Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | ALBERTO BORGES | ||
Descritores: | APRECIAÇÃO DA PROVA EXAME DE PESQUISA DE ÁLCOOL NO SANGUE RECUSA CRIME DE DESOBEDIÊNCIA | ||
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Data do Acordão: | 09/12/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Decisão: | PROVIDO | ||
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Sumário: | I – Na apreciação da prova impõe-se ao tribunal que faça uma análise lógica e coerente, conforme com as regras da experiência e os critérios da normalidade; II – A não expiração voluntária de ar suficiente para a verificação da existência de álcool no sangue não pode deixar de ser equiparada a recusa, para efeitos do art.º 152 n.º 3 do CE, preenchendo essa conduta, consequentemente, os elementos objetivos do crime de desobediência previsto e punido pelo art.º 348 n.º 1 al.ª a) do CP, pois que o desvalor da ação e o resultado conseguido - e querido - pelo agente são os mesmos nas duas situações: obstar ao apuramento da taxa de álcool com que conduz. | ||
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Decisão Texto Integral: | Proc. 36/17.2PBSTB.E1 Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a 1.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: 1. No Tribunal da Comarca de Setúbal (Setúbal, Instância Local, Secção Criminal, J5) correu termos o Proc. Sumário n.º 36/17.2PBSTB, no qual foi julgado o arguido BB (…) pela prática de um crime de desobediência, previsto e punido pelos artigos 348 n.º 1 al.ª a) e 69 n.º 1 al.ª c) ambos do Código Penal, com referência ao artigo 152 do Código da Estrada, tendo - a final - sido absolvido. --- 2. Inconformado com o decidido, recorreu o Ministério Público dessa sentença, concluindo a motivação do recurso com as seguintes conclusões: 1. O presente recurso pretende sindicar a sentença absolutória proferida nos autos, em matéria de facto e de direito. 2. Quanto à primeira, considera-se que foram incorrectamente julgados os factos elencados na sentença recorrida como factos não provados, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, com exceção do correspondente ao artigo 5 da acusação, os quais deveriam ter sido julgados como provados. 3. Da prova produzida em audiência de discussão e julgamento resultou ainda provada, a nosso ver, a seguinte factualidade, relativamente à qual a sentença é omissa: 3.1. Quando submetido ao teste quantitativo de pesquisa de álcool no ar expirado, o arguido, de forma deliberada, soprou para fora da boquilha e de boca aberta, realizando tal procedimento por três vezes consecutivas, após o que foi emitido talão de sopro insuficiente; 3.2. Com essa atitude recusou submeter-se ao referido exame, impossibilitando, na prática, a sua realização, e obstando à concretização do procedimento de fiscalização. 4. Nesse sentido, indicam-se as seguintes provas que, a nosso ver, impõem decisão diversa da recorrida: 4.1. Documental: auto de notícia de fls. 2 e 3, talão de exame de fls. 7 e certificado de registo criminal de fls. 10 a 15; 4.2. Testemunhal: depoimento da testemunha CC - cfr. ata de audiência de discussão e julgamento do dia 8.11.2017, a fls. 26 a 28, e ficheiro gravado em sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática "Citius Media Studio", sessão de reprodução n.º 20160217155721_1803390_2871799, do dia 17-02-2016, em particular as seguintes passagens (indicadas com referência aos minutos da gravação): 01:54 a 02:21, 02:36 a 03:15 e 03:20 a 04:22; 4.3. Declarações de arguido - cfr. ata de audiência de discussão e julgamento do dia 08-01-2017, a fls. 26 a 28, e ficheiro gravado em sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática "Citius Media Studio", sessão de reprodução n.º 20170109163104_3457282_2871800, do dia 08-02-2016, em particular as seguintes passagens (indicadas com referência aos minutos da gravação): 03:15 a 03:53, 03:55 a 04:27, 04:50 a 05:30 e 09:18 a 09:45. 5. Ao decidir pela não prova e omitir a apreciação dos factos supra elencados, o tribunal a quo, não só ignorou parcialmente o depoimento da testemunha CC, agente autuante, e as próprias declarações do arguido, como também decidiu em sentido contrário ao que consente a experiência de vida e o entendimento do homem comum. 6. Além do mais, não pode atribuir-se o mesmo valor probatório às declarações de arguido e testemunha, considerando, em abstrato, o estatuto processual do primeiro e a qualidade funcional do segundo e, em concreto, as inconsistências evidenciadas no discurso do arguido, por contraponto com o carácter desenvolto, espontâneo e desinteressado do depoimento do agente autuante, que veio confirmar o teor do auto de notícia e do talão de exame juntos aos autos, detalhando alguns aspetos. 7. Posto isto, analisada crítica e conjugadamente a prova supra indicada, impõe-se concluir o seguinte: Quando submetido à realização do teste quantitativo de pesquisa de álcool no ar expirado, o arguido não alegou qualquer impossibilidade de proceder à sua realização, escudando-se posteriormente, já em julgamento, na circunstância de se encontrar engripado e nervoso. 8. Por outro lado, o agente autuante foi claro ao afirmar que a realização do teste se inviabilizou em virtude de o arguido ter soprado com a boca aberta e para fora da boquilha, até que, à terceira vez, culminou na impressão do talão de sopro insuficiente. 9. Nestas circunstâncias, resulta claro que o arguido agiu deliberadamente com o propósito de impedir a concretização do teste quantitativo, tanto mais que o mesmo não evidenciou qualquer dificuldade na realização do primeiro teste e, diretamente perguntado, afirmou não sofrer de qualquer dificuldade respiratória. 