Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
187/10.4ZRLSB.E1
Relator: GILBERTO CUNHA
Descritores: TELEFONE EM ALTA VOZ
VALIDADE DA PROVA
REQUISITOS
Data do Acordão: 11/25/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: I - O sistema de alta voz, mais não é do que um altifalante por onde é emitido o som para o exterior, que se processa por ondas sonoras, ocorrendo a exteriorização do som, pelo que nada mais se trata do que o amplificar; através dessa função nenhum elemento técnico é adicionado ao telefone, ilicitamente, permitindo a captação, audição ou gravação da chamada telefónica.
II - A prova por depoimento de testemunha que escutou conversação telefónica por intermédio de sistema alta-voz não é, em princípio, prova livre, podendo cair nas proibições de prova, mas uma conclusão definitiva exige o conhecimento e apreciação dos contornos totais do acontecido.
III - Assim, pese embora, em princípio, o conhecimento de uma comunicação telefónica pelo sistema de alta voz não seja admissível, pode a mesma ser justificada desde que esse meio de prova se mostre imprescindível, atentas as circunstâncias concretas que estão subjacentes a cada caso, designadamente, ocorrer causa de justificação, consistente numa legítima defesa - obter testemunho do crime praticado pelo arguido para o enfrentar e obstar a que prossiga na agressão - ou num direito de necessidade (probatório) - agir para obter prova para o perseguir criminalmente.
IV - Tem de considerar-se válida a prova testemunhal cujo conhecimento dos factos em que se estriba a conduta apurada da arguida, pela qual foi condenada pela prática do crime de injuria, adveio da circunstância da ofendida ter accionado o sistema de alta voz do telefone, permitindo e consentindo de modo expresso ou implícito que as testemunhas ouvissem a conversa que mantinha com a arguida, apesar da falta de consentimento desta.
V - Neste caso, mostra-se justificada a divulgação dessa conversa a terceiros pelo sistema de alta voz, pois foi a comunicação telefónica o meio utilizado para cometer o crime de injúria e o recurso a esse sistema visou, assim, a obtenção de prova contra a arguida, actuando a ofendida com causa legítima, proporcional e adequada à divulgação da conversa entre ambas mantida.
Decisão Texto Integral:
Proc.nº187/10.4ZRLSB.E1

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

RELATÓRIO.

Decisão recorrida.

No processo comum nº187/10.4ZRLSB do 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, a arguida A, devidamente identificada nos autos, foi acusada pelo Ministério Público e posteriormente pronunciada pela prática de um crime de injúria agravado, pp. pelas disposições conjugadas dos arts.181º, nº1 e 184º, com referência ao art.132º, nº2, al.l), todos do Código Penal.
A assistente B, melhor identificada nos autos demandou a arguida, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 2.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais.
Realizado o julgamento perante tribunal singular por sentença proferida em 3 de Abril de 2014, foi decidido:
- a) Condenar a arguida pela prática de um crime de injúria agravado, pp. pelas disposições conjugadas dos arts.181º, nº1, 184º, com referência ao art.132º, nº2, al.l), todos do Código Penal, na pena de 120 dias de multa à taxa diária de € 8,00;
- b) Condenar a arguida/demandada a pagar à demandante a quantia de € 500,00 a titulo de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal, contados desde a prolação da sentença até efectivo e integral pagamento, absolvendo a demandada da parte restante do pedido.

Recurso.

