Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | MARIA LEONOR BOTELHO | ||
Descritores: | CONDUÇÃO PERIGOSA DE VEÍCULO RODOVIÁRIO CONDUÇÃO SEM HABILITAÇÃO LEGAL INJÚRIAS CONTRA AGENTE DA AUTORIDADE RESISTÊNCIA E COACÇÃO SOBRE FUNCIONÁRIO MEDIDA DA PENA | ||
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Data do Acordão: | 12/06/2016 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIDO EM PARTE | ||
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Sumário: | I - A expressão “bófias do caralho”, proferida pelo arguido e dirigida aos dois militares da GNR, acompanhada do gesto pelo mesmo feito, com o dedo médio da mão esquerda esticado e os restantes dedos recolhidos na direção da palma da mão, nas circunstâncias de tempo, modo e lugar julgadas provadas, são objectiva e subjetivamente ofensivos da honra dos visados, contendo em si mesmos (a expressão e o gesto) um conteúdo desvalioso da honra e consideração daqueles, que se encontravam no exercício das suas funções, sendo por causa destas que tal expressão e gesto lhes foram dirigidos pelo arguido. Trata-se, sem dúvida, de expressão e gesto que importam enxovalho, ultraje ou desonra para os visados, atingindo-os na sua dignidade. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I – RELATÓRIO 1. 1. – Decisão Recorrida No processo comum colectivo nº 107/14. 7 GBABF da 2ª Secção Criminal da Instância Central da Comarca de Faro – Portimão – J3, o arguido F, melhor identificado nos autos, mediante acusação do Ministério Público, foi submetido a julgamento pela prática, em autoria material e concurso real, de: a) um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3º, nºs 1 e 2, do Decreto-Lei nº 02/98, de 3 de Janeiro, por aplicação dos artigos 121º, nº 1, 122º, nº 1, e 123º, nº 1 do Código da Estrada; b) um crime de resistência e coacção sobre funcionário, p. e p. pelo art.º 347.º, n.º 1 do Código Penal; c) um crime de injúria agravada, p. e p. pelos art.ºs 181.º, n.º 1, e 184.º do Código Penal, e d) um crime de condução perigosa, p. e p. pelos art.ºs 291º, n.º 1, alínea b), 69.º, n.º 1, alínea a), e 101º, nº 1, alíneas a) e b), e n.º 2, alínea b), todos do Código Penal, em concurso aparente com as contra-ordenações, p. e p. pelos n.ºs 1 e 3 do art.º 4º, n.ºs 1 e 3 do art.º 24.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), e 5 do art.º 38º e alíneas e) e f) do n.º 1 do art.º 145.º, do Código da Estrada. Realizado o julgamento, após alteração da qualificação jurídica dos factos, nos termos previstos no art.º 358.º do C.P.P., quanto aos crimes de resistência e coacção sobre funcionário, p. e p. pelo art.º 347.º, n.ºs 1 e 2, do C. P., e de condução perigosa, p. e p. pelo art.º 291º, n.º 1, alínea b), e 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, por referência também ao art.º 13.º do Código da Estrada, foi proferida sentença que, a final, decidiu nos seguintes termos: «a) Condenar o Arguido F. pela prática de: - um crime de Condução Sem Habilitação Legal previsto e punido pelos artigos 3º, nº 1 e 2 do Decreto-Lei nº 02/98, de 3 de Janeiro e 123º, nº 1 do Código da Estrada, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão; - um crime de Resistência e Coacção sobre Funcionário, previsto e punível pelo artigo 347º, nºs 1 e 2, do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão; - um crime de Injúria Agravada previsto e punível pelos artigos 181º, nº 1 e 184º, do Código Penal, na pena de 3 (três) meses de prisão; e - um crime de Condução Perigosa de Veículo Rodoviário previsto e punível pelo artigo 291º, nº 1, al. b) do Código Penal, com referência aos artigos 4º, 13º e 145º, nº 1, al. a), do Código da Estrada, na pena de 2 (dois) anos de prisão; b) Fazer o cúmulo jurídico das penas aplicadas ao Arguido e condená-lo na pena única de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão; c) Condenar o Arguido na pena acessória de proibição da faculdade de conduzir qualquer veículo motorizado pelo período de 18 (dezoito) meses, nos termos do artigo 69º, nº 1, al. a) do Código Penal; d) Condenar o Arguido no pagamento das custas, com taxa de justiça que se fixa em 4 UC e demais encargos processuais (artigos 513º e 514º do Código de Processo Penal, artigo 8º, nº 9 do Regulamento das Custas Processuais e tabela III ao mesmo anexa e artigos 513º e 514º do Código de Processo Penal).» 1. 2. – Recurso 1.2.1. - Inconformado com essa decisão, dela recorreu o arguido, pugnando pela declaração de nulidade do acórdão recorrido por falta de fundamentação, bem como pela sua absolvição quanto aos crimes de injúria agravada, resistência e coacção sobre funcionário e condução perigosa, sustentando ainda que, em caso de condenação, as penas aplicadas, situadas perto dos seus limites máximos sem que a ilicitude e a culpa o justifiquem, são excessivas e desproporcionais. Finaliza a sua motivação com as seguintes conclusões: «1. Não foi dado cumprimento suficiente ao n.º 2 do artigo 374º do CPP; a. Não se fez qualquer exame crítico à prova, para além de se sumariar o depoimento da única testemunha ouvida; b. Nomeadamente, nada se disse quanto às razões para se ter dado como provado que o arguido que de facto ia a conduzir o veículo, pois como se sabe, não chegou a ser identificado na sequência destes factos; c. Também nada se disse, quanto ao perigo criado para o segundo condutor, que se sabe, é concreto e não abstrato, até porque, esse condutor não foi ouvido como testemunha; d. Resulta assim a nulidade do acórdão recorrido, como decorre da previsão da alínea a), do nº1, do artigo 379º do CPP; 2. Os factos provados não são suscetíveis de integrar o elemento objetivo do tipo da norma ínsita no artigo 181º do CP; a. Constituindo uma falta de educação assinalável, não tem a virtualidade de humilhar e perturbar um militar da GNR; b. Não foi atingido, nem podia, face à qualidade treino e enorme tolerância de qualquer militar da GNR as qualidades morais que devem existir para que a pessoa tenha apreço por si própria e não se sinta desprezada pelos outros; c. Acresce, que segundo a matéria de facto provada, apenas estavam presentes dois militares da GNR; d. Nestes termos, deve o arguido ser absolvido do crime de injúria agravada em que foi condenado; 3. O arguido deve ser absolvido do crime de resistência e coação sobre funcionário; a. O arguido estava parado quando, segundo se provou, foi dada ordem de paragem – ponto 3 e 4 da matéria de facto provada; b. E o arguido fugiu, sendo certo que os dois militares estavam na faixa de rodagem do lado oposto e tiveram necessidade de se afastar para trás; c. O condutor pretendeu fugir dali, e não desobedeceu a uma ordem de paragem porque já estava parado antes; d. Pode ser configurado outro tipo de crimes, como a ofensa à integridade física na forma tentada, mas não a resistência e coação sobre funcionário, a ordem de paragem não só era ineficiente – carro parado – como não se demonstrou que o ato da GNR era legal e ou idóneo. 4. Também o arguido deve ser absolvido do crime de condução perigosa; a. Tal como o recorrente, também o MP entendeu que o arguido deveria ter sido absolvido; b. O condutor do outro veiculo não foi ouvido e não se sabe porque parou e em que condições decidiu parar; c. Os militares da GNR estavam apeados no meio da faixa de rodagem para onde se dirigia esse segundo veiculo; d. Pelo que não se demonstrou, nem se averiguou, o concreto perigo criado com a manobra do condutor do carro em transgressão. 5. As penas aplicadas são excessivas e desproporcionais. a. Foram todas aplicadas perto dos seus limites máximos, sem que a ilicitude e culpa o justifiquem. Normas jurídicas violadas: • Artigos 374º do CPP; • Artigo 40º, 71º, 77º, 181º, 184º, 291º e 347º do CP. Nestes termos e demais de direito deverá o presente recurso obter provimento.» 1.2.2. - O Ministério Público respondeu, sustentando dever ser negado provimento ao recurso e, em consequência, mantida a decisão recorrida, considerando que esta se encontra suficientemente fundamentada, que se mostram preenchidos os crimes pelos quais foi o arguido condenado e que as penas impostas se mostram justas e adequadas, tendo em conta as especiais exigências de prevenção geral e especial, a culpa do arguido, bem como o quadro geral de actuação deste, suas repercussões e personalidade do arguido manifestada no cometimento dos crimes. 1.2.3. - Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmº Senhor Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que se reporta o artigo 416.° do C. P. Penal, levantou questão prévia quanto à qualificação jurídica dos factos, afirmando que, atentos os factos constantes da acusação, deveria ter sido imputada ao arguido a prática de dois e não de apenas um crime de injúria agravada, já que são dois os ofendidos, e que, não tendo o Tribunal a quo se pronunciado sobre tal questão, se verifica uma omissão de pronúncia que determina a nulidade da decisão nos termos previstos no art.º 379.º n.º 1, alínea c), do C.P.P.. Prosseguindo, refere também que, se assim não for entendido, deve o recurso interposto ser julgado improcedente. 1.2.4. - Cumprido o disposto no artigo 417.°, n.º 2, do C.P.P., veio o arguido responder, sustentado, quanto à questão prévia, que estando em causa uma decisão deliberada, pensada uma única vez, sem renovação do processo de motivação, se verifica um único desígnio criminoso, pelo que o arguido apenas podia ter sido acusado pela prática de um único crime, acrescentando, ainda, que face ao disposto no art.º 409.º do C.P.P., nunca tal questão poderia proceder. Quanto ao mais, reafirmando as razões vertidas na motivação do recurso, conclui pela procedência do recurso. 1.2.5 - Procedeu-se a exame preliminar, após o que, colhidos os vistos, foram os autos a conferência, de harmonia com o preceituado no art.º 419.°, n.° 3, do mesmo diploma. II – FUNDAMENTAÇÃO 2. 1. – Objecto do Recurso Dispõe o artigo 412º, nº 1, do C.P.P, que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. E no nº 2 do mesmo dispositivo legal determina-se também que versando matéria de direito, as conclusões indicam ainda: a) As normas jurídicas violadas; b) O sentido em que, no entendimento do recorrente, o tribunal recorrido interpretou cada norma ou com que a aplicou e o sentido em que ela devia ter sido interpretada ou com que devia ter sido aplicada; e c) Em caso de erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, deve ser aplicada. Já no que respeita à impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto, e de harmonia com o disposto no artº 412º, nº 3, alíneas a) e b), e nº 4 do C.P.P, deve o recorrente especificar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, sendo que, quando as provas tenham sido gravadas, aquelas especificações fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação. Constitui entendimento pacífico que o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que forem de conhecimento oficioso (cfr. Germano Marques da Silva in Curso de Processo Penal, vol. III, 2ª ed., pág. 335, Simas Santos e Leal Henriques, in Recursos em Processo Penal, 6ª ed., 2007, pág. 103, e, entre muitos outros, o Ac. do S.T.J. de 05.12.2007, Procº 3178/07, 3ª Secção, disponível in Sumários do STJ, www.stj.pt, no qual se lê: «O objecto do recurso é definido e balizado pelas conclusões extraídas da respectiva motivação, ou seja, pelas questões que o recorrente entende sujeitar ao conhecimento do tribunal de recurso aquando da apresentação da impugnação — art. 412.°, n.° 1, do CPP —, sendo que o tribunal superior, tal qual a 1.a instância, só pode conhecer das questões que lhe são submetidas a apreciação pelos sujeitos processuais, ressalvada a possibilidade de apreciação das questões de conhecimento oficioso, razão pela qual nas alegações só devem ser abordadas e, por isso, só assumem relevância, no sentido de que só podem ser atendidas e objecto de apreciação e de decisão, as questões suscitadas nas conclusões da motivação de recurso, questões que o relator enuncia no exame preliminar - art. 417.