10. A sua atitude representa, assim, uma clara recusa em submeter-se às provas para quantificação da taxa de álcool no sangue, às quais, como cidadão e condutor habilitado, sabia estar obrigado, tal como sabia que a respectiva recusa o faria incorrer na prática de crime de desobediência, a cuja responsabilidade se tenta naturalmente furtar. 11. Não sendo despiciendo salientar que esta recusa de colaboração por parte do arguido manifestou-se desde o início do procedimento de fiscalização, momento em que, de acordo com as declarações da testemunha CC, o arguido recusou exibir os documentos que lhe foram solicitados e pediu ao agente para «ser seu amigo». 12. Ao que acresce o facto de registar duas condenações anteriores pela prática de crime de condução de veículo em estado de embriaguez, o que constitui motivação suficiente para tentar iludir a atividade de fiscalização das autoridades, cujo procedimento não podia ignorar. 13. No plano do enquadramento jurídico, dúvidas não existem de que o arguido, tendo sido abordado no exercício da condução, se encontrava obrigado a submeter-se às provas estabelecidas para a deteção do estado de influenciado pelo álcool, nos termos do artigo 152 n.º 1 al.ª a) do Código da Estrada, e que a recusa deliberada em submeter-se a um tal procedimento o fez incorrer na prática de um crime de desobediência, conforme se dispõe no n.º 3, do mesmo preceito legal. 14. A deteção e quantificação do teor do álcool no sangue é feita, por imposição legal, por meio de teste no ar expirado - cfr. artigo 1 do RFCIASP. 15.A realização de exame por via de análise ao sangue não é uma opção na disponibilidade do examinado, já que a lei apenas prevê a sua realização quando não for possível concretizar o teste no ar expirado, nomeadamente, em virtude das condições físicas em que se encontra o examinado ou constatada a incapacidade o mesmo expelir ar em quantidade suficiente - cfr. artigo 1 n.º 3 e 4 n.º 1 do RFCIASP. 16. No caso dos autos, conforme se viu, o arguido não concretizou o teste no ar expirado unicamente porque não quis e não devido a uma qualquer incapacidade. 17. Assim, ao pôr em causa a validade do procedimento de fiscalização levado a cabo pelas autoridades, por duvidar do facto de o arguido ter sido elucidado da possibilidade de realizar o exame por via de análise ao sangue, a decisão recorrida interpretou erradamente o preceituado nos artigos 1, 2 e 4 do RFCIASP, que deve ser interpretado nos termos das conclusões supra (em 14 e 15). 18. Em suma, tendo o arguido desrespeitado uma ordem legal que lhe foi regularmente comunicada pelo agente da autoridade no exercício das suas funções e por si devidamente compreendida, agindo de forma deliberada, com o claro intuito de se furtar ao procedimento de fiscalização e perfeitamente ciente das consequências penais da sua conduta, há que concluir que o mesmo incorreu na prática do crime de desobediência pelo qual vinha acusado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 348 n.º 1 al.ª a) e 69 n.º al.ª c) do Código Penal e 152 do Código da Estrada, pelo qual deverá ser condenado. 19. Quanto à pena a aplicar, em face dos diversos antecedentes criminais do arguido por crimes relacionados com o exercício da condução, as elevadas exigências de prevenção especial e geral impõem o seu sancionamento, a título principal, em pena de prisão - cfr. artigo 70 do Código Penal. 20. Pena essa que, ponderadas as circunstâncias previstas no artigo 71 do Código Penal, se deverá situar nos oito meses de prisão, tendo em conta o elevado o grau de ilicitude e o modo de execução dos factos (tentando o arguido iludir a atividade fiscalizadora dos agentes da autoridade, afrontando-os claramente, em jeito de gozo), bem como a intensidade do dolo (direto), a postura assumida pelo arguido em julgamento e os seus antecedentes criminais. 21. Existindo razões para crer, em face do enquadramento vivencial do arguido e tempo decorrido sobre a prática dos factos que ditaram a última condenação levada ao seu registo criminal, estarem reunidas as condições mínimas com vista a suspensão da execução da pena de prisão, sujeita a um apertado regime de prova, que contemple, nomeadamente, a frequência de programa específico dirigido à consciencialização e prevenção de crimes estradais, nos termos preceituados nos artigos 50 n.ºs 1 e 2 e 53 n.ºs 1 e 2, ambos do Código Penal. 22. Por fim, quanto à pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, pelas razões acima indicadas, entende-se que a mesma deverá ser fixada em medida não inferior a doze meses. --- 3. Respondeu o arguido ao recurso interposto, concluindo a sua resposta nos seguintes termos: 1 - O Ministério Público recorreu da douta sentença proferida em primeira instância por considerar que aquela retirou uma conclusão incorreta e contrária às regras da lógica e da experiência comum, fazendo, igualmente, uma errada interpretação das normas jurídicas aplicáveis. 2 - Não obstante de tal consideração, o recorrente reconhece que o tribunal ponderou toda a informação e prova disponível. 3 - A ponderação feita pelo julgador reflete apenas a prova carreada e produzida em sede de audiência de discussão e julgamento. 4 - O recorrente desrespeita os princípios da imediação e oralidade, corretamente aplicados pelo julgador em face da prova produzida. 5 - As declarações do arguido em sede de audiência de discussão e julgamento são verosímeis; tais declarações refletem a realidade dos factos, aquela em que um arguido, temeroso, nervoso, com antecedentes criminais e engripado, não conseguiu efetivar o teste quantitativo de pesquisa de álcool no ar expirado. 6 - É ao Ministério Publico que cabe a prova dos factos pelos quais acusa; tal prova deve ser produzida em audiência de discussão e julgamento. 