Inconformada com esta decisão dela recorreu a arguida/demandada, pugnando pela sua absolvição terminando a motivação com as seguintes (transcritas) conclusões:
A) A Mma Juiz a quo omitiu no apuramento dos factos e na sua explicitação o facto fundamental deste processo e que é o facto de a Assistente ter colocado o aparelho telefónico em modo de “alta voz”, que o fez!
B) Fê-lo sem autorização da Recorrente.
C) Este facto foi abundantemente referido quer pela Assistente, quer pelas Testemunhas, sendo indubitável a sua verificação.
D) Esta circunstância tem que ser reposta no quadro factual para a aplicação do direito in caso.
E) Ao colocar o aparelho no módulo indicado a Assistente introduziu uma comunicação telefónica a decorrer entre ela e a Recorrente, todas as pessoas que se encontravam no local de trabalho nomeadamente todas as Testemunhas de acusação,
F) A Constituição da República protege as telecomunicações considerando-as sigilosas. Protege os chamados elementos “de tráfego”, origem, destino, data, duração, etc… e os elementos ditos de conteúdo.
G) Gozam de protecção de inviolabilidade tanto os elementos de tráfego que permitem identificar a comunicação e são apenas inerentes a esta como os elementos de conteúdo - relativos ao próprio conteúdo da mensagem, da correspondência enviado através da utilização de rede.
H) Como se pode ler no texto do Ac. do STJ 886/07.8 PSLSB.L1.S1 de 03.03.2010, disponível em www.dgsi.pt, “… o sigilo das telecomunicações protegendo legalmente e com inscrição no texto constitucional - artº 39º nº 1 – tem uma perspectiva dual em que está subjacente a possibilidade de cada cidadão poder emitir, ou receber informação produzida por terceiro, desenvolvendo ideias e valoração que não são mais do que emanações da sua personalidade. Relativamente às mesmas assiste-lhe o direito de preservar tal informação, impedindo o seu acesso por outrem o que implica ideia de que [o que] está em causa é a transmissão à distância de tal informação e todo o conteúdo que esta comporta ou seja o conteúdo das comunicações e também, os dados de tráfego”.
I) No mesmo Acordão se lê uma citação de Nicolas Serrano: “ O que está em causa é o conhecimento por pessoa distinta do seu destinatário de qualquer mensagem, independentemente do seu conteúdo, que um emissor envie a um receptor através de um canal fechado…”
J) Ou seja, o segredo das telecomunicações protegido não depende do mecanismo (gravação, geolocalização ou outro) mas da abertura a terceiros de uma comunicação em circuito fechado, sem que os intervenientes de comunicação consintam na intromissão e que, por esta via, o pensamento, as ideias, os conceitos, as valorações emitidas no âmbito da comunicação sejam devassados por terceiros a esfera de vida privada, ressalvados o consentimento e/ou os interesses superiores da comunidade.
K) A prova em que se fundou a convicção do Mma Juiz a quo é assim nula por ser proibido o meio porque foi obtida.
L) Ao desconsiderar este aspecto a douta Sentença recorrida ofende princípios constitucionais – artigo 34º, nº 1 e nº 4 da CRP - e de direito probatório penal – artigos 125º a contrario sensu, 126º, nº 3 do CPP – e, consequentemente, deve ser revogada proferindo-se Acordão que, por falta de prova, absolva a Recorrente.
Contra-motivaram o Ministério Público e a assistente/demandante, pugnando pela improcedência do recurso com a consequente manutenção da sentença impugnada, concluindo esta nos seguintes termos:
A) No âmbito das proibições de prova, o artigo 32.º, n.º 8 da CRP estabelece a nulidade de todas as provas obtidas mediante intromissão abusiva nas telecomunicações;
B) Por outro lado, o artigo 126.º do CPP proíbe o aproveitamento das provas obtidas mediante intromissão nas telecomunicações sem o consentimento do respetivo titular;
C) Tal meio de obtenção de prova inscreve-se no pilar constitucional das provas relativamente proibidas, o que sucederá quando as mesmas se revelarem abusivas;
D) Neste sentido, se a ingerência nas telecomunicações não se revelar abusiva, a mesma será constitucionalmente aceitável;
E) Tal meio de obtenção de prova será, por isso, legalmente admissível desde que a ingerência nas telecomunicações esteja prevista na lei em geral ou então seja consentida pelo titular do respeito direito;
F) Fora destas circunstâncias, a divulgação de uma comunicação telefónica será um meio de obtenção de prova legalmente admissível desde que, de acordo com um critério de duplo efeito, se mostrem preenchidos os requisitos legais substantivos das escutas telefónicas, revelando-se essa divulgação necessária, adequada e na justa medida para repelir uma agressão atual e ilícita de que se seja vítima, nomeadamente quando esta é a interlocutora e destinatária da referida comunicação telefónica, o que se verifica no caso em apreço;
G) Assim, considera-se justificada a divulgação de uma conversa telefónica pelo sistema de alta voz quando essa precisa comunicação telefónica é o meio utilizado para cometer um crime de injúrias e a vítima consinta, de modo expresso ou implícito, na sua divulgação a terceiros como forma de se proteger de tais injúrias ou como forma de obter prova para perseguir criminalmente o autor do crime;
H) Por outro lado, numa conversação telefónica, ambos os interlocutores são portadores de um bem jurídico subjacente à tutela conferida às telecomunicações, pelo que, qualquer um deles tem a total disponibilidade do aparelho em causa, podendo usá-lo livremente nas suas funções, não podendo assim ser garantida a total privacidade, o que cada um tem de ter consciência e com o que se tem de conformar;
I) Nenhum elemento técnico é adicionado ao telefone, ilicitamente, permitindo a captação, audição ou gravação da chamada telefónica;
J) Atendendo à frequência com este tipo de crime é executado através de comunicações telefónicas, não é, de todo razoável, pedir a alguém que, estando numa posição em que está a ser molestada verbalmente, com a agravante de ser encontrar no exercício das suas funções, se remeta à inação;
K) A ora Recorrida está no momento em que age, a ser alvo da prática de um crime, que atinge a sua honra e consideração, sendo este um direito constitucionalmente protegido, pelo que, atendendo ao artigo 18.º da CRP é de todo razoável que se imponha à Arguida o sacrifício do seu direito, de acordo com um critério de exigibilidade;
L)Contudo, mesmo que assim não se entenda, o que por mera hipótese académica se admite e por mero dever de patrocínio, nunca poderia a ora Recorrente ser absolvida por falta de prova, uma vez que as declarações prestadas pela ora Recorrida em sede de audiência de julgamento constituem um meio de prova livremente valorável, nos termos e ao abrigo do artigo 127.º do CPP e, “revelaram credibilidade e foram essenciais para a fixação dos factos relacionados com o episódio descrito na acusação.”.
M) Pelo exposto, no entender da Recorrida, não tem qualquer cabimento as alegações apresentadas pela Recorrente visando a revogação da sentença recorrida, com absolvição da Recorrente por falta de prova;
N) Como tal, não deverá ser dada razão à ora Recorrente, não devendo o recurso merecer qualquer provimento.
Nesta Relação o Exmº Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, concluído também no sentindo de ser negado provimento ao recurso e confirmada a sentença impugnada.
Observado o disposto no nº2 do art.417º do CPP, não foi apresentada resposta.
Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos teve lugar a conferência.
Cumpre decidir.

FUNDAMENTAÇÃO.

