Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | MANUEL BARGADO | ||
Descritores: | POLUIÇÃO DIREITO AO AMBIENTE DIREITO DE PERSONALIDADE CONFLITO DE DIREITOS PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE | ||
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Data do Acordão: | 04/07/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | I - A emissão de fumos, gases e cheiros provindos de um sistema de exaustão constituído por uma tubagem/conduta exterior, a servir de chaminé, que sobe em linha reta vertical junto à fachada do prédio na zona onde se localizam as frações dos autores, impedindo estes de abrir as janelas durante o período de funcionamento do restaurante das rés ou de permanecer na varanda, causando-lhes desconforto e afetando a sua saúde, respiração, tranquilidade e bem-estar, viola o direito dos autores à sua integridade física, a um ambiente sadio, ao bem-estar e à saúde. II - A colisão entre o direito dos autores a um ambiente de vida humana, sadio e ecologicamente equilibrado, e à integridade física e o direito da ré à organização da sua atividade económica, deve ser resolvida pelo disposto no artigo 335º do Código Civil. III - A harmonização dos direitos conflituantes, em obediência ao princípio da proporcionalidade, consagrado no artigo 18º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa, implica que a ré cesse a utilização do referido sistema de exaustão e retire a chaminé a que se alude em I. (Sumário pelo Relator) | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora I - RELATÓRIO M.J.B.P. e mulher M.M.P.V.S.B.P., M.A.B.G.O., J.F.L., M.O.P. e S.J.P.B., instauraram a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra Grazia Barbosa Unipessoal, Lda., Takô Sushi, Lda. e Thai - Restaurante Tailandês de Vilamoura, Lda., pedindo que as Rés sejam: a) Impedidas de permitirem, promoverem, consentirem, cederem ou exercerem atividade de restauração ou outra similar, nas frações autónomas designadas pelas letras “C” e “D” e nas esplanadas que construíram; b) Condenadas a cessarem de imediato a utilização do ar condicionado e do sistema de exaustão que expele e extrai vapores, fumos, cheiros, gases e ruídos e que atinja e afete as varandas e/ou as frações autónomas e as habitações dos Autores; c) Condenadas a retirarem as unidades de ar condicionado, o sistema de exaustão e os reclamos luminosos do local onde se encontram; d) Condenadas a desimpedirem o livre, normal e seguro acesso às caixas de saneamento, águas pluviais, eletricidade, água potável e gás do prédio de que fazem parte as frações dos Autores; e) Condenadas a retirarem, desamarrarem a esplanada e a construção das esplanadas, da estrutura do referido prédio onde se situam as frações dos Autores. Mais pediram a fixação de sanção pecuniária compulsória de € 100,00 por cada dia que decorra entre a decisão que vier a ser proferida e o seu cumprimento. Invocando a qualidade de usufrutuários e proprietários das frações autónomas situadas no 1.º e 2.º andar do edifício “Marina Garden”, alegam os autores, em síntese, que as rés realizaram construções nas frações “C” e “D”, que se situam no rés-do-chão daquele prédio, alterando a arquitetura do mesmo, bem como que tais construções, porquanto encostadas à estrutura do prédio, facilitam o acesso de pessoas às varandas e janelas das residências dos mesmos e constituem, também, um obstáculo ao acesso às condutas de escoamento das águas pluviais, às caixas de saneamento e instalações de fornecimento de água, eletricidade e gás de cidade. Mais alegam que as rés exploram, nas ditas frações “C” e “D”, um estabelecimento de restaurante sem a necessária licença de utilização nem condições para tal, porquanto as mesmas não estão habilitadas com sistema de exaustão ou de ar condicionado que cumpra a legislação vigente, a que acresce que os aparelhos de ar condicionado, a unidade de exaustão de fumos e os reclamos luminosos, incomodam e impossibilitam a utilização da varanda da suas frações em razão da emissão de ruídos, por expelirem ar quente, fumos, vapores, gases e cheiros a comida, sendo, ainda, focos potenciares de incêndios. Alegam, por último, que durante o período de funcionamento do restaurante são audíveis na habitação dos autores as vozes das pessoas a conversar dentro do mesmo bem como o ruído da maquinaria, dos motores dos frigoríficos, das arcas frigoríficas e demais equipamentos, o que impede a valorização venal das suas frações. As rés Takô Sushi, Lda. e Thai - Restaurante Tailandês de Vilamoura, Lda. apresentaram contestação conjunta, excecionando a incompetência do tribunal, em razão da matéria, para apreciar os pedidos deduzidos nas alíneas a), c), e) e f), por respeitarem a questões de direito administrativo e à utilização do domínio público marítimo, bem como a ineptidão da petição inicial por os autores não identificarem a causa de pedir daqueles quatro pedidos, designadamente, concretizando a conduta de cada uma das rés. Alegam ainda que os autores atuam com abuso de direito ao alterarem a sua posição sobre uma realidade de facto com a qual conviveram durante mais de uma década e ao demandarem apenas as rés, como exploradoras e/ou proprietárias do estabelecimento de restaurante que funciona nas frações “C” e “D”, sabendo que existem outros estabelecimentos em circunstâncias similares, a que acresce o facto de serem os próprios autores que impedem a solução para a situação que alegam quanto aos fumos, gases e vapores, pois, após o decretamento da providência cautelar foi tentada a implementação de um sistema de exaustão de fumos que o autor J.F.L. danificou, sendo que este autor também impede que seja colocada, naquele estabelecimento, uma chaminé para extração de fumos idêntica à existente nos estabelecimentos instalados nas frações A, B e J, também situadas no rés-do-chão daquele edifício. Impugnam ainda as rés genericamente os demais factos alegados pelos autores, sustentando que a esplanada daquele estabelecimento, tal como das demais, estão em zona de domínio público marítimo e municipal, admitindo apenas que a ré Takô Sushi, Lda. é proprietária, desde 2018, das frações “C” e “D”, nas quais é explorado um estabelecimento de restaurante, cumprindo a licença de utilização conferida àquelas frações e que tal estabelecimento funciona legalmente e se encontra munido de aparelho de ar condicionado, o qual não prejudica a plena utilização das frações dos autores. Alegam, por último, que o encerramento do estabelecimento colocaria em causa o emprego e salário de vinte e duas pessoas, além de ser uma medida desproporcional em face dos interesses em conflito, bem como desproporcional é a sanção pecuniária compulsória peticionada. Concluem pedindo a condenação dos autores como litigantes de má-fé. Contestou também a ré Grazia Barbosa Unipessoal, Lda., impugnando genericamente os factos alegados pelos autores, sustentando que deixou de ter qualquer relação com aquelas frações autónomas e o referido restaurante desde 6 de Abril de 2017, data em que alterou a sua sede e deixou de explorar o mesmo. Pede a condenação dos autores como litigantes de má-fé e conclui pugnando pela absolvição do pedido. Foi realizada audiência prévia e proferido despacho saneador, no qual foi julgada improcedente a exceção de incompetência do tribunal em razão da matéria bem como a não verificação de ineptidão da petição inicial, com subsequente identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas de prova. Procedeu-se à realização da audiência final, tendo sido proferida sentença com o seguinte dispositivo: «Em face do supra exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente e, por conseguinte: A) Condeno a Ré Thai – Restaurante Tailandês de Vilamoura, Lda. a cessar a utilização do sistema de exaustão existente na cozinha do estabelecimento comercial “Thai Marina”, localizado nas fracções autónomas designadas pelas letras “C” e “D”, do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal denominado “Marina Garden”, sito na Rua Marina Garden, Lotes 1B.3 e 1B.4, na freguesia de Quarteira, concelho de Loulé, inscrito na matriz predial urbana daquela freguesia sob os artigos 9975 e 9945, bem como a Ré Takô Sushi, Lda., caso esta venha a assumir a exploração daquele estabelecimento; B) Condeno as Rés Takô Sushi, Lda. e Thai – Restaurante Tailandês de Vilamoura, Lda. a retirarem a chaminé referida em 36) dos factos provados, existente na cobertura da esplanada do estabelecimento comercial referido em A); C) Fixo sanção pecuniária compulsória no montante de 100,00€ (cem euros) por cada dia que, comprovadamente, seja desrespeitada a decisão referida em A); D) Absolvo as Rés Takô Sushi, Lda. e Thai – Restaurante Tailandês de Vilamoura, Lda. do demais peticionado; E) Absolvo a Ré Grazia Barbosa Unipessoal, Lda. de todos os pedidos contra si deduzidos; F) Julgo não haver lugar à condenação do Autores como litigantes de má-fé. * Custas a cargo dos Autores e das Rés Takô Sushi, Lda. e Thai – Restaurante Tailandês de Vilamoura, Lda. na proporção de decaimento, que se fixa em partes iguais (art. 