Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
131552/12.5YIPRT.E1
Relator: JOSÉ LÚCIO
Descritores: ABSOLVIÇÃO DO PEDIDO
ABSOLVIÇÃO DA INSTÂNCIA
Data do Acordão: 12/05/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Sumário:
1 – Não se provando os factos integrantes da causa de pedir, há que julgar improcedente o pedido deduzido e em consequência absolver os réus desse pedido.
2 – A absolvição da instância significa abstenção de pronúncia sobre o mérito da causa, e só tem lugar se algum impedimento de natureza processual obstar a que se conheça de mérito.

Sumário do relator
Decisão Texto Integral:
Acordam os juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Évora:

1. Relatório
1.1. A autora, C..., requereu procedimento de injunção contra os réus J... e M....
Pede que os réus sejam condenados a pagar-lhe a quantia global de € 15.276,99 correspondente a capital e acréscimos que os réus estariam a dever-lhe por força de um contrato de mútuo celebrado entre as partes.
Uma vez que ambos os réus deduziram oposição, foi o referido procedimento de injunção apresentado à distribuição, passando, assim, a correr termos como acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, nos termos do Decreto-lei n.º 269/98, de 1 de Setembro.
Feito o julgamento, o Tribunal a quo concluiu pela improcedência total da acção, absolvendo os réus do pedido.
1.2. A autora veio então interpor o presente recurso de apelação.
Nas suas alegações, formulou as seguintes conclusões, que transcrevemos integralmente:
“1. A C... (Sucursal da SA Francesa C...) requereu procedimento de injunção contra J... e M....
2. Uma vez que ambos os réus deduziram oposição, foi o referido procedimento de injunção apresentado à distribuição, passando, desta feita, a correr termos como acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, nos termos do Decreto-lei n.º 269/98, de 1 de Setembro.
3. O Tribunal a quo concluiu pela improcedência total da acção, absolvendo os réus do pedido.
4. Tendo referido que “Certo é, e aqui se assume em louvor da clareza da consciência do julgador, que contratação existiu entre a autora e os ora réus (os ora opoentes assim o assumem), mas o procedimento/acção especial que nos ocupa não traz dados suficientemente claros e concretos acerca da mesma.” (sublinhado nosso).
5. Assim sendo, entende a Recorrente que, salvo o devido respeito, deveria ter tido lugar a absolvição da instância, não a absolvição do pedido.
6. Uma vez que estamos claramente perante uma recusa de julgamento do fundo ou mérito da causa, por se verificar alguma das irregularidades enunciadas na lei (absolvição da instância), não estando, de modo nenhum, definitivamente assente que o autor não tem razão (absolvição do pedido), visto que quer os réus, quer o Tribunal a quo assumem que a contratação entre autor e réus existiu.
Nestes termos e nos mais de direito que v. Exas. suprirão:
Deve ser, por V. Exas., dado provimento ao recurso, revogando- se a sentença recorrida.”
Os réus/apelados não apresentaram contra-alegações.
Cumpre agora conhecer do mérito do recurso.
*
2 – Os Factos
2.1. No julgamento da matéria de facto, o tribunal recorrido deu como assente o seguinte:
“Factos provados:
Com base nos elementos existentes nos autos, resulta provado o seguinte facto:
1- A autora é uma sociedade comercial cujo objecto consiste, por um lado, em efectuar todas as operações de financiamento por conta de terceiros, com excepção das operações de carácter puramente bancário e, por outro lado, a corretagem de seguros. Esse objecto social estende-se de maneira mais geral a todas as operações directamente ou indirectamente ligadas às actividades acima definidas, nomeadamente a criação ou aquisição de quaisquer outros fundos ou estabelecimentos da mesma natureza; a participação da sociedade quer seja por qualquer meio, quer sob qualquer forma em quaisquer empresas e quaisquer sociedades criadas ou a criar e em geral a todas as operações industriais, comerciais, financeiras, mobiliárias ou imobiliárias, directa ou indirectamente ligadas ao objecto acima definido ou a qualquer outro objecto similar ou conexo.