Na sentença recorrida foram dado como provados os seguintes factos:
1. A arguida exerce as funções de Advogada, com a cédula nº (…) e tem domicílio profissional na (…).
2. No exercício das suas funções, no dia 14.10.2010, cerca das 12H25, a arguida contactou telefonicamente com o SEF, por motivos relacionados com o processo de expulsão administrativo nº (…) do SEF de Setúbal, relativo ao cidadão estrangeiro C.
3. Tal chamada foi encaminhada para a ofendida B, Inspectora-Adjunta do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, no Departamento Regional de Investigação e Fiscalização da Delegação Regional de Setúbal, e que à data dos factos era a instrutora do referido processo administrativo nº (…).
4. Após uma troca de palavras mais exaltada por parte da arguida relativamente ao processo em causa, ocorreu um corte na chamada por motivos não apurados.
5. Na sequência dessa situação, a ofendida B efectuou pesquisa do número de telemóvel da arguida, que constava no Processo de Expulsão Administrativo, e entrou novamente em contacto com aquela, através do nº (…), restabelecendo-se o diálogo entre ambas.
6. A certa altura, e depois de uma nova troca de palavras mais exaltada por parte da arguida, esta dirigiu à ofendida B as seguintes expressões: “a senhora é uma malcriadona, vá para a puta que a pariu!”
7. A arguida sabia que a ofendida B era Inspectora-Adjunta do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras e que a mesma se encontrava no exercício das suas funções.
8. Com as expressões acima descritas, a arguida previu e quis ofender a honra e dignidade da ofendida B, Inspectora-Adjunta do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, além de achincalhar a sua pessoa.
9. A arguida agiu deliberada, livre e conscientemente, com o propósito de atingir a ofendida B na sua dignidade pessoal e brio profissional, o que logrou alcançar.
10. Sabia que as condutas empreendidas não lhe eram permitidas e que constituíam crimes.
Mais se provou que:
11. A arguida é advogada e aufere rendimentos desta actividade em montante não concretamente apurado.
12. A ofendida B é Inspectora-Adjunta do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras há 23 anos; aufere cerca de € 1.800,00 (mil e oitocentos Euros) por mês; vive com o marido e três filhos menores.
13. A arguida não tem antecedentes criminais.

