Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | MANUEL BARGADO | ||
Descritores: | GRAVAÇÃO DEFICIENTE FACTOS ESSENCIAIS PRESUNÇÕES JUDICIAIS RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL NEXO DE CAUSALIDADE | ||
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Data do Acordão: | 06/08/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | I - O regime atualmente previsto no artigo 155º do Código de Processo Civil, fixa em 10 dias o prazo para as partes arguirem o vício de falta ou deficiência da gravação, o qual se conta a partir da disponibilização às partes da gravação, no prazo de dois dias a contar do respetivo ato. II - Decorrido esse prazo sem que seja arguido o vício em causa, fica o mesmo sanado, não podendo oficiosamente ser conhecido pela Relação. III - Factos essenciais são os previstos nas fatispécies das normas das quais pode emergir o efeito prático-jurídico pretendido pelo autor ou pelo reconvinte (ou nos quais pode fundar-se a exceção deduzidas pelo réu), sendo imprescindíveis para a procedência da ação ou da reconvenção (ou da exceção). IV - As presunções judiciais, também designadas materiais, de facto ou de experiência, não são, em bom rigor, genuínos meios de prova, mas antes «meios lógicos ou mentais ou operações firmadas nas regras da experiência», ou «operação de elaboração das provas alcançadas por outros meios», reconduzindo-se, assim, a simples «prova da primeira aparência», baseada em juízos de probabilidade. V – A responsabilidade civil por ato ilícito (artigo 483ºdo CC) seja contratual, seja extracontratual depende da verificação do facto, da ilicitude do facto, do nexo de imputação do facto ao agente que coenvolve a imputabilidade e a culpa, do dano e do nexo causal entre o facto e o dano. VI - E se é verdade que os factos integradores dos primeiros requisitos indicados devem ser alegados e provados pelo lesado seja na responsabilidade contratual seja na extracontratual (art. 342º, nº 1, do CC), já no que diz respeito à culpa, na responsabilidade contratual (mas não na extracontratual) compete ao devedor alegar e provar que o incumprimento ou o cumprimento defeituoso não procede de culpa sua (art. 799º, nº 1, do CC). VII - Um dano não é, apenas, a consequência da sua causa imediata, sendo, em regra, produto de um encadeamento ou sequência de causas. VIII - Nem todas as causas fácticas ou naturalísticas poderão ser juridicamente havidas como causa do dano ocorrido; para tanto, hão-de integrar o critério da causalidade adequada, constante do artigo 563º do Código Civil. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora I - RELATÓRIO BB, Lda. intentou a presente ação declarativa de condenação, com processo comum, contra CC, Unipessoal Lda., pedindo que a ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 37.935,54, acrescida de juros desde a citação, à taxa legal, até efetivo e integral pagamento, bem como no pagamento de sanção pecuniária compulsória, nos termos do disposto no art. 829º-A, nº 4, do Código Civil. Para tanto alegou, em síntese, que celebrou com a ré, em 04.09.2013, um contrato de adesão, denominado Contrato de Instalação/Serviços (Empresa) – Manutenção e Ligação à Central de Alarmes, sucedendo que no dia 30.10.2013, o sócio gerente da autora deparou-se com o arrombamento de uma janela e destruição do sistema de alarme e de videovigilância instalados pela ré na sede da autora, objeto do contrato em questão, não tendo os sistemas de alarme e videovigilância ali instalados registado qualquer movimento, nem resultou qualquer sinal de alarme e aviso junto dos responsáveis da autora ou da GNR. Em consequência do arrombamento, foi retirado do interior das instalações da autora cobre novo e velho, no montante global de € 23.947,30, o qual foi carregado num veículo pesado, de marca Mitsubishi, modelo Canter, com a matrícula …-IT-…, registado em nome da autora, também ele subtraído à autora, veículo esse que veio a ser abandonado na Azambuja e entregue à autora posteriormente, tendo esta despendido a quantia de € 321,17 na recuperação e transporte do mesmo. Mais alegou que teve de adquirir um equipamento multilift, semelhante ao instalado na viatura furtada, que foi instalado noutra pertencente à autora, por forma a poder continuar a laborar e cumprir os contratos vigentes por si celebrados, o que teve um custo de € 7. 226,25, e pela não utilização da viatura durante 65 dias, teve a autora prejuízos no montante de € 6.440,85; Para tanto, juntou prova documental e indicou testemunhas (cfr. fls. 5 a 11, 19 a 22, 26 a 30, 34 a 36, 40, 44 a 61). A ré contestou, impugnando parcialmente a factualidade alegada pela autora, afirmando que o sistema por si instalado no edifício em questão estava a funcionar com normalidade, aquando do assalto às instalações da autora, sucedendo que o sistema de alarme instalado no imóvel da autora sofreu um corte de energia no dia 29.10.2013 (pelas 18h 29m), que só foi restabelecido no dia 30.10.2013 (pelas 02.01), sem prejuízo do alarme ter sido acionado às 19h 23m do dia 29.10.2013. Ulteriormente, o alarme foi desativado e destruído, motivo pelo qual a ré nunca rececionou qualquer sinal transmitido por aquele aparelho. Mais alegou que a autora não deixou expresso em momento algum que pretendia ser avisada de eventuais cortes de fornecimento elétrico, e do contrato celebrado entre as partes consta que a ré está isenta de qualquer responsabilidade quando o sistema de segurança é desligado e não assume responsabilidade por quaisquer prejuízos causados na pessoa ou bens do cliente que sejam imputáveis a atos de terceiros e, bem assim, por atos ilícitos alheios contra o sistema de segurança ou contra o património do cliente e, caso assim não se entenda, carecem de prova os danos alegados pela autora. Alegou, por último, que a autora formula uma duplicação de pedidos, quando menciona o custo da aquisição de um novo equipamento multilift e respetiva instalação e, posteriormente, invoca a perda de oportunidades de negócio, pelo que a ação deve improceder na totalidade. Juntou prova documental e indicou testemunhas (cfr. fls. 68 a 119, 133 a 137). Realizada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador com subsequente identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova, sem reclamação (cfr. fls. 224 a 233). Procedeu-se à realização da audiência final, tendo sido proferida sentença em cujo dispositivo se consignou: «Pelo exposto, julgo a acção parcialmente procedente por parcialmente provada e, em consequência, decido: i) Condenar a ré “CC, Unipessoal, Lda” a pagar à autora “BB, Lda.”, a quantia global de €29 104,38 (vinte e nove mil, cento e quatro euros e trinta e oito cêntimos), a que acresce juros de mora, à taxa de 4%, desde a citação até integral e efectivo pagamento e ainda juros à taxa de 5% ao ano desde a data do trânsito da presente decisão; ii) Absolver a ré do demais peticionado; iii) Condenar a autora no pagamento de 22% das custas devidas e a ré no pagamento de 78% das custas devidas.» Inconformada com o assim decidido, apelou a ré, tendo rematado a respetiva alegação com extensas conclusões, ao longo de 20 páginas, as quais não satisfazem minimamente a enunciação sintética ou abreviada dos fundamentos do recurso, tal como exige o disposto no art. 639º, nº 1, do CPC, e, por isso, não serão aqui transcritas. Das mesmas conclusões resulta que as questões essenciais colocadas à apreciação deste Tribunal da Relação, prendem-se com a alegada nulidade por inaudibilidade da gravação, a não atendibilidade de factos resultantes da instrução do processo, a impugnação da matéria de facto, a não verificação in casu dos requisitos da responsabilidade civil e a reforma da sentença quanto custas. Não foram apresentadas contra-alegações. O recurso foi recebido como recurso de apelação, com subida nos autos e efeito meramente devolutivo, que é o efeito devido, não obstante a ré ter requerido o efeito suspensivo, o que foi bem indeferido pelo Mm.º Juiz a quo nos termos do despacho de fls. 355 verso e 356. Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e dedidir. II – ÂMBITO DO RECURSO Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (arts. 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), são as seguintes as questões a decidir: - nulidade processual decorrente da deficiente gravação; - admissibilidade de factos resultantes da instrução do processo; - impugnação da matéria de facto; - verificação dos requisitos da responsabilidade civil contratual; - reforma da sentença quanto a custas. III – FUNDAMENTAÇÃO OS FACTOS Na decisão recorrida foram dados como provados os seguintes factos: 1. A autora tem por objeto: “Reciclagem, recolha e seleção de metais ferrosos e não ferrosos, transporte de quaisquer materiais recicláveis para depósito próprio ou de outrem, nacional ou internacionalmente”; 2. A autora tem a sua sede e instalações industriais na Zona Industrial – …, em Arraiolos; 3. A ré tem por objeto: “Exploração e gestão de centrais de receção e monitorização de alarmes de roubo e intrusão, bem como a gestão, manutenção e exploração de sistemas de segurança; a vigilância de bens móveis e imóveis”; 4. No dia 04 de Setembro de 2013, no âmbito da sua atividade comercial, a ré celebrou com a autora um acordo escrito denominado “Contrato de Instalação/Serviços [Empresa] (Manutenção Ligação à Central de Alarmes e Serviço de Piquete Opcional) n.