Factos não provados:
Com base nos elementos existentes nos autos, resultam não provados todos os restantes factos constantes do requerimento de injunção, a saber:
a) Que nos termos contratuais, a pedido dos requeridos, a autora lhes tenha disponibilizado a quantia de 10.318,75 € - contrato de financiamento n.º 42531624759100 - e que essa conduta se tenha concretizado através de crédito na respectiva conta corrente.
b) Que nos termos contratuais, o valor em dívida tivesse de ser reembolsado a autora através de prestações mensais, por débito em conta bancária dos mutuários ou por outra forma indicada pela contratuais, e que o montante dessa prestação fosse determinado em função do montante de crédito utilizado, e que o mesmo correspondesse a € 218,50.
c) Que o dia 01-04-2011 correspondesse a data de vencimento da prestação, e que a mesma não tivesse sido paga.
d) Que desde a data acima referida na alínea anterior os devedores tivessem deixado de cumprir, pontualmente, o pagamento das prestag6es mensais.
e) Que nada mais tivesse sido pago desde então e até à presente data, e que insucedidas interpelações tivessem sido dirigidas pela autora aos réus, por carta, por contacto pessoal e telefónico.
f) Que, a 29-09-2011, a autora tivesse cessado todos os efeitos do contrato, e que essa cessação tivesse tido origem na ausência definitiva de pagamentos por partes dos réus.
g) Que, nos termos contratuais, desde 01-04-2011 o capital estivesse em dívida, que o mesmo ascendesse a € 10.318,75 e que ao mesmo acrescesse juros no valor total de € 3.494,24, contados desde 01-04-2011 e a taxa anual de 24,72 % e que essa taxa fosse a que vigorasse no momento da alegada cessação total dos efeitos do contrato.
h) Que ao montante acima referido na alínea anterior acrescesse prestag6es vencidas e não pagas entre 01-04-2011 e 29-09-2011, e que cada uma assumisse o montante de € 218,50, e que perfizesse a quantia de € 1311.
i) Que a quantia total ascendesse a € 15.123,99.
j) Que ao montante referido na alínea anterior acrescesse juros moratórios vincendos, até efectivo e integral pagamento, e que os mesmos fossem calculados a taxa anual de 24,72%/ano, e que acrescesse juros compulsórios à taxa de 5,00%/ano.”
2.2. Na fundamentação do julgamento da matéria de facto o tribunal recorrido escreveu o seguinte:
“Alicerçou-se a decisão de facto que antecede na análise conjugada dos elementos documentais constantes dos autos, sempre por referência ao teor do requerimento de injunção.
Com efeito, alcançou e concluiu o Tribunal que o constante desse requerimento não assume a correspondência com o denominado "contrato de adesão" e com o extracto, do tipo Excel, apresentados.
Certo é, e aqui se assume em louvor da clareza da consciência do julgador, que contratação existiu entre a autora e os ora réus, os ora opoentes assim o assumem, mas o procedimento/acção especial que nos ocupa não traz dados suficientemente claros e concretos acerca da mesma.”
3 – O Direito
Como é sabido, é pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, salvo questões de conhecimento oficioso.
Importa portanto apreciar o recurso de apelação interposto, tendo presentes as conclusões apresentadas.
Em face dessas conclusões, constata-se que a questão a decidir é exclusivamente a de saber se no caso presente devia o tribunal ter concluído pela absolvição dos réus do pedido, como o fez, ou se devia ter optado pela absolvição da instância, como pretende a apelante.
Com efeito, e como se verifica nas conclusões supra transcritas, não vem posto em causa no presente recurso o julgamento da matéria de facto, que o tribunal fez com referência aos factos alegados pela autora no requerimento de injunção (de forma a esgotar esse universo).
Ora, sendo esse o objecto do recurso, diremos desde já que, vista a sentença proferida, logo se constata que a recorrente não tem razão.