Relativamente a factos não provados foi consignado o seguinte:
Com relevância para a decisão da causa, não existem (sendo que o Tribunal não considerou a matéria conclusiva ou de direito alegada nas respectivas peças processuais).
O tribunal recorrido fundamentou a formação da sua convicção do seguinte modo:
O tribunal fundou a sua convicção, de acordo com as regras da experiência e da lógica comuns, essencialmente no depoimento das testemunhas, já que a arguida se remeteu ao silêncio.
Concretizando,
As testemunhas B (ofendida), D, E, F, G, H e I, todos funcionários do SEF, confirmaram a matéria constante da acusação, prestando depoimentos seguros e credíveis, pese embora compreensivelmente marcados pelo decurso do tempo.
B contextualizou os factos e esclareceu que não teve qualquer dúvida de que era a arguida a autora do telefonema, não só por se ter identificado como tal, como pelo teor da conversa, já que o contacto respeitava a um processo no qual estava constituída advogada. Descreveu ainda a forma como as expressões foram proferidas e o tom de voz utilizado, referindo que ficou perturbada e ofendida. As declarações desta testemunha revelaram credibilidade e foram essenciais para a fixação dos factos relacionados com o episódio descrito na acusação
J, foi quem atendeu o telefonema da arguida e transferiu a chamada para a ofendida, esclareceu todo o comportamento da arguida e o estado (de exaltação) em que se encontrava.
Salienta-se que a forma como as testemunhas tomaram conhecimento dos factos – por estarem presentes e terem ouvido a conversação telefónica - não obsta à valoração dos depoimentos, já que não foi utilizado para captar a conversação qualquer meio técnico de audição e registo (neste sentido, vide acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 28.10.2008 e de 26.06.2013, disponíveis in www.dgsi.pt).
Perante estes depoimentos, prestados de forma isenta e sincera, revelando-se consentâneos entre si e sem concertação, e por isso mesmo credíveis, o Tribunal não teve dúvidas de que foi a arguida a autora do telefonema dos autos e que foi quem proferiu as expressões referidas na acusação, que dirigiu à ofendida.
O Tribunal também não teve dúvidas, perante estes relatos, em concluir que a arguida actuou com dolo, o que, saliente-se, resultava já do próprio teor das expressões proferidas, pois quem dirige a uma Inspectora-Adjunta do SEF expressões nos termos em que a arguida, pessoa com formação superior, o fez, tem de saber que ofende a honra e consideração da pessoa a quem se dirige, actuando com esse propósito. Aliás, expressões e considerações deste jaez são imediatamente entendidas por qualquer cidadão médio, sem qualquer ligação ao mundo judiciário, independentemente de qualquer concepção corporativista, como sendo atentatórias da dignidade pessoal e profissional de qualquer funcionário.
As testemunhas de Defesa em nada abalaram a prova já produzida ou fragilizaram os depoimentos referidos. Na verdade estes depoimentos centraram-se essencialmente na tentativa de justificar de alguma forma o comportamento da arguida, ora fazendo crer que esta actuava em defesa do seu cliente pois todo o processo de expulsão junto do SEF foi conduzido de forma extremamente injusta, ora referindo que a arguida é pessoa correcta e urbana e jamais teria comportamentos da natureza do que lhe é imputado.
Nesta sede, saliente-se que o Tribunal apurou apenas a matéria que julgou necessária para contextualizar os factos, sendo que qualquer tipo de lapso ou irregularidade do processo nunca poderia justificar o comportamento da arguida. Tanto mais que não foi trazido aos autos qualquer elemento de prova (além do depoimento da testemunha D) objectivo que permita concluir nesse sentido.
Aliás, a testemunha D, pela evidente parcialidade e pela animosidade que demonstrou para com os funcionários do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, não se mostrou credível.
No que respeita às circunstâncias pessoais, apesar dos esforços do tribunal, a falta de colaboração da arguida não permitiu apurar como mínimo rigor a sua real situação económica nem existem formas alternativas, nomeadamente através da consulta de bases fiscais ou outras, que permitam descortinar essa factualidade.
A ausência de antecedentes criminais resulta do teor do CRC a fls. 259.
O tribunal “ a quo” procedeu à subsunção legal da factualidade supra descrita, à escolha da espécie e determinação da medida da pena e à quantificação da indemnização arbitrada da seguinte forma:
Enquadramento jurídico
O crime de injúria agravada encontra-se previsto e punido pelos artigos 181.º e 184.º, com referência ao artigo 132.º, n.º 2, al. l), todos do Código Penal (doravante, CP).
Dispõe o art. 181.º do CP que “Quem injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivos da sua honra ou consideração, é punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 120 dias”.
As expressões proferidas pela arguida constantes do ponto 6. supra são grosseiramente ofensivas da honra e dignidade da Inspectora-adjunta do SEF B, violando o respeito pessoal que lhe é devido.
No caso dos autos, atento o seu teor, nada poderia justificar as expressões utilizadas pela arguida, pois não só não constituem uma crítica objectiva, como não é possível vislumbrar qualquer relação entre a utilização das mesmas e a defesa de qualquer que fosse a sua pretensão.
É inequívoco que as expressões proferidas pela Excelentíssima Advogada, aqui arguida, não eram de todo necessárias para a defesa dos interesses do seu cliente.
A utilização das sobreditas expressões, atendendo ao respectivo contexto, é manifestamente desnecessária e gratuita e visava, em última análise, tal como ficou demonstrado na factualidade apurada, causar ofender a dignidade pessoal e profissional do destinatário.
Sendo certo igualmente que a arguida ofendeu a dignidade subjectiva e a reputação de uma pessoa que exerce funções como Inspectora-Adjunta do SEF.
Pelo que, comprovada a voluntariedade e a intencionalidade da conduta ilícita e, como já se disse, inexistindo qualquer causa de justificação, nada permitindo concluir que haja qualquer circunstância dirimente da culpa, cometeu a arguida um crime de injúria agravada.
Da escolha e da medida da pena
O crime de injúria agravada é punido com pena de prisão até 3 (três) meses ou com pena de multa até 120 (cento e vinte) dias, elevadas de metade nos seus limites mínimo e máximo por efeito da agravação [artigos 181º, 184º e 132º, nº 2, al. l), todos do Código Penal], ou seja, de 45 (quarenta e cinco) dias até 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias de prisão ou de 15 (quinze) dias até 180 (cento e oitenta) dias de multa.
Para fixar a medida da pena haverá que ponderar no juízo de censurabilidade da conduta, nas exigências de prevenção e em todas as circunstâncias susceptíveis de atenuar ou de agravar a responsabilidade (artigos 70.º e 71.º do Código Penal).
O tribunal dará preferência à pena não privativa sempre que proteja adequadamente os bens jurídicos e permita a reintegração do agente na sociedade (art. 70.º CP).
Como já se disse, o grau de ilicitude dos factos e da culpa da arguida é elevado, tendo em conta o teor das expressões utilizadas e do juízo de valor efectuado. O dolo é directo.
Porém, a arguida não tem antecedentes criminais e existem factos que permitem assentar que está socialmente inserida.
As circunstâncias envolventes aconselham assim a aplicação de uma pena de multa, por esta se mostrar suficiente e idónea para garantir as finalidades da punição.
Tendo em atenção o conspecto factual apurado, considera-se justo e adequado fixar a pena de multa em 120 (cento e vinte) dias.
A pena de multa não pode deixar de revestir a natureza de uma verdadeira pena, representando para o condenado um sacrifício real que responda aos imperativos de prevenção geral e especial. Tem de cumprir de modo efectivo a sua dimensão dissuasora da prática de ilícitos, evidenciando-se, neste caso concreto, que a arguida é profissional do foro e, assim, é indiscutível que é titular de um direito específico de respeito, mas, ao mesmo passo, está vinculada a deveres de urbanidade mínimos e acrescidos relativamente aos demais operadores (cfr. art. 90.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei n.º 1572005, de 26 de Janeiro).
Quanto à medida concreta da multa, importa considerar os elementos apurados relativamente à situação económica da condenada que, apesar da respectiva indefinição, cuja fonte se deve exclusivamente à falta de colaboração da arguida, face ao limite mínimo fixado na lei, permitem fixar o valor diário de € 8,00 (oito Euros).
Desta forma, a multa cifra-se num montante global de € 960,00 (novecentos e sessenta Euros).
Quanto ao pedido de indemnização civil:
No caso vertente, decorre do já exposto que, em consequência do descrito comportamento, a demandante sentiu-se ofendida na consideração e bom nome pela expressão injuriosa: é um dano de natureza não patrimonial que merece a tutela do direito e justifica a atribuição de indemnização (cfr. arts 483.º e 496.º/1, do CC).
As normas indicadoras da fixação do montante indemnizatório em causa são as constantes do artigo 496.º, n.º 3, ia parte, e do artigo 494°, ambos do Código Civil.
Trata-se, portanto, de uma fixação equitativa, tendo em atenção o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem.
Ora, a arguida/demandada agiu dolosamente, sendo intenso, assim, o grau da sua culpa.
Em face do exposto, atendendo aos elementos apurados e já expostos, o tribunal fixa a indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pela demandante, atenta a factualidade alegada no pedido cível, em € 500,00 (quinhentos Euros).
No mais, a nosso ver, os honorários de mandatário forense e os custos incorridos com taxa de justiça não podem qualificar-se como um prejuízo patrimonial, directa e necessariamente decorrente do facto ilícito praticado pelo lesante, não podendo enquadrar-se no âmbito da obrigação de indemnizar a cargo deste – [cf. o acórdão da Relação do Porto, de 21-11-2002, disponível em www.dgsi.pt].
Na verdade, os honorários do advogado da parte lesada vencedora enquadram-se apenas no âmbito das custas do respectivo processo, não podendo revestir a natureza de despesas a englobar no domínio de qualquer indemnização que constitua objecto do pedido formulado em juízo.
Destarte, neste segmento, improcede o pedido de indemnização civil.
Quanto ao pedido de pagamento de juros, no que concerne aos danos morais apurados, como é o caso dos autos, é de aplicar a jurisprudência vertida no acórdão de uniformização do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/2002, publicado no Diário da República I-série A, de 27.06.2002. Isto é, sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, como sucedeu no exemplo dos presentes autos, face ao estabelecido no artigo 566.º do Código Civil, os juros vencem-se a partir da decisão actualizadora e não da data da notificação do pedido de indemnização cível, por efeito do artigo 805.º, n.º 3, do mesmo diploma, por interpretação restritiva.