°, n.° 6, do CPP -, a significar que todas as questões incluídas nas alegações que extravasem o objecto do recurso terão de ser consideradas irrelevantes.») No que respeita aos vícios de conhecimento oficioso previstos no nº 2 do artº 410º do C.P.P., no caso, nem o recorrente invoca a sua existência, nem, ex officio, se vislumbra a verificação de qualquer deles. Quanto à questão suscitada pelo Ex.mo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal da Relação, tratando-se de questão que não foi suscitada no recurso e que não configura qualquer dos vícios de conhecimento oficioso previstos no n.º 2 do art.º 410.º do C.P.P., não poderá este Tribunal dela conhecer. Assim, atentas as conclusões apresentadas, que traduzem as razões de divergência com a decisão impugnada, são as seguintes as questões a examinar e decidir: - Nulidade do acórdão recorrido por falta de fundamentação; - Falta de preenchimento do tipo dos crimes de injúria agravada, resistência e coacção sobre funcionário e condução perigosa; - Excesso da medida das penas. 2. 2. – Da Decisão Recorrida No acórdão proferido pela 1ª Instância foram dados como provados e não provados os seguintes factos: « A. Factos Provados Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos com interesse para a decisão da causa: 1. No dia 20 de Janeiro de 2014, pelas 13h30m, o Arguido conduziu o veículo automóvel da marca BMW, modelo série 5, com a matrícula ----VO, na Rua da Palmeira, em Albufeira, seguindo na direcção da Rua José Carlos Ary dos Santos para a Rua do Estádio. 2. Os militares PB e JD encontravam-se a prestar serviço de patrulha apeada e já haviam recebido informação do veículo, o ora Arguido, não se encontrava habilitado para o exercício da condução. 3. Por esse motivo, os militares colocaram-se em local visível da faixa de rodagem e deram ordem de paragem ao condutor do veículo, ou seja, ao Arguido. 4. Ao visualizar os militares, o Arguido colocou o veículo em marcha, fazendo um arranque. 5. Os militares, através de linguagem gestual, fazendo movimentos com os braços, e de sinal sonoro, através de apito, deram ordem de paragem o Arguido enquanto condutor do veículo mencionado. 6. Desta feita, o Arguido, com um movimento brusco, invadiu a via onde os militares se encontravam posicionados, destinada aos veículos que seguiam no sentido oposto ao do Arguido, direcionando o veículo aos militares, obrigando-os a sair da faixa de rodagem de modo a evitar serem atropelados. 7. O condutor do veículo que seguia na via de trânsito que o Arguido invadiu, circulando na mesma em sentido oposto ao regulamentar, teve necessidade de imobilizar o seu veículo de modo a evitar uma colisão frontal. 8. Ao passar pelos militares, o Arguido dirigiu-se a estes gritando “bófias do caralho”, colocando, de seguida, o braço esquerdo de fora do vidro, com o dedo médio esticado e os restantes dedos recolhidos na direcção da palma da mão. 9. Desta feita, o Arguido seguiu no referido veículo na direcção da Rua do Estádio. 10. Com a conduta descrita, o Arguido colocou em perigo a integridade física e até mesmo a vida do condutor e passageiros do veículo que circulava na artéria onde transitou, bem como as infra-estruturas existentes no local, ciente do perigo que causava, ainda assim não cuidou de adaptar a sua condução às regras estradais vigentes. 11. Nessa data, o Arguido não era titular de documento que o habilitasse a conduzir veículos automóveis. 12. Ao actuar do modo descrito, teve o Arguido F. o claro e firme propósito, conseguido, de: - conduzir o referido veículo apesar de saber que não era titular de documento que o habilitasse a conduzir; - ciente da qualidade de militares da GNR de JD e PB, os quais de encontravam devidamente identificados e uniformizados, de modo a impedir que procedessem à sua fiscalização e eventual detenção, ou seja, que praticassem um acto inerente às suas funções, motivo pela qual não respeitou a ordem de paragem e direcionou o veículo na direcção dos militares; - atingir os militares da GNR JD e PB na honra e bom nome, não apenas como cidadãos, mas sobretudo como profissionais, sentindo-se vexados e humilhados com o sucedido, com as palavras que lhes foram directamente dirigidas em local público; - conduzir do modo descrito, violando as regras da circulação rodoviária, nomeadamente, quanto à obrigação de circular na faixa de rodagem da direita, colocando em perigo pessoas e bens e ciente desse mesmo perigo. 13. O Arguido agiu de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que tais condutas não lhe eram permitidas e eram punidas por lei. Mais se apurou que 14. Integrando numa família de etnia mista, pai luso e mãe cigana, o Arguido constituiu-se como segundo elemento de uma fratria de cinco irmãos germanos. 15. O agregado familiar de origem habitava uma casa de construção clandestina (barraca) sem condições de habitabilidade (localizada nas proximidades de Porches) até 1995, altura em que beneficiaram de um programa de realojamento social, num regime de renda apoiada no bairro municipal onde ainda hoje residem. 16. O grupo familiar foi, desde cedo, referenciado pelos vários serviços de apoio social de Lagoa por ser multiproblemático, não dispondo de fonte de receitas regular conhecida para além dos apoios sociais e trabalhos ocasionais em ferro-velho por parte do progenitor. 17. Descrito o ambiente familiar como conflituoso, fruto de sucessivas incompatibilidades entre os progenitores, o casal parental acabou por se separar quando o Arguido tinha cerca de 9 anos de idade. 18. Ainda que a progenitora procurasse assumir algum protagonismo no processo de socialização dos descendentes, revelou dificuldades em concretizar as funções de integração de normas, supervisão e controlo eficaz dos filhos para o que contribuía a sua postura, aparentemente patenteada por permissividade e desvalorização de determinadas condutas socialmente convencionais. 19. Evidenciando o Arguido dificuldades de aprendizagem e inserção em contexto escolar, F. referiu ter registado duas retenções na frequência do primeiro ciclo por falta de envolvimento com as actividades lectivas e absentismo. 20. Com cerca de 13 anos de idade veio a abandonar os estudos sem concluir o 5º ano de escolaridade, sendo à data reportados os primeiros problemas comportamentais do Arguido. Neste contexto, toda a família viria a ser sinalizada junto dos serviços de promoção e protecção, face às atitudes de insubordinação, revolta, rebeldia e desobediência de vários descendentes para com a figura materna. 21. F. veio a manter um estilo de vida desocupado, ocioso e marginal, num quotidiano gerido de forma autónoma e disfuncional, sem interiorização de regras, alternando entre a residência materna e a de grupos de pares conotados como delinquentes. As condutas anti-sociais atribuídas ao Arguido foram assumindo uma progressiva gravidade, culminando na aplicação de medidas tutelares educativas, nomeadamente no seu internamento em centro educativo (CE) da DGRSP. Embora neste contexto (em meio estruturado) o Arguido tenha completado o 7º ano escolar e tenha revelado indicadores de capacidade para inflectir as suas atitudes, registou uma fuga da instituição em 2007, vindo mais tarde a ser reconduzido ao CE, de onde saiu definitivamente em Janeiro de 2008, por cessação da medida de internamento. 22. Mãe e irmã revelam um discurso tendencialmente desculpabilizante acerca do passado anti-normativo do Arguido. 23. Com o retorno ao local de residência, F. prosseguiu as vivências marginais e desenvolveu, na esfera pessoal, vários relacionamentos afectivos de curta duração, marcados por referenciados actos de violência, nomeadamente física. 24. Após a saída do CE, F. veio a revelar grande mobilidade territorial, mantendo com a progenitora um relacionamento descontinuado, baseado no apoio económico que lhe ia prestando. Mantém, de igual forma, uma relação de proximidade com uma das irmãs, também ela arguida em processos-crime, alguns dos quais, sua co-arguida. 25. No plano afectivo, é de referenciar que F. foi, entretanto, pai de uma criança fruto de relacionamento de curta duração, sendo, neste âmbito, de assinalar, forte conflitualidade com os familiares maternos do filho. 26. Não são reconhecidos hábitos regulares de trabalho do Arguido, afirmando este e respectivos familiares que se veio a dedicar desde cedo à compra e venda de veículos automóveis usados, não dispondo de ganhos regulares quantificáveis. No meio social é referenciado desconhecimento desta actividade. 27. No plano jurídico-penal, o Arguido esteve anteriormente preso preventivamente no EP do Linhó, tendo sido colocado em liberdade a 25 de Outubro de 2011, por excesso de prisão preventiva. Em Agosto de 2012, veio a contar outra reclusão no EP de Setúbal à ordem do Processo nº --/12.2GCASL do Tribunal Judicial da Comarca de Grândola, no decurso da qual registou várias sanções disciplinares. 28. Em data precedente ao presente processo, F. encontrava-se a residir com a actual companheira, com quem alegadamente mantinha relação desde cerca de 8 meses antes da presente situação de reclusão. Referenciando encontrar-se com aquela emigrada em Espanha, a sua situação económica era descrita como suficiente, porquanto da actividade alegadamente estruturada da companheira, proprietária de um salão de cabeleireiro e da ocupação do Arguido na compra e venda de veículos automóveis usados. 29. Com assumidos consumos regulares de haxixe, F. refere tê-los cessado com cerca de 21 anos de idade. 30. O Arguido apresenta-se como um jovem impulsivo e pouco tolerante à frustração, sendo conotado como violento e desprendido perante o impacto/consequências dos seus comportamentos. 31. No meio social de origem – Lagoa - e junto dos OPCs, mantém uma imagem associada ao seu envolvimento em ilícitos e dificuldade em gerir a impulsividade e auto-controlo face às autoridades, sendo ainda referenciado na comunicação social como líder de um gang. 32. Preso no EP de Lisboa desde 12.09.2014, o Arguido registou uma sanção disciplinar a 20.10.2014 por ameaça ou coacção a outro recluso. De acordo com os serviços de reeducação, o Arguido revelava apreensão e receio pela sua integridade física aquando da sua entrada no EPL, por manutenção de alegadas inimizades com jovens delinquentes igualmente detidos nesta Instituição Prisional. 33. F. continua a beneficiar do apoio dos seus familiares, designadamente, progenitora e irmãs, que desvalorizam a presente situação jurídico-penal e conotação social negativa que é atribuída ao Arguido. 34. Do Certificado de Registo Criminal do Arguido constam as seguintes condenações: - no Processo nº ---/08.0GDPTM, por decisão de 14.07.2010, transitada em julgado em 30.04.2012, pela prática, em 09.10.2008, de dois crimes de Furto de Uso de Veículo, de um crime de Detenção de Arma Proibida e de dois crimes de Furto Qualificado, na pena única de 3 anos e 4 meses de prisão suspensa na sua execução por igual período de tempo com Regime de Prova; - no Processo nº ---/09.8GEPTM, por decisão de 04.05.2011, transitada em julgado em 20.09.2011, pela prática, em 25.05.2009. de dois crimes de Coacção Agravada, na pena de 18 meses suspensa na sua execução por igual período de tempo com Regime de Prova; - no Processo nº --/09.4GEPTM, por decisão de 20.12.2011, transitada em julgado em 02.10.2012, pela prática, em 23.08.2009, de um crime de Condução Sem Habilitação Legal, na pena de 230 dias de multa; - no Processo nº ---/12.1GCSLV, por decisão de 19.01.2012, transitada em julgado em 03.12.2012, pela prática, em 12.01.2012, de dois crimes de Injúria, nas penas parcelares de 2 meses de prisão por cada um dos crimes e, em cúmulo jurídico, na pena única de 3 meses de prisão suspensa na sua execução por 1 ano; - no Processo nº ---/12.9PATVR, por decisão de 27.04.2012, transitada em julgado em 19.11.2013, pela prática, em 18.03.2012, de um crime de Condução Perigosa de Veículo Rodoviário e de um crime de Injúria Agravada, na pena de 210 dias de multa; - no Processo nº ---/11.4TBPTM, por decisão de 26.09.2012, transitada em julgado em 26.10.2012, pela prática, em 14.12.2008, de um crime de Roubo, na pena de 18 meses de prisão suspensa na sua execução por igual período de tempo com Regime de Prova; - no Processo nº ---/09.6GEPTM, por decisão de 19.02.2013, transitada em julgado em 18.03.2013, pela prática, em 27.08.2009, de um crime de Furto Qualificado na forma tentada, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão suspensa na sua execução por igual período de tempo com Regime de Prova; - no Processo nº ---/12.3PATVR, por decisão de 15.07.2014, transitada em julgado em 19.12.2014, pela prática, em 19.03.2012, de um crime de Condução Sem Habilitação Legal, na pena de 10 meses de prisão suspensa na sua execução por 1 ano; e - no Processo nº --/11.2PEEVR, por decisão de 03.02.2015, transitada em julgado em 05.03.2015, pela prática, em 30.07.2011, de um crime de Detenção de Arma Proibida, na pena de 2 anos e 3 meses de prisão suspensa na sua execução, com Regime de Prova. * B. Factos Não Provados Não se provou que a) O Arguido violou regras de circulação rodoviária relativas a limite de velocidade. 