceito, têm que exuberar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para a fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento[15].
Aqui, igualmente, não se visa a realização de um segundo julgamento sobre a matéria em discordância, assumindo-se antes como um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorreções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspetiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente.
O que está em causa é antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos concretos pontos de facto que o recorrente especifique como incorretamente julgados.
Para esse efeito, deve o tribunal de recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova enunciados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa[16].
A apontada mácula, abrange o erro sobre facto notório incluindo os factos históricos de conhecimento geral; a ofensa às leis da natureza (vg. considerar provado um facto física ou mecanicamente impossível), a ofensa às leis da lógica (vg. incompatibilidade entre o meio de prova invocado na fundamentação e os factos dados como provados com base nesse meio de prova); ofensa dos conhecimentos científicos criminológicos e vitimológicos[17].
Mostram-se aqui incluídas todas as situações que se assumam como casos de erro “(…) evidente, escancarado, escandaloso, de que qualquer homem médio se dá conta (…) também todas as situações de erro clamoroso, e que, numa visão consequente e rigorosa da decisão no seu todo, seja possível, ainda que só ao jurista, e, naturalmente ao tribunal de recurso, assegurar, sem margem para dúvidas, comprovar que, nelas, a prova foi erroneamente apreciada”[18].
Tem-se igualmente entendido na jurisprudência configurar tal noção, tudo o “(…) que não pode ter acontecido, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória, ou notoriamente violadora das regras de experiência comum, sendo o erro de interpretação detectável por qualquer pessoa” (…) aquele erro de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem médio facilmente dele se dá conta”[19].
Olhando toda a decisão recorrida não emerge erro notório na apreciação da prova, entendido como aquilo que se mostre evidente para qualquer indivíduo de médio discernimento e resulte do texto da sentença conjugado com as regras da experiência comum.
Com efeito, e como acima já se salientou, ponderou e analisou o que parece ocorrer é uma mera leitura divergente da prova produzida, sendo que o Assistente recorrente exercita esse enfrentamento, de forma absoluta e cirurgicamente compartimentada, olvidando uma panóplia vastíssima de elementos existentes nos autos e que foram minuciosa e esmiuçadamente trabalhados pelo tribunal recorrido.
Exulta que todo o conjunto argumentativo carreado pelo Assistente recorrente, como já se afirmou, não se mostra empoderado por forma a fazer titubear o decidido.
Há aqui que chamar à colação o princípio enformador do processo penal, princípio da livre apreciação da prova – que aqui também se questiona. O tribunal ouviu, avaliou, ponderou e decidiu. E todo esse processo foi seguido de um modo sustentado, lógico, racional e justificado, não decorrendo de uma mera opção arbitrária, caprichosa e / ou leviana.
Tal como já se enfatizou, por diversas formas – atente-se a todo o transcrito supra -, está detalhadamente explicada a razão para o tribunal não ter ficado convencido da linha veiculada na acusação que tendo sido trazida a juízo por iniciativa do Assistente recorrente, em primeiro e longo tempo, nunca envolveu o arguido, como já se fez notar.
Calcorreando toda a motivação e no que aos vários meios de prova concerne, não exorbita qualquer contradição, falta de lógica, irracionalidade, incongruência ou fragilidade.
Assim sendo, inexistindo, também, este vício de facto de conhecimento oficioso improcede todo o pretendido pelo Assistente recorrente em termos de questionamento de facto.
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Em correlação com a vertente do questionamento factual, igualmente, vem o Assistente recorrente opinar no sentido de ter havido a violação do princípio da livre apreciação da prova[20], o qual tem especial expressão no inciso que constitui o artigo 127º do CPPenal.
Este princípio surgido em França, em 1791, com o sistema de júri e mais tarde inscrito no artigo 342º do Code D’Instruction Criminelle de 1808 -, sendo que em Portugal o sistema da prova livre fez o seu aparecimento nas Reformas Judiciárias da primeira metade do séc. XIX (1832, 1836 e 1841) advindas da revolução liberal, onde se passou a entender que o júri se deveria pronunciar sobre as provas «não escutando senão os ditames da (…) consciência e íntima convicção» -, visando combater a possibilidade de existência de decisões injustas por força da mero uso de provas tabelares e / ou tarifadas, apresentando-se como vinculado ao princípio da descoberta da verdade material, permite ao juiz um campo de discricionariedade na apreciação e meditação a respeito das provas atendíveis que sustentam uma decisão.
Ou seja, o valor e a força dos meios de prova não podem ser corretamente aferidos a priori, com o caráter de generalidade próprio dos critérios legais, mas só o devem ser com especial atenção às circunstâncias concretas do caso.
No fundo, por via desta máxima – proof beyond any resonable doubt - pretende-se garantir a condenação de alguém apenas quando se mostre a certeza da sua culpabilidade e, nessa medida, para o demonstrar, reclama-se que o tribunal identificando, apontando e detalhando quais as provas de que se socorreu, concretize fundadamente as características que delas despontaram e assolaram no sentido de confirmar ou infirmar determinada factualidade.