º …, junto aos autos a fls. 19 a 22, cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais; 5. Na sequência do acordo mencionado em 4., a autora autorizou e aceitou o plano de ação e o projeto de instalação juntos a fls. 26 a 29, cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais, tendo sido instalados no imóvel mencionado em 2. três detetores que estão dirigidos a três zonas diferentes de proteção; 6. Entre as 18 horas e 30 minutos do dia 29 de Outubro de 2013 e as 08 horas e 30 minutos do dia 30 de Outubro de 2013, verificou-se a intrusão de desconhecidos nas instalações onde a autora labora, através do arrombamento de uma janela (a correspondente ao escritório) e destruição do sistema de alarme e de videovigilância ali instalados pela ré, objeto do acordo mencionado em 4. e 5.; 7. No dia 30 de Outubro de 2013, pelas 08 horas e 30 minutos, quando a autora teve conhecimento do referido em 6., contactou o 112 e a ré; 8. Durante o período mencionado em 6., o sistema de alarme e videovigilância instalados pela ré nas instalações da autora não acionaram qualquer sinal de alarme e intrusão, nomeadamente aos responsáveis da autora, bem como à GNR; 9. Na sequência do arrombamento, foram retirados das instalações da autora, sem a sua autorização, pelo menos: i. 2 025 kg de cobre novo, a um preço de mercado, à data, de €4,90 kg; ii. 2 800kg de cobre velho, a um preço de mercado, à data, de 4,70 kg; iii. um veículo pesado, marca Mitsubishi, modelo Canter, matrícula …-IT-…, registado em nome da autora; 10. O veículo IT foi abandonado em Azambuja, tendo sido entregue à autora no dia 04 de Janeiro de 2014; 11. Na recuperação e transporte do veículo identificado em 10., a autora despendeu, pelo menos, €146,88, correspondente aos quilómetros realizados; 12. A autora adquiriu um equipamento multilift semelhante ao colocado na viatura IT, que instalou noutro veículo a si pertencente, em 03.12.2013, para poder cumprir os acordos em vigor, por si celebrados; 13. A aquisição do equipamento multilift teve um custo de, pelo menos, €5 875,00; 14. Durante o período mencionado em 6.,não foi rececionado pela ré qualquer sinal de intrusão; 15. O alarme instalado no imóvel identificado em 2. registou um corte de energia às 18 horas e 29 minutos do dia 29 de Outubro de 2013; 16. Pela central foi ainda rececionado sinais relativos ao acionamento do alarme, entre as 19horas e 23 minutos e as 11horas e 47minutos do dia 29 de Outubro de 2013; 17. Pela central foi rececionado sinal de intrusão na zona 3, pelas 02 horas, 01 minuto e 44 segundos; 18. O corte de energia mencionado em 18. foi restabelecido às 02 horas, 01 minuto e 44 segundos do dia 30 de Outubro de 2013; 19. O alarme foi desativado e destruído pelas 02horas, 02 minutos e 26 segundos do dia 30 de Outubro de 2013; 20. A ré tem vindo a adotar (e chegou a adotar com a autora que não entre os dias 29 e 30 de Outubro de 2013) o seguinte procedimento quando se verificam cortes de corrente: enviam e-mail para o cliente, mesmo que o corte permaneça apenas por alguns segundos; entram em contacto telefónico com o cliente, quando a energia não tiver sido reposta após cinco a seis horas. Na sentença foi considerada não provada a seguinte factualidade: - O custo do dia de trabalho do funcionário destinado à recuperação e transporte do veículo importou em € 47,17. O DIREITO Da nulidade processual resultante da gravação deficiente No requerimento apresentado em 11.10.2016, a fls. 303 e seguintes, com fundamento na circunstância dos depoimentos das testemunhas Bruno …, Sérgio …, Carla … e Luís … serem parcialmente inaudíveis, veio a ré ora recorrente arguir a nulidade da audiência final e requerer a repetição da inquirição das aludidas testemunhas, bem como a anulação dos atos subsequentes, incluindo a sentença proferida. A autora respondeu concluindo pelo indeferimento da arguida nulidade. Apreciando a nulidade em causa, escreveu a Mm.ª Juíza a quo no despacho de fls. 311-313: «(…), o início da contagem do prazo para a invocação de eventual deficiência da gravação dos depoimentos não pode ficar dependente da livre iniciativa da parte quanto ao momento da obtenção da gravação, sem qualquer limitação temporal (com excepção o prazo de apresentação do recurso da decisão final). O prazo geral de 10 dias conta-se da data da secção da audiência em que tiver ocorrido a deficiente gravação, acrescido dos dois dias que cabe ao Tribunal facultar a respectiva gravação e ainda do período de tempo que mediar entre o requerimento da cópia da gravação, acompanhado do necessário suporte técnico, e a efectiva satisfação desse pedido pelo funcionário, caso tal pedido tenha sido deduzido dentro dos respectivos 12 dias, sob pena da respectiva nulidade considerar-se sanada. Volvendo ao caso em apreço, verifica-se que as testemunhas apontadas no requerimento em apreço prestaram o seu depoimento em 25 de Maio de 2016 e 08 de Junho de 2016. Decorridos os dois dias a que alude o artigo 155.º, n.º3, do C.PC., o prazo da ré diligenciar pela obtenção da gravação dos depoimentos prestados nas respectivas sessões de audiência final e para arguir a nulidade iniciar-se-ia em 30 de Maio de 2016 e 13 de Junho de 2016, respectivamente, atingindo o seu termo em 08 de Junho de 2016 e 20 de Junho de 2016, respectivamente. Sucede que a ré apenas solicitou o registo da gravação dos depoimentos em 21 de Setembro de 2016 e arguiu a respectiva nulidade em 11 de Outubro de 2016. Nesta senda, entende-se que, ainda que tivesse sido cometida a nulidade em causa, por não ter sido arguida em tempo, a mesma considera-se sanada.» Nas alegações de recurso, deu a ré por reproduzido o teor do requerimento de fls. 303 e seguintes, bem como o aí requerido, isto é, que seja declarada a nulidade da audiência de julgamento e ordenada a repetição da inquirição das testemunhas acima identificadas, e anulados os termos subsequentes que dessa inquirição dependam absolutamente, nomeadamente a sentença. Vejamos. Não existem dúvidas de que, face ao disposto no nº 1 do artigo 155º do CPC, a audiência final nas ações é sempre gravada, o que inclui necessariamente a gravação dos depoimentos e declarações nela prestados, e que atento o teor do artigo 640º do mesmo Código, quando seja impugnada a decisão da matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados [nº 1, alínea a)]; - os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da recorrida [nº 1, alínea b)]; e – a decisão que, no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, sendo que, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na parte respetiva, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes [cf. n.º 2, alínea a)]. Ora, a existirem as deficiências da gravação apontadas pela recorrente, esta não poderia dar cumprimento ao citado ónus de especificação no que toca ao depoimento gravado das testemunhas em causa, ficando, assim, impedida de exercer o seu direito de recurso sobre a matéria de facto, e esta Relação impedida, em qualquer caso, de proceder à reapreciação de tal matéria por falta de registo da prova ou de registo válido relativamente àquelas testemunhas. A falta ou a falha na gravação da prova constitui, assim, nulidade processual, nos termos do nº 1 do artigo 195º do CPC, visto trata-se de irregularidade suscetível de influir no exame e decisão da causa, desde logo por retirar à recorrente a possibilidade de impugnar em sede de recurso o julgamento da matéria de facto. Quanto ao prazo de arguição da aludida nulidade, não havia no regime anteriormente vigente unanimidade na jurisprudência, como nos dá conta o Acórdão do Supremo Tribunal da Justiça de 14/01/2010[1] e, mais recentemente, o Acórdão da Relação do Porto de 10/03/2015[2]. Assim, uns defendiam que o prazo de arguição da referida nulidade era de dez dias (cf. artigo 153º, nº 1, do anterior CPC), contados imediatamente após o termo da audiência de discussão e julgamento ou, pelo menos, da data da disponibilização do registo magnético pelo tribunal[3]. Outros, ainda, sustentavam que esse prazo de dez dias começava a contar da data limite em que a parte deveria ter solicitado a entrega da cópia do registo da gravação, nos termos do n.º 2 do art.º 7.º do Decreto-Lei n.