2. 3. - Apreciando e decidindo 2.3.1. - Da alegada nulidade do acórdão recorrido por falta de fundamentação Antes de mais, importa referir que o recorrente não impugna a decisão proferida na 1ª Instância quanto à matéria de facto, não o fazendo, nem na vertente, restrita, prevista no art.º 410.º, n.º 2, do C.P.P., a chamada “revista alargada”, imputando ao acórdão recorrido qualquer dos vícios previstos naquela disposição legal, vícios que têm que resultar do texto da própria decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo admissível o recurso a elementos estranhos àquela para os fundamentar, nem na vertente, ampla, prevista no art.º 412.º, n.ºs 3 e 4, do C.P.P., sendo que, nesta hipótese, cumpria-lhe fazê-lo dentro dos limites decorrentes do ónus de especificação imposto pelos citados n.ºs 3 e 4 do art.º 412.º do C.P.P., cabendo-lhe especificar os concretos pontos da matéria de facto que considerava incorrectamente julgados e as concretas provas, com referência ao conteúdo dos depoimentos, que impunham decisão diversa da recorrida, tudo com referência ao consignado na acta. Não o tendo feito, e não se vislumbrando também oficiosamente que o acórdão recorrido padeça de qualquer dos vícios previstos no mencionado art.º 410.º, n.º 2, do C.P.P., tem-se por definitiva a decisão proferida pela 1ª Instância sobre a matéria de facto. Tal circunstância leva a que as referências que o recorrente faz quanto ao que disse ou não disse determinada testemunha e conclusões que daí retira, ou à falta de audição de uma outra, daí pretendendo retirar também determinada consequência, nenhum efeito podem ter sobre a matéria de facto, a qual, como se disse, se mostra fixada nos termos em que o fez o acórdão recorrido, por não ter sido impugnada, nem padecer de qualquer dos vícios de conhecimento oficioso. Invoca o recorrente que o acórdão recorrido é nulo por falta de fundamentação, alegando verificar-se uma flagrante violação do n.º 2 do art.º 374.º do C.P.P., afirmando que os factos provados foram insuficientemente fundamentados e que os elementos de prova que os sustentam não foram sujeitos a exame crítico mínimo. Dizendo desconhecer-se de que modo a testemunha identificou o arguido, já que o mesmo não parou, os ocupantes do veículo não foram identificados e a propriedade do automóvel pertencia a pessoa diferente do arguido, afirma ser fundamental perceber por que razão o tribunal se convenceu de que era o recorrente quem vinha a conduzir. Por outro lado, refere ainda que, estando em causa a criação de um perigo concreto, nada se disse quanto ao perigo criado para o segundo condutor, pessoa que não chegou a ser ouvida como testemunha, desconhecendo-se, por isso, as circunstâncias em que parou o veículo que conduzia. Na resposta, o Ministério Público sustentou não se verificar qualquer nulidade, mostrando-se o acórdão devidamente fundamentado, sendo perfeitamente perceptível o iter decisório e as razões pelas quais entendeu considerar provados os factos. Vejamos. Não põe o recorrente em causa que o Tribunal a quo tenha considerado provado ter sido o arguido o autor dos factos considerados assentes na decisão recorrida, entendendo, no entanto, ser insuficiente a fundamentação da matéria de facto e inexistente o exame crítico das provas. Sob a epígrafe “Livre apreciação da prova”, estabelece o art.º 127.º do C.P.P. que «salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.» Conforme refere Figueiredo Dias, in “Direito Processual Penal”, vol. I, pág. 202: «A liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever de perseguir a chamada “verdade material” – de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos, e, portanto, em geral, susceptíveis de motivação e de controlo.» Quanto aos requisitos da sentença, determina-se no n.º 2 do art.º 374.º do C.P.P. que ao relatório se segue a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal. Assim, no exame crítico das provas imposto pelo art.º 374.º, n.º 2, do C.P.P., necessário e imprescindível é que o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da experiência e da realidade da vida e dos critérios da racionalidade e da lógica, se possa controlar a razoabilidade da convicção sobre o julgamento do facto, provado ou não provado. A propósito do exame crítico das provas, lê-se a dado passo no sumário do Ac. do STJ de 21.03.2007, relatado por Henriques Gaspar, in www.dgsi.pt : «VI. O exame crítico consiste na enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pelo ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção (cf., v.g., Ac. do STJ de 30-01-2002, Proc. n.º 3063/01). VII. O rigor e a suficiência do exame crítico têm de ser aferidos por critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita exteriorizar as razões da decisão e o processo lógico, racional e intelectual que lhe serviu de suporte. VIII. No que respeita à fundamentação da decisão sobre a matéria de facto - a que se refere especificamente a exigência da parte final do art. 374.°, n.° 2, do CPP -, o exame crítico das provas permite (é a sua função processual) que o tribunal superior, fazendo intervir as indicações extraídas das regras da experiência e perante os critérios lógicos que constituem o fundo de racionalidade da decisão (o processo de decisão), reexamine a decisão para verificar da (in)existência dos vícios da matéria de facto a que se refere o art. 410.º, n.° 2, do CPP; o n.° 2 do art. 374.° impõe uma obrigação de fundamentação completa, permitindo a transparência do processo de decisão, sendo que a fundamentação da decisão do tribunal colectivo, no quadro integral das exigências que lhe são impostas por lei, há-de permitir ao tribunal superior uma avaliação segura e cabal do porquê da decisão e do processo lógico que serviu de suporte ao respectivo conteúdo decisório (cf., nesta perspectiva, o Ac. do TC de 02-12-1998). IX. A obrigatoriedade de indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, e do seu exame crítico, destina-se, pois, a garantir que na sentença se seguiu um procedimento de convicção lógico e racional na apreciação das provas, e que a decisão sobre a matéria de facto não é arbitrária, dominada pelas impressões, ou afastada do sentido determinado pelas regras da experiência.» E também no Ac. STJ de 17.11.1999, relatado por Martins Ramires, in CJSTJ, III, p. 200 e ss.: «O entendimento do STJ sobre o cumprimento deste preceito encontra-se sedimentado: trata-se de exposição tanto quanto possível completa, mas concisa, dos motivos de facto e indicação das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal, sem necessidade de esgotar todas as induções ou critérios de valoração das provas e contraprovas, mas permitindo verificar que a decisão seguiu um processo lógico e racional na apreciação da prova, não sendo ilógica, arbitrária contraditória ou violadora das regras da experiência comum ... ». Não exige a lei que a fundamentação seja extensa, mas antes concisa, embora completa, impondo-se que sejam indicadas as razões fundamentais que levaram o tribunal a considerar assente determinado facto ou grupo de factos. Tais razões terão que ser retiradas das provas produzidas e da análise que delas fez o julgador, no confronto do sentido das mesmas com as regras da experiência comum. Em tal fundamentação ter-se-á que perceber qual o caminho, lógico e racional, seguido pelo tribunal que, de acordo com as regras da experiência e da normalidade da vida, lhe permitiu formar a sua convicção nos termos em que o fez. A motivação da decisão fáctica dará a conhecer, por um lado, o processo lógico de apreciação e valoração da prova feito pelo tribunal e permitirá, por outro, observar o princípio do duplo grau de jurisdição, possibilitando que o tribunal de recurso aprecie a razoabilidade da convicção formada e verifique se na apreciação e valoração das provas foi efectivamente seguido um processo lógico e racional. No cumprimento desse dever, o Tribunal a quo fundamentou a sua decisão quanto à factualidade julgada provada nos seguintes termos: «C. Motivação da Decisão de Facto A convicção do Tribunal acerca da matéria de facto dada como provada assentou no conjunto de prova produzida, apreciada criticamente e de acordo com as regras da experiência. Assim, o Arguido, no uso do direito que lhe cabe, não prestou declarações, tendo sido determinante para a convicção do Tribunal o depoimento da testemunha JD, militar da GNR que, de forma clara, isenta e segura, descreveu os motivos que levaram à fiscalização do Arguido, o procedimento adoptado e todo o comportamento assumido por aquele. Designadamente, esclareceu circunstanciadamente como o Arguido, perante a ordem de paragem que lhe foi dada, dirigiu a viatura por si conduzida na direcção do referidos militares que, para evitarem o atropelamento, tiveram que se desviar do local onde se encontravam, bem como as palavras e o gesto que lhes foram dirigidas por aquele. A mesma testemunha foi peremptória na identificação do autor dos factos e ao explicar a circunstância de, na altura, se encontrar a circular na via invadida pelo Arguido, outro veículo automóvel cujo condutor se viu obrigado a imobilizar a marcha por forma a evitar a colisão. De referir que JD revelou-se sincero, não manifestando qualquer interesse no desfecho dos presentes autos ou animosidade contra o Arguido. Da conjugação de tal prova com a informação de fls. 42 e as regras da normalidade da vida resultou ainda a convicção do Tribunal quanto ao conhecimento da proibição das suas condutas por parte do Arguido, bem como a intenção com que as praticou, não subsistindo quaisquer dúvidas quanto aos factos dados como provados em 1. a 13.. Os factos relativos à situação pessoal do Arguido assentaram no Relatório Social junto aos autos. Por fim, consideraram-se os demais elementos e documentos juntos aos autos, designadamente, o Certificado de Registo Criminal do Arguido. Quanto ao facto dado como não provado, não se produziu qualquer prova quanto ao mesmo. Não se considerou a expressão “velocidade excessiva” referida em 4. e 9. da acusação porquanto trata-se de facto conclusivo.» Perante o excerto do acórdão acabado de transcrever, não se vislumbra por que forma poderá considerar-se violado o disposto no art.º 374.º, n.