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC).»Inconformadas, as rés Takô Sushi, Lda. e Thai - Restaurante Tailandês de Vilamoura, Lda. apelaram do assim decidido, tendo finalizado a respetiva alegação com as conclusões que a seguir se transcrevem: «i) O presente recurso de apelação vem interposto da sentença proferida nos Autos que decidiu: “A) Condenar a Ré Thai – Restaurante Tailandês de Vilamoura, Lda. a cessar a utilização do sistema de exaustão existente na cozinha do estabelecimento comercial “Thai Marina”, localizado nas fracções autónomas designadas pelas letras “C” e “D”, do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal denominado “Marina Garden”, sito na Rua Marina Garden, Lotes 1B.3 e 1B.4, na freguesia de Quarteira, concelho de Loulé, inscrito na matriz predial urbana daquela freguesia sob os artigos 9975 e 9945, bem como a Ré Takô Sushi, Lda., caso esta venha a assumir a exploração daquele estabelecimento; B) Condenar as Rés Takô Sushi, Lda. e Thai – Restaurante Tailandês de Vilamoura, Lda. a retirarem a chaminé referida em 36) dos factos provados, existente na cobertura da esplanada do estabelecimento comercial referido em A); C) Fixo sanção pecuniária compulsória no montante de 100,00€ (cem euros) por cada dia que, comprovadamente, seja desrespeitada a decisão referida em A); D) Absolvo as Rés Takô Sushi, Lda. e Thai – Restaurante Tailandês de Vilamoura, Lda. do demais peticionado; E) Absolvo a Ré Grazia Barbosa Unipessoal, Lda. de todos os pedidos contra si deduzidos; F) Julgo não haver lugar à condenação do Autores como litigantes de má-fé.” ii) O presente recurso de Apelação engloba quer a questão da nulidade da sentença a quo, quer matéria de direito nos termos do estatuído no Artigo 639.º n.º 2 do Código do Processo Civil e, ainda, a matéria de facto, através da reapreciação da prova gravada, nos termos do disposto no Artigo 640.º do CPC. iii) Na sentença recorrida a fundamentação da matéria de facto presta-se a confusões e ambiguidades, não sendo possível descortinar em concreto que meios de prova permitiram dar como provados os Factos Provados 40) e 42). iv) A alínea a) do dispositivo da sentença recorrida presta-se a contradições, dúvidas, confusões, sendo mesmo ininteligível, porquanto em nenhum dos factos provados se deu como o provado o que compõe o sistema de exaustão a que se refere, sendo que em várias partes da sentença o mesmo parece coincidir com a chaminé instalada na cobertura da esplanada fechada edificada em domínio público marítimo e noutros trechos da sentença para incluir outras realidades, referindo-se erradamente e sem fundamento que a chaminé foi edificada numa zona comum do edifício Marina Garden. v) Motivos pelo quais – os referidos nos pontos iii) e iv) destas conclusões – a sentença recorrida será nula nos termos do disposto nas alíneas a) e b) do n.º 1 do Artigo 615.º do Código do Processo Civil. vi) Como muito bem se entendeu no douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 20 de Junho de 2016, processo n.º 2050/14.0T8RT.P1, disponível para consulta em www.dgsi.pt, “I - Na reapreciação da prova a Relação goza da mesma amplitude de poderes da 1.ª instância e, tendo como desiderato garantir um segundo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto impugnada, deve formar a sua própria convicção.(…)” vii) As declarações de parte (art. 466 do CPC) ou o depoimento de um interessado na procedência da causa não podem valer como prova de factos favoráveis a essa procedência se não tiverem o mínimo de corroboração por um qualquer outro elemento de prova.”, como bem se entendeu o douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 20 de Novembro de 2014, processo n.º 1878/11.8TBPFR.P, disponível para consulta em www.dgsi.pt. viii) O Tribunal a quo valorou erradamente os depoimentos de parte dos Autores J.F.L. e B.P. e as confissões que os mesmos fizeram, um quando reconhece que não conseguia identificar a origem dos cheiros (vide minuto 31:54), afirmando mais à frente que momentos houve em que a cozinha funcionou com filtros de carvão activado - sem que os cheiros o incomodassem (vide minuto 34:00), o outro porque que confessa que depois do verão de 2019 não tem conhecimento directo dos factos pois não se deslocou a Vilamoura, mas afirmou falsamente ao minuto 58:25 do seu depoimento a “boca, a saída do tubo de extracção termina (…) mesmo defronte da minha varanda”. ix) O Tribunal a quo valorou erradamente as declarações das seguintes Testemunhas (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…) (…), como infra se demonstrará facto por facto. x) O Tribunal a quo não terá valorado devidamente as fotografias constantes do Auto de Inspecção ao Local, nem cruzado devidamente este meio de prova com os relatórios periciais realizados no âmbito da providência cautelar. xi) O Tribunal a quo terá ignorado não só leis da física como o ar quente sobre os cheiros são constituídos por partículas e dispersam-se na atmosfera, bem como o facto de os depoimentos se referirem em regra à realidade decorrente de uma chaminé horizontal cuja boca estava abaixo da cota dos apartamentos, e não relativamente a uma chaminé cuja boca está cerca de 5 metros acima da cota dos apartamentos do primeiro andar, sendo ainda possível subir mais a boca da chaminé instalada no verão de 2019. xii) O facto provado 29 foi mal julgado pelo Tribunal a quo e deverá ser considerado pelos Venerandos Desembargadores da seguinte forma: “29) A esplanada referida em 24), bem como as demais ali existentes, têm os telhados e as paredes laterais encostados aos alçados das varandas do prédio referido em 1) e assentes em estrutura de ferro com pilares e vigas implantados em domínio público marítimo” xiii) Assim deve ser entendido tal facto provado, atentas as fotografias 1, 3, 4, 6 e 9 que integram o Auto de Inspecção ao Local, a menção neste auto de que as estruturas de vidro aparentam ser amovíveis e o depoimento das Testemunhas (…) (minutos 3:19; 3:43; 4:17; 8:10, 8:44 e 9:22 do primeiro ficheiro de áudio e minutos 5:21; 6:16; 11:59 do segundo ficheiro de áudio), (…) (minutos 1:24 ; 1:31, 4:31, 8:16) cujas transcrições se fizeram supra e a inexistência de prova que sustente a redacção na sentença recorrida deste Facto Provado 29; xiv) As Recorrentes julgam igualmente incorrectamente julgado o Facto Provado 31, devendo ser removido dos factos provados por não ter sido produzida qualquer prova que o sustente, resultando o mesmo de uma conclusão do Tribunal a quo que aparenta ignorar a existência de domínio público municipal. xv) A respeito da conclusão anterior, urge trazer à colação que em regra a parte inferior das varandas dos prédios integra o domínio público municipal – os passeios públicos -, bem com os depoimentos das Testemunhas (…) (minutos 4:17 do primeiro ficheiro e 5:21 e 6:16 do segundo ficheiro), o Depoimento de Parte do Autor M.O.P. (minutos 45:52, 54:55; o Depoimento de Parte do Autor J.F.L. (minutos 14:32 e 14:45 do segundo ficheiros de áudio) acima transcritos, bem como o título de constituição da propriedade horizontal que não menciona qualquer corredor comum. xvi) As Recorrentes consideram incorretamente julgado o ponto da matéria de facto correspondente ao facto provado 36, que resultará de uma desconsideração por parte do Tribunal a quo de factos relevantes para a boa decisão da causa, entendendo-se que o mesmo deverá ser sub dividido e, atento as fotografias juntas com a Petição Inicial como documentos n.ºs 2, 3, 4 e 5, fotografia junta com a Contestação como documento n.º 19, fotografias n.