Em suma, este princípio impõe que a análise e valoração da prova não seja baseada numa operação puramente subjetiva, emocional, imotivável, impulsiva, mas antes decorrente de um percurso racional, arrazoado e crítico, assente em regras da lógica, da razão, da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita ao julgador objetivar a apreciação dos factos[21].
Partindo de todos estes matizes, concatenando-os com todo o veredito em discussão e, bem assim, com a peça de recurso, não se retira qualquer atentado ao princípio aqui em referência, mostrando-se sim que o tribunal recorrido seguiu uma linha ponderada, acertada e devidamente alicerçada em termos de motivação da matéria de facto.
Arrimando-se com uma afirmação majestática, sustentando-se o Assistente recorrente no modo em como viu / avaliou / exercitou alguns dados probatórios e apenas e só segmentos dos mesmos, pretende fazer valer a sua linha de pensamento e, como a mesma não coincide com a levada a cabo pelo tribunal recorrido, no seu entender, houve violação da dita máxima.
Ora, como acima já se invocou, todo o traçado ensaiado pelo tribunal de 1ª instância, está suficiente e robustamente evidenciado, no que concerne ao peso consentido aos diversos e vastos meios de prova disponibilizados nos autos, nada exultando que desenhe alguma opção arbitrária, inconsequente, abusiva e / ou ilógica.
Antes pelo contrário, procedeu-se a uma densíssima explicação sobre a prova existente, o que se fez em postura consistente e rotundamente cristalina.
Nesta senda, também neste segmento, é de refutar o entendimento perfilado pelo Assistente recorrente.
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Mantendo a ponderação em termos de facto, cabe ainda abordar a invocação do Assistente recorrente de que operou no (…) segmento do “enquadramento vivencial do arguido” o vício prevenido no artigo 412º, nºs 3, alínea a), do cpp pois os (…) factos provados 33) a 55) constituem, inequivocamente, meras reproduções “copy paste” do relatório social do arguido A (vd. fls. 1056 a 1059 dos autos), sendo que (…) quando num acórdão se procede à mera transcrição do relatório social, tal significa que se omitiu o devido juízo crítico sobre tal elemento probatório, redundando na omissão dos factos respeitantes às condições pessoais do arguido, o que constitui vício da insuficiência da matéria de facto provada, prevenido na al. a) do nº 2º do artigo 410.º CPP.
O vício em questão - insuficiência para a decisão da matéria de facto provada - reporta-se essencialmente à existência de hiatos fatuais que podiam e deviam ter sido averiguados e se mostram necessários à formulação de um juízo seguro de condenação ou absolvição e não o foram.
Pretende-se, assim, saber se a matéria de facto apurada, na sua globalidade (provada e não provada) é ou não capaz e bastante para sustentar a decisão tomada. De outro modo, o que se almeja saber através da verificação deste vício é se o tribunal, tendo em atenção o objeto processual em presença em cada caso, indagou ou não, os factos necessários ao esclarecimento daquele, independentemente do resultado dessa averiguação – confirmativo ou infirmativo do objeto processual[22].
O conceito de insuficiência da matéria de facto provada significa que os factos apurados e constantes da decisão recorrida são insuficientes para a decisão de direito, do ponto de vista das várias soluções que se perfilem – absolvição, condenação, existência de causa de exclusão da ilicitude, da culpa ou da pena, circunstâncias relevantes para a determinação desta última -.
E isto porque o tribunal deixou de apurar ou de se pronunciar sobre matéria relevante alegada pela acusação ou pela defesa ou resultantes da discussão da causa, ou ainda porque não investigou factos que deviam ter sido apurados na audiência, dada a sua importância para a decisão na sua globalidade[23].
Ora, na esteira do que vem sendo uma linha seguida nos mais diversos arestos, que se entende pouco rigorosa e muitas vezes reveladora de ausência de qualquer valoração crítica, no dizer do Assistente recorrente, também aqui se alinha na opção de reprodução de partes do relatório social, sem qualquer juízo crítico.
Este retrato, conforme se vem entendendo[24], é passível de conduzir à nulidade expressa no artigo 379º, nº 1, alínea a), por referência ao artigo 374º, nº 2, ambos do CPPenal, na medida em que se poderia desenhar a ausência de enumeração de factos provados necessários e suficientes para a determinação da medida da pena e, sequentemente, para a escolha da pena em concreto[25], entendendo outros, poder configurar-se a mácula constante da alínea a) do nº2 do artigo 410º do CPPenal – insuficiência da matéria de facto para a decisão[26], como parece ser a tese propugnada pelo Assistente recorrente.
