Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2182/08-3
Relator: PIRES ROBALO
Descritores: PROCESSO DE INSOLVÊNCIA
ADIAMENTO DE AUDIÊNCIA POR FALTA DE ADVOGADO
Data do Acordão: 10/30/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: PROVIDO
Sumário:
I - Tratando-se de uma primeira marcação de audiência, sem que tenha havido acordo prévio com os mandatários com vista à designação da data da audiência, a falta do mandatária duma das partes é motivo suficiente para provocar o adiamento, nos termos da al. c) do n.º 1 do art. 651º, do CPC, na redacção do Dec. Lei n.º 183/2000.
II - O art.º 35, n.º 1, do CIRE refere que tendo havido oposição do devedor, ou tendo a audiência deste sido dispensada é logo marcada audiência de discussão e julgamento para um dos cinco dias subsequentes...Este prazo poderia a levar a pensar que o art.º 155, do C.P.C. não seria aqui aplicável ao processo de recuperação de empresas, porquanto o prazo aludido no n.º 2, também é de 5 dias. Porém, não se vê que a audiência aludida no preceituado no art.º 35, n.º 1, do CIRE, seja impeditiva de adiamento, tanto mais o art.º 17, do CIRE refere que o processo de insolvência se rege pelo Código de Processo Civil em tudo o que não contrarie as disposições do presente Código (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas) e este, como se viu, permite o adiamento da audiência por falta do mandatário.
Decisão Texto Integral:
Proc. n.º 2182/08-3
Acordam nesta secção cível os Juízes do Tribunal da Relação de Évora
1. RELATÓRIO
1.1.Gilberto ..................., intentou processo de insolvência contra T.I.A. – ................, pedindo a insolvência da mesma, referindo em síntese, que no âmbito da sua actividade vendeu à requerida alfarroba, no valor de 178.754,67 €, pelo que tem um crédito sobre a mesma, de tal valor acrescido de juros comerciais desde 1 de Julho de 1994, que à requerida não é conhecido qualquer património ou fundos monetários que lhe permitam liquidar a sua divida.
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1.2. A requerida citada de harmonia com o preceituado no art.º 25, n.º 1, do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE), deduziu oposição.
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1.3. Citadas requerente e requerida para a audiência, na pessoa dos seus advogados, veio a advogada da requerida a fls. 43 destes autos, pedir o adiamento da audiência por estar impossibilitada noutro julgamento, propondo nova data para a realização da mesma, após acordo com o mandatário do requerido.
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1.4. Por despacho de fls. 37,destes autos, tal pretensão foi indeferida, por se ter entendido que o art.º 155, do C. P.C. não tem aplicação ao caso face ao preceituado no art.º 35, nº 1, do CIRE.
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1.5. Inconformada com tal despacho dele recorreu a requerida terminando as suas alegações com as conclusões transcritas:
1° - A presente acção foi intentada em 27 de Setembro de 2007, tendo a Oponente deduziu a sua oposição em tempo, em 02.06.2008.
2° - Saneado o processo, foi proferido a fls. 347, em 25 de Junho de 2008, o seguinte despacho: "Para realização do audiência de discussão de julgamento, designo o dia 27 de Junho de 2008, às 09h30m", não tendo sido observado nem cumprido o disposto no art° 155° do Cód. Proc. Civil.
3°_ Os Mandatários das Partes foram notificados deste despacho, por fax enviado em 25 de Junho de 2008 e carta expedida em 25 de Junho de 2008, de cujo modelo constava "Fica deste modo V. Exa. notificado, relativamente ao processo supra identificado, de que se encontra designado o dia 27-06-2008, às 09h30 para a audiência de discussão e julgamento. As Partes foram advertidas nos termos do disposto nos números 2 e 3 do art° 35° do CIRE. Ao Mandatário do Requerente é enviada cópia da oposição.
4°-No dia 25 de Junho de 2008 e após conferenciar com a outra Parte, pois foi contactada pelo seu Mandatário, a Mandatária da Oponente comunicou de imediato ao Tribunal que não poderia estar presente na audiência de discussão de julgamento, tendo-lhe o Colega também informado que não poderia ir, tendo proposto como data alternativa qualquer dia e hora a partir do dia 17 de Julho de 2008, facto que foi comunicado por ambos os Mandatários ao Tribunal.