º 31, 32, 33, 34, 36, 39 e 41 do Auto de Inspecção ao Local, bem como o depoimento de parte do legal representante das Recorrentes (minutos 6:11 ; 7:54 ; 41:45 e 44:35) depoimento de parte do Autor J.F.L. (minutos 13:15 ; 15:51 ; 16:04 e 34:00), depoimento das Testemunhas (…) (minuto 7:00), (…) (minutos 5:19 e 6:15 e (…) (minuto 1:00:44), cujas transcrições constam acima, considerado pelos Venerandos Desembargadores do seguinte modo: “36 Após a decisão proferida no âmbito do procedimento cautelar apenso aos presentes autos, datada de 8 de Julho de 2019, foi instalada no restaurante Thai Marina uma tubagem/conduta exterior, a servir de chaminé, assente na cobertura da esplanada e que subia junto a pilar do edifício referido em 1), com apoio no murete da varanda do apartamento do Autor J.F.L., terminado a sua boca por cima do telhado de cobertura do edifício” “36 – B A chaminé referida em 36 foi derrubada por familiares do Autor J.F.L.” “36 – C Após o derrube referido em 36 – B e uma vez que a família L. não consentiu a solução referida em 36 foi instalada na cobertura da esplanada fechada que está afecta ao restaurante Thai Marina uma tubagem/conduta exterior, a servir de chaminé que sobe em linha recta vertical paralela ao edifício referido em 1, mas separada do mesmo, tendo como único ponto de contacto com o referido edifício um único parafuso fixado no lado exterior do muro da fracção autónoma “AC” uma vez que a chaminé está fixada com espias fixadas na cobertura da esplanada fechada” “36 – D A chaminé referida em 36 C está colocada no campo de visibilidade da janela de um dos quartos da fracção autónoma “AC”, mas a uma distância superior metro e meio, não comprometendo a iluminação e arejamento, nem a total visibilidade, sendo possível continuar a ver quer a Marina de Vilamoura, quer os edifícios a Nascente da mesma.” xvi) As Recorrentes consideram incorretamente julgado o ponto da matéria defacto correspondente ao facto provado 39, por não se ter produzido prova que permita a redacção que lhe foi conferida pelo Tribunal a quo. xvii) As Recorrentes consideram que o Tribunal a quo mal julgou o Facto Provado 39, por não ter considerado devidamente que na data da produção de prova o sistema de exaustão de fumos e cheiros, ao contrário do que sucedia até Julho de 2019, assentava numa chaminé vertical cuja boca está 5 metros acima da chaminé anterior, que as varandas dos segundos andares pela forma dos seus telhados não estão na linha da chaminé existente, não sendo a boca da mesma visível dos apartamentos 2B e 2C, como bem se consignou no Auto de Inspecção ao Local, por ter valorado uma perícia respeitante a uma realidade factual diversa, tendo-se atribuído um valor probatório aos depoimentos das Testemunhas (…), (…), (…), (…) e (…)que os mesmo não têm nem podem ter como se deixou supra alegados nos Artigos 94.º a 125.º das presentes Alegações que aqui se dão por reproduzidos. xvii) entendendo-se na esteira do mui douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 20 de Novembro de 2014, processo n.º 1878/11.8TBPFR.P, disponível para consulta em www.dgsi.pt supra referido que não se pode dar como provado um facto com base apenas no depoimento da parte a que tal facto aproveita, sem ser corroborado por outro meio de prova, sem olvidar as contradições e confissões feitas pelos Autores J.F.L. e B.P. referidas nos Artigos 87.º a 93.º das presentes Alegações que aqui se dão por reproduzidas. xviii) As Recorrentes consideram incorretamente julgado o ponto da matéria de facto correspondente ao facto provado 40, por considerarem não se ter produzido prova que permita dar como provado aquele facto, sendo manifesta a contradição entre a redacção de tal facto na sentença recorrida e a respectiva fundamentação, termos em que se entende que o Facto Provado 40 deverá ser removido dos Facto Provados. xix) As Recorrentes consideram incorretamente julgado o ponto da matéria de facto correspondente ao facto provado 42 por sua redacção ser vaga e ampla, prestando-se a dúvidas obscuridades e ambiguidades. xx) Sem prejuízo, a chaminé referida em 36) dos factos provados não é susceptível de alterar as características do edifício referido em 1) dos Factos Provados, porquanto não está cravada, nem encostada a nenhum dos seus alçados, designadamente o poente, estando isso, sim, edificada em domínio público marítimo. xxi) Atenta a prova produzida e com relevância para a causa atento os direitos ao trabalho e à iniciativa privada, entendem as Recorrentes ser de aditar aos factos provados o seguintes ponto, respeitando-se a numeração da sentença recorrida: “Facto Provado 44: O Estabelecimento Thai Marina, que funciona nas fracções C e D, emprega mensalmente pelo menos 8 funcionários”. As provas que sustentam tal conclusão são essencialmente os depoimentos das Testemunhas (…) (minutos 1:36 e 13:44 do seu depoimento) e (…) (minuto 8:21 do seu depoimento) cuja transcrições acima se fez. xxii) As alterações à matéria de facto acima referidas por si só impõem não só uma alteração às questões de Direito a decidir, bem como ao dispositivo da sentença recorrida. xxiii) Na sentença recorrida apenas foi analisada, e mal quanto a nós, a questão de direito de direito relacionada com as regras da propriedade horizontal. xxiv) Para além de tal abordagem técnico jurídica, a situação dos presentes Autos incluir necessariamente o conflito de direitos: direito à iniciativa privada e ao emprego vs direito ao ócio, sendo que, não está em causa nem o direito à habitação, pois que não ficou provado que alguns dos Autores resida no Edifício Marina Garden, bem pelo contrário, como não ficou provado qualquer prejuízo efectivo para a saúde dos Autores. xxv) O direito ao ócio não é um direito fundamental, nem um direito absoluto, como parece ter sido entendido na sentença recorrida. xxvi) A chaminé existente na cobertura de chapa da esplanada fechada afecta ao estabelecimento de restauração instalado de acordo com a utilização prevista no título constitutivo da propriedade horizontal não só respeita o disposto no Artigo 1360.º do Código Civil, como não é susceptível de constituir uma inovação tal como definida no Artigo 1425.º do Código Civil, porquanto não está edificada/instalada numa parte comum do edifício tal como definida pelo Artigo 1421.º do referido Código, mas em domínio público marítimo, sendo que segue em paralelo ao edifício e não encostada ao mesmo. xxvii) As inovações previstas no Artigo 1421.º do Código Civil e as regras relativas à sua execução, ao contrário do entendido na sentença recorrida, apenas respeitam a obras executadas nas partes comuns do edifício e não no interior das fracções: o alterar a cor ou os azulejos interiores de uma cozinha ou de uma casa de banho, bem como a colocação de um fogão e respectiva campânula no interior de uma fracção, não são inovações que carecem de aprovação por 2/3 dos condóminos como previsto no Artigo 1425.º do Código Civil. xxviii) Motivos pelos quais, mal decidiu o Tribunal a quo quando decidiu ordenar a remoção de uma chaminé instalada em domínio público municipal e o sistema de exaustão existente no interior das fracções C e D, o que quer que seja tal sistema, pois que reitera-se, o Tribunal a quo não deu como provado o que é que compõe o sistema de exaustão. xxix) O Autor J.F.L. no que respeita à questão da chaminé instalada em domínio público marítimo, cujos fumos à data dos factos alegadamente o incomodam – recorde-se que a boca da chaminé está a mais de 50 centímetros do ponto mails alto da sua fracção e afastada dos vãos de janele e porta a mais de um metro e meio – agirá com manifesto abuso de direito, porquanto inviabilizou outras soluções técnicas com vista a minorar/eliminar eventuais cheiros. xxx) O conflito de direitos em apreço verdadeiramente merecedor de tutela jurídica, pode e deve ser resolvido com recurso a alterações à chaminé instalada no domínio público marítimo, designadamente, elevação da sua boca de harmonia com o disposto no Artigo 113.º do REGEU e não com a remoção sem mais da referida chaminé. xxxi) Os Autores, e em particular o Autor M.J.B.P. pois foi requerente no Procedimento Cautelar, subscreveram Petição Inicial em que surge como Ré a referida sociedade Grazia Barbosa, Unipessoal, Lda., imputando à mesma – vide Artigo 12.º da PI – factos que tiveram lugar 8 anos antes da sua constituição, como bem sabiam e tinham obrigação de saber se atentarmos nas declarações da Meritíssima Juiz a quo ao minuto 44:03 do depoimento de parte do Autor M.J.B.P., supra transcritas e que aqui se dão por reproduzidas. xxxii) Os Autores, por contraposição ao dado como provado na providência cautelar e ao teor da Licença de Utilização n.º 143/97 o que bem sabiam e tinham obrigação de saber, apresentaram Petição Inicial em que falsamente no seus Artigos 23.º e 24.º afirmam que o estabelecimento de restaurante se encontra a funcionar nas fracções C e D sem que tenha a necessária licença de utilização. xxxiii) Os Autores, ao contrário do entendido pelo Tribunal a quo, litigaram com má fé na modalidade prevista na alínea b) do n.º 1 do Artigo 542.º do Código do Processo Civil. Nestes termos, nos mais de Direito cujo douto suprimento expressamente se requer, deve ser concedido integral provimento ao presente recurso de apelação, revogando-se a decisão recorrida na parte em condenou as Recorrentes a cessar a utilização do sistema de exaustão existente na cozinha do estabelecimento comercial “Thai Marina”, localizado nas fracções autónomas designadas pelas letras “C” e “D”, bem como a retirarem a chaminé referida em 36) dos factos provados, existente na cobertura da esplanada do estabelecimento comercial referido em A), substituindo-se a mesma por Acórdão que análise dirima de formal legal, justa e equitativa o conflito de direitos em apreço, condenando igualmente os Autores como litigantes de má fé em multa, assim se fazendo a costumada Justiça !!!» Os autores contra-alegaram, defendendo a manutenção da decisão recorrida. Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir. II – ÂMBITO DO RECURSO Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso (arts. 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), são as seguintes as questões a decidir: - se a sentença enferma das nulidades que lhes são imputadas; - se deve ser alterada a decisão sobre a matéria de facto; - se no caso estamos perante um conflito de interesses/direitos, como sustentam as recorrentes, ou se, ao invés, se trata de uma violação de direitos de personalidade dos autores, como se decidiu na sentença; - se os autores devem ser condenados como litigantes de má-fé. III – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICO-JURÍDICA Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos: 1) Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o número 6307, da freguesia de Quarteira, e inscrito na matriz sob o artigo 9975, o prédio urbano denominado “Lotes 1B3 e 1B.4 – Marina Garden”, situado em Vilamoura, constando do registo a seguinte composição e confrontações: “Edifício de cave, rés do chão, 1.º e 2.º andar e logradouro com piscina – norte, sul e nascente – terrenos da Câmara Municipal de Loulé4; poente “Lote 1B.2.1”. 2) No registo do prédio referido em 1), para além de outras, encontra-se a inscrição Ap. 1, de 18/04/1995 relativa à constituição da propriedade horizontal e constituição das 51 frações autónomas designadas pelas letras A, B, C, D, E, F, G, H, I, J, L, M, N, O, P, Q, R, S T, U, V, W, X, Y, Z, AA, AB, AC, AD, AE, AF, AG, AH, AI, AJ, AK, AL, AM, AN, AO, AP, AQ, AR, AS, AT, AU, AV, AX, AY e AZ. 3) O edifício referido em 1), ao tempo da sua construção, constituía arquitetonicamente uma unidade uniforme em razão da tipologia, tetos, cores, qualidade e características dos materiais. 4) Os Autores M.J.B.P. e M.M.P.V.S.B.P. são os únicos usufrutuários da fração autónoma designada pelas letras “AQ”, correspondente à habitação no 2.º andar, com entrada pela porta 2.C, do prédio referido em 1), encontrando-se o direito de usufruto inscrito a seu favor através da Ap. 2228 de 2016/08/16. 5) A Autora M.A.B.G.O. é proprietária da fração autónoma designada pelas letras “AD”, correspondente à habitação no 1.º andar, com entrada pela porta 1.D, do prédio referido em 1), encontrando-se a aquisição inscrita a seu favor pela Ap. 409 de 2014/01/06. 6) O Autor J.F.L. é proprietário da fração autónoma designada pelas letras “AC”, correspondente à habitação no 1.ºandar, com entrada pela porta 1.C, do prédio referido em 1), encontrando-se a aquisição inscrita a seu favor pela Ap. 35 de 1997/04/18. 7) O Autor M.O.P. é proprietário da fração autónoma designada pelas letras “AB”, correspondente à habitação no 1.º andar, com entrada pela porta 1.B, do prédio referido em 1), encontrando-se a aquisição inscrita a seu favor pela Ap. 7 de 1996/03/22. 8) O Autor S.J.P.B. é proprietário da fração autónoma designada pelas letras “AP”, destinada a habitação no 2.º andar, com entrada pela porta 2.B, do prédio referido em 1), encontrando-se a aquisição inscrita a seu favor pela Ap. 37 de 1995/09/07. 9) Os Autores habitam as suas frações durante os seus períodos de férias e alguns fins de semana bem como cedem o gozo das mesmas, por vezes, a familiares e amigos para férias e alguns fins de semana. 10) As frações do rés-do-chão estão construídas geminadamente entre si e dispostas paralelamente com frente para a Marina de Vilamoura. 11) A Ré Takô Sushi, Lda. comprou, em Novembro de 2018, as frações “C” e “D”, situadas no rés- do-chão do prédio referido em 1). 12) As frações autónomas designadas pelas letras “C” e D” destinam-se, de acordo com o registo predial e o título constitutivo de propriedade horizontal do prédio referido em 1), a comércio ou indústria. 13) Mediante alvará de licença de utilização n.º 143/97, de 06.05.1997, a Câmara Municipal de Loulé autorizou a utilização das frações autónomas “C” e “D” para “Industria Similar de Hotelaria – geladaria”. 14) A Ré Grazia Barbosa Unipessoal, Lda., cuja constituição foi registada na Conservatória do Registo Comercial através da AP.32/20160126, tem como objeto social a exploração de estabelecimentos de restauração e bebidas com ou sem espaço de dança e com ou sem música ao vivo, serviços de catering e take-away, organização, gestão e promoção de eventos. 15) A Ré Grazia Barbosa Unipessoal, Lda., que desde 06.04.2017 tinha a sede em Rua da Botelha, Edifício Delta Marina, Loja 9, em Vilamoura, em 04.04.2019 alterou a mesma para Rua Dr. Júlio Filipe Almeida Carrapato, Edifício Olivença B, r/c, em Faro. 16) A Ré Grazia Barbosa, Lda. explorou o restaurante instalado nas referidas frações “C” e “D” no período compreendido entre o ano de 2016 e o ano de 2017. 17) A Ré Grazia Barbosa, Lda. deixou de ter qualquer relação com as frações “C” e “D” desde a data que alterou a sua sede para a Rua da Botelha, Edifício Delta Marina, Loja 9, em Vilamoura, em 06.04.2017. 18) A Ré Thai – Restaurante Tailandês de Vilamoura, Lda., cujo registo de constituição foi efetuado através da Ap. 34/20030307, tem como objeto social a exploração de restauração e serviço de bebidas e tem como gerentes os seus dois sócios, J.M.G.C. e L.M.P.A.F.. 19) A Ré Takô Sushi, Lda., cujo registo de constituição foi efetuado através da Ap. 7/20080320, tem como objeto social a exploração de restaurantes e estabelecimentos de bebidas, importação, exportação, comércio e representação de produtos alimentares e bebidas e tem como gerentes os seus dois sócios, J.M.G.C. e P.J.T.B.. 20) A Ré Grazia Barbosa, Unipessoal, Lda. não tem qualquer relação com as outras Rés ou com os sócios e gerentes das mesmas. 21) A Ré “Takô Sushi, Lda.”, no decurso do ano de 2008, instalou um estabelecimento de restauração nas frações “C” e “D” e executou obras de construção e remodelação do interior bem como da esplanada ali existente. 22) Nas frações “C” e “D” encontra-se instalado e a funcionar um restaurante de sushi e de comida tailandesa, propriedade da Ré Takô Sushi, Lda. e atualmente explorado pela Ré Thai – Restaurante Tailandês de Vilamoura, Lda., denominado Thai Marina. 23) Aquele estabelecimento de restauração tem licença para funcionar e estar aberto ao público durante o dia e até às 02:00 horas. 24) Em frente às frações “C” e “D” existe uma esplanada fechada, que tapa a fachada das mesmas, afeta ao restaurante que ali é explorado, constituída por um telhado de duas águas, vidros nas laterais e portas na frente, virada para a Marina. 25) O estabelecimento instalado nas frações “C” e “D” está a laborar com a esplanada actualmente existente desde o ano de 2008. 26) Antes dessa data, pelo menos desde 02.06.2007, já funcionava no local um estabelecimento comercial de geladaria e snack bar com uma esplanada fechada afecta ao mesmo. 27) No alçado do prédio referido em 1), para onde deitam as janelas das frações dos Autores, para além do restaurante referido 21), são explorados três estabelecimentos de restauração, nas frações “A”, “B” e “F”, e um estabelecimento de bar, na fracção “K”, onde decorrem espetáculos de música ao vivo. 28) Os estabelecimentos comerciais referidos em 27), e os outros estabelecimentos contíguos, têm estruturas similares à esplanada fechada referida em 24). 29) A esplanada referida em 24), bem como as demais ali existentes, têm os telhados e as paredes laterais sustentados nas paredes do prédio referido em 1). 30) Até à instauração do procedimento cautelar apenso a estes autos, em 03.09.2018, os Autores nunca se opuseram ao funcionamento do restaurante instalado nas frações “C” e “D”, ou dos outros estabelecimentos instalados nas demais frações, nem à existência da respetiva esplanada fechada. 31) A dita esplanada, bem como as demais, ocupa, em parte, área comum do prédio referido em 1) bem como área pertencente ao domínio público marítimo, autorizada por acordo escrito e mediante o pagamento de uma prestação mensal à Marina de Vilamoura, S.A. 32) Na cobertura da esplanada referida em 24) encontra-se instalada uma unidade compressora do sistema de ar condicionado. 33) O sistema compressor do ar condicionado produz e expele ar quente no modo de verão e ar frio no modo de inverno, bem como ruído produzido pelo ventilador que integra aquele aparelho, emissões com intensidades e volumes variáveis. 34) As frações autónomas dos Autores também têm instaladas nas varandas máquinas compressoras de aparelhos de ar condicionado 35) Além do referido em 32), na fachada da esplanada, virada para a Marina, encontram-se instalados reclamos luminosos. 