7 - Não é o arguido que deve provar que é inocente, bastando, para se defender, que lance suficientes dúvidas sobre os factos que lhe são imputados para beneficiar de princípio estruturante do processo penal in dubio pro reo. 8 - O Ministério Público, ao reinterpretar os facos constantes da prova, não pode querer inverter o ónus da prova. 9 - A prova produzida pela testemunha CC não foi nem clara, nem certa. 10 - O auto em que constava a informação, indispensável e decisivo à correta formação da vontade do arguido, estava incorretamente preenchido, desconhecendo a testemunha CC sequer o que constava nesse auto. 11 - A prova produzida em audiência de discussão e julgamento foi correta e devidamente ponderada, conduzindo à devida decisão judicial de absolvição. 12 - O arguido não estava devidamente informado dos seus direitos ou da possibilidade de recorrer a um teste diverso daquele em que se afere a taxa de álcool através do ar expirado. 13 - Perante a insuficiente informação corporizada pelo deficiente auto de notícia não podia o arguido formar um comportamento de desobediência, pois que não tinha condições reais para conhecer a conduta que estava a omitir. 14 - O arguido apresentou em julgamento uma justificação válida pela qual não logrou levar a cabo o teste quantitativo de pesquisa de álcool no ar expirado, por pouco usual que seja tal razão, foi verosímil. 15 - Não se podem considerar provados, como deseja o recorrente, factos que não foram suficientemente sustentados pela prova recolhida e produzida. 16 - A prova produzida conduziu, inevitavelmente, e bem, à absolvição do arguido. 17 - Existiu uma correta ponderação da prova produzida, dos factos descritos pela testemunha e pelo arguido e que levaram à construção da realidade dos factos: a de que um processo de fiscalização deficiente, apressado e violador dos preceitos legais que salvaguardam os direitos dos fiscalizados, apenas pode abonar em favor do arguido. 18 - Perante toda a condução do processo de fiscalização, passando pela acusação pública e pelas declarações da testemunha CC, apenas se poderia chegar a uma absolvição. 19 - Pelo exposto, não deverá ser dado provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, mantendo-se de forma integral a decisão constante da douta sentença recorrida, por tal corresponder, in casu, a um ato conforme à justiça. --- 4. O Ministério Público junto deste tribunal emitiu parecer no sentido da procedência do recurso (fol.ªs 75). 5. Cumprido o disposto no art.º 417 n.º 2 do CPP e colhidos os vistos legais, cumpre decidir, em conferência (art.º 419 n.º 3 al.ª c) do CPP). --- 6. É seguinte a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida: 1. No dia 1 de janeiro de 2017, pelas 5h20, na rua …, em Setúbal, o arguido conduzia o veículo de marca Audi, modelo A4, de matrícula…. 2. Nessa ocasião e lugar, o arguido foi abordado pelo agente da PSP que lhe solicitou que se submetesse ao teste qualitativo de pesquisa de álcool no sangue através do aparelho Drager Alcotest, tendo o arguido apresentado uma taxa de álcool no sangue de 2,11 g/l. 3. Nessa sequência, foi o mesmo transportado para a Esquadra de Trânsito da PSP de Setúbal, a fim de ser submetido ao teste quantitativo de pesquisa de álcool no sangue através do aparelho Drager Alcotest. 4. Naquele local, o arguido realizou três testes, todos com resultado de sopro insuficiente. 5. O arguido foi anteriormente condenado: a) Pela prática, em 3.10.2002, de um crime de condução de veículos em habilitação legal, na pena de 60 dias de multa, à taxa diária de três euros (sentença de 4.10.2002, proferida no Proc. Sumário n.º 336/02.6PTSTB, que correu termos no 3.º Juízo Criminal da Comarca de Setúbal); b) Pela prática, em 23.08.2002, de um crime de condução de veículos em habilitação legal, na pena de 160 dias de multa, à taxa diária de 2,50 euros (sentença de 24.10.2003, proferida no Proc. Abreviado n.º 271/02.8PTSTB, que correu termos no 3.º Juízo Criminal da Comarca de Setúbal); c) Pela prática, em 20.12.2005, de um crime de condução perigosa de veículos, na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de 3,00 euros, e na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de três meses (sentença de 10.01.2006, proferida no Proc. Sumário n.º 940/05.0GFSTB, que correu termos no 3.º Juízo Criminal da Comarca de Setúbal); d) Pela prática, em 27.03.2010, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 110 dias de multa, à taxa diária de 7,00 euros, e na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de quatro meses (sentença de 15.04.2010, proferida no Proc. Sumário n.º 56/10.8PTSTB, que correu termos no 2.º Juízo Criminal da Comarca de Setúbal); e) Pela prática, em 08.08.2010, de um crime de tráfico de quantidades diminutas de estupefacientes, na pena de 18 meses de prisão suspensa na sua execução por igual período, mediante condição (sentença de 31.01.2012, proferida no Proc. Comum Singular n.º 23/10.1GAODM, que correu termos na Comarca do Alentejo Litoral, Juízo de Competência Genérica de Odemira); f) Pela prática, em 05.02.2012, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de seis meses de prisão, suspensa pelo período de um ano (sentença de 13.02.2012, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de seis meses, proferida no Proc. Sumário n.º 37/12.7PFSTB, que correu termos no 2.º Juízo Criminal da Comarca de Setúbal). 6. O arguido tem a profissão de soldador, encontrando-se atualmente de baixa médica, é solteiro, vive com os pais, em casa destes, e tem o 9.