Conquanto, olhando ao caso concreto, ao que desponta, o conteúdo dos pontos 33 a 55, podendo em grande parte surgir do texto do Relatório Social, envergam factos e, tendo em atenção o modo como o tribunal a quo discorreu sobre este conspecto na decisão, no momento da motivação - No que tange ao enquadramento vivencial do arguido e elucidação da sua personalidade, considerou o Tribunal o relatório social feito juntar aos autos, que complementou face aos esclarecimentos prestados por MF e D -, é patente que reproduzindo trechos do relatório social, recorreu a outros elementos, sem se limitar à mera menção do ali constante, mostrando, à partida, crê-se, que tal foi objeto de ponderação e sujeito a contraditório, existindo um claro sinal / dado, minimamente consistente, de o tribunal ter considerado como provados os factos (reitera-se apenas os factos) constantes das partes que transcreveu e, assim sendo, fez todo o excurso bastamente necessário para firmar a materialidade provada.
Assim, parece não emergir qualquer falha, seja ela vista como nulidade da sentença ou como o vício denotado pelo Assistente recorrente.
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Como já se fez menção, em termos de facto, improcede a visão do Assistente recorrente, exceto no que tange a dois pontos, cuja alteração, como se viu, não surtem a menor consequência no desfecho final.
Todavia, ainda que telegraficamente, cabe apurar se, com o apoio em toda a matéria assente, por alguma forma, há o desenho dos crimes que se pretendem assacar ao arguido, por esta via recursiva.
Iniciando pelo crime de burla em que parece haver consenso entre o Assistente recorrente e o Digno Mº Pº[27], há que visitar o preceito incriminador e considerar os elementos que o retratam.
O crime de burla, ao que transparece de várias normações constantes de diferentes compêndios legais, assume-se como uma forma evoluída / requintada / arguciosa de captação do alheio onde o agente, ao invés de outras formas de apropriação patrimonial, usa o engano, o erro, o artifício para que a vítima desprevenidamente se deixe espoliar[28].
Aqui, o que assola, não é tanto o assalto, a apropriação imediata e pronta, mas antes a blandícia vulpiana, o enredo subtil, a aracnídea urdidura, a trapaça, a mistificação, o embuste, a artimanha, onde se mostra, definitivamente desnecessária qualquer arma ou um agir pela calada, emergindo apenas e só o conto do vigário[29].
Perquirindo o tipo definidor do crime de burla, surge que são seus elementos constitutivos – uso de erro ou engano sobre factos, astuciosamente provocado; para determinar outrem à prática de atos que lhe causem, ou a terceiro, prejuízo patrimonial; intenção de obter para si ou para terceiro um enriquecimento ilegítimo[30] .
Escalpelizando os sobreditos traços definidores, cabe dizer que o erro para ser provocado pelo agente impõe que os factos invocados sendo falsos sejam exibidos com a aparência de verdade, (…) ou são referidos pelo burlão factos falsos ou este altere ou dissimule factos verdadeiros, e actuando com destreza pretende enganar e surpreender a boa fé do burlado, de forma a convencê-lo a praticar actos em prejuízo do seu património ou de terceiro[31], sendo que tais ações além de astuciosas devem ser aptas / adequadas / bastantes a enganar, podendo o burlão utilizar expedientes constituídos ou integrados também por contratos civis.
Com efeito, a astúcia exigível para o preenchimento do tipo incriminador em exame, constitui o ardil, o engenho, a fraude, a manha, o estratagema, o esmero, o refinamento esquemático, sendo, no entanto, bastante o chamado mínimo necessário / uma espécie de ponto ótimo, por forma a que o burlão consiga o seu intento e leve o burlado, por via do aproveitamento / fruição das suas características, a prestar a respetiva colaboração, viciando o consentimento / aceitação deste[32].
Diga-se, também, que a fim de caracterizar um agir astucioso não basta a mera mentira, sendo antes necessário que haja uma mentira qualificada, elaborada, manobrada, surgindo que o erro provocado pode acontecer por palavras ou declarações expressas, por atos concludentes, ou por omissão.
No primeiro caso, está-se perante erro decorrente de uso de forma oral ou escrita de agir, na segunda situação, integram-se condutas que não consubstanciam, em si mesmas, qualquer declaração, mas que de acordo com as regras da experiência e os cânones ético-sociais vigentes no setor de atividade se mostram adequadas a produzir uma falsa convicção sobre um facto passado, presente ou futuro, sendo que na última hipótese, o agente não provocando diretamente o engano ao sujeito passivo, limita-se a aproveitar o estado de erro em que este já se encontra[33].
Seguidamente, necessário é que a vítima pratique atos decorrentes do erro / engano em que foi induzida, sendo certo que bastam que aqueles sejam aptos / capazes / habilitados a enganar, não se exigindo como demanda que estejam em causa processos rebuscados / engenhosos / sofisticados, podendo o agente em quadro de economia de esforço, limitar-se ao necessário perante o quadro concreto[34].
