Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | FILOMENA SOARES | ||
Descritores: | LEITURA DA SENTENÇA FALTA DE COMPARÊNCIA EXERCÍCIO DE FUNÇÕES FALTAS JUSTIFICADAS | ||
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Data do Acordão: | 10/06/2015 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | Deve considerar-se justificada a falta da arguida à sessão da audiência de discussão e julgamento destinada à leitura da sentença se, em pedido com obediência ao legal formalismo, a arguida invoca (e comprova) a necessidade do desempenho da sua atividade profissional na data de tal sessão. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I [i] No âmbito do processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, nº 55/10.0 GEBNV-B, da Comarca de Santarém, Instância Local de Benavente, Secção Criminal, J1, por decisão judicial datada de 9 de Novembro de 2012, foi imposta à arguida HCSG, multa processual equivalente à soma de 2 (duas) unidades de conta. [ii] Inconformada com tal decisão, dela recorreu a arguida extraindo da respectiva motivação de recurso as seguintes conclusões: “Conclui-se, pelas motivações de facto e de Direito relacionadas e conjugadas, que a apreciação que levou à não justificação da falta e condenação em multa é meramente discricionária por não assente em base legal, mas ao invés, contrariando o preceito legal que suporta a justificação da falta de comparecimento artº 117º, nº 1 e 2 do CPP.”. [iii] Admitido o recurso e notificados os devidos sujeitos processuais, não foi apresentado articulado de resposta na primeira instância. [iv] O Tribunal a quo não fez uso do disposto no artigo 414º, nº 4, do Código de Processo Penal. [v] Remetidos os autos a esta Relação, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da procedência do recurso. [vi] Cumpriu-se o disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, não tendo sido usado o direito de resposta. Efectuado o exame preliminar, foram colhidos os vistos legais. Foi realizada conferência. Cumpre apreciar e decidir. II Como é sabido, o âmbito do recurso – seu objecto e poderes de cognição – afere-se e delimita-se através das conclusões extraídas pelo recorrente e formuladas na motivação [(cfr. artigos 403º, nº 1 e 412º, nºs 1, 2 e 3, do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como sejam as previstas no artigo 410º, nº 2, do aludido diploma, as cominadas como nulidade da sentença (cfr. artigo 379º, nºs 1 e 2, do mesmo Código) e as nulidades que não devam considerar-se sanadas (cfr. artigos 410º, nº 3 e 119º, nº 1, do Código de Processo Penal; a este propósito cfr. ainda o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça nº 7/95, de 19.10.1995, publicado no D.R. I-A Série, de 28.12.1995 e, entre muitos outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 25.06.1998, in B.M.J. nº 478, pág. 242, de 03.02.1999, in B.M.J. nº 484, pág. 271 e de 12.09.2007, proferido no processo nº 07P2583, acessível em www.dgsi.pt e bem assim Simas Santos e Leal-Henriques, em “Recursos em Processo Penal”, Rei dos Livros, 7ª edição, pág. 71 a 82).]. Vistas as conclusões do recurso em apreço, verificamos que a única questão aportada ao conhecimento desta instância é a seguinte: (i) - Saber da conformação legal da decisão que julgou não justificada a falta da arguida à sessão de julgamento destinada à leitura da sentença. III Com vista à apreciação da editada questão, informam os autos: (i) A recorrente tem no processo a qualidade de arguida; (ii) A audiência de julgamento teve lugar em sessões que decorreram nos dias 17 e 24 de Outubro de 2012 e 9 de Novembro de 2012; (iii) A recorrente esteve presente nas duas primeiras sessões de julgamento; (iv) A recorrente não compareceu na sessão de julgamento que ocorreu no dia 9 de Novembro de 2012, em que teve lugar a leitura da sentença; (v) No dia 5 de Novembro de 2012, a recorrente fez dar entrada no Tribunal Judicial de Benavente documento com o seguinte teor [a cuja transcrição se procede]: “HCSG, arguida nos presentes autos, vem, ao abrigo do disposto no artº 117º do CPP, requerer que a sua falta à leitura da sentença seja justificada pelo seguinte: a arguida é docente no Agrupamento de Escolas de Salvaterra de Magos com o horário do dia 09/11/12 preenchido com o curso de formação profissional na área multimédia. Tais cursos estão obrigados a um número de aulas que, em caso de falta, têm de ser repostas noutra data. Acontece que não foi possível encaixe noutro dia nem possível a substituição por outro professor. Termos em que se considera justificada a sua falta, podendo a arguida ser encontrada na escola onde leciona no dia e hora da diligência.” (vi) Com este requerimento, a ora recorrente apresentou “Declaração” com o seguinte teor [que se transcreve na parte pertinente]: “MSPE, Diretora do Agrupamento de Escolas de Salvaterra de Magos, para os devidos efeitos declara que HCSG é professora do quadro do Agrupamento de Escolas de Salvaterra de Magos e exerce funções na Escola Básica e Secundária de Salvaterra de Magos. O horário da componente letiva da docente no ano letivo que decorre, à sexta-feira estende-se entre as 8h e 30m e as 12h e 30 m e entre as 16h e 30m e as 18h e 30 m. Mais se declara que a afetação de pessoal docente às escolas não inclui recursos humanos para substituir docentes quando estes têm de faltar. (…)”. (vii) No dia 9 de Novembro de 2012, no início da sessão de julgamento, pela Senhora Procuradora Adjunta, após lhe ter sido concedida a palavra, foi dito: “A falta da arguida por motivo profissional, nos termos indicados no requerimento pela mesma entretanto junto aos autos, entende o Ministério Público que não deverá ser justificada. Isto porque a falta da mesma no seu posto de trabalho é legalmente justificada com a presença da mesma em Tribunal, sendo na minha opinião mais ponderosa a obrigação da presença da mesma nesta audiência do que a falta justificada da mesma no seu posto de trabalho. Assim entendo o Ministério Público que a falta da arguida deverá ser injustificada e condenada a mesma de acordo com o previsto no art. 116º. n.º 1 do C.P.P.” (viii) A decisão recorrida, proferida imediatamente após ser conhecida esta opinião da Digna Magistrada do Ministério Público, tem o seguinte teor [que se transcreve]: “Concordando na íntegra com a fundamentação da douta promoção do Digno Ministério Público, a qual se dá por integralmente reproduzida, vai a arguida condenada na multa processual equivalente a 2 UC’s”. IV Importa agora apreciar a questão [(i)] trazida ao conhecimento deste Tribunal ad quem pela recorrente. Afigura-se-nos não ser merecedora de dúvida a importância do julgamento em processo penal, posto que se trata do momento, obrigatório, de comprovação judicial de uma acusação – é a “ocasião” do processo onde confluem todos os elementos probatórios relevantes, onde todas as provas têm de se produzir e examinar e onde todos os argumentos devem ser apresentados, para que o Tribunal possa alcançar a “verdade histórica” e decidir justamente a causa. A presença do arguido, em julgamento, surge, na nossa lei processual penal, como um direito – v.g. artigo 61º, nº 1, alíneas a) e b) – e como um dever – v.g. artigos 61º, nº 3, alínea a), e 332º, nº 1, todos do Código de Processo Penal. Apenas esta última perspectiva, da presença do arguido como um dever, nos interessa, não olvidando o caminho percorrido pelo legislador (ao longo das sucessivas alterações legislativas que neste conspecto tiveram lugar) desde a panóplia de medidas processuais destinadas a obrigar o arguido a apresentar-se em julgamento, passando pela constatação da sua ineficácia, por constituírem estrangulamento processual em virtude de sucessivos adiamentos da audiência provocados pela falta do arguido, até chegar ao aligeiramento dessa obrigatoriedade da presença do arguido em julgamento, por forma a poder dizer-se, hoje, que se transformou em simples regra – cfr. artigos 332º, 333º e 334º, do Código de Processo Penal. Regra que