36) Após a decisão proferida no âmbito do procedimento cautelar apenso aos presentes autos, datada de 8 de Julho de 2019, foi instalada no restaurante Thai Marina uma tubagem/conduta exterior, a servir de chaminé, assente na cobertura da esplanada e que sobe em linha reta vertical junto à fachada do prédio referido em 1), na zona onde se localizam as frações dos Autores, cravada na parede do prédio junto à varanda da fração autónoma “AC” e em frente à janela aí existente. 37) A boca da chaminé referida em 36) situa-se abaixo da parte mais elevada da cobertura do edifício. 38) O sistema de exaustão produz ruído e expele fumos, vapores, gases e cheiros a comida provenientes da cozinha do restaurante Thai Marina através da conduta referida em 36), em volumes variáveis em função do nível de utilização da cozinha e da capacidade de dispersão do vento. 39) Os Autores são atingidos, nas suas habitações, pelos fumos, gases e cheiros expelidos pelo referido sistema de exaustão, impedindo-os de abrir as janelas durante o período de funcionamento do restaurante ou de permanecer na varanda. 40) O referido em 39) causa desconforto e afeta a saúde, a respiração, a tranquilidade e o bem-estar dos Autores ou de quem se encontre na varanda das habitações. 41) O projeto de arquitetura licenciado pela Câmara Municipal não prevê a existência de chaminé nas frações autónomas onde está instalado o restaurante Thai Marina. 42) Com as construções efetuadas e os equipamentos visíveis no exterior que nela colocaram, as Rés, e os outros proprietários, alteraram as características do prédio referido em 1). 43) Os Autores pediram, por diversas vezes, que fosse retirado o sistema de exaustão. E foram considerados não provados os seguintes factos: a) O edifício referido em 1) é reputado ou tem imagem de qualidade, bom gosto e de valor imobiliário elevado, muito superior aos restantes imóveis à venda no local. b) As frações autónomas dos Autores desvalorizaram devido à existência do estabelecimento Thai Marina e da esplanada ali instalada. c) Os reclamos luminosos referidos em 35) produzem ruídos. d) Durante o período de funcionamento do restaurante Thai Marina são audíveis na habitação dos Autores as vozes das pessoas a conversar dentro do mesmo, da maquinaria, os motores dos frigoríficos, das arcas congeladoras e outros equipamentos do estabelecimento. e) Para além do provado em 23), o restaurante está efetivamente aberto ao público até às 02h00. f) As construções feitas pelas Rés possibilitam o acesso fácil de pessoas às janelas, varandas e residências dos Autores. g) As construções efetuadas nas frações C e D bem como o sistema de exaustão de ar condicionado e suas condutas são focos potenciadores de incêndios e de fácil propagação de incêndios ao edifício. h) As esplanadas, as construções e a cobertura da esplanada das frações C e D obstruíram o normal escoamento das águas pluviais e impediram a saída de sujidades que se depositaram nessas coberturas e, com o vento, penetram nas varandas e interiores das frações dos Autores. i) Com as construções, instalações e equipamentos que as Rés fizeram e colocaram, ficou obstruído o acesso às caixas de saneamento, às águas pluviais, eletricidade, água e gás de cidade. j) O ar produzido e expelido pelo sistema compressor de ar condicionado bem como o ruído produzido pelo ventilador que integra aquele aparelho é suscetível de afetar o bem-estar de quem se encontre nas varandas das frações dos Autores ou no seu interior. k) Para além do provado em 43), os Autores solicitaram por diversas vezes a reposição das frações C e D no estado idêntico ao projeto de arquitetura licenciado pela Câmara Municipal de Loulé e pediram que fossem retiradas as coberturas existentes, a unidade exterior de ar condicionado e os reclamos luminosos. l) Os Autores têm destinado as suas frações à atividade de serviços de alojamento local. m) No estabelecimento Thai Marina, que funciona nas fracções “C” e “D” trabalham, em média, 22 pessoas durante o ano; n) Os Autores quando intentaram a presente ação tinham conhecimento do referido em 17). o) Os Autores têm conhecimento do referido em 20). Da nulidade da sentença Segundo os recorrentes, por um lado, a fundamentação da sentença recorrida «presta-se a confusões e ambiguidades, não sendo possível descortinar em concreto que meios de prova permitiram dar como provados os Factos Provados 40) e 42)», e por outro lado, «[a] alínea a) do dispositivo da sentença recorrida presta-se a contradições, dúvidas, confusões, sendo mesmo ininteligível, porquanto em nenhum dos factos provados se deu como o provado o que compõe o sistema de exaustão a que se refere, sendo que em várias partes da sentença o mesmo parece coincidir com a chaminé instalada na cobertura da esplanada fechada edificada em domínio público marítimo e noutros trechos da sentença para incluir outras realidades, referindo-se erradamente e sem fundamento que a chaminé foi edificada numa zona comum do edifício Marina Garden». Está, pois, em causa, a nulidade da sentença prevista na alínea c) do nº 1 do art. 615º do CPC[1], onde se dispõe que a sentença é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível. Como ensinava o Prof. Alberto dos Reis[2], esta nulidade verifica-se quando «a sentença enferma de vício lógico que a compromete (…)», quando «a construção da sentença é viciosa, pois os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto». Ou, nas palavras do acórdão do STJ de 02.12.2013[3]: «(…), quando ocorre um vício real no raciocínio expresso na decisão, consubstanciado na circunstância da fundamentação explicitada na mesma apontar num determinado sentido, e, por seu turno, a decisão que foi proferida seguir caminho oposto, ou, pelo menos, diferente. Dito de outro modo, quando a fundamentação adoptada conduz logicamente a determinada conclusão e, a final, o juiz extrai outra, oposta ou divergente (de sentido contrário). Não se confunde com o erro de julgamento, seja quanto à apreciação dos factos feita pelas instâncias, seja quanto às consequências jurídicas deles extraídas, por inadequada ter sido a sua subsunção à regra ou regras de direito pertinentes à situação concreta a julgar. Trata-se, pois, de uma irregularidade lógico-formal e não lógico-jurídica.» No caso em apreço, a invocada nulidade relativamente aos pontos 40 e 42 dos factos provados – ainda que existisse -, foi devidamente apreciada no despacho de admissão do recurso, em termos que merecem a nossa inteira concordância, e que aqui se transcrevem: «Conforme resulta do disposto no artigo 614.º do CPC, é possível a rectificação de erros materiais, designadamente erros de escrita ou quaisquer inexactidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto, sendo que, em caso de recurso, essa rectificação só pode ter lugar antes de ele subir. Com efeito, tendo em consideração a questão suscitada pelas Recorrentes, relendo a fundamentação da matéria de facto, constata-se a existência de alguns lapsos quando é feita referência aos factos a que a motivação respeita. E, como bem notam os Autores/Recorridos nas suas contra-alegações, a fls. 13 da sentença, quando ali se faz menção aos factos provados 40) e 41), conforme se retira da respectiva fundamentação, pretendia-se dizer factos 41) e 42). Quanto ao facto provado 40), tal como os factos provados 38) e 39), o tribunal formou convicção nos termos que se encontram explanados no último parágrafo de fls. 13, fls. 14 e 1.º parágrafo de fls. 15, conforme se retira da simples leitura da fundamentação ali expendida. Por último, quando a fls. 12 se faz menção ao facto provado 42), deverá ler-se facto provado 43), conforme se retira da respectiva fundamentação. O tribunal fundamentou, de acordo com aquilo que foi a sua convicção em face da prova produzida, toda a factualidade que deu como provada, ainda que reconheça a existência dos referidos lapsos na numeração dos factos, entende-se que a fundamentação se encontra suficientemente clara e inteligível, sendo possível dela extrair, de forma inequívoca, a que factos se refere. Com efeito, basta atentar que o facto provado 40) diz respeito à forma como os direitos dos Autores, ali mencionados, são afectados e na fundamentação onde se menciona “relativamente ao facto provado em 40)” (pág. 13 da sentença) faz-se referência ao projecto de arquitectura, sendo manifesto que o tribunal pretende, com o ali exposto, fundamentar a forma como formou a sua convicção quanto ao facto provado em 41) e, consequentemente, onde se diz “quanto ao facto 41)” o tribunal está a fundamentar o facto 42). Assim, em face do exposto, nos termos e ao abrigo do já citado artigo 614.