5° - Ao fax enviado pela Mandatária foi oferecida resposta via fax no dia 26 de Junho de 2008, com o seguinte despacho: "A lei considera o processo de insolvência um processo de natureza urgente, sendo que o artigo 35° n.º 1 do CIRE impõe que a audiência de julgamento tenha lugar nos cinco dias subsequentes à apresentação da oposição. Tal prazo não se compadece com o cumprimento do disposto no artigo 155° do Código de Processo Civil, desde logo porque os prazos previstos neste preceito são incompatíveis com aquele outro. Muito menos faz sentido, face à urgência legal, que os mandatários acordem datas à distância temporal que pretendem os Srs. Advogados nestes autos. Pelos motivos supra expostos, e porque o tribunal não dispõe de agenda disponível nos próximos cinco dias, que não na data e hora marcadas, indefere-se o requerido.
6° - Acontece que a Signatária encontrava-se doente e impossibilitada de se deslocar de Lisboa a faro e ali exercer a sua profissão, tendo avisado a Parte contrária e o Tribunal no dia 26 de Junho de 2008 através de fax, sendo que no dia 27 de Junho de 2008 pelas 09h30m o Tribunal já tinha conhecimento da indisponibilidade da Mandatária, mesmo assim a Exma Juiz realizou a audiência e discussão de julgamento, em primeira marcação sem Mandatário, Partes que nem sequer foram notificadas, seus representantes legais e testemunhas!
O DIREITO
7° - Fazendo apelo ao princípio da cooperação, estabeleceu-se a regra da marcação mediante prévio acordo de agendas com vista a facilitar a marcação de diligências, em particular da audiência final. Assim, quanto aos mandatários judiciais dispõe o artigo 155° n.o 1 do Código de Processo Civil que "A fim de prevenir o risco de sobreposição de datas de diligências a que devam comparecer os mandatários judiciais, deve o juiz providenciar pela marcação do dia e hora da sua realização mediante acordo prévio com aqueles, podendo encarregar a secretaria de realizar, por forma expedita, os contactos prévios necessários." 8° - Estabelecendo, por sua vez, o seu n.º 2 "Quando a marcação não possa ser feita nos termos do número anterior, devem os mandatários impedidos em consequência de outro serviço judicial já marcado comunicar o facto ao Tribunal, no prazo de cinco dias, propondo datas alternativas, após contacto com os restantes mandatários."
9° - À luz deste regime legal, que é o actualmente vigente e aplicável ao caso em apreço, posto que a presente acção foi instaurada no ano de 2007, caso a marcação de data não tenha sido precedida da auscultação prévia aos Mandatários, a data designada só se torna definitiva depois de decorrido o prazo de cinco dias previsto no nO 2 para os mandatários judicias proporem datas alternativas.
10° - O carácter provisório da designação de data para a diligência neste caso está bem patente no n.º 3 do mesmo preceito, segundo o qual só se procederá à notificação dos demais intervenientes processuais após o decurso do referido prazo.
11° - Declarando os mandatários, no prazo de cinco dias, a sua indisponibilidade para a data designada pelo juiz para a diligência, assiste-lhes o direito de apresentar novas datas, daí que, em qualquer dos casos, os mandatários judicias devam "comunicar prontamente ao tribunal quaisquer circunstâncias impeditivas da sua presença e que determinem o adiamento da diligência marcada" (artigo 155° n.º 5).
12° - O que significa que este regime tem reflexos nas causas de adiamento da audiência de julgamento previstas no artigo 651°, nos termos do qual, feita a chamada das pessoas que tenham sido convocadas, a audiência é aberta, só sendo adiada, no que respeita aos mandatários das partes, "Se o juiz não tiver providenciado pela marcação mediante acordo prévio com os mandatários judiciais, nos termos do artigo 155° e faltar algum dos advogados" (aI. c) ou "Se faltar algum dos advogados que tenha comunicado a impossibilidade da sua comparência, nos termos do n.o 5 do artigo 155°" (alínea d), que foi o que aconteceu!