Igualmente, míster se apresenta o desenho de um prejuízo patrimonial, o qual, conforme entendimento que se pensa dominante, radica num conceito objectivo-individual de dano patrimonial e de acordo com o qual o prejuízo deverá determinar-se através da aplicação de critérios objectivos de natureza económica à concreta situação patrimonial da vítima, concluindo-se pela existência de um dano sempre que se observe uma diminuição do valor económico por referência à posição em que o lesado se encontraria se o agente não houvesse realizado a sua conduta[35], mostrando-se inquestionável que nem sempre a pessoa que foi induzida em erro ou engano é a mesma que foi lesada (titular do património lesado), ou seja, o sujeito passivo é todo aquele que venha a ter / sofrer o prejuízo[36].
Na configuração da fattispecie burla, há ainda que operar o nexo causal entre os supra ditos elementos pois que, da astúcia resulte o erro ou engano; do erro ou engano resulte a prática de acto(s) pela vítima; da prática de acto(s) resulte, finalmente, o prejuízo patrimonial, emergindo assim que em termos de imputação objetiva do evento à conduta do agente, a burla assume-se como crime complexo, que comporta um triplo nexo de causalidade.
É precisamente por isso que o crime de burla constitui um crime material ou de resultado e de execução vinculada, em que (…) a lesão do bem jurídico tem de ocorrer como consequência de uma muito particular forma de comportamento (…) na utilização de um meio enganoso tendente a induzir outra pessoa num erro (…) torna-se necessário que ele consubstancie a causa efectiva da situação de erro em que se encontra o indivíduo. De outra parte, também não se mostra suficiente a simples verificação do estado de erro: requer-se, ainda, que nesse engano resida a causa da prática, pelo burlado, dos actos de que decorrem os prejuízos patrimoniais (…)[37].
Por fim, o dolo que, no caso do crime de burla tem de ser específico, ou seja, não basta o dolo de causar um prejuízo patrimonial ao sujeito passivo ou a terceiro, exigindo-se, de outra parte, que o agente tenha a intenção de conseguir, através da conduta, um enriquecimento ilegítimo próprio ou alheio, onde se apela ao conceito cível do enriquecimento sem causa: o enriquecimento de alguém com o consequente empobrecimento de outrem, o nexo causal entre a primeira e a segunda destas situações, e a falta de causa justificativa de tal empobrecimento.
Nesta senda, o enriquecimento ilegítimo deve ser entendido como enriquecimento ilícito, todo aquele ao qual não corresponde, objetiva ou subjetivamente, qualquer direito.
Em presença de todos os cambiantes enunciados importa então descer ao retrato aqui em presença.
De todo o espetro fáctico apurado, ao que se pensa, é imediatamente apreensível que relativamente ao arguido nada há que elucide qualquer dos elementos supra enunciados.
Basta atentar no mero e simples contexto reconhecido pelo Assistente recorrente, tudo sempre foi tratado com M, as únicas interações que houve com o arguido reportam-se a encontros na via pública onde havia conversa não (…) concretizada (…) era aquela conversa geral (…) corriqueira, recebeu do arguido um envelope contendo 2 mil euros na sequência de pedido feito por aquela. Acresce que o arguido, durante algum tempo, em termos formais, terá figurado como promotor dedicado da conta que o Assistente recorrente tinha no Best.
Todavia, nunca houve reuniões entre ambos nem foram trocados documentos bancários ou outros entre eles, nunca foram feitas propostas pelo arguido ao Assistente recorrente, nunca houve qualquer contacto por parte do arguido dirigido ao Assistente recorrente respeitante a matérias bancárias e / ou financeiras, o arguido nunca teve qualquer intervenção nas reuniões, contactos, propostas existentes entre o Assistente recorrente e M.
Ante todo este acontecido não há o menor vislumbre do preenchimento do aludido crime por banda do arguido.
Centrando agora o debruce relativamente ao crime de falsificação ou contrafação de documento.
Surge como entendimento que se tem vindo a revelar como pacífico que no crime de falsificação de documento o bem jurídico protegido que se acautela é a segurança e credibilidade no tráfico jurídico probatório, no que respeita à prova documental, assumindo-se como fim proteger a segurança relacionada com os documentos, tendo em conta as duas funções que o documento pode ter - perpetuação que todo o documento tem em relação a uma declaração humana e garantia, pois cada autor do documento tem a garantia de que as suas palavras não serão desvirtuadas e apresentar-se-ão tal qual como ele em certo e determinado momento, local e circunstâncias as expôs[38].
Por seu turno, e considerando a normação incriminadora invocada – artigo 256º, nº 1, alíneas a), b) e c) do CPenal – parece pretender assacar-se ao arguido um quadro de fabrico de documento totalmente falso[39], uma situação de inserção em documento verdadeiro um facto juridicamente relevante que é falso[40] e, igualmente, o caso de abuso da assinatura de outrem para falsificar ou contrafazer documento.