º ano de escolaridade. --- 7. E não se provou: - Que o arguido, nada alegando quanto à impossibilidade de realizar o exame, tivesse sido expressamente advertido das consequências penais da recusa de submissão a exame de pesquisa de álcool no sangue e que tivesse mantido a mesma postura de recusa expresso na realização do exame. - Sabendo que a ordem de submissão seria legítima e que não estava a cumprir a mesma e recusando-se de forma clara a fazê-lo, com perfeito conhecimento de que incorreria na prática de crime; - Agindo de forma consciente e voluntária, sabendo da censurabilidade e punibilidade da sua conduta e tendo a liberdade necessária para se conformar com essa atuação. 8. O tribunal formou a sua convicção, em síntese, com base na análise conjugada das declarações do arguido e do depoimento do agente autuante, das quais concluiu que existem dúvidas quanto “à prova da efectiva ausência de colaboração expressa e plena consciencialização do arguido das consequências da sua conduta e plena informação prévia disponibilizada ao mesmo”, sendo que do expediente junto, nomeadamente, auto de notícia e documento de fol.ªs 6 não se evidencia que foi dada a possibilidade ao arguido de realizar o exame por outra via, designadamente, por meio de análise sanguínea, e que o mesmo tivesse sido advertido das consequências penais da sua conduta. Por sua vez, o depoimento do agente autuante sofreu um carácter «espontâneo» e «apressado» e denotou alguma confusão relativamente à informação que foi transmitida ao arguido, criando a convicção que possam ter existido falhas no procedimento policial, não obstante a afirmação do agente de que o arguido foi verbalmente elucidado de todos os procedimentos. E concluiu-se: “Embora nos sejam levadas a crer que efetivamente existam suspeitas de que o arguido, eventualmente pelo tal receio de situações posteriores se pudesse eventualmente ter protegido, ter acautelado a sua situação, o que à partida até é legítimo, ele tem a possibilidade de o fazer. Isso não pode dispensar que efectivamente o formalismo policial não seja cumprido ou, eventualmente com as pressas de possam preterir alguns passos naquilo que é o procedimento policial que decorre da lei, independentemente, de resto, do conhecimento que é mantido aos cidadãos que são habilitados à condução dos procedimentos que são utilizados para a deteção do álcool, eventualmente, até reforçados no caso em apreço, face à circunstância de o arguido ter anteriores sancionamentos. E quanto a esses, de facto, também não sabemos em que termos é que foram feitos, se foram por exame sanguíneo, se foram por exam de sopro e, portanto, nem sequer estamos em crer que o arguido haja requerido contraprova ou haja, eventualmente, colocado na situação de decidir quanto à realização de colheita sanguínea”. --- 9. A motivação do recurso enuncia especificamente os fundamentos do mesmo e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do seu pedido (art.º 412 n.º 21 do CPP). Tais conclusões – porque delimitadores do âmbito do recurso - devem conter um resumo claro e preciso das razões ou fundamentos em que o recorrente baseia a sua pretensão, ou seja, das razões que, no seu entender, justificam decisão diversa da recorrida. Atentas as conclusões da motivação do recurso apresentado pelo Ministério Público, assim consideradas, delas se extraem as seguintes questões colocadas à apreciação deste tribunal: 1.ª - Se, em face do auto de notícia (fol.ªs 2 e 3), talão de exame de fol.ªs 7, certificado de registo criminal de fol.ªs 10 a 15, declarações do arguido e depoimento do agente autuante, “à luz das regras da lógica e da experiência comum”, devia o tribunal dar como provado: “7. Quando submetido ao teste quantitativo de pesquisa de álcool no ar expirado, o arguido, de forma deliberada, soprou para fora da boquilha e de boca aberta, realizando tal procedimento por três vezes consecutivas, após o que foi emitido talão de sopro insuficiente. 8. Com essa atitude recusou submeter-se ao referido exame, impossibilitando, na prática, a sua realização e obstando à concretização do procedimento de fiscalização, o que fez com perfeito conhecimento de que incorria na prática de crime. 9. Agiu de forma consciente e voluntária, sabendo da censurabilidade e punibilidade da sua conduta e tendo a liberdade necessária para se conformar com essa atuação”. 2.ª - Se, dando como provada aquela factualidade, deve o arguido ser condenado pela prática do crime de desobediência que lhe vinha imputado, p. e p. pelos art.ºs 348 n.º 1 al.ªa) e 69 n.º 1al.ª c), ambos do CP, com referência ao art.º152 do Código da Estrada. --- 9.1. - 1.ª questão Alega o recorrente que o tribunal devia ter dado como provada a seguinte matéria de facto dada como não provada: “7. Quando submetido ao teste quantitativo de pesquisa de álcool no ar expirado, o arguido, de forma deliberada, soprou para fora da boquilha e de boca aberta, realizando tal procedimento por três vezes consecutivas, após oque foi emitido talão de sopro insuficiente. 8. Com essa atitude recusou submeter-se ao referido exame, impossibilitando, na prática, a sua realização e obstando à concretização do procedimento de fiscalização, o que fez com perfeito conhecimento de que incorria na prática de crime. 9. Agiu de forma consciente e voluntária, sabendo da censurabilidade e punibilidade da sua conduta e tendo a liberdade necessária para se conformar com essa atuação”. E isto porque, da conjugação da prova produzida, concretamente, do auto de notícia de fol.ªs 2 e 3, talão de exame de fol.