º 2, do C.P.P, nem insuficiente a fundamentação e inexistente o exame crítico das provas produzidas. Com efeito, na decisão recorrida, descrevem-se com limpidez as razões que fundamentaram a decisão de facto, sendo claro, lógico e racional o percurso seguido pelo Tribunal a quo para considerar demonstrados os factos e o seu autor. É manifesto que o depoimento da testemunha JD, que o Tribunal considerou sincero e merecedor de credibilidade, não manifestando qualquer interesse no desfecho dos autos ou animosidade contra o arguido, confirmou os factos julgados provados e a autoria dos mesmos por parte do arguido, o que, nos termos constantes do acórdão recorrido, fez de forma clara, isenta e segura. Conforme resulta da decisão recorrida, a testemunha em causa confirmou a factualidade assente (factos, sua autoria e perigo concreto de colisão criado pela conduta do arguido) e o Tribunal a quo reconheceu-lhe credibilidade e isenção, nela ancorando a convicção que formou. E quanto à autoria dos factos atribuída ao arguido e perigo causado pela conduta deste, diz-se expressamente na decisão agora posta em crise que aquela testemunha foi peremptória na identificação do autor dos mesmos, bem como ao explicar a circunstância de, na altura, se encontrar a circular na via invadida pelo arguido outro veículo automóvel cujo condutor se viu obrigado a imobilizar a marcha por forma a evitar a colisão. Tanto basta para se perceber, de forma cristalina, quais as provas que fundamentaram a decisão de facto, a análise crítica e a valoração que delas fez o Tribunal a quo, bem como o caminho, que se afigura lógico e racional, percorrido por aquele na formação da sua convicção, não aparecendo a decisão de facto com quaisquer laivos de arbitrariedade, nem afastada das regras da experiência. Aliás, não se compreende a posição assumida pelo recorrente porque, se o que pretende é concluir que não era o arguido o condutor do veículo - o que não chega a afirmar -, então deveria ter igualmente solicitado a sua absolvição quanto ao crime de condução sem habilitação legal, o que efectivamente não fez. Nestes termos, não padecendo o acórdão recorrido de qualquer nulidade quanto à fundamentação da decisão de facto, sendo esta lógica e clara, bem como respeitadora das regras da experiência comum e da normalidade da vida, improcede, nesta parte o recurso interposto. 2.3.2. – Preenchimento do tipo dos crimes de injúria agravada, resistência e coacção sobre funcionário e condução perigosa 2.3.2.1 – Do crime de injúria agravada Afirma o recorrente que os factos julgados provados não são susceptíveis de integrar o elemento objectivo do tipo vertido no art.º 181.º do CP, constituindo apenas uma falta de educação assinalável, mas sem a virtualidade de humilhar e perturbar um militar da GNR, dado o treino e a enorme tolerância de qualquer militar da GNR. Conclui dever ser absolvido do crime de injúria agravada por que foi condenado. Na resposta, o Ministério Público, sustentou a improcedência do recurso, dizendo que a expressão dirigida aos militares (e o concomitante gesto) é, em si, objectivamente ofensiva, não havendo necessidade de os militares referirem em julgamento terem-se sentido vexados ou humilhados, acrescentado não vislumbrar qualquer razão para que os militares da GNR tenham um especial dever de suportar a utilização de tais expressões por parte dos cidadãos, sendo que, precisamente pelo facto de exercerem funções de protecção da comunidade, merecem, por parte dos seus elementos, um especial dever de respeito que, não existindo, os humilha e vexa, o que o arguido sabia e quis. Quanto ao enquadramento jurídico dos factos relativos à injúria imputada, é o seguinte o teor da decisão recorrida: «D.3. Do Crime de Injúria Agravada Dispõe o artigo 181º, nº 1 do Código Penal que “Quem injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivos da sua honra ou consideração, é punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 120 dias.” E, de acordo com o artigo 184º do mesmo diploma legal “As penas previstas nos artigos 180.º, 181.º e 183.º são elevadas de metade nos seus limites mínimo e máximo se a vítima for uma das pessoas referidas na alínea l) do n.º 2 do artigo 132.º, no exercício das suas funções ou por causa delas, ou se o agente for funcionário e praticar o facto com grave abuso de autoridade.” Por seu turno, o mencionado artigo 132º, nº 2, al. l) refere-se a actos praticados “contra membro de órgão de soberania, do Conselho de Estado, Representante da República, magistrado, membro de órgão de governo próprio das Regiões Autónomas, Provedor de Justiça, governador civil, membro de órgão das autarquias locais ou de serviço ou organismo que exerça autoridade pública, comandante de força pública, jurado, testemunha, advogado, todos os que exerçam funções no âmbito de procedimentos de resolução extrajudicial de conflitos, agente das forças ou serviços de segurança, funcionário público, civil ou militar, agente de força pública ou cidadão encarregado de serviço público, docente, examinador ou membro de comunidade escolar, ou ministro de culto religioso, juiz ou árbitro desportivo sob a jurisdição das federações desportivas, no exercício das suas funções ou por causa delas”. Integra, pois, o crime de Injúria Agravada quem, na presença do ofendido, adoptar manifestação, por qualquer meio, exprimindo conceito ou pensamento que importe enxovalho, ultraje ou desonra para o visado, sendo uma das pessoas elencadas no artigo 132º, nº 2, al. l) do Código Penal. O bem jurídico protegido é a honra, entendida como o conjunto de valores éticos de cada pessoa, tais como o carácter e a rectidão, ou seja, a dignidade de cada um. A agravação decorre da especial censurabilidade que a conduta reveste quando o visado ocupa determinadas funções na comunidade. Ora, resultou provado que o Arguido, passando pelos militares da GNR PB e JD, gritou “bófias do caralho”, colocando em seguida o braço esquerdo de fora do vidro com o dedo médio esticado e os restantes dedos recolhidos na direcção da palma da mão. Ora, é patente que a expressão e o gesto utilizados pelo Arguido são tidos pela comunidade como injuriosos e atentatórios da dignidade. Com interesse para a decisão do caso, podem ler-se as claras palavras do Venerando Desembargador António de Oliveira Mendes (in O Direito à Honra e sua Tutela Penal, Almedina, Coimbra 1996, p. 38-39): “Na realidade, existe em todas as comunidades um sentido comum, aceite por todos ou, pelo menos, pela maioria, sobre o comportamento que deve nortear cada um na convivência com os outros, em ordem a que a vida em sociedade se processe com um mínimo de normalidade. Há um sentir comum em que se reconhece que a vida em sociedade só é possível se cada um não ultrapassar certos limites na convivência com os outros. Tais limites como que se acham inscritos num «Código de Conduta» de que todos são sabedores, o qual reflecte o pensamento da própria comunidade e, por isso, é por todos reconhecido ou, pelo menos, pela maioria. Do elenco desses limites ou normas de conduta, fazem parte «regras» que estabelecem a «obrigação e o dever» de cada cidadão se comportar relativamente aos demais com um mínimo de respeito moral, cívico e social.” Assim e apurando-se que o Arguido actuou de forma livre, voluntária e consciente, com a intenção de atingir na honra e bom nome dos referidos militares da GNR que se encontrava em exercício de funções, verifica-se estarem preenchidos os elementos objectivos e subjectivo do crime de Injúria Agravada, previsto e punido pelos artigos 181º, 184º e 132º, nº 2, al l) do Código Penal. Assim sendo e não ocorrendo nenhuma causa de exclusão da ilicitude, nem nenhuma causa de exclusão da culpa, é a conduta do Arguido censurável, logo culposa, pelo que não poderá deixar de ser condenado pela prática deste crime. Impõe-se, deste modo, a condenação do Arguido também pela prática do crime de Injúria Agravada de que vem acusado.» Vejamos. Como refere Beleza dos Santos, in RLJ 3152-142, a honra é a essência da personalidade humana, referindo-se à probidade, rectidão, carácter, e a consideração é o valor atribuído por alguém ao juízo do público, isto é, do apreço ou, pelo menos, da não desconsideração que os outros tenham por ele. No que respeita à lei penal, que tutela os valores fundamentais da vida em sociedade, adopta a mesma uma concepção dual de honra, de acordo com a qual aquela é vista como um bem jurídico complexo que inclui, por um lado, o valor pessoal ou interior de cada indivíduo, radicado na sua dignidade, e, por outro, a própria reputação ou consideração exterior. E, tendo presente o princípio de intervenção mínima da lei penal, bem como os ensinamentos de Beleza dos Santos no sentido de que «nem tudo aquilo que alguém considera ofensa à dignidade ou uma desconsideração deverá considerar-se difamação ou injúria puníveis» (in “Algumas Considerações sobre Crimes de Difamação ou de Injúria, RLJ 92, pág.167), impõe-se que a valoração da ofensa seja feita tendo em conta o contexto temporal, social e cultural em que é proferida. Com efeito, o Direito Penal não deve intervir para criminalizar condutas comuns de desrespeito, descortesia ou má educação, impondo-se um mínimo de gravidade da conduta para se lhe atribuir tipicidade e dignidade penais. Neste enquadramento, nenhum reparo merece a decisão recorrida ao considerar preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do crime de injúria agravada, p. e p. pelos art.ºs 181.º, 184.º e 132.º, n.º 2, alínea l), do Código Penal, sendo manifesto que a expressão proferida pelo arguido e dirigida aos dois militares da GNR, acompanhada do gesto pelo mesmo feito, nas circunstâncias de tempo, modo e lugar julgadas provadas, são atentatórias da honra e consideração devida àqueles militares, valores protegidos pela incriminação do art.º 181.º do C. Penal. Tal expressão e gesto são objectiva e subjectivamente ofensivos da honra dos dois militares da GNR, contendo em si mesmos um conteúdo desvalioso da honra e consideração daqueles, que se encontravam no exercício das suas funções, sendo por causa destas que tal expressão e gesto lhes foram dirigidos pelo arguido. Contrariamente ao defendido pelo recorrente, a expressão e gesto utilizados pelo arguido, no contexto e circunstâncias em que foram produzidos, ultrapassam a simples indelicadeza e mesmo a grosseria ou má educação e não atingem a mera susceptibilidade pessoal ou melindre dos ofendidos, constituindo antes uma ofensa à honra e bom nome dos dois militares da GNR, que se encontravam no exercício das suas funções, bem como um juízo de valor sobre aqueles que é socialmente tido como ofensivo e ultrajante, revestindo por isso dignidade penal. Trata-se, sem dúvida, de expressão e gesto que importam enxovalho, ultraje ou desonra para os visados, atingindo-os na sua dignidade. E isto, independentemente de se encontrarem no local diversas pessoas ou apenas os ofendidos. É que a lei não exige que a ofensa seja ouvida por terceiros para considerar preenchido o tipo, exigindo apenas que as palavras injuriosas ou ofensivas sejam dirigidas ao ofendido. Por outro lado, e como bem refere o Ministério Público, não se vislumbra qualquer razão para que os militares da GNR tenham um especial dever de suportar a utilização de expressões e gestos como os dos autos por parte dos cidadãos, sendo que, precisamente por exercerem funções de protecção da comunidade, merecem, por parte dos seus elementos, um especial dever de respeito que, a não existir, os humilha e vexa. Aliás, é a própria lei que pune de forma mais grave, como injúria agravada, a ofensa dirigida a uma das pessoas referidas na alínea l) do n.º 2 do artigo 132.º do C. Penal, no exercício das suas funções ou por causa delas, decorrendo a agravação precisamente da especial censurabilidade que a conduta reveste quando o visado ocupa determinadas funções na comunidade (art.º 184.º do C. Penal). Nestes termos, afigurando-se manifesto o carácter injurioso e penalmente censurável da expressão e gesto dirigidos pelo arguido aos militares da GNR, quando estes se encontravam no exercício das suas funções e por causa delas, improcede, também nesta parte, o recurso interposto. Vejamos agora a questão levantada pelo Exmº Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal quanto à qualificação jurídica dos factos. Diz o Ex.mo PGA que, perante os factos imputados ao arguido, deveria o mesmo ter sido acusado da prática de dois e não de apenas um crime de injúria agravada, já que são dois os ofendidos, concluindo que, não tendo o Tribunal a quo se pronunciado sobre tal questão, se verifica uma omissão de pronúncia que determina a nulidade da decisão nos termos previstos no art.