Apreciando.
Objecto do recurso. Questão a examinar.
Sendo como é sobejamente sabido e constitui jurisprudência uniforme que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação (art.412º nº1, do CPP), a questão que delas emerge e que aqui reclamam solução, sem prejuízo de outras de conhecimento oficioso, consiste em saber se constitui prova proibida a prova testemunhal obtida por meio de audição de conversa telefónica entre a arguida e ofendida através do sistema de alta voz.
Pugna arguida/recorrente pela sua absolvição, com o fundamento de que a prova testemunhal produzida na audiência de julgamento, em que foi alicerçada a sua condenação é inválida/proibida, por esses testemunhos se basearem na audição da conversa telefónica mantida entre a ela e a ofendida/assistente, por meio do sistema de alta voz.
Ao invés a assistente e o Ministério Público sustentam opinião oposta, no sentido de ser válida a prova assim obtida.
Vejamos.
Liminarmente importa esclarecer que apesar da fundamentação da sentença recorrida se referir impropriamente como testemunha à ofendida/assistente B, o certo é que nos autos ela assume a qualidade de sujeito processual na dupla vertente de assistente e demandante civil, sendo nesta qualidade e dupla vertente que efectivamente foi ouvida na audiência de julgamento realizada na 1ª Instância, como se colhe da respectiva acta (fls.267).
Assim, aquela falta de rigor, não releva, não podendo por isso ser considerada testemunha.
Avançando.
Pese embora na sentença não seja feita menção expressa à circunstância de ter sido através do sistema de alta voz que as testemunhas que depuseram na audiência de julgamento tiveram conhecimento da conversa telefónica mantida entre a arguida e a assistente e por essa via obtido conhecimento dos factos que relataram, o certo é que tal resulta implicitamente da circunstância de nela o julgador remeter para os fundamentos dos acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra, de 28-10-2008 e de 26-06-2013, disponíveis em www.dgsi.pt para considerara válidos os depoimentos das testemunhas, acrescentando que não obsta à valoração dos depoimentos, já que não foi utilizado para captar a conversação qualquer meio técnico de audição e registo.
Assim, nenhuma dúvida existe e nem sequer tal é posto em crise por quem quer que seja que o conhecimento das testemunhas, todas elas também funcionárias do SEF e colegas da assistente, sobre os factos que relataram, nomeadamente sobre as expressões que a arguida dirigiu à assistente, que estão na base da sua condenação pela prática do crime de injúria, foi obtido por esta ter accionado o sistema de alta voz do telefone, possibilitando desse modo àquelas a audição da conversa telefónica mantida entre as duas.
Ou seja, foi a assistente que, naturalmente, sem o consentimento da arguida, accionando o sistema de alta voz do telefone, proporcionou a terceiros (as referidas testemunhas) a audição da conversa mantida entre ambas.
Constituirá prova proibida a prova testemunhal obtida por meio de audição, da conversa telefónica mantida entre a arguida e a ofendida, sem o consentimento daquela, através do sistema de alta voz, accionado por esta?
Nos termos do artigo 125º do Código de Processo Penal “São admissíveis as provas que não forem proibidas por lei” – trata-se do princípio da legalidade da prova cuja regra geral consiste na admissibilidade de quaisquer provas em processo penal. Na segunda parte da referida disposição legal exceptuam-se as provas que são proibidas por lei. A este respeito há que apontar as que forem obtidas pelos métodos enumerados no artigo 126º do Código de Processo Penal. Na verdade, a lei estabelece proibições de prova que constituem limites à
descoberta da verdade, isto é, são obstáculos ao apuramento dos factos que constituem o objecto do processo (cfr. Prof. Costa Andrade, Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal, pág. 83).