13° - Na verdade, em qualquer das situações, seja de acordo prévio, seja de acordo posterior à marcação da diligência pelo juiz - expresso ou tácito -, é dada aos mandatários judiciais oportunidade para articularem a sua agenda com a agenda do tribunal por forma a reduzir os indesejáveis adiamentos e agilizar a resposta dos tribunais.
14° - Aliás, no preâmbulo do DL n.º 183/2000, de 10 de Agosto, pode ler- se, relativamente ao adiamento das audiências de discussão e julgamento, o seguinte: "(...) No que concerne aos mandatários judiciais..., só existirá adiamento da audiência por falta de advogado se o tribunal não houver diligenciado a marcação da audiência por acordo ou se, tendo havido tentativa de marcação da audiência por acordo, o advogado comunicar atempadamente a impossibilidade de comparecer."
15° - No caso vertente, a audiência de discussão e julgamento foi marcada por iniciativa do Tribunal para o dia 27 de Junho de 2008, pelas 09h30, via fax, no dia 25 de Junho de 2008, não se tendo mandar dar cumprimento ao disposto no artigo 155°.
16° - No dia e hora designados para a realização da audiência de discussão e julgamento - 27 de Janeiro de 2008, pelas 09h30 horas -, o Mandatário da Oponente não se encontrava presente, mas tinha comunicado e justificado previamente a sua ausência, dando disposto ao cumprimento no n.º 5 do art° 155° do C.P.C.
17° - Com o cumprimento desse ónus de "comunicação pronta" ao Tribunal pelo mandatário da Oponente, verificou-se o pressuposto legal previsto na aI. d) do artigo 651° susceptível de conduzir ao adiamento pretendido.
18° - Logo, ao realizar-se a audiência de discussão e julgamento sem a sua presença cometeu-se a arguida nulidade.
19° - Tendo em consideração que o julgamento não foi marcado por acordo das partes, era legítimo à signatária não comparecer na data designada, sem estar obrigada a justificar a falta, sendo esta a conclusão que se retira dos artigos 155°, n.ºs 1, 2 e 3 e 651°, n.º 1 alínea c) do C.P.C.
20° - No caso de se considerar que a falta da signatária se enquadrou na previsão da alínea d) do n.º 1 do artigo 651° do C.P.C., ela apenas estava obrigada a comunicar a sua falta e não a justificar o motivo do seu impedimento.
21° -Com efeito, com as alterações introduzidas pelo DL n.º 183/2000, o adiamento por falta de advogado passou a ser contemplado em duas alíneas (c) e d)), onde se distinguem duas situações: aquela em que o Juiz haja providenciado pela marcação por acordo prévio entre os mandatários judiciais, observando o artigo 155°, n.º 1 do C.P.C. (alínea d); e aquela em que não o tenha feito (alínea c)), caso em que a audiência será adiada, sem qualquer justificação, desde que, obviamente, não tenha sido objecto de anterior adiamento - nO 3 do artigo 651° do C.P.C.
22° - No outro caso (alínea d)), restringe-se a possibilidade de adiamento que só terá lugar se tiver sido observado o disposto no n.º 5 do artigo 155° do C.P.C., ou seja, se o advogado tiver comunicado "prontamente ao Tribunal quaisquer circunstâncias impeditivas da sua presença".
23° - Nessa medida, mesmo que a data de julgamento tivesse sido marcada por acordo prévio, o que não foi o caso, como não tinha havido adiamento por facto imputável às partes, e a signatária comunicou ao Tribunal no dia anterior a sua impossibilidade de comparecer, sempre tal comunicação satisfaria a exigência do n.º 5 do artigo 155° do C.P.C. – cf. Acórdão da Relação de Évora de 03/02/2003, CJ, Ano XXVII, Tomo I, página 237 e Acórdão da Relação de Lisboa de 07/11/2002, CJ, Ano XXVII, Tomo V, página 71.