Ou seja, de acordo com o Assistente recorrente, o arguido terá fabricado documentos na sua íntegra – fica por saber quais exatamente e em que circunstâncias -, em outros verdadeiros inseriu elementos falsos – igualmente se desconhece e não se afirmam quais – e por fim, terá abusado da assinatura do Assistente recorrente, sem se apontar quando e onde.
Sendo totalmente duvidoso, crê-se, o enquadramento factual constante da acusação, em termos de detalhe e precisão[41], para elucidar todas estas vertentes da falsificação, o que levou a alguma intervenção do tribunal recorrido, neste conspecto, a verdade é que nada se provou que envolvesse o arguido no dito contexto.
Há apenas e só uma testemunha, MJ, que a dado passo do seu depoimento afirma (…) sei que ele era engenheiro informático (…) sei que ele tinha um programa que tirava a marca de água das fotos (…), o que é manifestamente pouco para integrar o que quer que seja em termos criminais.
Por outra banda, toda a materialidade dada como assente pelo tribunal a quo, neste particular conspecto – mormente os pontos 10, 16, 19, 20 – não desponta o menor envolvimento do arguido.
Assim sendo, no que tange a tal fattispecie nada há atribuível ao arguido.
Por fim, uma visita ao crime de branqueamento p. e p. pelo 368º-A, nº 1 do CPenal que pretende ver o Assistente recorrente como cometido pelo arguido.
Este ilícito, ao que se conjetura, consiste essencialmente na ocultação ou dissimulação da natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou titularidade de vantagens de crimes[42], sendo que de acordo com a doutrina alemã, por branqueamento designam-se «os meios através dos quais se escondem a existência, origem ilegal ou a utilização ilegal de rendimentos, encobrindo esses rendimentos para que pareçam provir de origem licita[43].
Diga-se, também, que o branqueamento de capitais, segundo certa doutrina, passa por dois momentos distintos, money launder seguido de recycling[44].
O primeiro, constituindo o núcleo nevrálgico, conduz a que através de operações várias as vantagens ou incrementos patrimoniais resultantes do facto ilícito típico anterior, sejam expeditamente libertadas dos vestígios da referida origem criminosa. Normalmente, neste momento, as referidas «vantagens» são ainda constituídas por dinheiro em numerário, e o respetivo branqueamento concretiza-se em negócios de curto prazo – v. g. compra de bens imóveis ou outros de valor, por vias de circuito normal de mercado -, os quais dissimulam não só a sua origem, como a respetiva identificação.
É, normalmente, o que se passa através da troca desse dinheiro duvidoso por outros valores monetários, designadamente por notas de maior valor, ou pela troca por outros bens facilmente transportáveis, como sejam joias, metais e pedras preciosas, títulos de participação, abertura de contas bancárias noutros países, de preferência em nome de pessoas coletivas.
Relativamente ao segundo, recycling (transformação / conversão), concretiza-se em operações ou «manipulações» através das quais as vantagens patrimoniais se convertem para que ganhem aparência de se tratar de objetos de proveniência lícita, com a sua consequente reentrada no normal circuito económico. O que sucede, em regra, com a aplicação do dinheiro em grandes negócios, como pizarias e salas de espetáculos ou através da ligação a negócios bancários ou de sociedades financeiras.
Destarte, há nesta figura jurídico-penal uma relação umbilical, inextricável, obrigatória, entre a ação de ocultar ou dissimular a origem ou propriedade de determinados bens e a proveniência desses bens, pois devem forçosamente ser produto direto ou indireto de um crime anterior.
Outros entendem que este crime passa por três fases, seguindo a linha de pensamento do Gabinete de Acção Financeira Internacional[45], apontando-as como colocação[46], dissimulação[47] e integração[48].
Como se viu, o único sinal que poderia apontar para a existência desta figura criminal seriam as transferências e depósitos de cheques numa conta titulada pelo arguido, exclusivamente, com origem em dinheiros vindos da conta do Assistente recorrente.
Todavia, como bem enfatiza o tribunal recorrido, não se antevendo qualquer obstáculo a esse entendimento, (…) os depoimentos das testemunhas MF e D evidenciam (…) que a abertura de contas no Banco BEST, em nome de vários familiares de M, ocorrera por iniciativa daquela, tendo desde logo a motivação de permitir a obtenção da comissão devida pela sua abertura (…) também evidenciam tais depoimentos que a movimentação das mesmas sempre foi assegurada por M, a qual assumiria uma postura mais dinâmica, por contraponto ao arguido, o qual foi descrito como um indivíduo mais pacato e passivo (…) concedendo a decisão final de inquérito que assim haja sucedido quanto a MF (podendo apenas essa realidade justificar a opção pela não dedução, contra aquela, de acusação pública), porque razão não se poderá admitir que o mesmo pudesse suceder quanto à(s) conta(s) do arguido (na qual poderia até ser facilitada a movimentação por M)? (…) os autos são omissos de elementos de prova que permitam concluir ser apenas o arguido a pessoa encarregue da utilização ou acesso a tal(is) conta(s) – tal como sejam quais os cartões bancários emitidos e respetiva titularidade, existência ou inexistência de canais digitais associados e os seus acessos e utilizadores autorizados, etc.
