Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | ANTÓNIO JOÃO LATAS | ||
Descritores: | DETENÇÃO DE ARMA PROIBIDA CAUSAS DE ATIPICIDADE ILICITUDE INSIGNIFICANTE | ||
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Data do Acordão: | 09/17/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIDO | ||
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Sumário: | I. Para efeitos do crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo artigo 86.°da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, pratica a ação típica na modalidade de detenção quem tenha a arma consigo ou quem a tenha na sua esfera de disponibilidade, ainda que de forma esporádica ou transitória, sem prejuízo da eventual verificação das causas comuns de justificação ou de exclusão da culpa. II. Causas de atipicidade penal são circunstâncias que, por razões materiais, excluem a tipicidade da conduta apesar de esta aparentar e formalmente encaixar-se na descrição legal, supondo, portanto, a negação do tipo podendo considerar-se como tal, sem exaustividade, o princípio da insignificância, a tolerância social, alguns casos de adequação social, certos casos de consentimento não plenamente válido ou a inexigibilidade penal geral. III. Não obstante o curto período de detenção da arma por parte do arguido recorrente corresponder, em princípio, à descrição típica do art. 86º n.º 1, al. c), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, a concreta configuração da detenção e o contexto em que a mesma se verificou impõem a conclusão de que a conduta do arguido recorrente se encontra excluída daquele tipo de ilícito por ser socialmente tolerada, dada a insignificância do respetivo grau de ilicitude.[1] | ||
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Decisão Texto Integral: | Em conferência, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I. Relatório 1. – Nos presentes autos de processo comum com intervenção do tribunal singular que corre termos no 2º juízo criminal do T.J. de Montemor - o - Novo o MP deduziu acusação contra L, nascido em 02-06-1965, natural de Tomar, residente em Montemor-o-Novo, J, nascido em 18-07-1980, natural de Évora, residente em Montemor-o-Novo e A., nascido em 30-04-1979, natural de Évora, residente em Montemor-o-Novo, imputando ao arguido J. a prática, em autoria material, de um crime de tráfico e mediação de armas, p. e p. no art. 87.°., n.º 1, da Lei n." 5/2006, de 23-02, na redacção que lhe foi dada pela Lei n." 17/2009, de 6-05. O MP imputara ao arguido L a prática, em autoria material e em concurso efetivo real heterogéneo, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art.152.°, n.º 1, al. a), e 2, do Código Penal, um crime de detenção de arma e de munições proibidas, p. e p. pelo art. 86.°, n.º 1, als. c) e d), da Lei n.º 5/2006, de 23-02, na redação que lhe foi dada pela Lei n." 17/2009, de 6-05 e de um crime de tráfico e mediação de armas, p. e p. no art. 87.°, n.º 1, dos mesmos diplomas legais. Por último, o MP imputara ao arguido A. a prática, em autoria material, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86.°, n.º 1, als. c), da Lei n.º 5/2006, de 23.02, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 17/2009, de 6.05. A Administração Regional de Saúde do Alentejo, Centro de Saúde de Montemor-o-Novo deduziu, a fls. 513 e ss., pedido de indemnização civil contra o arguido L., reclamando do mesmo o pagamento da quantia de € 36,00 (trinta e seis euros). 2. – Realizada a Audiência de discussão e julgamento e proferida sentença, o tribunal coletivo decidiu condenar J. pela prática, em autoria material, de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.°, n.º 1, al. c), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na redação dada pela Lei n.º 17/2009, de 6.05., na pena de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período correspondente ao da pena de prisão, nos termos do disposto no artigo 50.°, do Código Penal, subordinada ao regime de prova, nos termos previstos no artigo 53.°, do Código Penal, mediante plano a elaborar pelos Serviços de Reinserção Social. Decidiu ainda: - Condenar L pela prática, em autoria material e em concurso efectivo real heterogéneo, de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.