º 379.º n.º 1, alínea c), do C.P.P.. Sobre a questão, pronunciou-se o arguido no sentido de que a sua conduta integra a prática de um único crime de injúria, sustentando que está em causa uma só decisão deliberada, pensada uma única vez, sem renovação do processo de motivação, verificando-se assim um único desígnio criminoso, razão pela qual considera que apenas podia ter sido acusado pela prática de um único crime, acrescentando ainda que, face ao disposto no art.º 409.º do C.P.P., nunca tal questão poderia proceder. Quanto à invocada nulidade, e como já referido, não estando em causa qualquer omissão de pronúncia, mas tão só entendimento distinto quanto ao enquadramento jurídico dos factos, não padece o douto acórdão recorrido do alegado vício. Já no que respeita à qualificação jurídica dos factos, compulsada a factualidade julgada provada no acórdão recorrido, verifica-se efectivamente que a mesma integra a prática de dois crimes de injúria agravada. Com efeito, nos termos previstos no art.º 30.º do C. Penal, o número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente, constituindo um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente, sendo que esta última hipótese (crime continuado) não abrange os crimes praticados contra bens eminentemente pessoais. E, analisando a factualidade julgada provada, constata-se que ficou assente que, ao passar pelos dois militares da GNR, o arguido dirigiu-se a estes gritando “bófias do caralho”, colocando, de seguida, o braço esquerdo de fora do vidro, com o dedo médio esticado e os restantes dedos recolhidos na direcção da palma da mão, e que, ao actuar do modo descrito, teve o arguido F. o claro e firme propósito, conseguido, de atingir os militares da GNR, JD e PB, na honra e bom nome, não apenas como cidadãos, mas sobretudo como profissionais, sentindo-se vexados e humilhados com o sucedido, com as palavras que lhes foram directamente dirigidas em local público, tendo o arguido agido de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que tais condutas eram proibidas por lei. Assim, no caso, estando em causa a honra e consideração de cada um dos dois militares da GNR que deram ordem de paragem ao arguido, honra e consideração - de cada um deles - que foram ofendidas pela conduta do arguido, é manifesto que estão em causa bens eminentemente pessoais, relativos a duas pessoas distintas, razão pela qual a conduta do arguido não poderá configurar a prática de um só crime. E o facto de o arguido ter decidido, num mesmo momento, ofender os dois militares – utilizando até o plural na expressão que proferiu – não impede que se considere preenchido, por duas vezes, o mesmo ilícito criminal. Vindo o arguido a utilizar expressão e gesto, dirigidos aos dois militares da GNR, JD e PB, que lhe deram ordem de paragem, visando ofender a honra e consideração de cada um deles, o que quis e conseguiu, impõe-se considerar preenchido, por duas vezes, o tipo objectivo e subjectivo do crime de injúria agravada. Deste modo, tendo o Tribunal a quo considerado preenchido um único crime de injúria agravada, impõe-se alterar a qualificação jurídica dos factos julgados provados no acórdão recorrido, nos termos permitidos no artº 424º do C.P.P., considerando-se que a factualidade julgada provada integra a prática de dois crimes de injúria agravada, p. e p. pelos art.ºs 181.º, nº 1, e 184.º do C. Penal. No que respeita à pena, uma vez que o Ministério Público não recorreu do acórdão posto em crise, haverá que respeitar o disposto no art.º 409.º do C.P.P. (proibição de reformatio in pejus), de acordo com o qual o Tribunal de Recurso não pode modificar, na sua espécie ou medida, as sanções constantes da decisão recorrida, em prejuízo do arguido. 2.3.2.2. – Do crime de resistência e coacção sobre funcionário Pugnando pela sua absolvição quanto a este ilícito criminal, diz o recorrente que o arguido estava parado quando foi dada a ordem de paragem, vindo a fugir, sendo essa a sua intenção e não a de desobediência a uma ordem de paragem porque já estava parado antes, acrescentando ainda que não se mostra preenchido o crime de resistência e coacção sobre funcionário já que a ordem de paragem não só era ineficiente – carro parado – como não se demonstrou que o acto da GNR era legal e ou idóneo. Refere ainda que tal ilícito criminal tem como elementos da acção a oposição à prática de acto relativo ao exercício de funções ou o constrangimento à prática de acto relativo ao exercício de funções, mas contrários aos deveres do cargo, e o emprego de violência ou ameaça grave, o que não se verificou. Na resposta, defendeu o Ministério Público a improcedência do recurso, afirmando que, logo no facto dado como provado sob o nº 1, se refere que o arguido conduziu o veículo na “Rua da Palmeira, em Albufeira, seguindo na direcção da Rua José Carlos Ary dos Santos para a Rua do Estádio”, donde resulta que estava em andamento e não parado, sendo legítima a ordem de paragem, que o arguido não acatou. Conclui pelo preenchimento dos elementos objectivo e subjectivo do tipo legal do crime de resistência e coacção sobre funcionário. Diz-se, a propósito, no douto acórdão recorrido: « D.2. Do Crime de Resistência e Coacção Vem ainda o Arguido acusado da prática de um crime de Resistência e Coacção Sobre Funcionário. A este respeito, dispõe o artigo 347º do Código Penal que “1 - Quem empregar violência, incluindo ameaça grave ou ofensa à integridade física, contra funcionário ou membro das Forças Armadas, militarizadas ou de segurança, para se opor a que ele pratique ato relativo ao exercício das suas funções, ou para o constranger a que pratique ato relativo ao exercício das suas funções, mas contrário aos seus deveres, é punido com pena de prisão de um a cinco anos. 2 - A mesma pena é aplicável a quem desobedecer ao sinal de paragem e dirigir contra funcionário ou membro das Forças Armadas, militarizadas ou de segurança, veículo, com ou sem motor, que conduza em via pública ou equiparada, ou embarcação, que pilote em águas interiores fluviais ou marítimas, para se opor a que ele pratique acto relativo ao exercício das suas funções, ou para o constranger a que pratique acto relativo ao exercício das suas funções, mas contrário aos seus deveres, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.” Embora se encontre o Arguido acusado da prática do crime previsto e punível pelo nº 1 do artigo em questão, a matéria vertida na acusação e dada como provada integra a prática do crime previsto e punível pelos nºs 1 e 2. São, pois, elementos constitutivos do tipo de crime em análise: - o emprego de violência ou ameaça grave ou a desobediência ao sinal de paragem e utilização de veículo para o exercício de tal violência ou ameaça; - que tais meios sejam empregues contra membro das Forças Armadas, militarizadas ou de segurança; - o intuito do agente se opor a que aqueles pratiquem acto relativo ao exercício das suas funções. A violência é entendida como “todo o acto de força ou hostilidade que seja idóneo a coagir o membro das forças militarizadas ou de segurança” (cfr. Leal-Henriques e Simas Santos, in Código Penal Anotado, 2º vol., Rei dos Livros, 1997, p. 1083). E tal violência não tem de ser qualificada de grave, ao contrário do que acontece com a ameaça; e não tem de consistir em agressão física. Basta a simples hostilidade idónea a coagir, impedir ou dificultar a actuação legítima do funcionário ou agente (neste sentido, vide Ac. Relação do Porto de 29.03.1995, in CJ, tomo 2, p. 233). No caso em apreço, tendo os militares da GNR, PB e JD dado ordem de paragem ao Arguido, este, com um movimento brusco, invadiu a via onde aqueles se encontravam posicionados, destinada aos veículos que seguiam no sentido oposto ao do Arguido, direccionando o veículo aos referidos militares, obrigando-os a sair da faixa de rodagem de modo a evitar serem atropelados. Mais resultou que o Arguido agiu do modo descrito ciente da qualidade de militares da GNR de JD e PB e com o intuito de impedir que os mesmos procedessem à sua fiscalização e eventual detenção, ou sejam que praticassem acto inerente às suas funções. Dúvidas não há, pois, que o Arguido desobedeceu ao sinal de paragem e dirigiu contra as referidas forças policiais o veículo automóvel por si conduzido com o propósito de se opor a que aqueles praticassem acto relativo ao exercício das suas funções. Mais resulta que o Arguido tinha conhecimento de que tal conduta é proibida por lei e, no entanto, não se absteve de a prosseguir. Assim sendo e não ocorrendo nenhuma causa de exclusão da ilicitude, nem nenhuma causa de exclusão da culpa, é a conduta do Arguido censurável, logo culposa, pelo que não pode deixar de ser condenado também pela prática do crime de Resistência e Coacção sobre Funcionário, previsto e punido pelo artigo 347º, nº 1 e 2 do Código Penal.» Nenhum reparo merece a decisão recorrida, mostrando-se correcto o enquadramento jurídico feito na mesma. Com efeito, atenta a alteração da qualificação jurídica que teve lugar em julgamento nos termos previstos no artº 358º do C.P.P., a conduta imputada ao arguido passou a integrar o crime previsto nos n.ºs 1 e 2 do art.º 347.º do C. Penal, e não apenas o n.º 1 imputado da acusação, prevendo-se naquele n.º 2 o preenchimento do crime quando o agente desobedecer ao sinal de paragem e dirigir contra funcionário ou membro das Forças Armadas, militarizadas ou de segurança, veículo, com ou sem motor, que conduza em via pública ou equiparada, para se opor a que ele pratique acto relativo ao exercício das suas funções. E, como bem refere a decisão recorrida, a factualidade julgada provada preenche efectivamente os elementos objectivo e subjectivo de tal ilícito criminal (art.º 347.º, n.ºs 1 e 2, do C. Penal). Na verdade, foi considerado provado que, no dia 20 de Janeiro de 2014, pelas 13h30m, o arguido conduziu o veículo automóvel da marca BMW, modelo série 5, com a matrícula ---VO, na Rua da Palmeira, em Albufeira, seguindo na direcção da Rua José Carlos Ary dos Santos para a Rua do Estádio, que os militares PB e JD se encontravam a prestar serviço de patrulha apeada e já haviam recebido informação do veículo do arguido e de que este não se encontrava habilitado para o exercício da condução, que, por esse motivo, os referidos militares se colocaram em local visível da faixa de rodagem e deram ordem de paragem ao arguido e que este, ao visualizar os militares, colocou o veículo em marcha, fazendo um arranque. Provou-se também que, nessa altura, os militares, através de linguagem gestual, fazendo movimentos com os braços, e de sinal sonoro, através de apito, deram ordem de paragem ao arguido, enquanto condutor daquele veículo, vindo então o arguido, com um movimento brusco, a invadir a via onde os militares se encontravam posicionados, destinada aos veículos que seguiam no sentido oposto ao do arguido, direcionando o veículo aos militares, obrigando-os a sair da faixa de rodagem de modo a evitar serem atropelados. Ficou ainda assente que, com a conduta descrita, teve o arguido o claro e firme propósito, conseguido, de, ciente da qualidade de militares da GNR de JD e PB, os quais de encontravam devidamente identificados e uniformizados, impedir que procedessem à sua fiscalização e eventual detenção, ou seja, que praticassem um acto inerente às suas funções, motivo pela qual não respeitou a ordem de paragem e direccionou o veículo na direcção dos militares, fazendo-o de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que tais condutas eram proibidas por lei. Põe o