24° - Por fim, a jurisprudência vem sustentado que os advogados não estão obrigados a explicar o motivo do seu impedimento, bastando-lhes referir que estão impedidos, impedimento esse que pode ser pessoal ou profissional, sendo que esta última pode decorrer de outra diligência judicial ou de outra diligência da sua esfera profissional.
25° - Foram violados os artigos: 155° e 651° do Código de Processo Civil durante cinco dias.
26° - Conexionado com o citado art. 155°, está o disposto no art. 651°, n.º 1, als. c) e d), também do CPC, que se reporta ao adiamento da audiência de julgamento por falta de comparência de algum dos mandatários das partes.
27°- Resulta, portanto, da primeira parte do n.º 5 do art. 651°, ser pressuposto da sua aplicação o facto de a audiência não dever ser adiada por virtude do funcionamento do disposto nas ais. c) e d) do n.º 1.
28°- Ora, no caso subjudice o julgamento não foi marcado por acordo das partes mas por imposição do tribunal que logo foi informado por ambos os Mandatários que estavam impedidos de comparecer em tal data facto que a signatária voltou a comunicar informando o tribunal (por telecópia) de que estava impossibilitada de comparecer ao julgamento, requerendo o adiamento.
29° A Signatária nem estava obrigada a justificar porque não poderia comparecer não obstante o n.º 2, do art. 155, do CP se referir a diligência judicial a jurisprudência tem vindo a entender que a diligência pode ser não judicial (pode estar impedido num Cartório Notarial, numa reunião com clientes tendente a um acordo judicial, sendo as hipóteses múltiplas atenta a profissão em causa como é do conhecimento geral).
30° - A verdade é que não tendo o julgamento sido marcado por acordo e tendo a Mandatária comunicado prévia e atempadamente a sua não comparência ao manter a data, o Tribunal sabia da sua indisponibilidade, sendo que a comunicação no dia anterior ao julgamento se limitou a confirmar esse facto conhecido.
31°- Estava, assim, preenchida a previsão da AI. c), do n.o 1 do art. 651.° do CPC., não sendo neste caso aplicável o disposto no art. 155, n.º 5, do CPC.
32° - O Tribunal também não cumpriu com o que alegou relativamente ao art° do CIRE, pois recebeu a oposição no dia 02 de Junho de 2008 e marcou a audiência no dia 25 de Junho de 2008 via fax!
33°- O facto do CIRE dispor que o julgamento seja realizado no prazo de 5 dias após a entrega da oposição não é relevante para impedir o adiamento da audiência.
34° -Ao transferir para as Partes e designadamente aos seus Mandatários os ónus das insuficiências de calendário do Tribunal, da Sra. Juíza " a quo" não é legítimo, nem moral.
35° -Os 5 dias podem e devem ser respeitados se o Tribunal cumprisse com as suas obrigações e tivesse a sala e a senhora Juíza disponibilidade para tal.
36° - Se alega no seu despacho "que o Tribunal não tem agenda disponível nos próximos 5 dias", não deve nem pode fazer recair essa indisponibilidade sobre as Partes e os seus Mandatários, obrigando-as a comparecer em Tribunal, deslocando-se a mais de 300 kms de distância com advogados e testemunhas, com pouco mais de 24 horas de antecedência!
37° - E um grande atropelo aos princípios da Universalidade, Igualdade, Justiça, Razoabilidade e Equidade previstos nos artigos 12°, 13°, 18°, 21 0, 202° n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.
TERMOS EM QUE, deve ser aceite o presente
RECURSO e em consequência:
a) - ser declarado nulo o despacho recorrido;
b) ser declarada nula a audiência de discussão e julgamento efectuada e consequentemente a sentença;
c) ser comunicada a realização de uma audiência e discussão de julgamento com a antecedência prévia mínima de 5 dias respeitando-se o plasmado no artigo 1550 do C.P.C.»
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1.6. Não foram apresentadas contra-alegações.
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1.7. Os Senhores Desembargadores adjuntos tiveram visto dos autos.
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2. Fundamentação de facto.