Paragonando todo o expendido, há que concluir na mesma linha do tribunal recorrido.
Não há elementos, para além da dúvida consistente, que liguem o arguido a esta prática delituosa.
E, neste seguimento, improcede o recurso interposto pelo Assistente, havendo apenas que alterar a literalidade dos factos constantes dos pontos 18 e 26, nos termos supra referidos o que, como se foi afirmando, não tem qualquer consequência no desfecho da essência recursiva, ou seja, conversão da absolvição do arguido, na sua condenação.

III - Dispositivo

Nestes termos, acordam os Juízes da Secção Criminal - 2ª Subsecção - desta Relação de Évora em negar provimento ao recurso interposto pelo Assistente C e, em consequência, manter a decisão recorrida, procedendo, no entanto, à alteração dos factos constantes dos pontos 18 e 26, nos seguintes termos:
18 - Em abril 29 de 2009, por via de carta redigida e assinada pelo assistente C, foi também solicitado que a correspondência bancária emitida pelo BES, alusiva à conta bancária acima mencionada, passasse a ser enviada para a morada correspondente a “Rua ………, em Setúbal”, local onde funcionava o Office Centre, no qual também M tinha escritório;
26 - Desde outubro de 2004 a agosto de 2017, M transferiu da conta bancária titulada por C no Banco BEST, com o nº ………, para contas bancárias por si tituladas e/ou pelo arguido – sendo a conta nº ………… apenas titulada pelo arguido - e de terceiros, sedeadas no Millennium BCP, Santander Totta, CGD e BANIF – entre as quais, a mãe da arguida, MF - conta nº ………. - e a empresa Office Center (onde se situava o escritório da arguida), procedendo ainda ao débito de cheques na conta bancária de C, a quantia total de €1.267.027,66 (um milhão e duzentos e sessenta e sete mil e vinte e sete euros e sessenta e seis cêntimos).

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC (artigos 513º /1 e 514º/1 CPPenal e 8º/5 e Tab. III RCP).


(O presente acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo relator, seu primeiro signatário – artigo 94º, nº 2, do CPPenal)

Évora, 4 de junho de 2024

Carlos de Campos Lobo
Beatriz Marques Borges
Maria Gomes Bernardo Perquilhas

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[1] Cfr. fls. 835.
[2] Neste sentido ver os Acórdãos do S.T.J., de 14 de Março de 2007, Processo 07P21, de 23 de Maio de 2007, Processo 07P1498, de 3 de Julho de 2008, Processo 08P1312, disponíveis em www.dgsi.pt.
[3] Neste sentido o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, de 08/03/2012, publicado no D.R., I Série, nº 77, de 18-04-2012.
[4] Acórdão do STJ n.º 3/2012, publicado no Diário da República, 1.ª série, N.º 77, de 18 de abril de 2012.
[5] Acórdão do STJ, de 12/06/2008, proferido no Processo nº 07P4375, disponível em www.dgsi.pt.
[6] Neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 23/6/2020, proferido no Processo nº 206/18.6GBABT.E1, disponível em www.dgsi.pt.
[7] Cf- fls. 946, 4º volume.
[8] Referindo-se ao arguido.
[9] Verifica-se haver lapso na referência da data pois a carta, manuscrita, tem no seu cabeçalho Setúbal, 29 de Abril de 2009.
[10] Cf. fls. 948, 4º volume.
[11] Neste sentido, ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de, Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2009, 3ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, p.1147.
No mesmo sentido o Acórdão do STJ, de 31/10/2007, proferido no Processo nº 1423/08.2JDLSB.L1.S1-3ª, cujo sumário refere A previsão contida no nº 3 do art. 424º do CPP não abrange toda e qualquer alteração da matéria de facto por parte do tribunal superior, mas apenas aquela que, estando ausente da matéria discutida no recurso (motivação e contra-motivação), o tribunal, oficiosamente ou a requerimento, entenda dever conhecer (…) Se, porém, a alteração dos factos constitui matéria decidenda do próprio recurso, já não se justifica a notificação do arguido, pois este teve conhecimento da questão e pode exercer cabalmente a sua defesa (…).
[12] O pai e a companheira Edite Pereira.
[13] Referindo-se ao arguido.
[14] Referindo-se ao arguido.
[15] Neste sentido GONÇALVES, Maia, Código de Processo Penal Anotado, 16. ª ed., p. 873, SILVA, Germano Marques da, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª ed., p. 339; SANTOS, Simas, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 2007, pp. 77 e ss.; Maria João Antunes, RPCC, Janeiro-Março de 1994, p. 121.