ªs 2 e declarações do arguido e assistente, “à luz das regras da lógica e da experiência comum”, resulta como provada tal factualidade. E concretiza: - o discurso do arguido “foi marcado por diversas inconsistências, revelando-se até infantil no que respeita às explicações (ou ausências delas) aventadas para a sua conduta… escudando-se numa gripe cujos sinais físicos não evidenciava no momento do julgamento e num nervosismo que deveria ter existido desde o início do procedimento, ou afirmando desconhecer a possibilidade de realização do exame sanguíneo… esclareceu ter referido estar constipado e que os agentes tinham visto a sua situação e o seu estado de nervosismo”, sendo certo que, por um lado, “tal explicação não representa uma impossibilidade de realizar o teste”, por outro lado, “as declarações do arguido, no seu todo, foram desprovidas de consistência e credibilidade”, quanto ao alegado nervosismo, não há nenhuma razão “para que o mesmo só tenha constituído obstáculo à realização do segundo teste e não do primeiro, quando desde o início o arguido sabia perfeitamente que tinha ingerido bebidas alcoólicas, conforme o próprio afirmou e se encontrava igualmente ciente das implicações de ser sujeito a um procedimento de fiscalização daquela natureza… ”, quanto a uma alegada situação gripal, em relação à qual não se constatou qualquer evidência física em julgamento, realizado no dia seguinte, a mesma “não constitui fator impeditivo da concretização do teste ao qual o arguido deliberadamente e notoriamente se quis furtar”. - a testemunha CC, quando questionada, sobre a eventualidade do arguido ter alegado a impossibilidade de realizar o exame respondeu que “… foi-lhe explicado inúmeras vezes, percebemos logo que ele não queria fazer, entre as três vezes que o indivíduo soprou, nós percebemos logo que ele não querai fazer… o senhor estava alcoolizado mas possivelmente saberia o que é que estava a fazer, porque o ar para onde estava a expirar, para o novo teste, para a nossa máquina, ele fazia com ar sempre a sair para fora, parece que estava a querer gozar connosco. Fez um teste, fez dois, fez três, a máquina emitiu talão. O senhor continuou sempre a dizer que estava a soprar, que estava a soprar, mas sempre de borca aberta, nunca fechada…”. Por sua vez, o tribunal não se convenceu quanto à “efetiva ausência de colaboração expressa e plena consciencialização do arguido das consequência da sua conduta e plena informação prévia disponibilizada ao mesmo”, por um lado, porque do expediente junto não se evidencia que foi dada a possibilidade ao arguido de realizar o exame por outra via, designadamente, por meio de análise sanguínea, e que o mesmo tivesse sido advertido das consequências penais da sua conduta, por outro, o depoimento do agente autuante sofreu um carácter «espontâneo» e «apressado» e denotou alguma confusão relativamente à informação que foi transmitida ao arguido, criando a convicção que possam ter existido falhas no procedimento policial, não obstante a afirmação do agente de que o arguido foi verbalmente elucidado de todos os procedimentos. E concluiu-se: “Embora nos sejam levadas a crer que efetivamente existam suspeitas de que o arguido, eventualmente pelo tal receio de situações posteriores se pudesse eventualmente ter protegido, ter acautelado a sua situação, o que à partida até é legítimo, ele tem a possibilidade de o fazer. Isso não pode dispensar que efectivamente o formalismo policial não seja cumprido ou, eventualmente com as pressas de possam preterir alguns passos naquilo que é o procedimento policial que decorre da lei, independentemente, de resto, do conhecimento que é mantido aos cidadãos que são habilitados à condução dos procedimentos que são utilizados para a deteção do álcool… quanto a esses, de facto, também não sabemos em que termos é que foram feitos, se foram por exame sanguíneo, se foram por exame de sopro e, portanto, nem sequer estamos em crer que o arguido haja requerido contraprova ou haja, eventualmente, colocado na situação de decidir quanto à realização”. Esta análise da prova, para além de contraditória e incongruente, não tem lógica, não é coerente e colide com as mais elementares regras da experiência. De facto, não se percebe: - por um lado, a que propósito é invocada a eventual falha de procedimentos e em que medida estes relevam para aferir se o arguido se recusou ou não a realizar o teste de álcool, quando é certo que o tribunal deu como provado, por um lado, que o arguido - depois do primeiro teste, com resultado positivo - foi “transportado para a Esquadra… a fim de ser submetido ao teste quantitativo de pesquisa de álcool no sangue através do aparelho Drager Alcotest”, por outro, que o arguido, naquele local “realizou rês testes, todos com resultado insuficiente…”, não havendo - nem constando da fundamentação da decisão recorrida - quaisquer razões objetivas que permitam questionar que o arguido compreendeu a ordem que lhe era dada e sabia que lhe devia obediência; - por outro lado, porque razão foi desvalorizado o depoimento da testemunha CC, que não consta que tenha algum interesse pessoal no desfecho do processo, concretamente: 1) quanto às circunstâncias em que o arguido realizou o segundo teste (“o ar para onde estava a expirar… ele fazia com o ar sempre a sair para fora… continuou sempre a dizer que estava a soprar, que estava a soprar, mas sempre de boca aberta, nunca fechada…”), depois de ter conhecimento do resultado do primeiro; 2) quanto às circunstâncias em que o arguido realizou o primeiro teste - aliás, confirmadas pelo arguido - em que este não revelou qualquer dificuldade na sua realização, através do ar expirado, procedimento exatamente igual ao segundo (e se não teve dificuldades em realizar o primeiro, porque haveria de ter em realizar o segundo?). As coisas têm que ter lógica e ser minimamente coerentes, conformes com as regras da experiência e os critérios da normalidade; de facto, não se demonstrando, de acordo com as regras da experiência comum e da lógica, que a impossibilidade da realização do teste se deveu a circunstâncias alheias à vontade do arguido - o que não faz qualquer sentido, quer porque realizou o primeiro teste sem dificuldade, instantes antes, quer porque não há razões objetivas para questionar a seriedade do depoimento