2.1. Factos com interesse para a decisão.
2.1.1. O requerido Gilberto Rodrigues Guerreiro, em 27/9/2007, intentou contra a requerida T.I.A. – Transformadora Industrial do Algarve, processo especial de insolvência.
2.1.2. A requerida citada nos termos do art.º 25, n.º 1, do CIRE deduziu oposição.
2.1.3. Por despacho de fls. 38, destes autos, datado de 25/6/2008, foi designada data para audiência de discussão e julgamento, para o dia 27 de Junho de 2008.
2.1.4. Os mandatários de requerido e requerente foram notificados do despacho referido em 2.1.3., por fax enviado em 25 de Junho de 2008 (cfr. fls. 40 e 41 destes autos).
2.1.5. A mandatária da requerente nesse mesmo dia fez dar entrada na secretaria do tribunal um requerimento do seguinte teor « …tendo sido notificada da data designada para a Audiência de discussão e julgamento (27/6/2008, pelas 9h30m) e estando impedida nesse dia em consequência de ter que intervir como advogada noutro julgamento, vem após contacto com o mandatário do requerente, e com o acordo deste, ao abrigo do n.º 2, do art.º 1555, do C.P.C. propor para a audiência de discussão e julgamento, como datas alternativas qualquer dia a parir de 17 de Julho».
2.1.6. Sobre tal requerimento recaiu o despacho do seguinte teor « A lei considera o processo de insolvência um processo de natureza urgente, sendo que o art.º 35, n.º 1, do CIRE impõe que a audiência de julgamento tenha lugar nos cinco dias subsequentes à apresentação da oposição.
Tal prazo não se compadece com o cumprimento do disposto no art.º 1555, do C.P.C., desde logo porque os prazos previstos neste preceito são incompatíveis com aquele outro.
Muito menos faz sentido, face à urgência legal, que os mandatários acordem datas à distância temporal que pretendem os sr.s Advogados nestes autos.
Pelos motivos supra expostos, e porque o tribunal não dispõe de agenda disponível nos próximos cinco dias, que não na data e hora marcadas, indefere-se o requerido».
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3. Fundamentação de direito
3.1. Nos termos dos artigos 684, n.º 3, do C.P.C., o objecto do recurso encontra-se delimitado pelas conclusões da recorrente, sem prejuízo do disposto na última parte do n.º 2, do art.º 660, do mesmo diploma.
Assim, as questões a decidir são:
Saber se o despacho recorrido está ferido de nulidade.
Saber se deve ser declarada nula a audiência de discussão e julgamento efectuada e consequentemente a sentença.
Ser comunicada a realização de uma audiência e discussão de julgamento com a antecedência mínima de 5 dias respeitando-se o plasmado no art.º 155, do C.P.C.
Tendo presente que são várias as questões levantadas no recurso, por uma questão metodológica vejamos cada uma de per si.
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3.1.1. Saber se o despacho recorrido está ferido de nulidade.
Quanto a esta matéria a questão em apreço consiste em saber se como defende a recorrente a designada audiência de julgamento deveria ter sido adiada, em face da não presença do sua mandatária.
O artº 155º do CPC no seu todo representa a concretização do principio da cooperação em sentido formal, consagrada no nº 4 artº 266º do mesmo Código [A cooperação em sentido formal prevista no nº 4 do artº 266º do CPC aponta para uma emanação da decisão em prazo razoável, enquanto que a cooperação em sentido material consagrada no nº 2 do mesmo artigo visa fundamentalmente o apuramento da matéria de facto (Cfr. Lebre de Freitas - Introdução ao Processo Civil,pág.150/153 e CPC anotado - Vol 1º,pág. 473).
Segundo Rodrigues de Bastos - Notas ao CPC - vol I, pág. 225, “Trata-se de preceito programático impossível de concretizar nas comarcas de muito movimento, e inteiramente dispensável nas outras”
O art. 155º do CPC (na redacção do art. 7º, nº 9, do DL nº 320-B/2000, de 15 de Dezembro, com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2001), estabelecia, por um lado, que a fim de prevenir o risco de sobreposição de datas de diligências a que devam comparecer os mandatários judiciais, deve o juiz providenciar pela marcação do dia e hora da sua realização, mediante acordo prévio com aqueles (nº 1).