[16] Neste sentido ver Acórdãos do S.T.J., de 14 de março de 2007, Processo 07P21, de 23 de maio de 2007, Processo 07P1498, de 3 de julho de 2008, Processo 08P1312, disponíveis em www.dgsi.pt.
[17] ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de, ibidem p. 1095.
[18] GASPAR, António da Silva Henriques, SANTOS CABRAL, José António Henriques dos, COSTA, Eduardo Maia, MENDES, António Jorge de Oliveira, MADEIRA, António Pereira e GRAÇA, António Pires Henriques da, ibidem, p.1275.
[19] Ver os Acórdãos do STJ de 12.11.98, BMJ 481, p. 325 e de 9.12.98, BMJ 482, p. 68.
[20] Direito constitucional concretizado, “A livre apreciação da prova não pode ser entendida como uma operação puramente subjectiva, emocional e, portanto, imotivável. Há-de traduzir-se em valoração racional e critica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas de experiência e dos conhecimentos científicos, que permita ao julgador objectivar a apreciação dos factos, requisitos necessários para uma efectiva motivação da decisão”, ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de, ibidem, p. 328.
[21] Neste sentido, Acórdão do Tribunal Constitucional, nº 1165/96, de 19/11/1996, proferido no Processo nº 142/96, disponível em www.dgsi. pt.
[22] Neste sentido, GASPAR, António da Silva Henriques, SANTOS CABRAL, José António Henriques dos, COSTA, Eduardo Maia, MENDES, António Jorge de Oliveira, MADEIRA, António Pereira e GRAÇA, António Pires Henriques da, ibidem, p. 1274.
[23] Neste sentido os Acórdãos do STJ de 4/10/2006, proferido no processo n.º 06P2678, disponível em www.dgsi.pt., de 05/09/2007, proferido no processo n.º 2078/07 e de 14/11/2007, proferido no processo n.º 3249/07, sumariados em Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça - Secções Criminais.
[24] O ora Relator em diversos Acórdãos o vem defendendo.
[25] Neste sentido o Acórdão do STJ de 8/07/2022, proferido no Processo nº 469/21.0GACSC.S1.
[26] Neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 5/04/2022, proferido no Processo nº 381/20.PCSTB.E1.
[27] Como já se registou, este, tendo o Digno Mº Pº tal entendimento e sendo o autor da acusação pública, não veio interpor recurso da decisão proferida, limitando-se a subscrever o intento recursivo do Assistente recorrente, omitindo apresentar quaisquer razões de discórdia quanto à decisão propalada.
[28] Neste sentido, LEAL-HENRIQUES, Manuel, SANTOS, Manuel Simas, Código Penal, 2º Volume, Anotado, 1996, 2ª Edição, Rei dos Livros, p. 537.
[29] Neste sentido NELSON HUNGRIA, citado em LEAL-HENRIQUES, Manuel, SANTOS, Manuel Simas, ibidem.
[30] Neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 10/01/2023, proferido no Processo nº 2075/13.3GBABF.E1, disponível em www.dgsi.pt, onde se pode ler São elementos do crime de burla:a) a “astúcia” empregue pelo agente; b) o “erro ou engano” da vítima devido ao emprego da astúcia; c) a “prática de atos” pela vítima em consequência do erro ou engano em que foi induzida; d) o “prejuízo patrimonial” – da vítima ou de terceiro – resultante da prática dos referidos atos; e) nexo causal: é necessário que entre os elementos acima descritos existam sucessivas relações de causa e efeito, nomeadamente que: da astúcia resulte o erro ou engano; do erro ou engano resulte a prática de atos pela vítima; da prática desses atos resulte o prejuízo patrimonial; f) intenção do agente de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo: é necessário que se verifique a existência de dolo.
[31] Acórdão do STJ, de 20/03/2003, proferido no Processo nº 03P241, disponível em www.dgsi.pt.
[32] Neste sentido, SÁ PEREIRA, LAFAYETE, Alexandre, Código Penal , Anotado e Comentado – Legislação Conexa e Complementar, 2014, 2ª Edição, pp. 627- 628.
Em idêntico sentido, o Acórdão do STJ de 31/11/2002, proferido no Processo nº 234/21.4JACBR.S1, disponível em www.dgsi.pt
[33] Neste sentido, DIAS, Jorge de Figueiredo, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, Artigos 202ºa 307º, 1999, Coimbra Editora.
[34] Neste sentido, DIAS, Jorge de Figueiredo, ibidem, p. 298 – (…) a conduta do agente comporta a manipulação de outra pessoa, caracterizando-se por uma sagacidade ou penetração psicológica que combina a antecipação das reacções do sujeito passivo com a escolha dos meios idóneos para conseguir o objectovo em vista (…) longe de envolver, de forma inevitável, a adopção de meios rebuscados ou engenhosos, aquela sagacidade comporta uma regra de “economia de esforço”, limitando-se o burlão ao que se mostra necessário em função das características da situação e da vítima (…) adequação essa que, atentas as particularidades do caso, pode encontrar o “ponto óptimo” no menos sofisticado dos procedimentos(…).