º 39/95, de 15 de Fevereiro[4]. Finalmente, outros entendiam que a aludida nulidade podia ser arguida dentro do prazo da alegação de recurso, salvo se se demonstrar que o reclamante teve conhecimento do vício mais de dez dias antes do termo desse prazo, podendo tal arguição ter lugar nessa própria alegação, por não ser exigível à parte (ou ao seu mandatário) que proceda à audição dos registos magnéticos antes do início do prazo do recurso (relativo à reapreciação da decisão sobre a matéria de facto), sendo que é no decurso deste prazo que surge a necessidade de uma análise mais cuidada do conteúdo dos referidos registos e, com ele, o conhecimento de eventuais vícios da gravação que podem ser alegados na própria alegação de recurso entretanto interposto[5]. Porém, ao contrário do que antes sucedia, o legislador veio tomar posição expressa sobre esta matéria no atual CPC, estipulando no artigo 155º que “a gravação [no caso da audiência de julgamento] deve ser disponibilizada às partes, no prazo de dois dias a contar do respetivo ato” (n.º 3), e que “a falta ou deficiência da gravação deve ser invocada, no prazo de 10 dias a contar do momento em que a gravação é disponibilizada” (n.º 4). Deste modo, parece-nos claro que face ao disposto no mencionado preceito, as irregularidades ou deficiências da gravação dos depoimentos das testemunhas devem ser invocadas no prazo de 10 dias, a contar da disponibilização da gravação, a qual deve ocorrer nos 2 dias seguintes a contar da realização do ato, e tal irregularidade, que, como acima se referiu, constitui nulidade, deve, como tal, ser arguida perante o tribunal onde a mesma se verificou. Do aludido preceito resulta, não só o dever de o tribunal disponibilizar com brevidade a gravação da audiência, como, ao fixar-se o prazo de 10 dias para a arguição de eventuais irregularidades da gravação, torna-se clara a posição do legislador nesta matéria, com as inegáveis vantagens de certeza e segurança jurídicas, impondo-se ainda à parte um especial dever de diligência na verificação do conteúdo da cópia da gravação que lhe foi disponibilizada, por forma a poder arguir em tempo tais irregularidades e permitir a sua correção antes de eventual recurso da sentença, obviando-se também os inconvenientes de posterior anulação de decisões. Com efeito, como se diz no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17/12/2014[6], «… o novo Código de Processo Civil fixou expressamente prazo para as partes arguirem o vício decorrente da falta ou deficiente gravação da prova, que, ao contrário do que antes sucedia, é sempre obrigatória em sede de julgamento, sendo esse prazo de 10 dias a contar da disponibilização do registo da gravação - que temporalmente poderá não corresponder ao levantamento pela parte do respectivo suporte -, devendo essa disponibilização ocorrer no prazo de dois dias contados de cada um dos actos sujeitos à gravação. O vício em causa deve, assim, ser arguido em primeira instância, e no prazo peremptório agora legalmente estabelecido, sob pena de ocorrer, por decurso desse prazo, a sua sanação. Daí afirmar-se que “a omissão ou deficiência das gravações é, após a entrada em vigor do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, um problema que deve ficar definitivamente resolvido ao nível da primeira instância, quer pela intervenção oficiosa do juiz que preside ao acto quer mediante arguição dos interessados”[Acórdão da Relação de Guimarães de 11.09.2014, processo nº 4464/12.1TMGMR.C1], deixando de ser admissível que a parte interessada na arguição o possa fazer no prazo de interposição do recurso – 30 ou 40 dias -, nas respectivas alegações.». É também este o entendimento defendido por Abrantes Geraldes, para quem «[o] artigo 155º, n.º 4, veio resolver as dificuldades, impondo à parte o ónus de invocação da irregularidade no prazo de 10 dias a contar da data em que lhe tenha sido disponibilizada a gravação (disponibilização que deve ocorrer no prazo de 2 dias a contar do acto, nos termos do n.º 3), (…). Tratando-se de uma nulidade processual, terá de ser arguida autonomamente, sendo submetida a posterior decisão do juiz a quo, não sendo admitida a sua inserção imediata nas alegações de recurso»[7]. E, o facto de não ter sido revogado expressamente o Decreto-Lei n.º 39/95, que veio regulamentar o registo da prova em audiência, no qual não se fixava qualquer prazo para arguição de omissões ou anomalias na gravação da prova, não impede que o legislador, regulando tal matéria agora no artigo 155º do CPC, tome posição sobre a questão e fixe prazo para arguição da referida irregularidade[8]. No caso em apreço, a audiência de julgamento decorreu em duas sessões, a primeira no dia 25 de Maio de 2016 e a segunda no dia 8 de Junho de 2016, sendo que as três primeiras testemunhas cujos depoimentos - segundo a recorrente - se encontram parcialmente inaudíveis, foram inquiridas na primeira das referidas sessões e a 4ª testemunha na última. Temos assim que decorridos os dois dias a que alude o nº 3 do art. 155º do CPC, o prazo para a ré/recorrente diligenciar pela obtenção da gravação dos depoimentos prestados na sessão do dia 25 de Maio de 2016 teria o seu início em 30 de Maio de 2016 (os dias 28 e 28 de Maio coincidiram com um sábado e um domingo), atingindo o seu termo em 8 de Junho, e quanto à sessão de julgamento realizada em 8 de Junho de 2006, o prazo iniciar-se-ia em 13 de Junho[9] de 2016 e terminaria a 20 de Junho. Ora, a recorrente apenas arguiu a nulidade em causa com o requerimento de fls. 303 a 305, em 11 de Outubro de 2016, ou seja, muito para além do fim do prazo em que o podia fazer. Mesmo que se entenda – o que não se concede - que para cumprimento do referido preceito não basta a possibilidade de as partes poderem obter a gravação dos depoimentos, antes se exigindo a efetiva entrega do suporte à parte interessada ou a sua disponibilização a pedido desta, iniciando-se apenas neste momento a contagem do referido prazo (pois só nessa altura a parte tem efetiva possibilidade de verificar o estado da gravação), uma vez que a recorrente requereu o suporte áudio contendo a gravação da prova em 21.10.2016 (cfr. fls. 301), sempre incumbiria àquela alegar e demonstrar que tal entrega ocorreu no prazo de 10 dias antes da apresentação do requerimento de 11.10.2016 em que arguiu a respetiva nulidade, o que não fez, pelo que sempre teria de considerar-se as datas em que a gravação foi disponibilizada, ou seja, 30 de Maio de 2016 e 13 de Junho. Assim, não tendo a referida nulidade processual sido arguida tempestivamente perante o tribunal a quo, no prazo previsto no nº 4 do artigo 155º do CPC, considera-se a mesma sanada. Da admissibilidade de factos resultantes da instrução do processo Diz a recorrente que foi alegado pela autora no art. 19º da petição inicial, que o sistema de alarme instalado pela recorrente foi objeto de destruição, questão que foi também abordada no artigo 23º da contestação, nos seguintes termos: «[r]resulta do exposto que, num primeiro momento devido ao corte de energia e num segundo momento devido à desactivação e destruição do equipamento, a ré nunca recepcionou qualquer sinal transmitido por aquele aparelho». Em seguida cita a recorrente o seguinte trecho da sentença recorrida: «Foi explicado em Tribunal, pela testemunha Luís …, funcionário da ré responsável pelo departamento técnico, que entre a intrusão e a destruição de uma Central mediar 5 segundos (ou menos tempo ainda), não é possível, tecnicamente, à central enviar a informação para as instalações da ré, de forma a fazer accionar as forças de segurança e o cliente. Esse pequeno período de tempo (até 5 segundos) inviabiliza a comunicação da Central com a Sede, sem que esteja prevista solução para essa situação». Conclui assim a recorrente que aquele facto, embora não tenha sido expressamente alegado na contestação, «foi-o “implicitamente”, na medida em que constitui o pressuposto da alegação vertida no artigo 23º e que acima se transcreveu», concluindo que se trata de «um facto concretizador de um facto principal que constitui matéria de exceção, alegado na contestação», pelo que o mesmo deve ser considerado na decisão sobre o objeto do litígio. Vejamos. É certo que o nº 2, al. b), do artigo 5º do CPC, por confronto com o preceito equivalente do Código de Processo Civil anterior, o nº 3 do (então) artigo 264º, alterou as condições nas quais o tribunal pode considerar factos complementares ou concretizadores da causa de pedir ou da exceção, que não tenham sido oportunamente alegados pela parte a quem aproveitam. Com efeito, eliminou o que frequentemente se designava por alegação a posteriori, e que consistia na manifestação de vontade de que a parte se quisesse aproveitar do facto. Ora, o facto que a recorrente pretende que seja considerado, é um facto essencial na perspetiva da sua defesa (exceção) e não um facto concretizador, como aquela afirma. Factos essenciais são os previstos nas fatispécies das normas das quais pode emergir o efeito prático-jurídico pretendido pelo autor ou pelo reconvinte (ou nos quais pode fundar-se a exceção deduzidas pelo réu), sendo imprescindíveis para a procedência da ação ou da reconvenção (ou da exceção) – art. 581º, nº 4, do CPC[10]. Impunha-se, por conseguinte, que a ré ora recorrente tivesse alegado expressamente o facto em questão, o que não fez, não podendo outrossim considerar-se que o mesmo foi implicitamente alegado, pelo que não o tendo feito, e não se verificando nenhuma das exceções legalmente previstas, o princípio da concentração da defesa na contestação, que se mantém (art. 573º do CPC) impede uma alegação posterior, impede o convite a uma hipotética concretização (nº 6 do art. 590º do CPC) e impede naturalmente a sua consideração oficiosa (nº 1 do art. 5º). O princípio dispositivo mantém-se, no que toca à alegação dos factos “em que se baseiam a exceções invocadas”[11]. Seja como for, não deixou a Mm.