E, por outro que, não podendo a marcação ser feita nos termos do número anterior, devem os mandatários impedidos em consequência de outro serviço judicial já marcado comunicar esse facto ao tribunal, no prazo de cinco dias, propondo datas alternativas, após contacto com os restantes mandatários interessados, caso em que o juiz, ponderadas as razões aduzidas, poderá alterar a data inicialmente fixada (nºs 2 e 3).
E, finalmente, que os mandatários judiciais devem comunicar prontamente ao tribunal quaisquer circunstâncias impeditivas da sua não presença e que determinem o adiamento da diligência marcada (nº 5).
A primeira situação prevista nos nºs 1 a 3 do art. 155º do CPC ocorre quando a marcação da diligência em geral operou por acordo prévio entre o tribunal e os mandatários, seja em contacto directo, seja por contacto indirecto, isto é, com a intermediação de funcionário judicial.
Por sua vez, a segunda situação ocorre quando não tenha havido contacto prévio do tribunal com os mandatários, caso em que a data de designação da diligência se configura como potencialmente provisória durante cinco dias.
Com efeito, durante esses cinco dias, contados da data da notificação dos mandatários das partes, o tribunal tem de ponderar que eles possam vir comunicar o seu impedimento em consequência de outro serviço judicial já marcado e cada um, após contacto com o(s) outro(s), propor a realização da diligência em data ou datas alternativas.
No caso de os mandatários, no prazo de cinco dias, declararem a sua disponibilidade para a data indicada pelo juiz para a diligência ou nada declararem, deve entender-se, tendo em conta o seu dever de cooperação relativo à informação da existência de impedimento, tratar-se, no primeiro caso de acordo expresso, e no segundo de acordo tácito – art. 217º, nº 1, CC (cf. neste sentido o Ac. da RL de 7/11/2002, CJ, Tomo V, pág. 71).
Designada a data da diligência nesse quadro de cooperação, devem os mandatários judiciais comunicar prontamente ao tribunal quaisquer circunstâncias impeditivas da sua presença e que impliquem o adiamento da diligência marcada – art. 155º, nº 5, do CPC.
Conexionado com o citado art. 155º, está o disposto no art. 651º, nº 1, als. c) e d), também do CPC, que se reporta ao adiamento da audiência de julgamento por falta de comparência de algum dos mandatários das partes.
Estabelece o art. 651º, nº 1, al. c) que, feita a chamada das pessoas que tenham sido convocadas, a audiência é aberta e só é adiada, por uma vez, no que interessa considerar, se:
- o juiz não tiver providenciado pela marcação mediante acordo prévio com os mandatários judiciais, nos termos do art. 155º, e faltar algum dos advogados [al. c)];
- faltar algum dos advogados que tenha comunicado a impossibilidade da sua comparência, nos termos do nº 5 do art. 155º [al. d)].
Pressupõem ambos os normativos que não tenha ocorrido qualquer adiamento da audiência e o último normativo (al. d)) a falta de comparência de algum mandatário das partes na data designada para a audiência de julgamento e a sua pronta comunicação ao tribunal da impossibilidade de comparência.
Decorre, assim, das als. c) e d) do nº 1 do art. 651º, que, nas hipóteses a que se referem haverá um adiamento da audiência de julgamento por virtude de falta de comparência de algum ou de alguns dos mandatários das partes, reportando-se a al. c) à situação em que o juiz designa a data sem a diligência de acordo prévio com os mandatários, implicando a falta de algum deles o adiamento automático da audiência e a al. d) à situação de o juiz haver designado a data da audiência de julgamento na sequência da sua diligência tendente ao acordo sobre a data da respectiva designação com os mandatários, dependendo o seu adiamento por falta de comparência de advogado do facto de ele haver comunicado atempadamente ao tribunal – até à abertura – a sua impossibilidade de comparecer.