do agente autuante, concretamente, quanto ao modo como o arguido soprou nas três tentativas de realização do teste que veio a culminar com resultado de sopro insuficiente - não pode deixar de se concluir que o arguido soprou com a boca aberta, para fora da boquilha do aparelho, de forma a obstar à verificação da taxa de álcool com que conduzia. Por outro lado, os elementos subjetivos do tipo, concretamente, o conhecimento da ilicitude da sua conduta e a atuação voluntária e consciente resulta como consequência lógica e necessária da demais factualidade objetiva dada como provada, não havendo razões para questionar a capacidade de discernimento e decisão o arguido, até porque, para além de estar habilitado com carta de condução (e é suposto os condutores habilitados conhecerem as regras do Código da Estrada e normas de fiscalização da segurança rodoviária), já não é a primeira vez que é submetido ao teste de pesquisa de álcool no sangue. Consequentemente, em face do que se deixa dito, não podia o tribunal deixar de dar como provado: “7. Sabia o arguido que a ordem de submissão ao teste de pesquisa de álcool no sangue era legal, provinha da autoridade competente, fora-lhe legalmente comunicada e a devia acatar”. “8. Não obstante, o arguido, nas três tentativas para realizar o teste quantitativo de pesquisa de álcool no sangue, de forma deliberada, soprou de boca aberta e para fora da boquilha do aparelho, razão pela qual o aparelho emitiu o talão com o registo «sopro insuficiente»”. “9. O arguido agiu de forma consciente e voluntária, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei, tendo a liberdade necessária para se conformar com essa atuação”. --- 9.2. - 2.ª questão A desobediência/recusa à submissão das provas destinadas a deteção do álcool no sangue é punido como crime de desobediência, ex vi art.º 152 n.ºs 1 al.ª a) e 3 do Código da Estrada, com referência ao art.º 348 n.º 1 al.ª a) do CP (não é pressuposto deste crime, como parece ter sido entendido na decisão recorrida, que o arguido seja advertido pelo agente autuante dessa cominação; essa cominação apenas se exige na ausência de disposição legal que comine a falta de obediência à ordem ou mandado como crime de desobediência, como resulta do art.º 348 n.º 1 al.ª b) do CP). Da factualidade dada como provada resulta: - Que ao arguido foi dada uma ordem, regularmente comunicada e proveniente da autoridade competente para se submeter ao teste de pesquisa de álcool no sangue; - Que o arguido compreendeu tal ordem, sabia que lhe devia obediência e soprou com a boca aberta e para fora da boquilha do aparelho, durante três vezes, tendo o aparelho registado, por isso, “sopro insuficiente”. Esta conduta do arguido, tal como consta da matéria de facto dada como provada, consubstancia uma recusa à ordem que lhe era dada, tal como prevista no art.º 152 n.º 3 do CE. De facto, como se escreveu no acórdão da RP de 20.01.2010, em excerto transcrito no acórdão deste tribunal de 18.11.2014, de que foi relator o Exm.º Desembargador João Amaro, ambos in www.dgsi.pt, a referida recusa ocorre, “não apenas quando o arguido o declara de forma expressa, mas também quando assume comportamento de onde em termos lógicos e em termos de homem médio se poderá extrair que o mesmo está a boicotar e, nessa medida, recusar o teste”. A lei prevê, efetivamente, a realização de análise ao sangue para detetar a taxa de álcool no sangue quando, após três tentativas, o examinado não conseguir expelir ar em quantidade suficiente para a realização do teste em analisador quantitativo, ou quando as condições físicas em que se encontra não lhe permitam a realização do teste (como acontece, por exemplo, em caso de acidente de viação em que ao gente fica impossibilitado de realizar o teste), mas essa situação nada tem a ver com a situação em que o agente, deliberadamente - como foi o caso - não expele ar suficiente para a realização do teste (deve notar-se que a recolha de sangue, enquanto método invasivo, só deve ser utilizado como último recurso, quando seja impossível a realização do exame pelos outros meios, ou seja, o arguido só deve ser compelido à realização do exame por essa via quando não seja possível a sua realização através do teste quantitativo por circunstâncias alheias à sua vontade). Neste sentido pode ver-se também no acórdão desta Relação de 25.05.2004, in www.dgsi.pt, onde se escreveu que, quando o arguido, ao submeter-se ao exame de pesquisa de álcool no sangue, “faz de propósito para boicotar esse exame, soprando fraco ou de forma deficiente, consuma a prática do crime de desobediência… não havendo nestes casos lugar ao procedimento da análise de sangue para deteção do estado de influenciado pelo álcool… O art.º 159 n.º 7 do Código da Estrada destina-se a prever as situações em que não é possível a realização da pesquisa no ar expirado… o art.º 4 n.º 2 do Decreto Regulamentar 2/94, ao referir-se aos casos em que, após três tentativas sucessivas, o examinando demonstre não expelir ar em quantidade suficiente deve ser entendido no sentido do examinando demonstrar que não consegue expelir ar em quantidade suficiente…”. Em síntese, a não expiração voluntária de ar suficiente para a verificação da existência de álcool no sangue não pode deixar de ser equiparada a recusa, para efeitos do art.º 152 n.º 3 do CE, preenchendo essa conduta, consequentemente, os elementos objetivos do crime de desobediência previsto e punido pelo art.º 348 n.º 1 al.