º do CPC, procede-se à rectificação da sentença nos seguintes termos: i) Na página 12 da sentença, onde se diz “facto provado 42)” deverá passar a constar “facto provado 43)”; ii) Na página 13 da sentença, onde se diz “Relativamente ao facto provado 40)” deverá passar a constar “Relativamente ao facto provado 41)”; onde se diz “Quanto ao facto 41)” deverá passar a constar “Quanto ao facto 42)” e onde se diz “Por último, e quanto aos factos 38) e 39)” deverá passar a constar “Por último, e quanto aos factos 38), 39) e 40)”. O tribunal especificou os fundamentos de facto, indicou os meios de prova que foram decisivos para a sua convicção e fê-lo de forma, que salvo melhor opinião, julga ter sido clara e inteligível. Pelo que, não se vislumbra que a sentença padeça da nulidade que lhe foi apontada.» Em suma, a sentença recorrida não enferma de qualquer contradição/ambiguidade relativamente à fundamentação dos pontos 40 e 42 dos factos provados, mas apenas de lapsos de escrita que se mostram já devidamente retificados. Relativamente à alínea A) do dispositivo da sentença, que segundo os recorrentes se presta « a contradições, dúvidas, confusões, sendo mesmo ininteligível, porquanto em nenhum dos factos provados se deu como o provado o que compõe o sistema de exaustão a que se refere», também nenhuma contradição ou ambiguidade existe que a tornem ininteligível . Os termos dessa condenação são claros e inequívocos, «cessar a utilização do sistema de exaustão existente na cozinha do estabelecimento comercial “Thai Marina”, localizado nas fracções autónomas designadas pelas letras “C” e “D”», sendo irrelevantes os componentes desse sistema de exaustão. Ademais, lendo o corpo das alegações e as conclusões do recurso, é evidente que as recorrentes interpretaram e entenderam perfeitamente os termos da condenação imposta na referida alínea a), sendo que «[n]ão há ambiguidade na decisão quando o reclamante a compreendeu embora com ela não concorde».[4] Em suma, a sentença recorrida não enferma da nulidade que lhe é apontada pelas recorrentes, tudo se resumindo, ao cabo e ao resto, em mera discordância com a decisão proferida. Da impugnação da matéria de facto (…) Resulta assim do exposto, que não se vislumbra uma desconsideração da prova produzida, mas sim uma correta apreciação da mesma, não se patenteando a inobservância de regras de experiência ou lógica, que imponham entendimento diverso do acolhido. Ou seja, no processo da formação livre da prudente convicção do Tribunal a quo não se evidencia nenhum erro que justifique a alteração da decisão sobre a matéria de facto, designadamente ao abrigo do disposto no artigo 662º do CPC. Assim, teremos de concluir que, perante a prova produzida, bem andou a Sr.ª Juíza a quo na decisão sobre a matéria de facto. O direito das rés/recorrentes ao exercício da atividade económica e os direitos de personalidade dos autores/recorridos Estabelece a Constituição da República Portuguesa [CRP] no seu artigo 16º, nº 2, que os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem e são diretamente aplicáveis, conforme previsto nos artigos 17º e 18º. Preceitua aquela Declaração, nos seus artigos 3º, 24º e 25º, nº 1 que todo o indivíduo tem direito à vida, que toda a pessoa tem direito ao repouso e um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família a saúde e o bem-estar. Por sua vez, estatui o artigo 70º, n º 1, do Código Civil [CC] que «[a] lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral». E o seu número 2 inclui expressamente a responsabilidade civil entre os meios gerais de tutela da personalidade física ou moral. Constituem os direitos de personalidade um círculo de direitos necessários; um conteúdo mínimo e imprescindível da esfera jurídica de cada pessoa, cuja violação traduz um facto ilícito civil que desencadeia a responsabilidade civil do infrator (obrigação de indemnizar os prejuízos causados)[7]. São direitos subjetivos absolutos, que têm por fim tutelar a integridade física e moral do indivíduo, impondo a todos os componentes da sociedade o dever negativo de se absterem de praticar atos que ofendam a personalidade alheia[8]. Integram o elenco de tais direitos, entre outros, o direito à vida, à integridade física, à saúde e ao repouso essencial à existência física[9]. No que se refere à matéria das relações de vizinhança, o proprietário de um imóvel pode opor-se à emissão de fumo, fuligem, vapores, cheiros, calor ou ruídos, bem como à produção de trepidações e a outros quaisquer factos semelhantes, provenientes de prédio vizinho, sempre que tais factos importem um prejuízo substancial para o uso do imóvel ou não resultem da utilização normal do prédio de que emanam (art. 1346º do CC). A Lei n.º 19/2014, de 14.04, que define as bases da política do ambiente, dispõe no seu art. 5º: «1- Todos têm direito ao ambiente e à qualidade de vida, nos termos constitucional e internacionalmente estabelecidos. 2- O direito ao ambiente consiste no direito de defesa contra qualquer agressão à esfera constitucional e internacionalmente protegida de cada cidadão, bem como o poder de exigir de entidades públicas e privadas o cumprimento dos deveres e das obrigações, em matéria ambiental, a que se encontram vinculadas nos termos da lei e do direito. Neste particular, como se escreveu no Ac. do STJ de 03.05.2018[10]: «No tema da produção ou emissão de ruídos, lesivas de direitos individuais ou coletivos, tem a jurisprudência deste tribunal, consistentemente e desde há vários anos, convocado uma tríplice tutela jurídica (entre outros, ASTJ de 17.1.2002 e de 2.12.2013, disponíveis em www.dgsi.pt): (i) a da tutela do direito de propriedade, designadamente no domínio das relações de vizinhança (art. 1346º do CC); (ii) a do direito a um ambiente de vida humana, sadio e ecologicamente equilibrado (art. 66.º, da CRP e Lei 19/2014, de 14 de Abril – anteriormente Lei 11/87, de 7 de Abril) e (iii) a dos direitos fundamentais de personalidade, o direito à integridade moral e física, ao livre desenvolvimento da personalidade (arts. 25º, 26º, n.º 1 da CRP e art. 70º do CC).” (31) Também no caso particular da emissão de ruídos Pedro Pais de Vasconcelos pronunciou-se do seguinte modo[11]: «São muitas as sentenças judiciais de “casos de ruído”. Os tribunais têm-se pronunciado numa orientação jurisprudencial constante, no sentido de que o ruído que impeça o sono, constitui violação do direito de personalidade, direito ao repouso, ainda que o nível do ruído não exceda os limites fixados no respectivo Regulamento. Esta orientação é correcta, dado que o direito de personalidade não pode ser restringido por um simples regulamento. A compatibilização jurídica do Regulamento do Ruído com o direito de personalidade deve ser feita no sentido de que todos devem limitar e emissão de ruídos, em geral, ao estabelecido no Regulamento; mas desse Regulamento não resulta um “direito a fazer ruído” e muito menos a ilicitude do impedimento do repouso alheio. O direito de personalidade prevalece sobre o regulamento do ruído. É também frequente na controvérsia judiciária a invocação do direito fundamental à liberdade e iniciativa económica para contrariar ou bloquear o direito à integridade física e psíquica sempre que o ruído, o mau cheiro ou outra emissão nociva provêm de uma actividade empresarial. Os tribunais não têm atendido a essa argumentação. A integridade física e psíquica são de uma vastíssima amplidão e abrangem a saúde em geral, quer a saúde física, quer a psíquica. Sempre que a saúde de alguma pessoa esteja ameaçada ou agredida, quer por condições ambientais concretas, como por exemplo, lixeiras a céu aberto ou emissões industriais venenosas, pode essa pessoa requerer ao tribunal que adopte as providências adequadas à prevenção ou cessação da ofensa, ou à atenuação dos seus efeitos». Como se escreveu no supra citado acórdão do STJ de 07.11.2019, «o direito ao repouso, ao sono e à tranquilidade de vida configuram-se como requisitos indispensáveis à realização do direito à saúde e à qualidade de vida, constituindo emanação do direito fundamental de personalidade[…]. Por isso, se compreende que, desde há muito, se tenha firmado na jurisprudência deste Supremo Tribunal o entendimento de que a relevância da ofensa do direito ao repouso, ao sono e à tranquilidade nem sequer é afectada pela circunstância de se mostrar respeitado o que se encontra regulamentado relativamente ao ruído[…] e/ou de a actividade[…] que o provoca se encontrar, ou não, devidamente licenciada, dispensando a ilicitude, nesta perspectiva, a aferição do nível do ruído pelos padrões legalmente estabelecidos…[…]». Todas estas considerações, ainda que referentes à emissão de ruídos, devem considerar-se inteiramente válidas, com as devidas adaptações, quanto à emissão de fumos e cheiros que colidam com os direitos de personalidade. Nas conclusões, as recorrentes afirmam