ª Juíza a quo de referir na sentença o que a testemunha Luís … havia dito a tal propósito, mas acrescentou - facto omitido pela recorrente - «que no caso em apreço, o tempo que mediou entre o sinal de intrusão (02h01m44s) e a destruição da Central (02h02m26s) é em muito superior aos 5 segundos destacados pela testemunha (trata-se de uma diferença de 42 segundos)», o que corresponde à matéria dos pontos 17 e 19 do elenco dos factos provados e retira relevância ao facto em causa. Improcede assim esta questão colocada pela recorrente. Da impugnação da matéria de facto Como resulta do art. 662º, nº 1, do CPC, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação se os factos tidos como assentes e a prova produzida impuserem decisão diversa. Do processo constam os elementos em que se baseou a decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto – documentos, declarações de parte da autora e depoimentos testemunhais, registados em suporte digital. Considerando o corpo das alegações e as conclusões, pode dizer-se que a recorrente cumpriu formalmente os ónus impostos pelo art. 640º, nºs 1 e 2, do CPC, já que: i) referiu os concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados; ii) indicou os elementos probatórios que conduziriam à alteração daqueles pontos nos termos por ela propugnados; iii) a decisão que no seu entender deveria sobre eles ter sido proferida; iv) e ainda as passagens da gravação em que se funda o recurso e que transcreveu em parte. Cumpridos aqueles ónus, nada obsta, pois, ao conhecimento do objeto de recurso nesse segmento. No que respeita à questão da alteração da matéria de facto face à incorreta avaliação da prova produzida, cabe a esta Relação, ao abrigo dos poderes conferidos pelo art. 662º do CPC, e enquanto tribunal de 2ª instância, avaliar e valorar (de acordo com o princípio da livre convicção) toda a prova produzida nos autos em termos de formar a sua própria convicção relativamente aos concretos pontos da matéria de facto objeto de impugnação, modificando a decisão de facto se, relativamente aos mesmos, tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento da matéria de facto. Infere-se da alegação da recorrente que esta está em desacordo com a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal a quo, quanto à factualidade dada como provada nos pontos 9, 10, 11 e 13 e 20. Sustenta ainda a recorrente, sobre o posicionamento e o número de sensores de alarme, que o Tribunal a quo, embora não os tenha inserido na lista dos factos provados, teve em consideração certos factos na formação da sua convicção a respeito do incumprimento contratual da ré/recorrente, os quais não foram objeto de acordo entre as partes, não resultam dos documentos apresentados, nem resultam dos depoimentos das testemunhas que foram ouvidas sobre tal matéria, apontando tais depoimentos em sentido oposto ao da sentença. Os “factos” alegadamente em causa são os seguintes: - «Como se refere em 5. e se pode retirar do documento junto a fls. 26 a 29, foram os técnicos ao serviço da ré que procederam à instalação dos sensores de alarme nos locais que julgaram adequados e de modo a cobrir todo o estabelecimento»; - «Tendo os intrusos penetrado nas instalações da autora pela janela da divisão que corresponde ao escritório, caberia à ré ter colocado um sensor de alarme nessa mesma janela». Em matéria de prova, dispõe o artigo 607º, nº 5, do CPC, que “o juiz aprecia livremente as provas, segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”. Efetivamente, não se tratando de um caso de exceção de prova legal, a livre apreciação da prova não é arbitrária, discricionariamente subjetiva ou fundada em mero capricho, devendo, outrossim, observância a regras de experiência comum, utilizando como método de avaliação da aquisição do conhecimento critérios objetivos, genericamente, suscetíveis de motivação e controlo[12]. Porém, ao contrário do que sucede com o sistema da prova legal, em que a convicção probatória se faz, através de provas, legalmente, pré-fixadas, atribuindo-se a cada uma o significado, abstratamente, prescrito por lei, ao qual o juiz está adstrito e de que não pode divergir [prova vinculada], no sistema de prova livre, o juiz valora, objetivamente, o facto, de acordo com a sua individualidade histórica, tal como foi adquirido no processo, através dos diversos meios de prova, diligências e alegações, sem esquecer aquilo que, comprovados certos factos, pode inferir, porque é normal suceder [id quod plerumque accidit], sem grande margem de erro, ou seja, por força das regras da experiência, que funcionam como “critérios generalizantes e tipificantes de inferência factual”, “…com validade no contexto atípico em que surgem…”, e que mais não são do que “índices corrigíveis, critérios que definem conexões de relevância”, orientadores dos caminhos da investigação, oferecendo probabilidades conclusivas, mas nada mais do que isso[13]. As regras da experiência são “ou o resultado da experiência da vida ou de um especial conhecimento no campo científico ou artístico, técnico ou económico e são adquiridas, por isso, em parte mediante observação do mundo exterior e da conduta humana, em parte mediante investigação ou exercício científico de uma profissão ou indústria”[14], que permitem fundar as presunções naturais, não abdicando da explicitação de um processo cognitivo, lógico, sem espaços ocos e vazios, conduzindo à extracção de facto desconhecido do facto conhecido, porque conformes à realidade reiterada, de verificação muito frequente e, por isso, verosímil”[15]. Deste modo, na passagem do facto conhecido para a aquisição (ou para a prova) do facto desconhecido, têm de intervir, pois, juízos de avaliação através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam fundadamente afirmar, segundo as regras da experiência, que determinado facto, não anteriormente conhecido nem diretamente provado, é a natural consequência, ou resulta com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido. Por isso é que, na presunção, deve existir e ser “revelado um percurso intelectual, lógico, sem soluções de descontinuidade, e sem uma relação demasiado longínqua entre o facto conhecido e o facto adquirido. A existência de espaços vazios no percurso lógico de congruência experimental típica determina um corte na continuidade do raciocínio, e retira o juízo do domínio da presunção, remetendo-o para o campo já da mera possibilidade física mais ou menos arbitrária ou dominada pelas impressões”[16]. As presunções judiciais também designadas materiais, de facto ou de experiência, não são, em bom rigor, genuínos meios de prova, mas antes “meios lógicos ou mentais ou operações firmadas nas regras da experiência”[17] , ou “operação de elaboração das provas alcançadas por outros meios”, reconduzindo-se, assim, a simples “prova da primeira aparência”, baseada em juízos de probabilidade[18]. As passagens acima transcritas da sentença, que segundo a recorrente constituem factos, não são mais do que presunções naturais, admitidas diretamente pela lei (art. 351º do CC), isto é, presunções de facto, da livre apreciação do tribunal, cedendo perante simples contraprova e inserem-se ao nível da apreciação da matéria de facto. Saber se a Mm.ª Juíza a quo observou “um percurso intelectual, lógico, sem soluções de descontinuidade, e sem uma relação demasiado longínqua entre o facto conhecido (matéria dos pontos 5 e 6 dos factos provados) e o facto adquirido (terem sido os técnicos da ré a proceder à instalação dos sensores nos locais que entenderam mais adequados, nomeadamente junto à janela por onde penetraram os intrusos), é algo que será apreciado a propósito da discussão do mérito da sentença recorrida, nomeadamente dos pressupostos da responsabilidade civil e da obrigação de indemnizar a cargo da ré. Vejamos, seguidamente, os factos dados como provados que, no entender da recorrente deviam ser considerados não provados. Os factos em causa são os seguintes: «9. Na sequência do arrombamento, foram retirados das instalações da autora, sem a sua autorização, pelo menos: i. 2 025 kg de cobre novo, a um preço de mercado, à data, de €4,90 kg; ii. 2 800kg de cobre velho, a um preço de mercado, à data, de 4,70 kg; iii. um veículo pesado, marca Mitsubishi, modelo Canter, matrícula …-IT-…, registado em nome da autora; 10. O veículo IT foi abandonado em Azambuja, tendo sido entregue à autora no dia 04 de Janeiro de 2014; 11. Na recuperação e transporte do veículo identificado em 10., a autora despendeu, pelo menos, €146,88, correspondente aos quilómetros realizados; 13. A aquisição do equipamento multilift teve um custo de, pelo menos, € 5 875,00; 20. A ré tem vindo a adotar (e chegou a adotar com a autora que não entre os dias 29 e 30 de Outubro de 2013) o seguinte procedimento quando se verificam cortes de corrente: enviam e-mail para o cliente, mesmo que o corte permaneça apenas por alguns segundos; entram em contacto telefónico com o cliente, quando a energia não tiver sido reposta após cinco a seis horas». Quanto ao ponto 9 i. e ii, defende a recorrente que os elementos nos quais a Mm.