[35] Neste sentido, DIAS, Jorge de Figueiredo, ibidem, pp. 283-284.
[36] Neste sentido NELSON HUNGRIA, referido em LEAL-HENRIQUES, Manuel, SANTOS, Manuel Simas, ibidem, p. 539 – (…) Sujeito passivo, portanto, é o que vem a sofrer, realmente o prejuízo. Se o enganado é titular de direito real sobre a res captada, o sujeito passivo tanto será ele quanto o titular da propriedade. Pode mesmo acontecer que, em tal caso, o agente do crime seja o próprio dominus(…).
[37] Neste sentido, DIAS, Jorge de Figueiredo, ibidem, p. 293.
[38] Neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 29/2/2012, proferido no Processo nº 21/06.0GAMLD-B.C1, disponível em www.dgsi.pt.
Ainda, o Acórdão do mesmo Tribunal, de 23/11/2010, proferido no Processo nº 269/09.5TACBR.C1, disponível em www.dgsi.pt. - Numa evolução mais recente, a doutrina tem vindo a entender que o bem jurídico do crime de falsificação de documento é o da segurança e credibilidade no tráfico jurídico probatório no que se respeita à prova documental.
Também, MONIZ, Helena, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, Coimbra Editora, p. 680 - O crime de falsificação ou contrafacção de documento é um crime comum, de perigo abstracto e de mera actividade, que tutela o bem jurídico segurança e credibilidade no tráfico jurídico probatório.
[39] Também designado por contrafação total que se caracteriza pelo facto de o agente forjar, na íntegra, um documento falso, fabricando, desde a origem, documento que dantes não existia, o documento não existia a aparece feito, mas inteiramente forjado – Neste sentido, LEAL-HENRIQUES, Manuel, Anotação e Comentário ao Código Penal de Macau, Parte Especial – Volume V – Crimes Contra a Paz e a Humanidade, Crimes Contra a Família, Crimes de Falsificação, Crimes de Perigo (Artigos 229º a 274º), 2017, Centro de Formação Judiciária e Jurídica, p. 110.
[40] Aqui o documento apresenta-se materialmente verdadeiro, mas o seu conteúdo intelectual não corresponde à verdade pois nele foi inserido, aquando da sua feitura, um facto que não é real – neste sentido, LEAL-HENRIQUES, Manuel, ibidem, p. 113.
[41] Visitando a peça acusatória há um majestático uso “foram forjados” os documentos…” sem se escalpelizar minimamente como.
[42] Neste sentido, GODINHO, Jorge, Estratégias Patrimoniais de Combate à Criminalidade: o estado atual da Região Administrativa Especial de Macau, p.19
[43] Neste sentido, VOLKER, Krey e DIERLAMM, Alfred, Gewinn abschöpfung und Gelwäsche – Kritische Stellungnahme zu den matenell chen Vorschriften des Entwur Gesetzes zur Bekämpfung des Rauschgufthandels und ander cheinungsformem der Organ Kriminalitär (OrgKB). 1992, in J Rundschau, Heft 9, p. 353
[44] Neste sentido, SANTIAGO, Rodrigo, O Branqueamento de capitais e outros produtos do Crime, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 4, Fasc. 4, Outubro/Dezembro 1994, pp. 501 a 502.
[45] Nesta linha de entendimento, MONTEIRO, Marisa do Céu Ferreira Rodrigues, Branqueamento de Capitais, Dissertação de Mestrado, 2012, Universidade Portucalense, Repositório, pp. 22-24.
[46] Introdução dos montantes de origem criminosa, na atividade económica regular ou legal, sendo muitas das vezes colocado para fora do país, em que o objetivo é a introdução de elevadas somas em numerário no sistema bancário, designadamente através de depósitos bancários, através de aquisição de várias aplicações financeiras, bolsa, investimentos em casinos, bem como misturando negócios lícitos com negócios ilícitos.
[47] Consiste na dissociação da origem dos montantes, criando sucessivas camadas de transações financeiras (transferências, conversões e movimentações) para apagar ou disfarçar a sua proveniência, onde se pretende, essencialmente, apagar e despistar o percurso dos montantes ou proventos, para uma eventual investigação das autoridades competentes.
[48] Os agentes utilizam as mesmas instituições e os mesmos meios, sendo aqueles irão exibir esses proventos e integrá-los no circuito financeiro. A sua origem terá de parecer legítima, resultado do processo do branqueamento. Permite-se, neste momento, que esses proventos criminosamente fiquem disponíveis, depois de lhes ter sido dada uma aparência legítima e que foram legalmente obtidos.