Preceitua o artigo 32º, nº 8, da Constituição da República Portuguesa que são nulas todas as provas obtidas mediante abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência e nas telecomunicações.
Por sua vez, estabelece o citado artigo 126º, nº 3, do Código de Processo Penal que ressalvados os casos previstos na lei, são nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular.
Dispõe o artigo 34º, nº 1, da Lei Fundamental, que o domicílio e o sigilo da correspondência e dos outros meios de comunicação privada são invioláveis, proibindo o seu nº 4 a ingerência das autoridades públicas na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação, salvo os casos previstos na lei em matéria de processo criminal.
No caso de que aqui nos ocupamos, resulta que relativamente às testemunhas de acusação ouvidas em julgamento o conhecimento que tiveram dos factos imputados à arguido foi através do sistema de “alta voz” que a assistente accionou no telefone quando por essa via falava com a arguida.
Foi a assistente que, sem o consentimento da arguida, manteve conversa com o sistema de alta voz accionado do aparelho de telefone que utilizava, proporcionando a sua audição por terceiros - as referidas testemunhas.
Como é sabido o sistema de alta voz, mais não é do que um altifalante por onde é emitido o som para o exterior, que se processa por ondas sonoras, ocorrendo a exteriorização do som, pelo que nada mais se trata do que o amplificar. Através dessa função nenhum elemento técnico é adicionado ao telefone, ilicitamente, permitindo a captação, audição ou gravação da chamada telefónica.
Posto este enquadramento, examinemos a questão objecto deste recurso.
Sobre a supra mencionada questão a jurisprudência encontra-se dividida, perfilando-se três correntes de opinião a propósito da divulgação a terceiros por meio do sistema de alta voz das comunicações telefónicas, por iniciativa de um dos interlocutores/titulares dessa comunicação, sem o consentimento do outro, a saber:
i) Uma que reputa existir uma interdição absoluta, considerando ilegítimo que sem o conhecimento e o consentimento do emissor de voz, mas apenas com o consentimento do receptor, o terceiro que ouviu essa conversa, possa divulgar o seu conteúdo ainda que esteja em causa a prática de um crime.
Para estes o acesso a uma conversação telefónica através do sistema de alta voz integra o conceito de jurídico-penal de intromissão objectiva no conteúdo das telecomunicações, sendo nulo o depoimento da testemunha obtido através da função alta voz, sem o conhecimento e consentimento do emissor de voz.
Neste sentido veja-se o Ac.TRC de 28-10-2008 e o Ac STJ, de 07-12-2001;
ii) Em sentido oposto estão aqueles que consideram que a prova testemunhal que se limita a reproduzir a conversa telefónica havida entre o arguido e a ofendida, com o consentimento desta, não é nula por não constituir qualquer intromissão ilícita nas telecomunicações (Ac.TRP de 26-05-2004); e
iii) Uma terceira via, consistindo numa posição intermédia, como a que é a apontada no acórdão desta Relação de 12-06-2012, segundo a qual a prova por depoimento de testemunha que escutou conversação telefónica por intermédio de sistema alta-voz não é, em principio, prova livre, podendo cair nas proibições de prova, mas uma conclusão definitiva exige o conhecimento e apreciação dos contornos totais do acontecido, que se apresentam como imprescindíveis à decisão sobre a licitude dessa prova. Segundo esta, pese embora, em princípio, o conhecimento de uma comunicação telefónica pelo sistema de alta voz não seja admissível, pode a mesma ser justificada desde que esse meio de prova se mostre imprescindível, atentas as circunstâncias concretas que estão subjacentes a cada caso.
Considera-se neste aresto que a prova assim obtida, escutada por intermédio de qualquer sistema de captação ou de acesso ao som (da palavra), é em princípio prova proibida, podendo, no entanto, ocorrer causa de justificação, consistente numa legítima defesa – obter testemunho do crime praticado pelo arguido para o enfrentar e obstar a que prossiga na agressão – ou num direito de necessidade (probatório) – agir para obter prova para o perseguir criminalmente.
Nesta linha podem ver-se, entre outros, os acórdãos, da Relação de Coimbra de 06-03-2013 e de 26-06-2013 e o acórdão da Relação do Porto de 09-01-2013, estes como os anteriormente citados, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
Segundo aquele não constitui prova proibida a divulgação de uma conversa telefónica pelo sistema de alta voz quando essa precisa comunicação telefónica é o meio utilizado para cometer um crime de ameaça ou injúria e a vítima consinta, de modo expresso ou implícito, na sua divulgação a terceiros como forma de se proteger de tais ameaças ou injúrias, sendo por essa razão permitido o depoimento de quem a ouviu, de acordo com o segundo acórdão mencionado resultando da prova produzida que o ofendido accionou, no seu telemóvel, o sistema sonoro de “alta voz”, quando estava a receber ameaças, visando, por esse meio, a obtenção de prova contra o arguido, actuou com causa legítima, mostrando-se proporcional e adequada a divulgação da conversação telefónica. Consequentemente, a prova testemunhal obtida desta forma constitui prova válida, idónea a basear-se nela a condenação do autor do telefonema e nos termos preconizados no último o princípio da dignidade da pessoa humana manifesta-se relevantemente no âmbito do designado processo penal constitucional, desde logo no artigo 32.º n.º 1 da Constituição ao consagrar uma cláusula geral de garantias de defesa, preceituando que “O processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso” e precisando no seu n.º 8, no que concerne ao regime da prova proibida, que “São nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações”.
Daqui decorre, desde logo, uma diferenciação constitucional entre a absoluta interdição da tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa e a relativa interdição na intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações. Neste último caso a garantia constitucional de defesa no âmbito da privacidade apenas incide quando essa intrusão ou ingerência se revelarem abusivas. Não o sendo será a mesma constitucionalmente aceitável desde que tal intromissão se mostre proporcional entre a observância dos direitos, liberdades e garantias em geral (18.º, n.º 2 Constituição), tanto do agente, como da vítima, e o exercício da acção penal, no âmbito de um processo justo (20.º, n.º 1 e 4; 219.º, n.º 1 Constituição), atenta paz jurídica comunitária, a qual foi quebrada com a prática criminosa. Tal sucederá quando essa interferência se mostre idónea ou adequada (i), necessária ou exigível (ii), no sentido da optimização relativa do que é factualmente possível, e tudo isto na sua justa medida (iii), que diz respeito à respectiva optimização normativa (Ac.TC 11/83, 285/92, 17/84, 86/94, 99/99, 302/2006, 158/2008).