ª Juíza fundamentou a sua decisão – documentos “preparados” pela recorrida e declarações de parte do seu legal representante – não são suficientes para a prova da quantidade de cobre que foi furtada e do respetivo valor, pelo que caberia à recorrida ter junto, nomeadamente, “cópia de orçamentos, notas de encomenda, ordens de compra , farturas, recibos, entre outros documentos dos quais efetivamente resultasse ter adquirido os bens em causa e pagou o preço correspondente. Ora, ouvidas as declarações de parte do legal representante da autora, Paulo … e analisada a prova documental pertinente para o caso, não podíamos estar mais de acordo com o que a que este propósito escreveu a Mm.ª Juíza na fundamentação da decisão de facto, que por isso aqui transcrevemos: «Os objectos retirados das instalações da autora, vertidos no facto 9. arrimaram-se nas declarações de parte, totalmente coincidentes com o conteúdo da certidão junta a fls. 30. Não se olvida que a informação contida nesta certidão resultou das palavras proferidas pelo legal representante da autora, no dia 30.10.2016. Porém, a proximidade da data da prestação das declarações junto da GNR com os acontecimentos em questão (no próprio dia) conferem veracidade às mesmas. Acresce que o documento junto a fls. 35 também vem sustentar as declarações em causa. Refira-se que o documento está datado de 15.05.2014, por se tratar do dia em que foi retirado da contabilidade (data da listagem, como se pode ler). No entanto, o mesmo foi elaborado em 29.10.2013, como é visível no canto superior esquerdo do mesmo. É visível a discrepância do valor aposto nesse inventário e aquele que foi aventado pelo legal representante da autora, por referência ao cobre velho, mas essa diferença não pode, por si só, afastar a credibilidade da prova mencionada uma vez que nada indica que todo o cobre velho existente nas instalações da ré tenha sido retirado por quem ali entrou, sem autorização da autora. Dúvidas inexistem de que, desde o início – leia-se, desde 30.10.2013 –, que a autora atesta que lhe foi retirado cerca de 2000kg de cobre novo e cerca de 2 800,00kg de cobre velho. Tal coerência, coadjuvada com o inventário – elemento contabilístico datado de 29.10.2013 -, faz crer que os factos ocorreram tal como descritos no ponto 9.. Os valores do cobre considerados provados encoraram-se na tabela de preços junta a fls. 34, a qual se mostrou suficiente para atestar a veracidade do alegado, não tendo sido debilitada por qualquer outro elemento probatório. Aliás, foi confirmada pelo legal representante da autora.» Porque esta apreciação crítica e conjugada da prova não ofende qualquer regra da experiência e atento o princípio da livre apreciação da prova, mantém-se intocada a matéria do ponto 9 i. e ii. dos factos provados. O mesmo se diga relativamente ao ponto 9 iii. dos mesmos factos, relativamente ao veículo automóvel, pois além de tudo o que foi dito na sentença a respeito do cobre e que aqui acolhemos, acresce a circunstância também referida pela Mm.ª Juíza, de tal veículo ter sido recuperada na Azambuja em 3 de Janeiro de 2014, como consta da informação da GNR (Posto Territorial de Azambuja) de fls. 169, aditamento de fls. 170 e 171 e termo de entrega de fls. 172. E não basta transcrever um ou outro excerto do que disse o legal representante da autora, fora de contexto e em termos meramente hipotéticos, para se concluir que a autora desconhecia o local onde se encontrava a viatura furtada, quando é certo que o mesmo referiu haver rodados do veículo dentro do armazém da autora e que era habitual as carrinhas ficarem estacionadas no interior do armazém, o que é perfeitamente compreensível, pois encontrando-se as instalações da autora protegidas com um sistema de alarme, é inquestionável que as viaturas ficavam aí mais protegidas. Seja como for, apreciando globalmente as declarações de parte do legal representante da autora, ficámos convencidos, à semelhança da Mm.ª Juíza a quo, que na altura em que se verificou a intrusão de desconhecidos nas instalações da autora, através do arrombamento de uma janela, a viatura em causa estava dentro daquelas instalações. Assim, mantém-se inalterado o ponto 9 iii dos factos provados. Vejamos agora os pontos 10 e 11 dos factos provados, referentes aos custos de reparação da viatura em causa. A Mm.ª Juíza fundamentou a prova daqueles factos nos seguintes termos: «O facto 10. dedicado ao abandono da viatura e recuperação da mesma, por banda da autora, firmou-se mormente na informação de fls. 169, no aditamento de fls. 170 e 171 e no termo de entrega de fls. 172, a que acresce o depoimento, ainda que sumário, de Tiago … e as declarações de parte do legal representante da autora. Atenta a unanimidade probatória, não permaneceram incertezas sobre a veracidade do facto; O teor do facto 11 é o resultado de uma operação aritmética, nos seguintes termos: - distância entre Arraiolos e Azambuja – 136 kms (via Michelin); - custo por km: 0,36 (DL n.º 137/2010, de 28.12); - 2 viagens (ida e volta) em veículo particular que transportou o legal representante da autora e um funcionário (136 x 2); - viagem de regresso da própria viatura abandonada (136kms); Em suma, 136 x 3 x 0,36 = €146,88. Refira-se que a deslocação do legal representante está confirmada pelo aditamento de fls. 170 e 171 e pelo termo de entrega de fls. 172, que corroboraram as próprias declarações de parte prestadas por Paulo …. Acresce que as regras da experiência comum também conferem verosimilhança às declarações de parte, no sentido em que se o legal representante da autora se deslocou em viatura própria para ir buscar uma outra viatura, teria de o fazer acompanhado de uma outra pessoa que, de regresso, conduzisse a viatura abandonada. Atento o conjunto probatório ora aflorado e a ausência de prova em sentido inverso, o Tribunal considerou assente o facto tal como descrito. Nenhuma outra despesa relativa à recuperação do veículo foi mencionada ou abordada em julgamento.» Afigura-se totalmente correto este entendimento. Com efeito, quanto ao ponto 10 dos factos provados – relativamente ao qual a recorrente não esgrime um único argumento contrário ao que no mesmo foi considerado provado -, a respetiva facticidade tem o devido respaldo na já referida informação da GNR de fls. 169 e aditamento de fls. 170 e 171, bem como no termo de entrega de fls. 172 da mesma entidade policial, o que foi também confirmado pelo depoimento da testemunha Tiago …, militar da GNR que elaborou o referido termo de entrega, e pelas declarações de parte do legal representante da autora. No que concerne ao ponto 11, onde se deu como provado que na recuperação e transporte do veículo em causa a autora despendeu, pelo menos a quantia de € 146,88, correspondente aos quilómetros realizados, afigura-se razoável o montante encontrado. Como resulta do respetivo preâmbulo, o Decreto-Lei nº 137/2010, de 28.12 visou “a redução dos valores das ajudas de custo e do subsídio de transporte para todos os trabalhadores que exercem funções públicas”. O art. 4º, nº 4, daquele diploma legal, reduziu em 10% os valores estabelecidos no Decreto-Lei nº 106/98, de 24 de Abril e fixados no artigo 4º da Portaria nº 1533-D/2008, de 31.12. É certo que nenhum daqueles diplomas é aplicável diretamente ao presente caso, porquanto o art. 1º do DL 106/98, limita o seu âmbito pessoal de aplicação aos “trabalhadores que exercem funções públicas, (…) quando deslocados do seu domicílio por motivo de serviço público, têm direito ao abono de ajudas de custo e transporte, conforme as tabelas em vigor e de acordo com o disposto no presente diploma” e ainda aos “membros do Governo e dos respectivos gabinetes”. No entanto, porque é um facto incontroverso que o legal representante da autora teve de se deslocar em veículo particular com um funcionário da autora de Arraiolos à Azambuja para recuperar a viatura furtada, o que está comprovado pelo aditamento de fls. 170 e 171 e pelo termo de entrega de fls. 172 e resulta também das próprias declarações de parte prestadas por Paulo …, e porque a própria viatura recuperada teve de fazer a viagem de regresso de Azambuja a Arraiolos, o que significa um total de 408 km percorridos, não custa aceitar, em termos de equidade, o valor encontrado pela Mm.