Com efeito, e como é sabido, há lugar a absolvição da instância quando o tribunal se depara com algum obstáculo de natureza processual que impede a apreciação do mérito do pedido. Nada obstando ao conhecimento do mérito, o julgador declara o pedido procedente ou improcedente – declarando condenados ou absolvidos aqueles contra quem ele foi deduzido.
Nos autos, a autora veio pedir a condenação dos réus a pagar-lhe certa quantia que alegava ser-lhe devida por eles, em consequência de um contrato determinado que entre as partes tinha sido celebrado e que os réus não tinham cumprido. Como se verifica, a causa de pedir, que é o conjunto de factos de onde emerge o pedido, integrava tanto um contrato como o seu conteúdo, a concreta vinculação dele resultante para os réus, as obrigações que a autora dizia não terem sido cumpridas por estes.
Não se pode questionar que a constituição da obrigação faça parte da factualidade onde assentava o direito alegado, e cuja prova competia à autora, por força da repartição do ónus da prova estabelecida no art. 342º do Código Civil.
Ora o tribunal declarou como não provados todos os factos alegados pela autora para fundamentar o direito que pretendia possuir e queria fazer valer em juízo.
Não podia desse modo deixar de julgar improcedente a acção, por não provada, e absolver os réus do pedido. Houve um expresso conhecimento de mérito, e assim tinha que ser.
Aliás, na própria sentença, alguns parágrafos antes, afirma-se expressamente que não existiam impedimentos a esse conhecimento de mérito: “Mantêm-se os pressupostos de validade da instância, nada obstando à apreciação do mérito da causa.”
A argumentação da recorrente centra-se numa passagem da motivação da sentença, onde o julgador admite que existiu entre as partes contratação (como aliás os réus reconhecem) para logo adiantar que do julgamento não resultou esclarecido o conteúdo da mesma (diz-se nessa motivação, essencialmente; que “alcançou e concluiu o Tribunal que o constante desse requerimento (de injunção) não assume a correspondência com o denominado "contrato de adesão" e com o extracto, do tipo Excel, apresentados”). Por outras palavras, não se provou a factualidade de onde emergia o pedido da autora: a condenação dos réus a pagar só poderia basear-se na existência da obrigação afirmada na petição inicial. Não se provando os factos onde assentava o pedido deduzido só podia o tribunal julgar esse pedido improcedente – e absolver os réus.
Nesta sequência nada permitia concluir pela absolvição da instância – que significa uma abstenção de pronúncia sobre o fundo da causa, e tem como pressuposto a existência de um qualquer obstáculo de índole processual a que se conheça do mérito do que foi pedido.
A afirmação genérica feita na motivação de que efectivamente tinha havido entre as partes uma qualquer contratação, que não se apurou qual fosse em concreto, mas que não era aquela apresentada em juízo pela autora, não colide de forma alguma com o veredicto essencial: não se provaram os factos que integravam a causa de pedir da autora.
Não estamos, francamente, perante “uma recusa de julgamento do fundo ou mérito da causa, por se verificar alguma das irregularidades enunciadas na lei”, como escreve a apelante.
O Tribunal diz expressamente que não existe qualquer obstáculo a que se conheça de mérito, e pronuncia-se no sentido da improcedência do que foi pedido. E a recorrente também não especifica qual das “irregularidades enunciadas na lei”, entenda-se a obstar ao conhecimento de mérito, é que encontra no caso em apreço.
Não o dizendo, também não é possível a este tribunal pronunciar-se sobre o acerto da asserção. Examinada a questão, nada se encontra que haja de conhecer-se oficiosamente a afectar a validade do decidido.
Em suma, o recurso é manifestamente improcedente, não restando a este Tribunal senão julgar em conformidade.
*
4 – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o presente recurso, e, consequentemente, em confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Notifique.
Évora, 5 de Dezembro de 2013
(José Lúcio)
(Francisco Xavier)
(Elisabete Valente)