Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
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Relator: | MARIA ALEXANDRA A. MOURA SANTOS | ||
Descritores: | PROCEDIMENTO CAUTELAR DESTITUIÇÃO DE GERENTE DE SOCIEDADE COMERCIAL | ||
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Data do Acordão: | 06/30/2011 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
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Sumário: | 1- São pressupostos do decretamento da providência: - Depararmos com uma probabilidade séria da existência do direito; - Depararmos com um justo e fundado receio do requerido causar uma lesão grave e de difícil reparação a tal direito; - Que a providência pedida seja adequada a proteger o direito ameaçado; - Que o decretamento da providência não motive ao requerido um prejuízo maior do que o benefício que pretende proteger. 2 - Recaindo a culpa do mau relacionamento pessoal e nos assuntos da sociedade dos dois únicos sócios e gerentes, não pode um deles ser afastado a pedido do outro como sendo o único culpado, ordenando-se como requerido a imediata suspensão dos seus poderes de gerência e a transferência para o outro/requerente dos poderes de gerência, enquanto estiver pendente a acção de destituição de gerente. | ||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA L…, instaurou o presente procedimento cautelar contra C…, alegando: Requerente e Requerido são os únicos sócios, em partes iguais, e gerentes da C…, Ldª. A partir de finais de 2006 começaram a surgir divergências entre os sócios e desde meados de 2008, o Requerido passou a escassear a sua presença nas instalações da Sociedade, atrasando os actos da respectiva gestão. Como constatasse que a C… continuava a laborar, apesar das dificuldades que estava a criar, passou a recusar-se a ter intervenção em actos de gestão e a revogar ordens e actos do ora Requerente, o que descreve. A situação criada pelo Requerido torna impossível a gestão diária e eficiente da C… pelo que termina, pedindo a imediata suspensão dos poderes de gerência que o Requerido exerce na Sociedade, confiando ao Requerente os poderes que àquele competiam. Citado, o Requerido deduziu oposição, alegando: O Requerente sempre actuou na C…, como se a Sociedade lhe pertencesse em exclusivo, desprezando as opiniões do Requerido, bem sabendo que a sua assinatura era imprescindível para vincular a C…. Durante anos, o Requerido viu-se obrigado a honrar compromissos assumidos pelo Requerente, embora antes tenha manifestado a sua não concordância. Durante anos, o Requerente tem vindo a explorar a pedreira de acordo com os seus interesses próprios e difama, zomba e insulta o Requerido, pelo que o presente procedimento mais não é do que tentar conseguir o afastamento do Requerido para ter "caminho livre" para usar a C... em proveito próprio. Após impugnar os factos alegados pelo Requerente, conclui não existir qualquer violação dos seus deveres de gerente, invocando sim abuso de direito e litigância de má fé, por parte do Requerente. Termina, concluindo pela improcedência do procedimento cautelar e pedindo a condenação do Requerente como litigante de má fé em multa e numa indemnização pelas despesas suportadas pelo Requerido com o presente pleito, incluindo honorários ao Advogado, cuja liquidação se remete para fase posterior. O Requerente tomou posição quanto ao pedido de condenação como litigante de má fé, concluindo pela sua improcedência. Procedeu-se à inquirição das testemunhas arroladas. A fls. 847, foi proferida decisão, julgando improcedente a excepção do invocado abuso de direito. Foram dados como provados os seguintes factos: (…) Com o instaurar o presente procedimento cautelar, o Requerente pretende: 1 - Que seja ordenada a imediata suspensão dos poderes de gerência que o Requerido exerce na C...; 2 Que sejam transferidos para o Requerente os poderes que até agora competiam ao Requerido e enquanto estiver pendente a acção de destituição de gerente. Vejamos, então. Dispõe o artigo 381°, nº 1, do Código de Processo Civil que "Sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado” e "A providência é decretada desde que haja probabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão”, salvo