recorrente em causa que o arguido estivesse em andamento e que, consequentemente, a ordem fosse eficiente, questionando ainda se tal ordem era legal e idónea. Não lhe assiste, porém, razão. Na verdade, admitindo que o arguido tenha parado momentaneamente quando viu os militares da GNR, e daí que tenha sido considerado provado que o mesmo “pôs o veículo em marcha, fazendo um arranque”, certo é que foi igualmente dado como provado que o mesmo conduzia o veículo em causa, seguindo da Rua José Carlos Ary dos Santos para a Rua do Estádio, e que, quando lhe foi dada ordem de paragem pelos militares da GNR que ali se encontravam a prestar serviço de patrulha apeada, ao visualizar aqueles militares, colocou o veículo em marcha, fazendo um arranque. Nessa altura, vieram os militares, através de linguagem gestual e de sinal sonoro, a dar nova ordem de paragem ao arguido, ordem que o mesmo de novo não acatou, vindo antes, com um movimento brusco, a invadir a via onde os militares se encontravam posicionados, destinada aos veículos que seguiam no sentido oposto, direcionando o veículo aos militares, obrigando-os a sair da faixa de rodagem de modo a evitar serem atropelados, e seguindo na direcção da Rua do Estádio. Assim, os militares da GNR, que se encontravam no exercício das suas funções, prestando serviço de patrulha apeada, não deram uma, mas duas ordens de paragem ao arguido, ordens que o mesmo não acatou, quanto conduzia um veículo automóvel para o qual não se mostrava habilitado, impedindo assim que aqueles procedessem à sua fiscalização e eventual detenção, isto é, praticassem um acto inerente às suas funções. E estando no exercício das suas funções de patrulha apeada, devidamente uniformizados, dúvidas não existem de que tais ordens de paragem eram legítimas e legais. Acresce que a ordem de paragem dada pelas forças de segurança tendo em vista a fiscalização da condução automóvel, de condutores e veículos, não se esgota com a simples paragem do condutor, incluindo ainda a obrigação de este permanecer parado até que a acção de fiscalização termine. Não seria aceitável entender-se que não se mostraria preenchido o crime quando o agente, obedecendo inicialmente à ordem de paragem, viesse, pouco depois, a colocar de novo o veículo em movimento, abandonando o local, não permitindo assim que a acção de fiscalização se iniciasse ou finalizasse. Quando recebeu a primeira ordem de paragem, cabia ao arguido parar ou permanecer parado, permitindo que os militares da GNR efectuassem a acção de fiscalização que, no exercício das suas funções, se tinham proposto fazer. E, apesar de não ter acatado a primeira ordem, teve o arguido uma outra hipótese de obedecer à ordem de paragem dada pelos militares, já que estes, recorrendo a gestos e sinais sonoros, lhe ordenaram de novo que parasse, o que o arguido igualmente não fez. Dúvidas não existem, pois, de que o arguido, quando circulava na via pública, conduzindo um veículo automóvel, desrespeitou as ordens de paragem que lhe foram dadas por elementos da GNR no exercício das suas funções, ordens legítimas e a que devia obediência. Por outro lado, vindo ainda a dirigir o veículo que conduzia na direcção dos militares, obrigando-os a sair da faixa de rodagem de modo a evitar serem atropelados, o que fez de forma livre e voluntária, impedindo que aqueles procedessem à sua fiscalização, é manifesto que se mostra preenchido o crime de resistência e coacção sobre funcionário, p. e p. pelo art.º 347.º, n.ºs 1 e 2, do C. Penal, nos termos constantes do douto acórdão recorrido. Improcede, pois, também aqui, o recurso interposto. * 2.3.2.3. – Do crime de condução perigosa Solicita também o recorrente a sua absolvição quanto ao crime de condução perigosa dizendo essencialmente que não se demonstrou, nem se averiguou, o concreto perigo criado, já que o condutor do outro veículo não foi ouvido, desconhecendo-se por que parou e em que condições decidiu parar. Na resposta, pugnou de novo o Ministério Público pela improcedência do recurso, dizendo que a circunstância de tal condutor ter tido necessidade de parar a sua viatura para não ser colidida frontalmente pelo veículo conduzido pelo arguido é manifestamente idónea a configurar o perigo concreto, elemento objectivo exigido pelo tipo legal de crime em análise. Antes de mais, importa reafirmar que o recorrente não impugnou a matéria de facto considerada provada no acórdão recorrido, matéria que, portanto se mostra firmada, não se compreendendo assim a referência que faz quanto à circunstância de não ter sido ouvida determinada testemunha (condutor) e à consequência que daí pretende retirar quanto ao preenchimento do ilícito. Neste momento, mostrando-se fixada a matéria de facto julgada provada, importa tão só verificar se os factos apurados permitem, ou não, considerar preenchido o crime de condução perigosa de veículo rodoviário, nos termos em que o faz o douto acórdão recorrido. Diz-se, a propósito, naquele acórdão: « D.4. Do Crime de Condução Perigosa de Veículo Rodoviário Vem, por fim, o Arguido acusado da prática de um crime de Condução Perigosa de Veículo Rodoviário previsto e punível pelo artigo 291º, nº 1, al. b) e 69º, nº 1, al. a), do Código Penal. Dispõe o primeiro preceito que: “Quem conduzir veículo com ou sem motor, em via pública ou equiparada, violando grosseiramente as regras da circulação rodoviária, relativas à prioridade, à obrigação de parar, à ultrapassagem, à mudança de direcção, à passagem de peões, à inversão do sentido de marcha em auto-estradas ou em estradas fora de povoações, à marcha atrás em auto-estradas ou em estradas fora de povoações, ao limite de velocidade ou a obrigatoriedade de circular na faixa de rodagem da direita e criar deste modo um perigo para a vida ou para a integridade física de outrem, ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa". Como explica Germano Marques da Silva (in Condução Perigosa de Veículo Rodoviário, p. 51), "não se trata de simples violação das regras de trânsito, nem da violação que ocasione um perigo concreto, porque este é o evento da acção e a violação grosseira é a causa deste evento, mas de temeridade, de ousadia perante o perigo quase certo, previsto ou previsível atentas as circunstâncias. O condutor devia prever que naquelas circunstâncias a violação daquelas regras de trânsito era especialmente adequada a causar um perigo concreto para determinados bens jurídicos e, por isso, era mais forte o dever de evitar aquele comportamento". No caso em apreço, apurou-se, que o Arguido, conduzindo o veículo automóvel com a matrícula ---VO e, ao ser-lhe dada ordem de paragem pela GNR, com um movimento brusco, invadiu a via destinada aos veículos que seguiam no sentido oposto ao seu, circulando na mesma em sentido oposto ao regulamentar, obrigando o condutor do veículo que aí seguia a imobilizar a sua marcha por forma a evitar uma colisão frontal. Nos termos do artigo 4º do Código da Estrada “1 - O utente deve obedecer às ordens legítimas das autoridades com competência para regular e fiscalizar o trânsito, ou dos seus agentes, desde que devidamente identificados como tal. 2 - Quem infringir o disposto no número anterior é sancionado com coima de (euro) 120 a (euro) 600, se sanção mais grave não for aplicável por força de outra disposição legal, sem prejuízo do disposto no número seguinte. 3 - Quem desobedecer ao sinal regulamentar de paragem das autoridades referidas no n.º 1 é sancionado com coima de (euro) 500 a (euro) 2500, se sanção mais grave não for aplicável por força de outra disposição legal.” Por seu turno, dispõe o artigo 13º deste mesmo diploma legal, quanto à posição de marcha, que “1 - A posição de marcha dos veículos deve fazer-se pelo lado direito da faixa de rodagem, conservando das bermas ou passeios uma distância suficiente que permita evitar acidentes. 2 - Quando necessário, pode ser utilizado o lado esquerdo da faixa de rodagem para ultrapassar ou mudar de direção. 3 - Sempre que, no mesmo sentido, existam duas ou mais vias de trânsito, este deve fazer-se pela via mais à direita, podendo, no entanto, utilizar-se outra se não houver lugar naquela e, bem assim, para ultrapassar ou mudar de direção. 4 - Quem infringir o disposto nos n.os 1 e 3 é sancionado com coima de (euro) 60 a (euro) 300, salvo o disposto no número seguinte. 5 - Quem circular em sentido oposto ao estabelecido é sancionado com coima de (euro) 250 a (euro) 1250.” Por fim, de acordo com o artigo 145º, nº 1, al. a) do Código da Estrada, o trânsito de veículos em sentido oposto ao estabelecido constitui contraordenação grave. Não há dúvidas, pois, que, com a sua descrita conduta, o Arguido violou grosseiramente as citadas regras da circulação rodoviária e, com isso, criou perigo concreto para a vida e integridade física de outrem, bem como para bens patrimoniais de elevado valor, já que, na altura dos factos supra descritos, havia um veículo a circular no local em causa, os qual teve que imobilizar a sua marcha, por forma a evitar qualquer colisão, tendo o Arguido conduzido de forma temerária perante um perigo quase certo. Assim e tendo o Arguido agido de forma livre, deliberada e consciente, com o propósito conseguido de conduzir em violação às regras de circulação rodoviária nomeadamente relativas à obrigação de circular na faixa de rodagem da direita, conclui-se que cometeu o crime de Condução Perigosa de Veículo Rodoviário previsto e punível pelo artigo 291º, nº 1, al. b) do Código Penal, devendo ser condenado pelo mesmo. O crime em questão é punido igualmente com a sanção acessória de proibição da faculdade de conduzir, prevista no artigo 69º, nº 1, al. a) do Código Penal.» A simples leitura do excerto acabado de transcrever evidencia a falta de razão do recorrente. Na verdade, a factualidade considerada provada preenche efectivamente o tipo objectivo e subjectivo do crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo art.º 291.º, n.º 1, alínea b), do C. Penal. Como bem refere o recorrente, trata-se de um crime de perigo concreto, donde resulta que o preenchimento do tipo objectivo exige a verificação de um resultado de perigo, não se bastando a lei com a perigosidade abstracta da conduta, isto é, não sendo suficiente a consideração de que a conduta é, em geral, susceptível de causar perigo ou de lesar bens jurídicos. Exige-se, assim, que se verifique um perigo concreto para determinados bens jurídicos, em relação aos quais se verifique uma elevada possibilidade de lesão, e ainda um nexo de causalidade entre o perigo causado e a conduta do agente, não podendo a lesão ocorrer por força de circunstâncias fortuitas ou inesperadas. No que respeita ao tipo subjectivo, é necessário que o dolo se verifique relativamente a todos os elementos do tipo legal objectivo, incluindo, a criação de perigo para os bens jurídicos em causa. Ora, compulsada a factualidade julgada provada, é manifesto que, com a sua conduta, o arguido criou efectivamente um perigo concreto para o veículo que circulava na faixa de rodagem que invadiu e na qual passou a circular em sentido contrário, tendo tal veículo se visto na obrigação de parar por forma a evitar a colisão frontal com o veículo conduzido pelo arguido. O arguido violou grosseiramente as regras da circulação rodoviária que lhe impunham que circulasse pelo lado direito da faixa de rodagem, passando bruscamente a circular em sentido contrário, criando perigo concreto para a vida e integridade física do condutor do veículo que, na altura, circulava na faixa de rodagem que invadiu, o qual teve que imobilizar a sua marcha por forma a evitar a colisão frontal entre os dois veículos. Com a sua conduta criou, pois, o arguido um risco concreto de colisão frontal com o veículo que circulava na faixa de rodagem que invadiu, colisão que não chegou a verificar-se porque o condutor do referido veículo logrou imobilizá-lo. Assim, atenta a factualidade julgada provada na decisão recorrida, tendo o arguido agido de forma livre, deliberada e consciente, com o propósito conseguido de conduzir em violação às regras de circulação rodoviária nomeadamente relativas à obrigação de circular na faixa de rodagem da direita, invadindo a faixa de rodagem contrária onde circulava um outro veículo que se viu obrigado a parar de modo a evitar uma colisão frontal, colocando assim em perigo a integridade física e até mesmo a vida do condutor do veículo que circulava na artéria onde transitou, ciente do perigo que causava, é manifesto que se mostra preenchido o crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo art.