ª Juíza a quo, tomando como referência o citado diploma legal. Mantêm-se deste modo inalterados os pontos 10 e 11 dos factos provados. Insurge-se também a recorrente contra o facto de ter sido dada como provada a factualidade constante do ponto 13 dos factos provados: “[a] aquisição do equipamento multilift teve um custo de, pelo menos, €5 875,00». Diz a recorrente que o legal representante da autora não conseguiu precisar a data em que o equipamento foi montado, nem apontou uma referência temporal que permita extrair uma conclusão a tal propósito, e que também a prova testemunhal não foi esclarecedora a respeito da data em que a recorrida alegou que a instalação do sistema multilift ocorreu, ou seja, em 03.12.2013, e que a guia de transporte de fls. 53 apenas atesta a receção de um equipamento pela Euro …, Lda., nada acrescentando sobre a data em que o mesmo foi instalado na viatura da ré ora recorrida. Ora, como é bom de ver, da argumentação da recorrida o que está em causa não é valor do preço do equipamento em causa a que se alude no ponto 13 dos factos provados, mas sim a factualidade dada como provada no ponto 12 daqueles factos: «[a] autora adquiriu um equipamento multilift semelhante ao colocado na viatura IT, que instalou noutro veículo a si pertencente, em 03.12.2013, para poder cumprir os acordos em vigor, por si celebrados». Admitindo tratar-se de mero lapso da recorrente na indicação do facto impugnado, não deixaremos de apreciar os argumentos aduzidos pela recorrente que, adiantamos desde já, não procedem, atenta a prova documental produzida devidamente explicada pelo legal representante da autora. É certo que a data da fatura de fls. 52 não corresponde à data da aquisição, o que se ficou a dever certamente a questões contabilísticas, pois no seu conteúdo esclarece-se que o equipamento foi entregue ao destinatário no dia 03.12.2013, como bem se observou na fundamentação da sentença a propósito deste facto. Este entendimento é, aliás, corroborado pela declaração de conformidade e de garantia de fls. 50 e 51, datados de 21.11.2013 e pela guia de transporte de fls. 53, datada de 26.11.2013. No que respeita ao preço do equipamento, não se pode escamotear que na fatura de fls. 52 foi aposto o montante de € 7. 226,25, mas os comprovativos de pagamento apenas atestam o pagamento de € 5 875,00 (valor singelo sem IVA) – cfr. fls. 46, 47, 48 e 49, pelo que só este valor podia ser considerado, como efetivamente foi. A urgência na aquisição do aludido equipamento, tal como salientado pelo legal representante da autora, explica-se pelo facto de possuindo a autora uma viatura com um determinado equipamento (específico para o transporte de material atinente à atividade comercial por si desenvolvida), a ausência desse mesmo equipamento implicaria, inevitavelmente, transtornos no desenrolar dessa mesma atividade comercial. Mantêm-se por isso inalterados os pontos 12 e 13 dos factos provados. Sustenta igualmente a recorrente que deve ser dada como não provada a matéria do ponto 20 dos factos provados: “[a] ré tem vindo a adotar (e chegou a adotar com a autora que não entre os dias 29 e 30 de Outubro de 2013) o seguinte procedimento quando se verificam cortes de corrente: enviam e-mail para o cliente, mesmo que o corte permaneça apenas por alguns segundos; entram em contacto telefónico com o cliente, quando a energia não tiver sido reposta após cinco a seis horas”. Começa a recorrente por imputar um lapso à redação do facto em causa quando aí se faz menção à ré e não à autora, acrescentando que aquele serviço não estava incluído no contrato celebrado entre as partes, resultando da leitura do Plano de Ação junto com a contestação, que a recorrida não optou pela hipótese de “Alerta de corte eléctrico superior a 15 min por email, sms (mais de 6 horas) e chamadas (mais de 12 horas)”. Afigura-se que a recorrente labora em manifesto erro quanto a esta matéria. Em primeiro lugar, contrariamente ao que diz a recorrente, é correta a menção à ré e não à autora, pois tal corresponde à alegação expressa da ré no artigo 29º da contestação. Em segundo lugar, do facto em causa, alegado pela ré no mencionado artigo 29º da contestação, apenas se retira o que dele consta e nada mais, tendo esse facto sido confessado e explicado pelo legal representante da autora. Se o procedimento em causa resulta ou não do aludido “Plano de Ação” é algo que se verá adiante aquando da discussão do aspeto jurídico da causa. Mantém-se assim intocado o ponto 20 dos factos provados. Diz por último a recorrente que “[e]mbora o Tribunal a quo não faça qualquer menção, nos factos provados, ao período que mediou entre a receção do sinal e a destruição da central, depreende-se pela análise da sentença que considerou ter sido demonstrado que esse período foi superior a cinco segundos e que baseou a sua decisão nesse facto”. Refere depois a recorrente os depoimentos prestados pelas testemunhas Branco …, Carla …, Luís … e as declarações de parte do legal representante da ré, das quais resulta que a janela não estava protegida por nenhum sensor, concluindo a recorrente que tal “significa que a entrada dos intrusos no imóvel objeto do presente litígio – que, segundo a Recorrida, ocorreu através daquela janela - não poderia ter sido detetada e, consequentemente, comunicada à central receptora de alarmes da Recorrente”, e que “[e]m contrapartida, estando um dos sensores junto à central, facilmente se compreende o motivo pelo qual entre a detecção dos intrusos e a destruição da central tenha decorrido um período inferior a cinco segundos, que impediu a transmissão para a central receptora de alarmes da Recorrente”. Diz ainda recorrente que resulta do depoimento da testemunha Sérgio …, que, aquando da sua instalação, o sistema de alarme foi testado e estava a funcionar dentro da normalidade. Sobre esta matéria pronunciámo-nos supra quando abordámos o tema das presunções naturais, remetendo a sua apreciação para a discussão do aspeto jurídico da causa, porque na verdade não estamos perante uma verdadeira impugnação de qualquer facto, mas sim face a uma discordância da ré sobre a apreciação dos factos feita na sentença. Resulta, pois, do exposto, que não se vislumbra uma desconsideração da prova produzida, mas sim uma correta apreciação da mesma, não se patenteando a inobservância de regras de experiência ou lógica, que imponham entendimento diverso do acolhido. Ou seja, no processo da formação livre da prudente convicção do Tribunal a quo não se evidencia nenhum erro que justifique a alteração da decisão sobre a matéria de facto, designadamente ao abrigo do disposto no art. 662º do CPC. Assim, teremos de concluir que, perante a prova produzida, bem andou a Mm.ª Juíza a quo na decisão sobre a matéria de facto, a qual, por isso, permanece intacta. Da responsabilidade da ré/recorrente na produção do evento em discussão Nos autos, a autora imputa à ré a responsabilidade pelos danos que para aquela ocorreram em consequência de intrusão por desconhecidos nas suas instalações a um comportamento omissivo da ré na prestação do serviço de alarme e videovigilância que ali se encontravam instalados. Como se sabe, a responsabilidade civil por ato ilícito (artigo 483ºdo CC) seja contratual, seja extracontratual depende da verificação do facto, da ilicitude do facto, do nexo de imputação do facto ao agente que coenvolve a imputabilidade e a culpa, do dano e do nexo causal entre o facto e o dano. E se é verdade que os factos integradores dos primeiros requisitos indicados devem ser alegados e provados pelo lesado seja na responsabilidade contratual seja na extracontratual (art. 342º, nº 1, do CC), já no que diz respeito ao último, a culpa, na responsabilidade contratual (mas não na extracontratual) compete ao devedor alegar e provar que o incumprimento ou o cumprimento defeituoso não procede de culpa sua (art. 799º, nº 1, do CC)[19]. Depois de se qualificar o acordo celebrado entre a autora e a ré como um contrato atípico de prestação de serviço formado a partir de cláusulas contratuais gerais e, nessa medida, considerar aplicáveis as especialidades do DL 446/85, de 25.10, escreveu-se na sentença recorrida: «Através do contrato celebrado – como se refere nos factos 4. e 5. – a ré obrigou-se a prestar a actividade de vigilância do imóvel que corresponde às instalações da autora, para o que ligou à sua central receptora de alarmes os equipamentos/sensores e demais sistema de segurança que instalou nesse mesmo imóvel da autora, ligação que lhe permitia receber os sinais de alarme provenientes do prédio do cliente, verificar os meios técnicos adequados à reposição da normalidade da situação e, caso necessário, transmitir os avisos de alarme detectados às forças de segurança (avisar a GNR), bem como contactar com a pessoa responsável da autora. A prestação devida traduzia-se em montar um equipamento que detectasse as intrusões não autorizadas, em os alarmes/sensores montados nas instalações da autora emitirem sinais perante uma intrusão não autorizada, tendo em vista desencadear o “plano de acção” previsto (forças de segurança e responsável da autora). Assim sendo, entre as 18horas e 30 minutos do dia 29 de Outubro de 2013 e as 08horas e 30 minutos do dia 30 de Outubro de 