se "o prejuízo dela resultante para o requerido exceda consideravelmente o dano que com ela o requerente pretende evitar” diz-nos o artigo 387°, nºs 1 e 2 do mesmo Diploma. Daqui resulta, serem pressupostos do decretamento da providência: - Depararmos com uma probabilidade séria da existência do direito; - Depararmos com um justo e fundado receio do requerido causar uma lesão grave e de difícil reparação a tal direito; - Que a providência pedida seja adequada a proteger o direito ameaçado; - Que o decretamento da providência não motive ao requerido um prejuízo maior do que o benefício que pretende proteger. Por seu turno, o Código das Sociedades Comerciais, no artigo 64°, impõe aos gerentes os deveres de cuidado, onde inclui a disponibilidade, competência para exercer tais funções e lealdade "atendendo aos interesses... dos sócios e... dos outros sujeitos..., tais como os seus trabalhadores, clientes e credores. O Requerente e Requerido são os únicos sócios, em partes iguais da C..., exercendo ambos as funções de gerentes, sendo necessárias as duas assinaturas para que a sociedade se obrigue. Em 2006, Requerente e Requerido desentenderam-se, tendo o respectivo contacto passado a processar-se através de cartas, faxes ou e-mails. E se atentarmos no conteúdo destes, referenciados na matéria factual, constatamos como as relações entre ambos eram tensas, acusando-se mutuamente de faltas de colaboração. E, se assim eram por escrito e à distância, facilmente se compreende o que acontecia quando ambos se encontravam pessoalmente ou falavam pelo telefone, o que foi bem perceptível com a audição dos depoimentos das testemunhas, designadamente, A…, que ouviu a forma como se tratavam pelo telefone, referindo que o Requerente disse para o Requerido que ele era Hitler, ditador e um bastardo. M…, que na qualidade de funcionária da Cevalor, que prestava serviços à C..., aqui se deslocou numa visita de rotina e relata o encontro do Requerente e Requerido, que na sua presença não se coibiram de começarem a dirigir um ao outro palavras que considera injuriosas, que se escusou de referir, dizendo, apenas, que o Requerido lhe pediu desculpa por aquilo a que estava a assistir. Todavia, ficou de tal modo mal impressionada que, quando chegou junto da sua Coordenadora, lhe pediu para não mais a mandar à C.... M…, diz nunca ter assistido, pessoalmente, a insultos. Que um dia o Requerido chegou a casa com uma equimose junto duma vista e disse-lhe que tinha sido motivado por lhe haverem atirado com um telefone nos escritórios da C.... Mas sempre tem o cuidado de dizer que só pelo Requerido teve conhecimento do facto. Por tais relatos e documentos, chegamos, pois, à conclusão que os dois únicos sócios e gerentes da C... não têm a mínima possibilidade de entendimento pessoal. Mas se a nível pessoal tal se tornou impossível, ambos terão que ter o cuidado que tal não tenha repercussões a nível social. Mas não é o que acontece. Uma sociedade, que para funcionar em pleno, exige a assistência constante de ambos os sócios-gerentes, não se compreende que um deles só ali vá uma ou duas vezes por semana, fora das horas normais de expediente, provocando os consequentes atrasos no assinar de documentação urgente, privando a sociedade de beneficiar de um prazo mais ou menos longo para liquidar os seus compromissos, obrigue que empregados deixem de laborar para irem à sua residência ou a outros locais procurá-lo a fim de assinar documentos, sejam eles a telefonarem solicitando a comparência do Requerido nas instalações da C..., recebendo como resposta que o patrão irá quando tiver possibilidade, que por falta de estarem assinadas encomendas de barrenas tivesse a C... que as pedir emprestadas a empresas concorrentes mas, mesmo assim, trabalhassem dois empregados com a mesma broca, quando o normal é trabalhar cada trabalhador com duas; não se compreende que tendo o requerido visto um pneu e ficado o respectivo fornecedor convencido que o mesmo teria ficado interessado em adquiri-lo, obtido que foi o acordo negocial com o outro sócio e surgido uma necessidade urgente de o montar na pá carregadora, por ocorrer um furo, quando camiões esperavam para carregar, depois não haja acordo quanto ao pagamento