º 291.º, n.º 1, alínea b), do C. Penal. Improcede, pois, também nesta parte, o recurso interposto. * 2.3.3. – Do alegado excesso da medida das penas Finalmente alega o recorrente que as penas concretas aplicadas são excessivas, porque situadas sempre perto do máximo legal, penas que, não obstante os antecedentes criminais do arguido, se revelam exageradas, por excessivas e desproporcionais à culpa, à ilicitude dos factos e às necessidades de prevenção geral e especial. Refere ainda o recorrente que é ainda muito jovem e tem já penas de prisão elevadas para cumprir, 7 anos de prisão que está prestes a iniciar, que a previsão de cumprimento de uma pena elevada de prisão afasta o perigo de repetição deste tipo de crimes e que a factualidade provada não permite ultrapassar o ponto médio das penas. Na resposta, defendeu o Ministério Público que as penas concretas se mostram justas e adequadas, tendo em conta as especiais exigências de prevenção geral e especial e a culpa do arguido, bem como o quadro geral de actuação deste e as suas repercussões e bem assim a personalidade do arguido manifestada no cometimento dos crimes. Vejamos. Quanto à medida concreta da pena, importa referir que, no que respeita à apreciação das penas fixadas pela 1ª Iinstância, a intervenção dos tribunais de 2a Instância deve ser parcimoniosa e seguir a jurisprudência exposta, quanto à intervenção do STJ, no Ac. do mesmo Tribunal de 27/05/2009, relatado por Raul Borges, disponível in www.gde.mj.pt, Proc. 09P0484, no qual se considera: "... A intervenção do Supremo Tribunal de Justiça em sede de concretização da medida da pena, ou melhor, do controle da proporcionalidade no respeitante à fixação concreta da pena, tem de ser necessariamente parcimoniosa, porque não ilimitada, sendo entendido de forma uniforme e reiterada que "no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada".(No mesmo sentido, Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 197, § 255). Só em caso de desproporcionalidade na sua fixação ou necessidade de correção dos critérios de determinação da pena concreta, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso, deverá intervir o tribunal de 2ª Instância alterando o quantum da pena concreta. Caso contrário, isto é, mostrando-se respeitados todos os princípios e normas legais aplicáveis e respeitado o limite da culpa, não deverá o tribunal de recurso intervir corrigindo/alterando o que não padece de qualquer vício. É que, como tem vindo a ser afirmado em inúmeras decisões, os recursos não são novos julgamentos da causa, mas sim “remédios jurídicos” que visam colmatar incorrecções ou imprefeições das decisões recorridas. Assim, o Tribunal da Relação só deverá alterar a pena fixada na 1ª Instância se detectar incorrecções no processo da sua determinação ou na aplicação das regras e princípios legais e constitucionais que a regem. Importará atentar ainda nos ensinamentos de Figueiredo Dias, in “Revista Portuguesa de Ciência Criminal”, ano 3, 2º a 4º, Abril-Dezembro de 1993, págs. 186 e seg., que acentuam que o modelo de determinação da medida da pena comete à culpa a função (única, mas nem por isso menos decisiva) de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena; à prevenção geral (de integração) a função de fornecer uma moldura de prevenção, cujo limite máximo é dado pela medida óptima de tutela dos bens jurídicos – dentro do que é consentido pela culpa – e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico; e à prevenção especial a função de encontrar o “quantum” exacto de pena, dentro da referida moldura de prevenção, que melhor sirva as exigências de socialização (ou, em casos particulares, de advertência ou de segurança) do delinquente. De harmonia com o disposto no art.º 71.º, n.º 1, do C. Penal, «a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção». Culpa e prevenção constituem assim o binómio com auxílio do qual há-de ser construído o modelo da medida da pena. Como afirma o Prof. Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português, II, As Consequências Jurídicas do Crime”, 1993, § 280 e ss, através do requisito de que sejam levadas em conta as exigências de prevenção, dá-se lugar à necessidade comunitária de punição do facto concretamente praticado pelo agente e, consequentemente, à realização in casu das finalidades da pena; com a consideração da culpa do agente, dá-se tradução à exigência de que a vertente pessoal do crime - ligada ao mandamento incondicional de respeito pela eminente dignidade da pessoa do agente - limite de forma inultrapassável as exigências de prevenção. A culpa constitui, pois, o pressuposto-fundamento da validade da pena e tem, ainda, por função estabelecer o limite máximo da pena concreta. Não há pena sem culpa e a medida da pena não pode ultrapassar a da culpa (artº 40º, nº 2, do C. Penal). A medida da culpa deve evitar ainda a quebra da inserção social do agente e servir a sua reintegração na comunidade, só deste modo e por esta via se alcançando uma eficácia óptima de protecção dos bens jurídicos (Obra e autor citado, pág 231). Estabelece, ainda, o artº 71º, nº 2, do C. Penal que, na determinação da medida concreta da pena, o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente, o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente, a intensidade do dolo ou da negligência, os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram, as condições pessoais do agente e a sua situação económica, a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime, e a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena. Prosseguindo a pena finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção geral positiva ou de integração e de prevenção especial de socialização (Figueiredo Dias, obra citada, § 302 e ss,), vejamos em que termos foram fixadas as penas postas em crise nestes autos. Analisando a decisão recorrida, verifica-se que o Tribunal a quo afastou, e bem, a pena de multa prevista em alternativa para os crimes de condução sem habilitação legal, injúria agravada e condução perigosa de veículo rodoviário. Sobre a matéria, diz-se no douto acórdão recorrido: «E. Da Escolha e Medida da Pena Face à alternatividade das penas previstas para os crimes de Condução Sem Habilitação Legal, Injúria Agravada e Condução Perigosa de Veículo Rodoviário cumpre, antes de mais, optar pelas penas a aplicar ao Arguido. O critério de escolha entre a pena de prisão e a pena de multa vem apontado no artigo 70º, do Código Penal que dispõe que: “Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa pena de prisão e pena não privativa de liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades da prevenção”. Nestes termos, o Tribunal dá preferência à aplicação de uma pena de multa sempre que ela assegurar de modo adequado e suficiente as finalidades da punição, que são a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (artigo 40º do Código Penal). A escolha da pena depende, assim, de considerações de prevenção geral positiva e especial, não se considerando aqui a culpa, que apenas será valorada na determinação da medida da pena. No caso em apreço, os vastos antecedentes criminais do Arguido, designadamente pela prática de crimes de Condução Sem Habilitação Legal, de Injúria e de Condução Perigosa de Veículo Rodoviário desaconselham veementemente a aplicação de outra pena que não a privativa da liberdade. Acrescem as necessidades de prevenção geral que se revelam elevadas no que diz respeito às criminalidades em causa, impondo-se uma intervenção firme por parte da Justiça, pelo que se opta pela aplicação de penas de prisão.» Atentas as razões indicadas na decisão recorrida, nenhum reparo merece o afastamento da pena de multa, pena que se afigura efectivamente insuficiente para acautelar as exigências de prevenção especial, que se mostram elevadas, atentas as diversas condenações que o arguido já apresenta, algumas por crimes de idêntica natureza, bem como as necessidades de prevenção geral, igualmente elevadas. No que respeita à determinação concreta das penas de prisão, considerou ainda a decisão recorrida: «Dispõe o artigo 71º que "a determinação da medida da pena dentro dos limites definidos na lei, far-se-á em função da culpa do agente, tendo ainda em conta as exigências de prevenção de futuros crimes". Segundo o modelo consagrado no artigo 40º do Código Penal, primordialmente, a medida da pena há-de ser dada por considerações de prevenção geral positiva, isto é, prevenção enquanto necessidade de tutela dos bens jurídicos que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma infringida. Através do requisito da culpa, dá-se tradução à exigência de que aquela constitui um limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas (limite máximo). Por último, dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva - entre o ponto óptimo e o ponto ainda comunitariamente suportável - podem e devem actuar pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo elas que vão determinar, em último termo, a medida da pena. (Cfr. Prof. Figueiredo Dias, in As Consequências Jurídicas do Crime, p. 227 e Anabela Rodrigues, in A Determinação da Medida da Pena Privativa da Liberdade, p. 478 e ss. e, ainda, a título meramente exemplificativo, o acórdão do S.T.J., de 10.04..96, CJSTJ, ano IV, t. 2, p. 168). Tendo presente o modelo adoptado, importa de seguida eleger, no caso concreto, os critérios de aquisição e de valoração dos factores da medida da pena referidos nas diversas alíneas do nº 2 do artigo 71º do Código Penal. Assim, será de considerar, desde logo, que as necessidades de prevenção geral são prementes, atendendo ao aumento do tipo de criminalidade em causa, ao elevado nível de sinistralidade rodoviária em Portugal e uma vez que os crimes contra as autoridades policiais são uma constante nesta comarca. Impõe-se, deste modo, uma especial chamada de atenção para o respeito que é devido às instituições públicas em geral, nomeadamente, aos agentes policiais no exercício das suas funções, devendo a pena restabelecer a tranquilidade e a expectativa comunitárias na vigência e validade das normas violadas; O grau de ilicitude dos factos que se revela elevado, atendendo ao modo de execução dos factos e o dolo é intenso. No que tange à situação pessoal do Arguido, temos que o mesmo não tem qualificações escolares e formativas ou hábitos de trabalho consistentes, revela dificuldades de controlo dos impulsos e uma personalidade violenta. Acrescem os seus antecedentes criminais, pela prática de crimes de natureza diversa, alguns dos quais de idêntica natureza aos dos presentes autos. De considera igualmente que, tendo-lhe sido aplicadas, por mais de uma vez, penas de prisão suspensas na sua execução, as mesmas não serviram de advertência suficiente para afastar o Arguido da prática de novos crimes, revelando, ao invés, um carácter fortemente delinquente. Tudo ponderado, entende-se adequado, condenar o Arguido nas seguintes penas: - 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão pela prática do crime de Condução Sem Habilitação Legal; - 4 (quatro) anos pela prática do crime de Resistência e Coacção sobre Funcionário; - 3 (três) meses de prisão pela prática do crime de Injúria Agravada; e - 2 (dois) anos de prisão pela prática do crime de Condução Perigosa de Veículo