°, n.º1, al. a) e 2, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão; - Condenar L. pela prática, em autoria material e em concurso efectivo real heterogéneo, de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.°, n.º 1, al. c), da Lei n." 5/2006, de 23 de Fevereiro, na redacção dada pela Lei n." 17/2009, de 6.05., na pena de 280 (duzentos e oitenta) dias de multa; - Condenar L. pela prática, em autoria material e em concurso efectivo real heterogéneo, de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.°, n.º 1, al. d), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na redacção dada pela Lei n." 17/2009, de 6.05., na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa; - Condenar L., operando o cúmulo jurídico, nos termos do art." 77.°, do Código Penal, na pena única de 300 (trezentos) dias de multa, à razão diária de € 6,00 (seis euros), o que perfaz a multa total de € 1.800,00 (mil e oitocentos euros), e a que correspondem 200 (duzentos) dias de prisão subsidiária, caso a multa não seja voluntária ou coercivamente paga - cfr. art." 49.°, do Código Penal; - Condenar A. pela prática, em autoria material, de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.°, n.º 1, al. c), da Lei n." 5/2006, de 23 de Fevereiro, na redacção dada pela Lei n.º 17/2009, de 6.05., na pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa, à razão diária de € 5,00 (cincos euros), o que perfaz a muita total de € 900,00 (novecentos euros), e a que correspondem 120 (cento e vinte) dias de prisão subsidiária, caso a muita não seja voluntária ou coercivamente paga - cfr. art.º 49.°, do Código Penal; - Suspender a execução da pena de prisão de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão, aplicada a L. constantes de A. e E., pelo período correspondente ao da pena de prisão, nos termos do disposto no artigo 50.°, do Código Penal, subordinada ao regime de prova, nos termos previstos no artigo 53.°, do Código Penal, mediante plano a elaborar pelos Serviços de Reinserção Social; - Julgar o pedido cível deduzido pela Administração Regional de Saúde do Alentejo, lP./Centro de Saúde de Montemor-o-Novo procedente, por provado e, consequentemente, condenar L. no pagamento ao demandante da quantia de € 36,00 (trinta e seis euros), a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos pelo mesmo, acrescidos de juros vencidos e vincendos, à taxa legal, até efetivo e integral pagamento; 3. – Inconformado, recorreu o arguido J., extraindo da sua motivação as seguintes conclusões: «CONCLUSÕES a) - Consta dos autos, que o arguido foi apenas um mero detentor da arma proibida durante apenas umas horas. b) - Na última semana de Novembro de 2009, o arguido L, solicitou ao Recorrente, que este entregasse uma arma para reparação ao arguido A. E foi o que o Recorrente J., fez. c) - O Recorrente, fez apenas um favor a um amigo, desconhecendo em absoluto se este teria ou não licença de uso e porte de arma ou se a arma estava registada ou não. d) - Aliás, não era sua obrigação saber, pois no momento, não tinha consciência de estar a cometer qualquer delito ou crime, pois julgava que a dita arma estaria conforme as normas legais e apenas estava a fazer um favor a um amigo, levando-a para arranjar, conforme lhe tinha sido pedido. e) – Sendo certo, que quem iria buscar de novo a arma seria o arguido L. e não o Recorrente. f) - O arguido-recorrente nunca mais pensou em tal assunto, desconhecendo em absoluto que estaria a cometer qualquer delito. g) - A intervenção do Recorrente em todo este processo conforme resulta dos factos provados e não provados, resumiu-se à detenção da referida arma, por umas horas e a sua entrega para reparação ao arguido A. a pedido do seu amigo L. h) – É manifestamente forçado para não dizer pesado, ser o arguido condenado pela prática de um crime de detenção de arma proibida. i)– Pois que, tal arma nunca foi possuída nem tão pouco o mesmo foi detido com a mesma, porque razão é que o mesmo há-de ser condenado por posse daquela arma. j) – Pese embora o seu CRC, considera o arguido que a pena que lhe foi aplicada, tendo em conta o caso em