o seu «direito à iniciativa privada e ao emprego, vs direito ao ócio» dos autores, sustentando que «não está em causa nem o direito à habitação, pois que não ficou provado que alguns dos Autores resida no Edifício Marina Garden, bem pelo contrário, como não ficou provado qualquer prejuízo efectivo para a saúde dos Autores». Há, na verdade, uma colisão ou conflito de direitos que importa solucionar, mas o direito dos autores não é o direito ao ócio, como erradamente o denominam as recorrentes. Do que se trata é de um conflito entre o direito das recorrentes à livre iniciativa privada (direito ao exercício de uma atividade comercial/industrial), e o direito dos autores à integridade física, à saúde e ao repouso, direitos fundamentais de personalidade, que a sentença entendeu serem postos em causa pelos fumos, vapores, gases e cheiros produzidos e expelidos pelo sistema de exaustão instalado no restaurante “Thai Marina”, e que impossibilitam os autores de utilizar as varandas ou de abrirem as janelas das respetivas frações. O artigo 335º do CC (Colisão de direitos) dispõe: 1. Havendo colisão de direitos iguais ou da mesma espécie, devem os titulares ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes. 2. Se os direitos forem desiguais ou de espécie diferente, prevalece o que deva considerar-se superior. Em caso de conflito, deverão, em princípio, os direitos de personalidade (neles se incluindo o direito ao repouso, à saúde e à tranquilidade) sobreporem-se aos direitos de propriedade privada e de exercício de uma atividade comercial ou industrial.[12] Neste âmbito, como se escreveu no acórdão do STJ de 29.11.2016:[13] «A dignidade da pessoa humana constitui, evidentemente, o valor constitucional supremo em torno do qual gravitam os demais direitos fundamentais porquanto se refere às exigências básicas, no sentido de que a todos os seres humanos sejam oferecidos os recursos, materiais ou espirituais, para uma existência digna, bem como sejam propiciadas as condições para o desenvolvimento das suas potencialidades. Todavia, uma das principais características dos direitos fundamentais, enquanto princípios que são, é a sua relatividade, ou seja, não se revestem de caráter absoluto, antes são limitados internamente, para assegurar os mesmos direitos a todas as outras pessoas, e também externamente, para assegurar outros direitos fundamentais ou interesses legalmente protegidos que com eles colidam, mediante a harmonização entre uns e outros, a qual sempre implicará o sacrifício, total ou parcial, de um ou mais valores. Realmente, são frequentes as colisões entre direitos fundamentais: os conflitos entre o direito fundamental de um sujeito e o mesmo ou outro direito fundamental ou interesse legalmente protegido de outro sujeito hão-de ser solucionados pelo poder judicial mediante a respectiva ponderação e harmonização, em concreto, à luz do princípio da proporcionalidade, evitando o sacrifício total de uns em relação aos outros e realizando, se necessário, uma redução proporcional do âmbito de alcance de cada qual. A essência e a finalidade deste princípio da proporcionalidade é a preservação, tanto quanto possível, dos diversos direitos fundamentais com amparo na Constituição e, em concreto, colidentes, através da sua harmonização e da otimização do meio escolhido com a observação das seguintes regras ou subprincípios: - i) a sua adequação ao fim em vista; - ii) a sua indispensabilidade em relação a esse fim (devendo ser, ainda, a que menos prejudica os cidadãos envolvidos ou a coletividade); - iii) a sua racionalidade, medida em função do balanço entre as respectivas vantagens e desvantagens. Por fim, nessa ponderação, para além da máxima otimização e do menor sacrifício dos valores em confronto, também não pode olvidar-se que, em caso de colisão entre direitos fundamentais, a busca do instrumento que melhor promova o valor supremo da dignidade da pessoa humana não pode deixar de constituir, ainda, um instituto norteador da solução do caso concreto.» (sublinhado nosso). No caso em apreço, o quadro factual relevante é o seguinte: - A Ré “Takô Sushi, Lda.”, no decurso do ano de 2008, instalou um estabelecimento de restauração nas frações “C” e “D” e executou obras de construção e remodelação do interior bem como da esplanada ali existente. - Nas frações “C” e “D” encontra-se instalado e a funcionar um restaurante de sushi e de comida tailandesa, propriedade da Ré Takô Sushi, Lda. e atualmente explorado pela Ré Thai – Restaurante Tailandês de Vilamoura, Lda., denominado Thai Marina. - Aquele estabelecimento de restauração tem licença para funcionar e estar aberto ao público durante o dia e até às 02:00 horas. - Após a decisão proferida no âmbito do procedimento cautelar apenso aos presentes autos, datada de 8 de Julho de 2019, foi instalada no restaurante Thai Marina uma tubagem/conduta exterior, a servir de chaminé, assente na cobertura da esplanada e que sobe em linha reta vertical junto à fachada do prédio referido em 1), na zona onde se localizam as frações dos Autores, cravada na parede do prédio junto à varanda da fração autónoma “AC” e em frente à janela aí existente. - A boca da chaminé referida em 36) situa-se abaixo da parte mais elevada da cobertura do edifício. - O sistema de exaustão produz ruído e expele fumos, vapores, gases e cheiros a comida provenientes da cozinha do restaurante Thai Marina através da conduta referida em 36), em volumes variáveis em função do nível de utilização da cozinha e da capacidade de dispersão do vento. - Os Autores são atingidos, nas suas habitações, pelos fumos, gases e cheiros expelidos pelo referido sistema de exaustão, impedindo-os de abrir as janelas durante o período de funcionamento do restaurante ou de permanecer na varanda. - O referido em 39) causa desconforto e afeta a saúde, a respiração, a tranquilidade e o bem-estar dos Autores ou de quem se encontre na varanda das habitações. Da análise destes factos e tendo em conta o disposto no mencionado artigo 335º do CC, decorre a necessidade de efetivar um juízo que tenha em conta a ponderação dos valores em causa, a concordância prática entre os direitos conflituantes e a proporcionalidade na restrição de qualquer deles. E feito o imprescindível e citado ajuizamento a balança pesa sempre mais a favor dos autores. Na alínea b) do pedido formulado pelos autores, estes peticionaram que as rés fossem condenadas «a cessarem de imediato a utilização do ar condicionado e do sistema de exaustão que expele e extrai vapores, fumos, cheiros, gases e ruídos e que atinja e afete as varandas e/ou as frações autónomas e as habitações dos Autores». E na alínea c), entre outros, pediram a condenação das rés a retirarem o sistema de exaustão. O Tribunal a quo condenou a ré Thai – Restaurante Tailandês de Vilamoura, Lda. a cessar a utilização do sistema de exaustão existente na cozinha do estabelecimento comercial “Thai Marina”, bem como a Ré Takô Sushi, Lda., caso esta venha a assumir a exploração daquele estabelecimento, e condenou ambas as rés a retirarem a chaminé referida no ponto 36 dos factos provados, existente na cobertura da esplanada do referido estabelecimento comercial. Outros pedidos foram formulados pelos autores que não obtiveram ganho de causa, sendo as rés deles sido absolvidas. A saber: «a) impedidas de permitirem, promoverem, consentirem, cederem ou exercerem atividade de restauração ou outra similar, nas frações autónomas designadas pelas letras “C” e “D” e nas esplanadas que construíram; c) condenadas a retirarem as unidades de ar condicionado e os reclamos luminosos do local onde se encontram; d) condenadas a desimpedirem o livre, normal e seguro acesso às caixas de saneamento, águas pluviais, eletricidade, água potável e gás do prédio de que fazem parte as frações dos Autores; e) condenadas a retirarem, desamarrarem a esplanada e a construção das esplanadas, da estrutura do referido prédio onde se situam as frações dos Autores». Ou seja, do conjunto de pedidos formulados pelos autores, as rés/recorrentes apenas foram condenadas a cessar a utilização do sistema de exaustão e a retirarem a chaminé a que se alude no ponto 36 dos factos provados, isto é, «uma tubagem/conduta exterior, a servir de chaminé, assente na cobertura da esplanada e que sobe em linha reta vertical junto à fachada do prédio referido em 1), na zona onde se localizam as frações dos Autores, cravada na parede do prédio junto à varanda da fração autónoma “AC” e em frente à janela aí existente». Ora, a harmonização dos direitos conflituantes, em obediência ao princípio da proporcionalidade, consagrado no artigo 18º, nº 2, da CRP, implica que as rés cessem a utilização do sistema de exaustão e retirem a aludida chaminé, impedindo dessa forma que os fumos, vapores, gases e