Rodoviário.» Vejamos. As molduras penais abstractas são, no caso, as seguintes: - crime de condução sem habilitação legal – punível com pena de prisão até 2 anos ou multa até 240 dias; - crime de resistência e coacção sobre funcionário – punível com pena de 1 a 5 anos de prisão; - crime de injúria agravada – punível com pena de 45 dias a 4 meses e 15 dias de prisão ou 15 dias a 180 dias de multa; - crime de condução perigosa de veículo rodoviário – punível com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa. Do certificado de registo criminal do arguido, constam as seguintes condenações: - no Processo nº ---/08.0GDPTM, por decisão de 14.07.2010, transitada em julgado em 30.04.2012, pela prática, em 09.10.2008, de dois crimes de furto de uso de veículo, de um crime de detenção de arma proibida e de dois crimes de furto qualificado, na pena única de 3 anos e 4 meses de prisão suspensa na sua execução por igual período de tempo com regime de prova; - no Processo nº ---/09.8GEPTM, por decisão de 04.05.2011, transitada em julgado em 20.09.2011, pela prática, em 25.05.2009, de dois crimes de coacção agravada, na pena de 18 meses suspensa na sua execução por igual período de tempo com regime de prova; - no Processo nº ---/09.4GEPTM, por decisão de 20.12.2011, transitada em julgado em 02.10.2012, pela prática, em 23.08.2009, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 230 dias de multa; - no Processo nº --/12.1GCSLV, por decisão de 19.01.2012, transitada em julgado em 03.12.2012, pela prática, em 12.01.2012, de dois crimes de injúria, nas penas parcelares de 2 meses de prisão por cada um dos crimes e, em cúmulo jurídico, na pena única de 3 meses de prisão suspensa na sua execução por 1 ano; - no Processo nº --/12.9PATVR, por decisão de 27.04.2012, transitada em julgado em 19.11.2013, pela prática, em 18.03.2012, de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário e de um crime de injúria agravada, na pena de 210 dias de multa; - no Processo nº ---/11.4TBPTM, por decisão de 26.09.2012, transitada em julgado em 26.10.2012, pela prática, em 14.12.2008, de um crime de roubo, na pena de 18 meses de prisão suspensa na sua execução por igual período de tempo com regime de prova; - no Processo nº ---/09.6GEPTM, por decisão de 19.02.2013, transitada em julgado em 18.03.2013, pela prática, em 27.08.2009, de um crime de furto qualificado na forma tentada, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão suspensa na sua execução por igual período de tempo com regime de prova; - no Processo nº ---/12.3PATVR, por decisão de 15.07.2014, transitada em julgado em 19.12.2014, pela prática, em 19.03.2012, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 10 meses de prisão suspensa na sua execução por 1 ano; e - no Processo nº ---/11.2PEEVR, por decisão de 03.02.2015, transitada em julgado em 05.03.2015, pela prática, em 30.07.2011, de um crime de detenção de arma proibida, na pena de 2 anos e 3 meses de prisão suspensa na sua execução, com regime de prova. Assim, no caso sub judice, em termos de medida da pena, importa ter presentes as necessidades de prevenção geral que se afiguram elevadas, atendendo ao aumento deste tipo de criminalidade, ao elevado nível de sinistralidade rodoviária em Portugal e ao cada vez maior número de ilícitos contra as autoridades policiais. Por sua vez, há que considerar o grau de ilicitude dos factos que se revela mediano, atendendo ao modo de execução e à circunstância de não ter ocorrido qualquer acidente, nem quaisquer lesões físicas para os dois militares da GNR. A culpa do arguido, moldada no dolo directo e intenso, é significativa, não podendo, porém, esquecer-se que a sucessão dos factos ocorreu num mesmo contexto. De entre as condições pessoais do arguido, ressalta a ausência de qualificações escolares e formativas ou hábitos de trabalho consistentes, a sua juventude (actualmente com 25 anos de idade), a dificuldade que evidencia de controlo dos impulsos e a personalidade violenta que revela. Por fim, importa considerar os antecedentes criminais do arguido pela prática de diversos crimes, alguns dos quais de natureza idêntica à dos em causa nestes autos, relativamente aos quais lhe foram aplicadas penas de prisão suspensas na sua execução e penas de multa, penas que, no entanto, não serviram de advertência suficiente para afastar o arguido da prática de novos crimes. Neste enquadramento, pese embora o elevado número de antecedentes criminais do arguido, por factos praticados entre 2008 e 2012, perante as consequências dos ilícitos praticados que não se afiguram especialmente gravosas, sendo de realçar que, quanto ao crime de condução perigosa, não se verificou qualquer acidente e, quanto ao crime de resistência e coacção sobre funcionário, não chegaram a verificar-se quaisquer lesões físicas, entendemos que as penas a aplicar ao arguido se deverão situar perto do meio da moldura penal, ou ligeiramente abaixo. Assim, quanto às penas fixadas pelo Tribunal a quo relativamente aos crimes de condução sem habilitação legal, resistência e coacção sobre funcionário e condução perigosa de veículo rodoviário, entendemos que tais penas se mostram excessivas e desproporcionadas à culpa do arguido e às necessidades de prevenção geral e especial, impondo-se, por isso, a sua redução. Já no que respeita à pena de três meses de prisão aplicada quanto ao crime de injúria agravada, afigura-se a mesma justa e adequada, não excedendo a culpa do arguido, nem as necessidades de prevenção, razão pela qual é de manter a mesma. E estando agora em causa a prática de dois crimes de injúria agravada, nos termos atrás referidos, por serem dois os ofendidos, inexistindo qualquer razão para punir de forma diferente cada um desses crimes, aplicar-se-á a cada um deles idêntica pena. Deste modo, ponderando todos os elementos referidos, afigura-se justo e adequado, aplicar ao arguido pela prática de: - dois crimes de injúria agravada, a pena de 3 meses de prisão por cada um deles; - um crime de condução sem habilitação legal, a pena de 1 ano de prisão; - um crime de resistência e coacção sobre funcionário, a pena de 2 anos de prisão; e - um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, a pena de 1 ano e 6 meses de prisão. * Em face das referidas condenações, impõe-se proceder ao necessário cúmulo jurídico (art.º 77.º do C. Penal). Para tanto, proceder-se-á, de novo, à fixação da medida da culpa do arguido, traduzida na pena única, tendo em consideração os factos por que foi condenado e a sua personalidade, bem como as circunstâncias em que tais factos ocorreram, a gravidade dos ilícitos e/ou a sua natureza e espaço de tempo em que aqueles ocorreram. Segundo o Prof. Figueiredo Dias (in Direito Penal Português – Parte Geral II, “As Consequências Jurídicas do Crime”, págs. 291 e 292) «... tudo deve passar-se (...) como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente revelará, entretanto, a questão de se saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma “carreira”) criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade dos crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente...». De harmonia com o disposto nos art.º 77.º, nºs 1 e 2, do C. Penal, a pena mínima a aplicar ao arguido será a mais elevada das penas concretamente aplicadas, no caso, a de 2 anos de prisão, e, a pena máxima, a soma de todas aquelas, isto é, a pena de 5 anos de prisão. Passando à determinação da medida concreta da pena de prisão a aplicar ao arguido e considerando os princípios constantes do art.º 71.º do C. Penal, verifica-se que a culpa do arguido se encontra ligada à avaliação da sua livre capacidade para se determinar de acordo com a lei e os princípios básicos que regem a vida em sociedade. A trajectória pessoal do arguido torna elevadas as necessidades de reinserção social, atentos os diversos antecedentes criminais que possui, por crimes de diversa natureza, sendo assim elevadas as necessidades de prevenção especial. Quanto às exigências de prevenção geral, afiguram-se as mesmas consideráveis, perante a proliferação de crimes de resistência e coacção sobre funcionário, injúria agravada, condução sem habilitação legal e condução perigosa de veículo rodoviário e suas nefastas consequências, impondo-se, por isso, restaurar a confiança dos cidadãos nas normas violadas. Por outro lado, para além dos factos considerados provados, impõe-se ponderar ainda o espaço temporal de poucos minutos em que os ilícitos ocorreram e a ausência de consequências gravosas decorrentes dos mesmos, os antecedentes criminais que o arguido já apresenta, bem como a sua personalidade, espelhada nos ilícitos cometidos com reiteração de condutas, sendo evidente, perante as diversas condenações anteriores, que o arguido não interiorizou devidamente o desvalor das suas condutas, mostrando-se de alguma forma indiferente ao mesmo e também às condenações que já sofreu. Impõe-se valorar ainda a juventude do arguido, actualmente com 25 anos de idade. Por fim, é de relevar igualmente as suas condições pessoais acima referidas, designadamente a ausência de escolaridade e de hábitos de trabalho e a sua personalidade impulsiva e violenta, aspectos que poderão dificultar a sua reinserção social. Tudo ponderado, tendo em atenção o fim essencial de qualquer pena - a reabilitação e reinserção social do arguido, desde que suficientemente salvaguardadas as exigências de prevenção geral - procedendo ao cúmulo jurídico das penas aplicadas, mostra-se adequado fixar ao arguido a pena única de 3 anos de prisão. * Perante a medida de tal pena, impõe-se analisar a possibilidade de suspensão da execução da mesma. Na verdade, estabelece o artº 50º, nº 1, do C. Penal, que o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. No caso dos autos, uma vez que as necessidades de prevenção geral são prementes, atentos os diversos bens jurídicos atingidos, aumento deste tipo de criminalidade e elevado nível de sinistralidade rodoviária em Portugal, e que as necessidades de prevenção especial se mostram igualmente muito elevadas não só porque o arguido apresenta diversos antecedentes criminais, por crimes de diversa natureza, mas também porque se verifica que as anteriores suspensões da execução das penas em que foi condenado não impediram que o mesmo viesse a cometer novos crimes, sendo assim consideráveis os factores de risco de reincidência, entendemos que, neste enquadramento, não é possível concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, razão pela qual não se suspenderá a execução da pena única agora fixada, a qual será, consequentemente, de prisão efectiva. III – DECISÃO Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em: a) Conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido e, consequentemente, b) Condenar o arguido F. pela prática de: - um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelos art.ºs 3º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, e 123.º, n.º 1, do C. da Estrada, na pena de 1 (um) ano de prisão; - um crime de resistência e coacção sobre funcionário, p. e p. pelo art.º 347.º, n.ºs 1 e 2, do C. Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão; - dois crimes de injúria agravada, p. e p. pelos art.ºs 181.º, n.º 1, e 184.º do C. Penal, na pena de 3 (três) meses de prisão, por cada um deles; e - um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo art.º 291.º, n.º 1, alínea b), do C. Penal, com referência aos art.ºs 4.º, 13.º e 145.º, n.º 1, alínea a), do C. da Estrada, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão; - e, em cúmulo jurídico, na pena única de 3 (três) anos de prisão efectiva; c) No mais, confirma-se o douto acórdão recorrido. d) Sem custas (artº 513º, nº 1, do C.P.P.). Elaborado em computador e integralmente revisto pela relatora (artº 94º, nº 2, do C.P.P.) Évora, 06 de Dezembro de 2016 ________________________________ (Maria Leonor Botelho) ________________________________ (Gilberto da Cunha) |