(…) Nesta conformidade podemos considerar que a comunicação telefónica é um meio técnico de processar uma conversa e de transmitir uma ou mais informações, correspondendo estas a um “dado pessoal” [3.º, al. a) Lei n.º 67/98; 2.º, al. a) Lei n.º 41/2004]. Por sua vez, «Chamada» será “qualquer ligação estabelecida através de um serviço telefónico publicamente disponível acessível ao público que permite uma comunicação bidireccional em tempo real” [2.º, n.º 1, al. g) Lei n.º 41/2004]. Tais interlocutores, identificados ou identificáveis, são os titulares desses “dados pessoais”, pelo que o consentimento do acesso a esses dados deve ser manifestado tanto pelo emissor como pelo destinatário das suas comunicações [3.º, al. h) Lei n.º 67/98].
Daqui decorre igualmente, na sequência da apontada diferenciação constitucional, a existência de provas absolutamente interditas, que são aquelas adquiridas mediante tortura, coacção e mediante ofensa da integridade física ou moral das pessoas, e outras que são relativamente interditas, que correspondem às obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou telecomunicações. Mas neste último caso, aceita-se a admissibilidade dessa intrusão desde que a mesma esteja prevista na lei em geral ou então seja consentida pelo titular do respectivo direito, ainda que naturalmente sujeita a critérios de proporcionalidade.
Por outro lado, existem ainda disposições específicas que disciplinam certos meios de prova (i) ou de obtenção de prova (ii), cuja inobservância impede, nalguns casos, que sejam valoradas. É o que sucede, quanto aos primeiros, com a prova testemunhal (128.º e ss.), as declarações dos sujeitos processuais (140.º e ss.), a prova por reconhecimento (147.º e ss.), a reconstituição dos factos (150.º), a prova pericial (151.º e ss.), a prova documental (164.º e ss.). E também, no que concerne aos segundos, com os exames (171.º e ss.), as revistas e as buscas (174.º e ss.), as apreensões (178.º e ss.), incluindo de correspondência (179.º), as escutas telefónicas (187.º e ss.), estendendo-se o regime destas “às conversações ou comunicações transmitidas por qualquer meio técnico diferente do telefone, designadamente correio electrónico ou outras formas de transmissão de dados por via telemática, mesmo que se encontrem guardadas em suporte digital, e à intercepção das comunicações entre presentes” (189.º).
Assim e no que concerne a estas últimas as mesmas são admissíveis mediante despacho judicial de autorização, que se expresse numa decisão fundamentada (205.º, n.º 1 Constituição; 97.º, n.º 1, al. b) e 5; 187, n.º 1 C. P. Penal), desde que se verifiquem os seguintes requisitos primaciais: haja razões para crer que essa intercepção ou gravação “é indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter” (i); a mesma diga respeito a crimes inscritos no catálogo descrito no artigo 187.º, n.º 1 do C. P. Penal (ii), como sucede com o crime de ameaças quando cometido por telefone e naturalmente por qualquer outro meio técnico de transmissão de conversações ou comunicações [187.º, n.º 1, al. e); 189.º, n.º 1]; tal intercepção ou gravação incida, independentemente da titularidade do meio de comunicação utilizado, sobre, entre outros, suspeito ou arguido ou então a própria vítima do crime, mas mediante o seu consentimento efectivo ou presumido [187.º, n.º 4, al. a) e c) C. P. Penal] (iii).
(…) O direito penal tem um carácter fragmentário, revestindo-se de uma natureza de ultima ratio, decorrente essencialmente do princípio constitucional da intervenção mínima (18.º, n.º 2 Constituição). Como se referiu no Ac. Tribunal Constitucional n.º 108/99, “É, assim, um direito enformado pelo princípio da fragmentaridade, pois que há-de limitar-se à defesa das perturbações graves da ordem social e à protecção das condições sociais indispensáveis ao viver comunitário. …A necessidade social apresenta-se, deste modo, como critério decisivo da intervenção do direito penal”.
Daí que surjam, em certas e específicas circunstâncias, causas de exclusão da ilicitude ou da culpa. A primeira ocorrerá quando se verificar alguma das circunstâncias indicadas no artigo 31.º, n.º 1 do Código Penal, onde se afirma que “O facto não é punível quando a sua ilicitude for excluída pela ordem jurídica considerada na sua totalidade”, explicitando-se no seu n.º 2 que “[Nomeadamente], não é ilícito o facto praticado: a) Em legítima defesa; b) No exercício de um direito; c) No cumprimento de um dever imposto por lei ou por ordem legítima da autoridade; ou d) Com o consentimento do titular do interesse jurídico lesado”. Também de acordo com o n.º 2 do citado artigo 192.º do Código Penal “O facto previsto na alínea d) do número anterior não é punível quando for praticado como meio adequado para realizar um interesse público legítimo e relevante”, o que igualmente exclui a ilicitude dessa divulgação. A segunda sucederá nos casos de estado de necessidade desculpante previsto no artigo 35.º, n.º 1 do Código Penal, ao preceituar que “Age sem culpa quem praticar um facto ilícito adequado a afastar um perigo actual, e não removível de outro modo, que ameace a vida, a integridade física, a honra ou a liberdade do agente ou de terceiro, quando não for razoável exigir-lhe, segundo as circunstâncias do caso, comportamento diferente”.
Da conjugação destes normativos e da leitura que se pode fazer dos mesmos, no âmbito dos parâmetros constitucionais anteriormente referenciados, podemos extrair um critério de duplo efeito, segundo o qual um acto abstractamente ilícito encontra validade e justificação jurídico-penal, mesmo com algumas consequências indesejáveis, se tal acto revelar-se adequado, necessário e na justa medida para afastar uma agressão, igualmente ilícita. E isto num duplo sentido: desde que a vítima não tenha outro modo de repelir tal agressão criminosa (i) e o seu acto não ofenda a dignidade humana (ii), tanto numa perspectiva subjectiva, relativa aos agentes e vítimas do crime, não os reduzindo a meros objectos, como numa perspectiva objectiva, da preservação da sua integridade moral, como sucede com o núcleo duro da vida privada, enquanto sujeitos de direitos. Daí que verificando-se alguma das apontadas causas de exclusão da ilicitude ou da culpa e preservando-se os enunciados parâmetros constitucionais, se possa justificar a divulgação de uma comunicação telefónica ou outra correspondente quando a mesma seja, por exemplo, o meio para a prática de um ilícito criminal, como sucede com o crime de ameaças, e o destinatário dessa comunicação seja a própria vítima.