2013, não foi a prestação devida cumprida, uma vez que ocorreu uma intrusão sem que o sistema de alarme e o referido “plano de acção” tivesse funcionado – factos 6. a 8. e 14.. E o que se acaba de referir é, a nosso ver, suficiente para atestar o incumprimento contratual da ré.» A recorrente refuta este entendimento, defendendo que in casu não se verificam os mencionados requisitos da responsabilidade civil, mas não lhe assiste razão, como demonstram as seguintes palavras da sentença recorrida: «Em termos objectivos, a prestação contratual da ré não ficava completa e perfeita com a mera montagem do equipamento de segurança. Na realidade, a ré não se vinculou a uma obrigação de resultado (com o sentido do serviço prestado ser invencível a assaltos); porém, o serviço prestado, enquanto instrumento valioso de prevenção e dissuasão, pressupõe e exige, naturalmente, que o equipamento de segurança montado funcione, que emita o respectivo alarme, enfim, que cumpra a sua função (que se comporte mesmo como um equipamento de segurança que é e não como um mero “adereço”). Nesta senda, tendo havido uma intrusão não autorizada e não tendo então funcionado o equipamento de segurança, como estava previsto e contratado, verificou-se um incumprimento contratual que, no contexto dos factos, não pode deixar de ser imputado à ré, preenchendo a ilicitude do facto.» Com efeito, está dado como provado que na sequência da celebração entre a autora e a ré, em 04.09.2013, do acordo denominado “Contrato de Instalação/Serviços [Empresa] (Manutenção Ligação à Central de Alarmes e Serviço de Piquete Opcional), a autora autorizou e aceitou o plano de ação e o projeto de instalação juntos a fls. 26 a 29, tendo sido instalados na sede e instalações industriais da autora em Arraiolos, três detetores que estão dirigidos a três zonas diferentes de proteção. Ora, como se extrai dos aludidos plano de ação e projeto de instalação, como bem se entendeu na sentença recorrida, «foram os técnicos ao serviço da ré que procederam à instalação dos sensores de alarme nos locais que julgaram adequados e de modo a cobrir todo o estabelecimento». Não faria, aliás, qualquer sentido que tendo a autora contratado com a ré o serviço em causa, fosse a autora a proceder à instalação dos sensores de alarme nos locais julgados adequados e de modo a cobrir todo o estabelecimento. E concluiu-se igualmente na sentença recorrida, que “[t]endo os intrusos penetrado nas instalações da autora pela janela da divisão que corresponde ao escritório, caberia à ré ter colocado um sensor de alarme nessa mesma janela», o que se afigura totalmente correto, pois tratando-se de um possível ponto de entrada, deveria ter sido acautelada essa situação, sendo certo que, como também se observa na sentença, “a existir esse sensor, não se provou a concreta razão do não funcionamento do sistema de segurança”. Do contrato firmado entre as partes, resultava para a ré a obrigação de “reparar as avarias no sistema de segurança instalado e manter o correcto estado de funcionamento do mesmo durante o período de vigência do contrato”. Provou-se, por sua vez, a existência de um corte de energia (cfr. pontos 15 e 18 dos factos provados), sendo que do clausulado do documento de fls. 119 junto pela ré com a contestação, consta que “No caso de eventuais cortes de fornecimento eléctrico, o utilizador deverá indicar à CC se pretende ser avisado deste tipo de ocorrências. Esse facto deve ficar expresso na secção de Actuações Especiais do Plano de Acção (…)”. Porém, como bem se observou na sentença recorrida, «[c]oligido o contrato junto aos autos, não é visível o apelidado “Actuações Especiais do Plano de Acção”. O que é perceptível no “Plano de Ação” é um conjunto de quadrículas agrupadas sob o título “Serviços de Alerta e Controlo”, que não estão assinaladas (cfr. fls. 29). Todavia, também é visível no respectivo contrato, no ponto “Renúncia Expressa a Serviços Incluídos”, um quadrado não assinalado e sem que tenha aposta à sua frente a assinatura do legal representante da autora, com os seguintes dizeres: “Alerta de corte eléctrico de mais de 15 minutos por e-mail, SMS e chamada” (cfr. fls. 22). E mais, resultou assente que a ré já adoptou esse comportamento com a autora, tendo como base o contrato aqui discutido nos autos. Conjugando esta realidade, pode inferir-se que os serviços de alerta de corte eléctrico de mais de 15 minutos, por e-mail, SMS e chamada se encontravam (e encontram) incluídos no contratado, até porque não foi renunciado pela autora, aquando da celebração do acordo. Só assim se compreende que a ré já o tenha feito junto da autora e que exista no rosto do contrato em discussão uma parte dedicada a renúncias expressas, que não sendo sinalizada pelos clientes, faz presumir que tais serviços se encontram incluídos no negócio celebrado (será essa a leitura exigida a um homem médio que analise o contrato). Destarte, o corte de energia não pode ser fundamento para justificar o não funcionamento do sistema. Aliás, esse mesmo corte de energia ainda confirma o incumprimento por banda da ré que, verificado o mesmo, não dirigiu à autora o e-mail, SMS e chamada. E não se diga que esse mesmo corte de energia bloqueou o funcionamento do sistema, até porque o alarme instalado continuou a registar informação (vide factos 15. a 18.). O que é incompreensível é a ausência de comunicação entre a central e a ré, entre as 18horas e 29 minutos do dia 29 de Outubro de 2013 e as 02horas, 02 minutos e 26 segundos do dia 30 de Outubro de 2016, com a consequente falta de envio de e-mail, SMS ou contacto telefónico da ré com a autora, informando-a do corte eléctrico superior a 15 minutos.» Também no que respeita ao período temporal que mediou entre a intrusão nas instalações da autora e a destruição da Central, que poderia funcionar como causa de exclusão da culpa da ré, a factualidade provada não permite concluir nesse sentido. Escreveu-se na sentença recorrida: «A central não estava junto à janela por onde se verificou a intrusão. E ainda recepcionou sinal de intrusão na Zona 3, pelas 02 horas, 1 minuto e 44 segundos. Foi explicado em Tribunal, pela testemunha Luís …, funcionário da ré responsável pelo departamento técnico, que entre a intrusão e a destruição de uma Central mediar 5 segundos (ou menos tempo ainda), não é possível, tecnicamente, à central enviar a informação para as instalações da ré, de forma a fazer accionar as forças de segurança e o cliente. Esse pequeno período de tempo (até 5 segundos) inviabiliza a comunicação da Central com a Sede, sem que esteja prevista solução para essa situação. Todavia, no caso em apreço, o tempo que mediou entre o sinal de intrusão (02h01m44s) e a destruição da Central (02h02m26s) é em muito superior aos 5 segundos destacados pela testemunha (trata-se de uma diferença de 42 segundos). (…). Ora, posto isto e à luz da boa-fé que preside a toda a execução contratual (artigo 762.º, n.º2, do C.C.), entende-se não imputar à ré todos e quaisquer maus e deficientes funcionamentos, ainda que decorram e sejam provocados pela intervenção de outrem; porém, para não lhe serem imputáveis, é preciso que se prove qual foi a concreta intervenção alheia à ré (e, já agora, que se tratasse duma intervenção recente) que provocou o mau funcionamento do sistema. No caso em estudo, pelos motivos já aflorados, o que se provou não justifica o barramento do funcionamento do sistema de segurança, tal como concebido e instalado pela ré. E este contexto circunstancial, em que se destaca a ausência de comunicação junto da autora perante um corte eléctrico superior a 15 minutos e, essencialmente, a destruição da central de alarme 44 segundos após o registo da intrusão, incutem nitidamente a ideia do não funcionamento do sistema/equipamento de alarme. Destarte, não logrou a ré ilidir a presunção de culpa (nos termos do artigo 799.º, n.º1, do C.C.) no incumprimento contratual ocorrido, mesmo que sob a forma de negligência.» E porque assim é, só resta concluir pela verificação do facto e da ilicitude, esta última traduzida na violação da obrigação de realização da prestação a que o devedor (ré) estava obrigado. Quanto aos danos, atenta a improcedência da impugnação da matéria de facto deduzida pela ré, nada mais resta do que confirmar o que a esse propósito foi apurado na sentença e concluir pela verificação do nexo de causalidade adequada entre o não cumprimento da obrigação pela recorrente e os danos verificados. A este propósito fazemos uma vez mais nossas as palavras da sentença recorrida: «O não funcionamento do sistema de segurança, só por si, não chega para fazer operar o resultado; contudo, cooperou no dano efectivamente verificado. O princípio da responsabilidade por todas as consequências adequadas do facto, mesmo as indirectas, exige que a responsabilidade daquele que responde pelo não funcionamento do sistema de segurança subsista sempre que a persistência criminosa dos intrusos, que provocou o dano, deva ser considerado uma consequência adequada do 1.