ª a) do CP, pois que o desvalor da ação e o resultado conseguido - e querido - pelo agente são os mesmos nas duas situações: obstar ao apuramento da taxa de álcool com que conduz. Por outro lado, demonstrado está que o arguido agiu com vontade livre e determinada, visando aquele resultado - obstar a que fosse detetada a taxa de álcool com que conduzia - bem sabendo que desse modo desobedecia à ordem que lhe era dada (pela autoridade competente, no exercício das suas funções) e que a sua conduta era proibida e punida por lei. A conduta do arguido integra, pois, o crime de desobediência que lhe vinha imputado, p. e p. pelos art.ºs 348 n.º 1 al.ª a) e 69 n.º 1 al.ª a) ambos do CP, com referência ao art.º 152 n.ºs 1 al.ª a) e 3 do CE. --- É sabido, mas não será demais recordar, que a aplicação das penas e medidas de segurança “visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” (art.º 40 do CP), não podendo em caso algum ultrapassar a medida da culpa (art.º 40 n.º 2 do CP). A proteção dos bens jurídicos implica, pois, que a pena, sem ultrapassar a medida da culpa, seja adequada e suficiente para dissuadir a prática de crimes pelos outros cidadãos, incentivar a convicção que as normas penais são válidas e eficazes e aprofundar a consciência dos valores jurídicos por parte da comunidade (acórdão do STJ de 14.03.2001, Col. Jur., Ano IX, t. 1, 245). A medida da pena será encontrada dentro da moldura de prevenção – cujo limite nos é dado pela medida óptima de tutela dos bens jurídicos (dentro do que é consentido pela culpa) e o mínimo das exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico – e em função da necessidade de socialização do agente, através da sua adesão aos valores da comunidade, dissuadindo-o da prática de novos crimes. É dentro deste quadro que a pena deve ser determinada, tomando em consideração o disposto no art.º 71 n.º 2 do CP, ou seja, todas as circunstâncias – as apuradas – que militem contra o agente e a seu favor. Por outro lado, sendo o crime punível com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias (art.º 348 n.º 1 al.ª a) do CP), o tribunal dá preferência a pena não privativa de liberdade sempre que esta realizar de foram adequada e suficiente as finalidades da punição (art.º 70 do CP). No caso, atentos os fins que se visam com a punição - supra enunciados - e o passado criminal do arguido (tendo 31 anos, já foi condenado em 4.10.2002, 24.10.2003, em 10.01.2006, em 15.04.2010, em 31.01.2012 e em 13.02.2012, pela prática dos crimes de condução sem habilitação legal, condução perigosa de veículo, um crime de tráfico de quantidades diminutas e dois crimes de condução de veículo em estado de embriaguez, tendo sido condenado em penas de multa e as últimas duas vezes em pena de prisão suspensa na sua execução, designadamente, no que respeita ao crime de condução em estado de embriaguez (sentença de 13.02.2012). Consequentemente, em face deste passado do arguido, a pena de multa não se mostra adequada e suficiente a realizar as finalidades que se visam alcançar com a punição (se nem a última pena de prisão suspensa na sua execução realizou tais finalidades, não seria agora uma pena de multa que as realizaria). --- A medida concreta da pena a aplicar. O crime é punível com pena de prisão até um ano (art.º 348 n.º1 al.ª a) do CP). A determinação da medida concreta da pena - dentro dos limites definidos na lei - é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo o tribunal a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham contra o agente e a seu favor (art.º 71 n.ºs 1 e 2 do CP). Ora, no caso em apreço, são elevadas as exigências de prevenção geral que no caso se fazem sentir - atenta a frequência com que este tipo de crimes ocorre nas nossas estradas e a indiferença com que é encarada a função das autoridades na fiscalização e prevenção da segurança rodoviária - e são muito elevadas as exigências de prevenção especial que no caso também se fazem sentir, face ao passado criminal do arguido, designadamente, no que respeita aos crimes relacionados com a segurança rodoviária já acima identificados. Por outro lado, há a ponderar: - o grau elevado da ilicitude do facto, revelado pelas circunstâncias em que o arguido atua, fazendo crer que está a realizar o teste - a obedecer à ordem que lhe é dada - quando, pelo contrário, está a tentar “enganar” a autoridade; - o dolo com que atua (ele atua deliberadamente, visando obstar à realização do teste); - a culpa do arguido, pois que atua com vontade livremente determinada, bem sabendo que a sua conduta é ilícita e que desse modo está a desobedecer a uma ordem legítima da autoridade. - o passado criminal do arguido (supra destacado) e a sua postura perante os factos, cuja gravidade não reconhece, não revelando qualquer juízo crítico sobre os mesmos. Em face de tais circunstâncias, e sem perder de vista que a pena em caso algum pode ultrapassar a medida da culpa, tem-se como adequada a satisfazer as exigências de prevenção que no caso se fazem sentir - e a que acima se fez referência - a pena de 9 meses de prisão. --- É condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período entre três meses e três anos que for punido por crime de desobediência cometido mediante recusa de submissão às provas legalmente estabelecidas para a detecção de condução de veículo sob efeito do álcool (art.º 69 n.º 1 al.ª c) do CP). A pena acessória depende da pena principal (esta é condição necessária daquela), mas não decorre direta e imediatamente daquela – trata-se de uma censura adicional pelo facto cometido pelo agente, censura essa que visa prevenir a perigosidade deste (ver Ata n.º 8 relativa à reunião da Comissão ocorrida em 29.05.89), mas também tem um efeito de prevenção geral – pelo que a sua determinação é feita em função da culpa do agente, das exigências de prevenção (art.ºs 71 e 40 n.º 2, ambos do CP) e demais circunstâncias que, não fazendo parte do ilícito, depuserem contra ou a favor do arguido, nomeadamente, o grau da ilicitude do facto, o modo de execução deste, o grau de violação dos deveres impostos ao arguido, a intensidade do dolo, as condições pessoais do agente, a sua situação económica e a conduta anterior e posterior ao facto (n.