(…) Chegados aqui podemos traçar relativamente à intercepção e à gravação das comunicações telefónicas ou através de outros meios técnicos de transmissão, de acordo com o primado da dignidade humana, das garantias constitucionais de defesa e de reserva da privacidade, devidamente amparadas pelo princípio da intervenção mínima, o qual está sujeito a critérios de proporcionalidade, bem como pelo princípio da legalidade da prova, as seguintes directrizes:
i) Tais meios de obtenção de prova inscrevem-se no pilar constitucional das provas relativamente proibidas, o que sucederá quando as mesmas se revelarem abusivas;
ii) Serão meios de obtenção de prova abusivos quando a sua realização não se mostrar proporcional face aos parâmetros constitucionais estabelecidos pelo princípio da intervenção mínima (i) e as exigências de um processo penal justo (ii), designadamente na sua vertente de interdição legal;
iii) Tal meio de obtenção de prova será, por isso, legalmente admissível quando for decretado por despacho judicial e sejam observados os respectivos requisitos legais, ou seja, diga respeito a crimes inscritos no catálogo descrito no artigo 187.º, n.º 1 do C. P. Penal (i) – como sucede com o crime de ameaças quando cometido por telefone e naturalmente por qualquer outro meio técnico de transmissão de conversações ou comunicações [187.º, n.º 1, al. e); 189.º, n.º 1]; tal intercepção ou gravação incida, independentemente da titularidade do meio de comunicação utilizado, nas comunicações efectuadas, entre outros, pelo suspeito ou arguido (a) ou então a própria vítima do crime, mas mediante o seu consentimento efectivo ou presumido (b) [187.º, n.º 4, al. a) e c) C. P. Penal] (ii);
iv) Fora destas circunstâncias, a divulgação de uma comunicação telefónica será um meio de obtenção de prova legalmente admissível desde que, de acordo com um critério de duplo efeito, se mostrem preenchidos os requisitos legais substantivos das escutas telefónicas (i), revelando-se essa divulgação necessária, adequada e na justa medida para repelir uma agressão actual e ilícita de que se seja vítima (ii), mormente quando esta é a interlocutora e destinatária da referida comunicação telefónica ou outra comunicação técnica equiparada, ficando sempre salvaguardado a dignidade da pessoa humana dos intervenientes na respectiva comunicação;
v) Neste último caso, considera-se justificada a divulgação de uma conversa telefónica pelo sistema de alta voz quando essa precisa comunicação telefónica é o meio utilizado para cometer um crime de ameaças ou injúrias e a vítima consinta, de modo expresso ou implícito, na sua divulgação a terceiros como forma de se proteger de tais ameaças ou injúrias».
Alinhadas as correntes de opinião que tem feito caminho sobre esta temática, que encerra a questão submetida à nossa apreciação, com o devido respeito por aquelas duas outras correntes jurisprudenciais que se situam nos extremos, alinhamos com a corrente intermediária que se nos afigura, a que melhor se afeiçoa aos princípios mencionados e faz a melhor interpretação e harmonização do quadro normativo em que se apoia.
Vertendo ao caso concreto e olhando-o segundo a perspectiva adoptada, temos que considerar válida a prova testemunhal cujo conhecimentos dos factos em que se estriba a conduta apurada da arguida pela qual foi condenada pela prática do crime de injuria, adveio da circunstância da ofendida ter accionado o sistema de alta voz do telefone, permitindo-lhes e consentindo de modo expresso ou implícito que elas ouvissem a conversa que mantinha com a arguida, apesar da falta de consentimento desta.
Com efeito, também neste caso se mostra justificada a divulgação dessa conversa a terceiros pelo sistema de alta voz, pois foi a comunicação telefónica o meio utilizado para cometer o crime de injúria e o recurso a esse sistema visou, assim, a obtenção de prova contra arguida, actuando a assistente com causa legitima e mostrando-se proporcional e adequada a divulgação da conversa entre ambas mantida.
Mas mesmo que assim se não entenda e admitindo, como advoga a arguida/recorrente, que é inválida a prova testemunhal cujo conhecimento dos factos foi obtida por meio da audição por alta voz, accionada pela assistente da conversa telefónica mantida entre si e a arguida, com o consentimento daquela (expresso ou implícito) e sem o conhecimento desta, ainda assim, tal não determinaria a absolvição da arguida da prática do crime de injuria, como vem por si peticionado.
É que, em qualquer caso, tal proibição apenas se circunscreveria a terceiros e nunca à própria interlocutora da comunicação telefónica destinatária das expressões injuriosas proferidas e que lhe foram dirigidas pela arguida e, por isso, sobre essa factualidade sempre subsistiria como válida a versão da ofendida/assistente, narrada na audiência de julgamento, na qual prestou declarações confirmando essa materialidade, sendo que nem sequer vem posta em crise a credibilidade dessas suas declarações que também foram valoradas positivamente pelo julgador, contribuindo decisivamente para a formação dessa convicção. Convicção essa, que nesse aspecto, segundo se depreende da fundamentação da sentença recorrida, tem como base fundamental as declarações da ofendida/assistente, assumindo a prova testemunhal (a que poderia ser considerada inválida) como meio de corroboração da versão daquela.
Sabido que as declarações da assistente constituem meio de prova sujeito ao princípio da livre apreciação do julgador (art.127º, do CPP), nada obsta a que a convicção do tribunal se forme exclusivamente nelas.
As declarações da ofendida/assistente, prestadas em julgamento, foram apreciadas livremente pelo julgador que lhes atribuiu completa credibilidade e as considerou essenciais para formação da convicção alcançada sobre a materialidade da acusação.
Naturalmente não existe na nossa ordem jurídica nenhum preceito legal que determine ser insuficiente a prova sobre determinado facto que resulte unicamente da versão do ofendido. É que o critério para a valoração das declarações e depoimentos não assenta na quantidade mas na qualidade dos mesmos.
Mesmo que entendêssemos, que constituía prova proibida e inválida a resultante da prova testemunhal que recaiu sobre a matéria da acusação, ainda assim, pelos motivos atrás enunciados, tal não implicaria a absolvição da arguida.
Nesta conformidade e sem mais desenvolvidas considerações por supérfluas, o recurso deve improceder, mantendo-se na íntegra a sentença recorrida, que não afronta nem posterga nenhum dos princípios e preceitos legais invocados pela recorrente.

DECISÃO.

Nestes termos e com tais fundamentos nega-se provimento ao recurso, mantendo-se integralmente a sentença recorrida.
Custas pela arguida/recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC’s.

Évora, 25 de Novembro de 2014.

(Elaborado e integralmente revisto pelo relator).

Gilberto da Cunha
João Martinho de Sousa Cardoso