do mesmo por... não ter assinado a encomenda anteriormente; não se compreende que seja cortada a ligação telefónica por falta de pagamento, não se compreende que a testemunha J… tenha pedido óleo para colocar na máquina com que trabalha com mais de 100 horas de antecedência e o mesmo não ter chegado a tempo, como refere esta testemunha em audiência. Mas se por um lado o Requerido, com o seu afastamento da empresa, tem provocado entraves ao normal funcionamento da C..., a verdade é que revela preocupação quanto a que a mesma não fique ao sabor do mero interesse do Requerente, que também em alguns momentos que estará a sobrepor interesses pessoais aos da sociedade. Atente-se, por exemplo, quando o Requerido, sabendo que a empresa G... por vezes falha nos seus compromissos, exige que um fornecimento que lhe era feito fosse garantido de forma capaz. O Requerente assim não entendeu e embora o Requerido se tivesse oposto por todos os meios, afinal o mesmo processou-se e verifica-se que o mesmo ainda não se mostra totalmente pago. Que tendo o Requerido negociado com a fornecedora Atlas Coop uma forma de pagamento, no qual a C... beneficiaria de um desconto de 3.400 €, o Requerente não aceitou nem pagou a quantia em dívida, estando a situação entregue ao contencioso da Atlas para procedimento judicial. Não se compreende o Requerido acuse em e-mails o Requerente que este efectua telefonemas da C... para tratar de assuntos pessoais e, por isso, exija ver as facturas detalhadas, as mesmas só lhe sejam parcialmente facultadas e, por isso, é que não assina os cheques. E a demora é de tal modo que acabam por se juntar duas facturas. E quando lhe é apresentada a factura anterior completa e o Requerido assina o cheque, já se havia vencido a segunda factura. É necessário proceder ao pagamento integral e emitir novo cheque. Bom, perante a desconfiança, compreende-se que o Requerido exija ver a anulação do cheque primitivamente emitido e como não lhe é prestada tal prova, ela recusa assinar o novo cheque e depois... logo vem o corte do serviço pela Portugal Telecom... Verifica-se que o Requerente, só com a sua assinatura, violando o Pacto Social, endossa cheques a si mesmo para ser reembolsado de despesas pagas com dinheiro por si adiantado ou levanta cheques emitidos por clientes da C... para se fazer pagar de ordenados que lhe são devidos. Entretanto, não procede de igual modo para que também o Requerido beneficie de igual tratamento e sabe que este, não pode ter acesso aos cheques recebidos na C..., não se pode cobrar por utilizando o mesmo método. Compreende-se que não permanecendo o Requerido nas instalações da C... durante as horas de expediente, não veja a facturação na sede e depois se tenha que deslocar ao gabinete de contabilidade para a analisar. Mas ainda aqui demonstra todo o interesse que continua a ter para com a firma de que é sócio. Também se compreende que o Requerido alerte os fornecedores da C... para a necessidade de as encomendas terem que ser subscritas por ambos os sócios. Assim, acaso as mesmas sejam processadas, depois não se poderão queixar por falta de pagamentos tempestivos. Tudo aquilo que se acaba de descrever e muito mais se podia dizer, pois que as testemunhas foram instadas, pormenorizadamente, quanto aos mais pequenos detalhes, algumas durante um período que ultrapassou as três horas, todas elas revelando conhecimento dos factos sobre que depunham e para além de coerentes, patentearam uma seriedade convincente, pois se mantiveram alheadas da vivência afastada de Requerente e Requerido e isto apesar de duas delas serem hoje as companheiras das partes, a uma conclusão se chega: Não podem restar dúvidas que a C... funciona mal em muitos aspectos e poderia auferir uma melhor situação não só financeira como também laboral. Mas a culpa recai, sobre ambos os sócios. Não poderá, pois, o Tribunal afastar um deles, como sendo ele o único culpado. DECISÃO Atentando em tudo quanto se procurou deixar esclarecido, acorda-se nesta Relação em julgar o recurso improcedente e mantém-se a posição defendida na Primeira Instância. Custas pelo Recorrente. Évora, 30.06.2011 Maria Alexandra A. Moura Santos João Gonçalves Marques Eduardo José Caetano Tenazinha |