º 2 do citado art.º 71 do CP), em suma, as circunstâncias que presidem à determinação da pena principal (neste sentido vem decidindo uniformemente a jurisprudência, citando apenas, a título de exemplo, o acórdão do STJ de 00/03/01, Proc. 256/00, citado in Código Penal Anotado e Comentado de Manuel Leal-Henriques e Simas Santos, 3.ª edição, vol. I (Parte Geral), 803, e desta Relação, de 96/05/14, in Col. Jur., Ano XXI, t. 3, 286, que mantêm atualidade). Ora, atentas as razões que presidiram à determinação da pena principal - acima concretizadas – designadamente, no que respeita à gravidade dos factos, ao passado criminal do arguido (concretamente, no que respeita aos crimes relacionados com a condução), à postura do arguido perante os factos, reveladora que não interiorizou o desvalor da sua conduta, e sabido como é que o efeito dissuasor desta pena – acessória – é, por vezes, bem mais eficaz do que a própria pena principal, pelas consequências da privação efetiva do gozo do veículo, seja pessoais, seja familiares, profissionais e sociais, temos que se revela adequada - e suficiente - a dar satisfação às exigências de prevenção que no caso se fazem sentir, dentro da moldura de três meses a três anos, a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de nove meses. --- O tribunal “suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição” (art.º 50 n.º 1 do CP). A suspensão da execução da pena de prisão apresenta-se, assim, como uma medida penal, de conteúdo reeducativo e pedagógico, que deve ser decretada caso se verifiquem os seus pressupostos, previstos no art.º 50 n.º 1 do CP e acima enunciados; trata-se de um poder conferido ao julgador, um poder vinculado, tendo em vista as finalidades da punição, ou seja, se o julgador concluir – em face da personalidade do agente, das suas condições de vida, da sua conduta anterior e posterior ao facto criminoso e das circunstâncias deste – que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, ou seja, a proteção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade que com aquela se visam satisfazer (art.º 40 do CP), não pode deixar de decretar a suspensão. Na base da suspensão da execução da pena de prisão não estão quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente razões ligadas às finalidades preventivas da punição, sejam de prevenção geral ou de reintegração, sejam as de prevenção especial ou socialização do agente. No caso em apreço, e não obstante a postura do arguido e o seu passado criminal - a que acima fizemos referência - este tem está familiar e profissionalmente integrado, reunindo condições que permitem confiar - com algumas dúvidas, embora, mas não suficientes para justificar a aplicação de uma pena privativa de liberdade - que a ameaça da pena de prisão será, no caso, ainda, adequada e suficiente para o dissuadir da prática, no futuro, de idênticos comportamentos, desde de sujeita a regime de prova, tanto mais que não sofreu ainda qualquer pena privativa da liberdade e a última pena aplicada (seis meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano, pela prática de um criem de condução em estado de embriaguez, ocorreu há mais de cinco anos). --- 10. Assim, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a 1.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e, consequentemente, revogando a decisão recorrida, decidem: 1) alterar a matéria de facto dada como não provada e, em consequência, considerar como provado: “7. Sabia o arguido que a ordem de submissão ao teste de pesquisa de álcool no sangue era legal, provinha da autoridade competente, fora-lhe legalmente comunicada e a devia acatar. 8. Não obstante, o arguido, nas três tentativas para realizar o teste quantitativo de pesquisa de álcool no sangue, de forma deliberada, soprou de boca aberta e para fora da boquilha do aparelho, razão pela qual o aparelho emitiu o talão com o registo «sopro insuficiente»”. 9. O arguido agiu de forma consciente e voluntária, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei, tendo a liberdade necessária para se conformar com essa atuação”. 2) condenar o arguido, pela prática de um crime de desobediência, p. e p. pelos art.ºs 348 n.º 1 al.ª a) e 69 n.º 1 al.ªc), ambos do CP, com referência ao art.º 152 n.ºs 1 al.ª a) e 3 do CE: - na pena de nove meses de prisão, suspensa pelo período de um ano, mediante regime de prova, cujo plano deve ser direcionado à consciencialização do arguido para o perigo que a condução em estado de embriaguez representa para a segurança rodoviária; - na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de nove meses. Sem tributação. --- O arguido deverá entregar a carta de condução, ou qualquer título que o habilite a conduzir veículos com motor, na secretaria do Tribunal da Comarca de Setúbal ou no posto policial mais próximo da sua residência no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado deste acórdão, sob pena de incorrer na prática de um crime de desobediência (art.º 69 n.º 3 do CP e 500 n.º 2 do CPP). Notifique, sendo o arguido, pessoalmente, face à obrigação imposta, solicitando tal notificação à autoridade policial competente. --- Boletins à DSIC (Direção dos Serviços de Identificação Criminal) - a cumprir na 1.ª instância, após baixa do processo, após trânsito - assim como as comunicações a efetuar à Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, ao IMTT e à DGRSP (Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais/Equipa de Setúbal). --- (Este texto foi por mim, relator, integralmente revisto antes de assinado) Évora, 12/09/2017 Alberto João Borges (relator) Maria Fernanda Pereira Palma |