º facto. Ou seja, o 2.º facto não provoca a interrupção do nexo causal do 1.º facto; o 2.º facto é independente do 1.º, mas existe entre ambos uma relação de adequação, representado o 2.º facto uma fase ou termo do processo causal, razão pela qual o 1.º facto deve considera-se a causa mediata do dano e o seu autor é responsável pelo dano indirecto que causou. Existe uma relação de adequação entre o 1.º facto e o 2.º facto na medida em que é o estado de fragilidade, em termos de segurança, das instalações da autora, causado pelo 1.º facto, que favorece a eficácia causal do 2.º facto para o dano; é neste contexto e sentido que se diz que o 1.º facto cooperou efectivamente com o 2.º para o dano concretamente verificado (neste sentido, vide ac, RC de 13.05.2014, disponível in “www.dgsi.pt”). Posto isto conclui-se pela existência de uma concorrência efectiva de causas. A responsabilidade estende-se a todas as consequências adequadas do facto, mesmo as indirectas; exige que a obrigação de indemnizar do autor do 1.º facto subsista, em princípio, mesmo nestes casos. Nas palavras de Antunes Varela (in “Obrigações”, vol. I, 9.ª edição pág.954) “Em face do lesado, quer haja subsequência (adequada) de causas, quer haja causas cumulativas ou mera coincidência de causas de natureza distinta, qualquer dos responsáveis é obrigado a reparar todo o dano.” In casu, o dano verificou-se em consequência da eficácia causal dos dois factos e comportamentos, que convergiram para um mesmo resultado. Deste modo, considera-se preenchido o nexo causal. Em suma, preenchidos estão, pois, os requisitos para a obrigação de indemnização por parte da autora.» Na verdade, um dano não é, apenas, a consequência da sua causa imediata, sendo, em regra, produto de um encadeamento ou sequência de causas[20]. É certo que nem todas as causas fácticas ou naturalísticas poderão ser juridicamente havidas como causa do dano ocorrido; para tanto, hão-de integrar o critério da causalidade adequada, constante do já citado artigo 563º do Código Civil, o que ocorreu in casu, como bem se deixou demonstrado na sentença recorrida. Improcede também nesta parte o recurso. Da existência de uma cláusula de limitação da responsabilidade Defende a recorrente que tendo a intrusão nas instalações da autora ocorrido um mês e vinte e seis dias após o início de vigência do contrato, há que concluir que até então a autora havia pago € 39,58, o que atento o disposto no parágrafo 5º da cláusula 5ª das condições gerais de serviço, determina que a responsabilidade máxima da ré ora recorrente é de € 395,80. Trata-se de uma questão só agora suscitada pela ré no recurso. Ora, como é sabido, não é lícito às partes invocar nas alegações de recurso questões que não tenham sido objeto da decisão impugnada, nem tão-pouco é possível apreciar questões que não foram suscitadas no tribunal de 1ª instância, exceto as de conhecimento oficioso, o que não é o caso. Destarte, não se conhece da questão colocada. Da incorreta repartição das custas Diz a recorrente que tendo a autora peticionado a condenação da ré no pagamento de uma indemnização de € 37.935,54 e tendo a sentença condenado a ré no pagamento da quantia de € 29.104,38, impõe-se concluir que foi vencedora em 23,28% e vencida em 76,72%, pelo que tendo a sentença repartido as custas em 22% a cargo da autora e 78% a cargo da ré, impõe-se a sua reforma quanto a custas, o que peticiona. No despacho que antecedeu a admissão do recurso, foi indeferida a reforma da sentença quanto a custas com o fundamento de que se considerou que «a decisão recaiu sobre o pedido de juros e sobre o pedido de aplicação da sanção pecuniária compulsória, o que determinou as percentagens nos termos constantes da decisão posta em crise». Ora, tendo em conta o montante peticionado pela autora e a quantia em que foi condenada a ré – e é a isto que temos de nos ater -, tem de se reconhecer que as percentagens indicadas pela recorrente são as corretas, pelo que feitos os devidos arredondamentos, a autora deve ser condenada no pagamento de 23% das custas devidas, sendo os restantes 77% a cargo da autora. Sumário: I - O regime atualmente previsto no artigo 155º do Código de Processo Civil, fixa em 10 dias o prazo para as partes arguirem o vício de falta ou deficiência da gravação, o qual se conta a partir da disponibilização às partes da gravação, no prazo de dois dias a contar do respetivo ato. II - Decorrido esse prazo sem que seja arguido o vício em causa, fica o mesmo sanado, não podendo oficiosamente ser conhecido pela Relação. III - Factos essenciais são os previstos nas fatispécies das normas das quais pode emergir o efeito prático-jurídico pretendido pelo autor ou pelo reconvinte (ou nos quais pode fundar-se a exceção deduzidas pelo réu), sendo imprescindíveis para a procedência da ação ou da reconvenção (ou da exceção). IV - As presunções judiciais, também designadas materiais, de facto ou de experiência, não são, em bom rigor, genuínos meios de prova, mas antes «meios lógicos ou mentais ou operações firmadas nas regras da experiência», ou «operação de elaboração das provas alcançadas por outros meios», reconduzindo-se, assim, a simples «prova da primeira aparência», baseada em juízos de probabilidade. V – A responsabilidade civil por ato ilícito (artigo 483ºdo CC) seja contratual, seja extracontratual depende da verificação do facto, da ilicitude do facto, do nexo de imputação do facto ao agente que coenvolve a imputabilidade e a culpa, do dano e do nexo causal entre o facto e o dano. VI - E se é verdade que os factos integradores dos primeiros requisitos indicados devem ser alegados e provados pelo lesado seja na responsabilidade contratual seja na extracontratual (art. 342º, nº 1, do CC), já no que diz respeito à culpa, na responsabilidade contratual (mas não na extracontratual) compete ao devedor alegar e provar que o incumprimento ou o cumprimento defeituoso não procede de culpa sua (art. 799º, nº 1, do CC). VII - Um dano não é, apenas, a consequência da sua causa imediata, sendo, em regra, produto de um encadeamento ou sequência de causas. VIII - Nem todas as causas fácticas ou naturalísticas poderão ser juridicamente havidas como causa do dano ocorrido; para tanto, hão-de integrar o critério da causalidade adequada, constante do artigo 563º do Código Civil. IV – DECISÃO Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em: a) julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida; b) reformar a sentença quanto a custas, determinando que estas serão suportadas por autora e ré na proporção de 23% e 77%, respetivamente; c) condenar a ré/recorrente nas custas da apelação. * Évora, 8 de Junho de 2017 Manuel Bargado Albertina Pedroso Tomé Ramião __________________________________________________ [1] Proc. 4323/05.4TBVIS.C1.S1, disponível, como os demais citados sem outra indicação, in www.dgsi.pt. [2] Proc. 1277/12.4TBFLG.P. [3] Cfr., entre outros, os acórdãos do STJ de 22/2/2001, 24/5/2001, 6/7/2006, 18/11/2008, 12/2/2009 e de 14/5/2009, proferidos nos processos n.ºs 3678/00-7.ª, 1362/01-7.ª, 1899/06-7.ª, 3328/08-6.ª, 47/09-6.ª e 40/09.4YFLSB-6.ª). [4] Cfr., inter alia, os acórdãos do STJ de 8/7/2003, na revista n.º 2212/03 e de 16/9/2008, na revista n.º 2261/08, ambas da 7.ª Secção. [5] Acórdãos do STJ de 9/7/2002, na CJ - Acs. STJ - Ano X, tomo II, págs. 153 a 155, de 15/5/2008, de 1/7/2008, de 23/10/2008 e de 13/1/2009, estes proferidos nos processos 08B1099, 08A1806, 08B2698 e 08A3741, para além do já citado acórdão de 14/1/2010, no processo n.º 4323/05.4TBVIS.C1.S1, e da Relação do Porto de 27/03/2006, de 27/11/2008 e de 16/12/2009, proferidos nos processos n.ºs 0651069, 0836973 e 217/05.1TJVNF.P1). [6] Proc. nº 927/12.7TVPRT.P1. [7] Recursos no Novo Código de Processo Civil, p. 130. [8] Assim, o acórdão desta Relação de 17/11/2016, proc. nº 861/11.8TBLLE.E1, relatado pelo ora Relator e sendo 1ª Adjunta a ora 1ª (não publicado). [9] O dia 9 correspondeu a uma 5ª feira, o dia 10 (6ª feira) é feriado nacional e os dias 11 e 12 de Junho coincidiram com um sábado e um domingo. [10] Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, 2014, 2ª edição, Almedina, p. 40. [11] Cfr. o acórdão do STJ de 01.10.2015, proc. 903/11.7TBFND.C1.S1. [12] Ac. do TC de 19.11.1996, proc. 1165/96, BMJ nº 491, pág. 93. [13] Castanheira Neves, Sumários de Processo Criminal, 1967/68, pág. 48, citado no Ac. do STJ de 06.07.2011, proc. 3612/07.6TBLRA.C2.S1. [14] Vaz Serra, Provas, Direito Probatório Material, in BMJ nº 110, pág. 87, citando Nikisch. [15] Ac. do STJ de 09.02.2005, proc. 04P4721, in www.dgsi.pt. No mesmo sentido, Ac. do STJ de 06.07.2011, citado na nota 4 [16] Cfr. Ac. do STJ de 07.01.2004, proc. 03P3213, in www.dgsi.pt. [17] Vaz Serra, in RLJ, ano 108, p. 352 [18] Antunes Varela, RLJ, ano 123, p. 58, nota 2. [19] Cfr., inter alia, os Acs. do STJ de 18.09.2007, proc. 07A2334, de 27.11.2007, proc. 07A3426 e de 30.06.2011, proc. 3252/05TVLSB.L1.S1, acessíveis in www.dgsi.pt. [20] Cfr. Ac. do STJ de 27.04.2017, proc. 1523/13.7T2AVR.P1.S1. |