Por sua vez, o nº 5 do art. 651º (na redacção anterior à introduzida pelo DL nº 38/2003, de 8 de Março, com início de vigência em 15/09/2003 – art. 23º -, mas com aplicação restrita “nos ou relativamente aos processos instaurados a partir de 15 de Setembro de 2003 – art. 21º), regula a hipótese de falta de advogado à audiência de julgamento fora dos casos previstos nas als. c) e d) do nº 1.
Nessa situação, estabelece-se que deve proceder-se à gravação dos depoimentos das testemunhas presentes, podendo o advogado faltoso, após a audição do registo dos depoimentos, requerer nova inquirição, excepto se a sua falta for julgada injustificada, ou se não tendo havido marcação da audiência por acordo, não tenha sido dado cumprimento ao disposto no art. 155º, nº 5, do CPC.
Resulta, portanto, da primeira parte do nº 5 do art. 651º, ser pressuposto da sua aplicação o facto de a audiência não dever ser adiada por virtude do funcionamento do disposto nas als. c) e d) do nº 1.
Na sua anterior redacção do artigo 651º, este preceito permitia pura e simplesmente o adiamento, por uma só vez, da audiência com base na falta de algum advogado. A única “sanção” a que o advogado estava sujeito era a comunicação da falta ao respectivo mandante (nº 1, al. c)).
Mas, tendo em conta a já referida intenção legislativa de impedir os sucessivos adiamentos das audiências (era normal faltar algum dos advogados à primeira audiência), aquele estado de coisas veio a ser alterado pelo Dec. Lei nº 183/2000, de 10/8. Como se diz no preâmbulo deste diploma, “uma outra grande causa de morosidade processual consiste na utilização de práticas processuais dilatórias, através da manipulação das previsões dos casos de adiamentos das audiências de julgamento, as quais são agora restringidas para que deixe de ser prática corrente o adiamento da primeira marcação”.
E assim é que, de acordo com a redacção introduzida ao art. 651º por aquele diploma, feita a chamada das pessoas que tenham sido convocadas, a audiência é aberta, só sendo adiada, para além do mais que aqui não tem interesse:
c) Se o juiz não tiver providenciado pela marcação mediante acordo prévio com os mandatários judiciais, nos termos do art. 155º, e faltar algum dos advogados;
d) Se faltar algum dos advogados que tenha comunicado a impossibilidade da sua comparência, nos termos do nº 5 do artigo 155º.
Estão aqui previstas duas situações, claramente distintas, em que pode haver lugar ao adiamento da audiência com base na falta de algum advogado.
A primeira delas (al. c)) aplica-se aos casos em que o juiz não providenciou pela marcação da audiência mediante acordo prévio com os mandatários judiciais, nos termos do art. 155º, e faltar algum advogado.
A segunda delas (al. d)) aplica-se aos casos em que falte algum dos advogados e ele comunique a impossibilidade da sua comparência, nos termos do nº 5 do art. 155º.
Donde se conclui que o legislador manifestou a intenção de restringir os adiamentos, mas quando chegou ao momento de colocar em forma de lei a sua intenção, recuou nitidamente, permitindo os adiamentos praticamente nos moldes em que ocorriam anteriormente.
No caso dos autos, a data para a audiência de julgamento não foi designada mediante prévio acordo com os mandatários das partes.
A mandatária da recorrente apesar de ter sido notificada, por fax, no da 25 de Junho da data da audiência a ter lugar no dia 27 desse mês pelas 9.30 horas, comunicou a sua impossibilidade de estar presente, indicando nova data para a realização da audiência, após acordo com o mandatário do requerido, deu cumprimento ao disposto no n.º 5, do artigo 155º do CPC, ficando aberta a possibilidade do julgamento ser adiado com fundamento na citada alínea d), do artigo 651º.
Mas não tendo a marcação do julgamento sido precedida de acordo prévio com os mandatários, bastava a simples falta de algum deles para conduzir ao adiamento, não se aplicando neste caso, o preceituado no artigo 155º, n.º 5. É o que linearmente se infere da redacção introduzida pelo legislador a cada uma daquelas alíneas c) e d).