continua a permitir não só que se sancione a falta não justificada do arguido, como, ainda, que se determine a sua comparência sob detenção, para o compelir a estar presente e a interessar-se pelo resultado do seu próprio julgamento. Medidas que, embora tomadas contra o arguido, mais não visam que garantir o exercício efectivo do seu direito de defesa. Regra que comporta que o julgamento decorra sem a presença do arguido, nomeadamente quando justifique a sua falta de comparência e o Tribunal não tenha como indispensável a sua presença. Estatui o artigo 117º, do Código de Processo Penal que: “1. Considera-se justificada a falta motivada por facto não imputável ao faltoso que o impeça de comparecer no acto processual para que foi convocado ou notificado. 2. A impossibilidade de comparecimento deve ser comunicada com cinco dias de antecedência, se for previsível, e no dia e hora designados para a prática do acto, se for imprevisível. Da comunicação consta, sob pena de não justificação da falta, a indicação do respectivo motivo, do local onde o faltoso pode ser encontrado e da duração previsível do impedimento. 3. Os elementos de prova da impossibilidade de comparecimento devem ser apresentados com a comunicação referida no número anterior, salvo tratando-se de impedimento imprevisível comunicado no próprio dia e hora, caso em que, por motivo justificado, podem ser apresentados até ao 3º dia útil seguinte. Não podem ser indicadas mais de três testemunhas. 4. (…) 5. (…) 6. (…) 7. (…) 8. (…).”. Atentando neste enquadramento, e tendo como adquirido que o requerimento formulado pela arguida e recorrente, respeita tudo o que a lei formalmente impõe, ressalvado o devido respeito por diferente entendimento, não vislumbramos como considerar injustificada a sua ausência à última sessão de julgamento, destinada à leitura da sentença. Desde logo, por não ser previsível que a arguida nela tivesse qualquer intervenção destinada à sua defesa. Depois, porque não é configurável, nem foi afirmada em lado algum, a indispensabilidade da presença da arguida, produzida que estava toda a prova. Por último, e sem pretender desvalorizar a importância da alocução consagrada no nº 2, do artigo 375º, do Código de Processo Penal, em caso de sentença condenatória, as exigências profissionais que se registam nos dias que correm são cada vez menos compagináveis com os “tempos da justiça” – referimo-nos, concretamente, à frequente, ainda que compreensível e justificada, falta de cumprimento dos momentos previamente definidos para a prática dos actos processuais. Razão pela qual se banalizou a dispensa da presença de intervenientes processuais, mormente de testemunhas, após a prestação do respectivo contributo. Razão pela qual é também frequente dispensar-se a presença do arguido à leitura da sentença, quando tal é solicitado, designadamente a pretexto de inconveniente para o desempenho da respectiva actividade profissional. Porque assim, o pedido formulado pela arguida e ora recorrente, de dispensa de comparência à sessão da audiência de julgamento destinada à leitura da sentença, face às razões em que se alicerçou, não pode, em nosso entender, deixar de merecer atendimento. Acresce que a decisão recorrida não contém qualquer argumento, suficientemente válido, por explícito, por aclarador, que, infirmando as razões alegadas e documentadas pela arguida, permitam mantê-lo. Em face de tudo o que se deixa exposto, forçoso é concluir que o recurso interposto pela arguida merece provimento. V Face ao disposto no artigo 513º, nº 1, do Código de Processo Penal, não há lugar a tributação. VI Decisão Nestes termos, acordam em: A) – Conceder provimento ao recurso interposto pela arguida HCSG e, consequentemente, revogar a decisão recorrida. B) – Não serem devidas custas. [Texto processado e integralmente revisto pela relatora (cfr. artigo 94º, nº 2, do Código de Processo Penal)] Évora, 06-10-2015 Maria Filomena Valido Viegas de Paula Soares Fernando Paiva Gomes Monteiro Pina |