cheiros a comida provenientes da cozinha do restaurante Thai Marina, se propague para o prédio dos autores, destinado a habitação, exigência que é plenamente justificada pela proximidade desse local às frações dos autores e está, aliás, em conformidade com o princípio do poluidor-pagador previsto no artigo 3º, al. d), da Lei das Bases da Política do Ambiente. Afigura-se, pois, que aqueles fumos, vapores, gases e cheiros, a que estão sujeitos os autores, quando se encontram no imóvel, prejudica gravemente o seu uso como local destinado a habitação e convívio, a sua tranquilidade e o ambiente, devendo, por isso, prevalecer sobre a atividade económica de restauração, que se desenvolve no aludido estabelecimento comercial que é presentemente explorado pela ré Thai – Restaurante Tailandês de Vilamoura, Lda.. Assim, pretendendo as rés manter um sistema de exaustão no restaurante que se situa no mesmo prédio das frações dos autores, a única forma dos direitos (de personalidade e de propriedade) dos autores não continuarem a ser lesados com a atividade de restauração, obriga necessariamente os responsáveis poluidores a dotarem o estabelecimento comercial de um outro equipamento, que neutralize os fumos/cheiros que emanam da tubagem/conduta exterior, a servir de chaminé. A tal não obsta, evidentemente, o facto de os autores habitarem as suas frações durante os seus períodos de férias e alguns fins de semana e de cederem ainda o gozo das mesmas, por vezes, a familiares e amigos para férias e alguns fins de semana (ponto 9 dos factos provados), pois a circunstância de os autores não residirem permanentemente nas frações, não constitui condição necessária para defesa dos seus direitos, sabendo-se, ademais, que o proprietário goza, de modo pleno e exclusivo, do uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas – art. 1305º do CC. E porque assim é, mostra-se prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas no recurso, nomeadamente, saber se a chaminé respeita o disposto no art. 1360º, do CC, como, também, por não estar edificada/instalada numa parte comum do edifício tal como definida no art. 1421º do CC, não sendo suscetível de constituir uma inovação tal como está definida pelo art. 1425º do CC. Contudo, sempre se dirá, que atenta a prova produzida nos autos, designadamente, as fotografias juntas ao Auto de inspeção ao local, é evidente, por um lado, que a dita chaminé não dista mais de um metro e meio do murete da varanda e de uma das janelas da fração situada por cima da cobertura da esplanada, e, por outro lado, que a cobertura da esplanada está sustentada na parede comum do prédio e que a própria chaminé está cravada nessa mesma parede, sendo assim manifesto, ao invés do que afirmam as recorrentes, que a edificação da chaminé em causa não cumpre o disposto no art. 1360º do CC. Da litigância de má-fé Por último, sustentam as recorrentes que os autores/recorridos litigam com má-fé na modalidade prevista na alínea b) do nº 1 do art. 542º do CPC, porquanto imputaram à ré “Grazia Barbosa, Unipessoal, Lda.” factos ocorridos 8 anos antes da constituição da mesma, e na medida em que, tendo conhecimento de que tal facto era falso, alegaram que o estabelecimento comercial de restaurante “Thai Marina”´, se encontra a funcionar nas frações “C” e “D” sem que tenha a necessária licença de utilização. «Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave: a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão» (art. 542º, nº 2, do CPC). O instituto da litigância de má fé visa que a conduta dos litigantes se afira por padrões de probidade, verdade, cooperação e lealdade. Escreveu-se no Acórdão da Relação do Porto de 16.07.2014 [14]: «A concretização das situações de litigância de má fé exige alguma flexibilidade por parte do intérprete, o qual deverá estar atento a que está em causa o exercício do direito fundamental de acesso ao direito (art. 20º da Constituição da República Portuguesa), não podendo aquele instituto traduzir-se numa restrição injustificada e desproporcionada daquele direito fundamental. Importa não olvidar a natureza polémica e argumentativa do direito, o carácter aberto, incompleto e autopoiético do sistema jurídico, a omnipresente ambiguidade dos textos legais e contratuais e as contingências probatórias quer na vertente da sua produção, quer na vertente da própria valoração da prova produzida. (…). Assim, à semelhança da liberdade de expressão numa sociedade democrática, o direito fundamental de acesso ao direito só deve ser penalizado no seu exercício quando de forma segura se puder concluir que o seu exercício é desconforme com a sua teleologia subjacente, traduzindo-se na violação dos deveres de probidade, verdade e cooperação e numa utilização meramente chicaneira dos meios processuais, com o objectivo de entorpecer a realização da justiça. Por isso, o tipo subjectivo da litigância de má fé apenas se preenche em caso de dolo ou culpa grave.»[15] No caso em apreço, como bem se aduz na sentença recorrida, o facto de se ter indiciariamente apurado em sede do procedimento cautelar apenso aos presentes autos que a Ré “Grazia Barbosa, Unipessoal, Lda.” não explorava em 2008 o estabelecimento comercial em funcionamento nas frações “C” e “D”, não impunha aos autores/recorridos que se conformassem com essa prova indiciária e não demandassem aquela ré na ação principal, considerando até a necessidade de identidade subjetiva entre as partes nesta e no procedimento cautelar, e o facto dos legais representantes daquela serem os mesmos das recorrentes. O mesmo vale quanto à alegação de que o estabelecimento comercial de restaurante “Thai Marina” se encontra a funcionar nas frações “C” e “D” sem que tenha a necessária licença de utilização. O facto de os autores alegarem na presente ação factos que não ficaram indiciariamente provados em sede do procedimento cautelar apenso, só por si, não é suscetível de configurar uma conduta dolosa ou gravemente negligente por parte dos mesmos, na medida em que nada os obriga a conformarem-se com isso, nem tão pouco a desistir de fazer prova na ação principal daquilo que não foi provado no procedimento cautelar. De igual modo, não têm que se conformar com aquilo que resulta indiciariamente provado no procedimento cautelar, pois a decisão final ali proferida não tem influência no julgamento e decisão da ação principal. Em suma, não indiciam os autos que os autores tenham atuado com dolo ou culpa grave, pelo que andou o Tribunal a quo ao julgar improcedente o pedido de condenação dos mesmos como litigantes de má-fé. Por conseguinte, improcedem as conclusões das alegações das rés, não se mostrando violadas as normas invocadas ou quaisquer outras. Vencidas no recurso, suportarão as rés/recorrentes as respetivas custas – artigo 527º, nºs 1 e 2, do CPC. IV – DECISÃO Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida. Custas pelas recorrentes. * __________________________________________________Évora, 7 de abril de 2022 (Acórdão assinado digitalmente no Citius) Manuel Bargado (relator) Francisco Xavier (1º adjunto) Maria João Sousa e Faro (2º adjunto) [1] E não as alíneas a) e b), como certamente por lapso referem os recorrentes. [2] Código de Processo Civil anotado, Volume V (reimpressão), Coimbra Editora, Coimbra – 1984, p. 141. [3] Proc. 110/2000.L1.S1, disponível como os demais citados sem outra referência, in www.dgsi.pt. [4] Acórdão do STJ de 13.11.2002, proc. 02B2381. [5] E não 38 e 39, conforme retificação feita pelo Tribunal a quo acima referida. [6] Neste parágrafo deve ler-se: «Por último, e quanto aos factos 38), 39) e 40), …», conforme retificação efetuada pelo Tribunal a quo. [7] Mota Pinto, in Teoria Geral do Direito Civil, 1980, pp-63-64. [8] Rodrigues Bastos, Das Relações Jurídicas”, vol. I, p. 20, citado no acórdão do STJ de 07.11.2019, proc. 1386/15.8T8PVZ.P1.S1, que aqui seguimos de perto. [9] Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, vol. I, 3ª ed. revista e actualizada, p. 103 [10] Proc. 2115/04.7TBOVR.P3.S1. [11] Direito de Personalidade, Almedina, 2006, pp. 71-72. [12] Cfr., inter alia, o acórdão do STJ de 29.06.2017, proc. 117/13.1TBMLG.G1.S1. [13] Proc. 7613/09.3TBCSC.L1.S1 [14] Proc. 117/13.1TBPNF.P1, in www.dgsi.pt. [15] Escreveu-se, a este propósito, no preâmbulo do Decreto-lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro: «Como reflexo e corolário do princípio da cooperação, consagra-se expressamente o dever de boa-fé processual, sancionando-se como litigante de má-fé a parte que, não apenas com dolo, mas com negligência grave deduza pretensão ou oposição manifestamente infundadas, altere, por acção ou omissão, a verdade dos factos relevantes, pratique omissão indesculpável do dever de cooperação ou faça uso reprovável dos instrumentos adjectivos». |