Na verdade, na alínea d), o legislador fez expressa menção à necessidade de a impossibilidade de comparência ter de ser comunicada nos termos do n.º 5, do artigo 155º. Já não fez tal exigência em relação à hipóteses prevenida na alínea c). Nesta o legislador bastou-se com a falta de “algum dos advogados”.
No caso dos autos, tratando-se de uma primeira marcação e não tendo havido acordo prévio com os mandatários com vista à designação da data da audiência, a falta da mandatária da Recorrente seria motivo suficiente para provocar o adiamento, nos termos da aludida al. c) do n.º 1 do art. 651º, na redacção do citado Dec. Lei n.º 183/2000, mesmo entendendo-se que não foi cumprido o n.º 5, do art.º 155, do mesmo diploma, o que não foi o caso, quanto a nós, pelas razões expostas.
Feitas estas considerações a respeito do adiamento da audiência, coloca-se-nos, agora, a questão de saber se o referido nos art.ºs 155, do C.P.C. e 651, do mesmo diploma, se aplicam ao CIRE.
Em nosso entendimento nada obsta a tal.
É verdade que o art.º 35, n.º 1, do CIRE refere que tendo havido oposição do devedor, ou tendo a audiência deste sido dispensada é logo marcada audiência de discussão e julgamento para um dos cinco dias subsequentes …, o que numa primeira leitura poderia a levar-nos a pensar que o art.º 155, do C.P.C. não seria aqui aplicável, porquanto o prazo aludido no n.º 2, também é de 5 dias. Porém, não vislumbramos que a audiência aludida no preceituado no art.º 35, n.º 1, do CIRE, seja impeditiva de adiamento, tanto mais o art.º 17, do CIRE refere que o processo de insolvência se rege pelo Código de Processo Civil em tudo o que não contrarie as disposições do presente Código (Código da Insolvência w da Recuperação de Empresas).
Na verdade se fosse intenção do legislador que a audiência aludida no n.º 1, do art.º 35, do CIRE não pudesse ser adiada certamente o teria dito.
Assim, e face ao exposto, temos para nós, que o artigo 155, do C.P.C. é aplicável ao caso em apreço.
Não se tendo decidido, assim, cometeu-se uma nulidade que influiu no conhecimento da causa, já que, procedendo-se á audiência de julgamento, não foi nela observado o princípio do contraditório.
Tem, por isso, de ser revogado o despacho recorrido e bem assim a efectuada audiência de julgamento e a sentença recorrida, a fim de ser designada nova data para a audiência de discussão e julgamento dos autos, com observância do art.º 155, do C.P.C..
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3.1.2. Saber se deve ser declarada nula a audiência de discussão e julgamento efectuada e consequentemente a sentença.
Face ao referido em 3.1.1. às razões aí referidas a audiência de discussão e julgamento, efectuada, está ferida de nulidade bem como a sentença, devendo proceder-se à realização de nova audiência de discussão e julgamento e à elaboração de nova sentença, de acordo com o apurada na nova audiência de discussão e julgamento.
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3.1.3. Ser comunicada a realização de uma audiência e discussão de julgamento com a antecedência mínima de 5 dias respeitando-se o plasmado no art.º 155, do C.P.C.
Face ao referido em 3.1.1. e por entendermos que ao caso se aplica o art.º 155, do C.P.C. a nova audiência de discussão e julgamento que vier a ser marcada deverá observar a antecedência mínima dos 5 dias aludidos no art.º 155, do C.P.C.
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4. Decisão
Pelo exposto, acordam em conceder provimento ao agravo e, em consequência, revoga-se o despacho recorrido, pelo que se anula a efectuada audiência de discussão e julgamento e bem como a sentença recorrida, a fim de ser diligenciada nova data para a audiência, tendo presente o preceituado no art.º 155, do C.P.C., seguindo-se os demais termos.
Sem custas
Évora 30 de Outubro de 2008
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(Pires Robalo – Relator )
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(Almeida Simões – 1.º Adjunto )
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(D´Orey Pires – 2.º Adjunto – dispensei visto)