apreço, pena essa de 2 anos e dez meses, suspensa por igual período e sujeita ao regime de prova é manifestamente excessiva e desproporcional, devendo em seu entender ser absolvido ou caso assim se não entenda, ser condenado no mínimo legal previsto. l) Pois que, é um jovem encontra-se inserido em termos sociais, profissionais e familiares e admitiu parte dos factos que lhe são imputados. m) – A douta sentença violou o princípio da equidade e o disposto à contrário, as disposições legais do art. 87º, nº1 da Lei nº 5/2006, de 23/02, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 17/2009, de 6-05. NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO, deve o presente recurso ser julgado procedente e provado e em consequência revogada a douta sentença e substituída por outra, que leve em consideração, tudo quanto supra se alegou» 4. - Na sua resposta ao recurso, o MP pronuncia-se pela sua improcedência. 5. Nesta Relação, o senhor magistrado do MP apresentou o seu parecer no mesmo sentido. 6. – Notificado da junção daquele parecer, o arguido recorrente nada acrescentou. ** 7. – A decisão recorrida (transcrição parcial) «Produzida a prova, e após deliberação deste Tribunal, consideram-se provados, com relevância para a decisão a proferir, os seguintes factos: 1. L e N contraíram matrimónio entre si no dia 17.11.1990, convivendo maritalmente desde tal data até ao dia 28.02.2009, tende-se divorciado no dia 20.05.2009; 2. Em resultado de tal casamento, L e N. têm três filhos: S, nascida em 10.02.1991; LF, nascido em 3.09.1994; e JP, nascido em 2.10.2007; 3. Durante todo o tempo do convívio conjugal, e designadamente nos últimos 10 anos, L. embriagava-se e, quando nesse estado, dirigia a N, além de outras, as seguintes palavras e expressões: «És uma cabra, puta, vaca, andas com todos, porca, ordinária»; 4. No dia 22.09.2008, pelas 4,00 horas, na casa de morada de família, sita na Herdade..., Montemor-o-novo, N. confrontou L. com relação amorosa que desde Março desse ano ele vinha mantendo com outra mulher e acabou por exigir-lhe que ele abandonasse a casa; 5. Reagindo a tal situação, L. agarrou N. pelo braço esquerdo, apertou-lho e, simultaneamente, desferiu-lhe bofetadas na cara e na região torácica; 6. Em consequência directa e necessária, advieram para N. hematomas no braço esquerdo, na cara e zona torácica, aos quais não recebeu assistência médica; 7. Nesse mesmo dia, junto da porta de acesso à referida casa de morada de família, L. exigiu a N. que lhe entregasse ou lhe dissesse onde estava a espingarda de caça do patrão de ambos - que ela havia escondido, por já ter sido alvo de ameaças anteriores -, dizendo-lhe que a mataria; 8. Em dia e hora não apurados do ano de 2009, junto do portão de acesso à Herdade ..., quando foi entregar o filho JP a N e na presença dos três filhos, L. desferiu um empurrão naquela, não lhe tendo causado qualquer lesão física visível nem doença; 9. Nesse mesmo dia, junto à porta de entrada do Tribunal de Montemor-o¬Novo, L. disse à denunciante: «Se não fores minha, não és de mais ninguém», querendo assim transmitir-lhe intenção de a matar, por se ter divorciado dele; 10. Passado algum tempo, em dia e hora não apurados do ano de 2009, junto do portão de acesso à Herdade..., quando foi entregar o filho JP a N e na presença dos três filhos, L. desferiu um empurrão naquela, não lhe tendo causado qualquer lesão física visível nem doença; 11. Decorridos que foram alguns dias, em dia e hora não apurados do ano de 2009, junto do portão de acesso à Herdade..., L. apertou com as duas mãos o pescoço de N., não lhe tendo causado qualquer lesão física visível nem doença; 12. Em pelo menos outras três ocasiões distintas, em datas indeterminadas dos anos de 2008 e 2009, na Herdade..., L. desferiu bofetadas na cara de N; 13. No dia 7.09.2009, pelas 19,15 horas, no parque de estacionamento junto do Café do União, na cidade de Montemor-o-Novo, na presença dos filhos JP e LF, L. perguntou a N: «O que é isso que trazes aí nos cornos (referindo-se a uma flor que ela tinha presa no cabelo)?» e simultaneamente desferiu-lhe um soco no lado direito da cara; 14. Em consequência directa e necessária, N. sofreu epistáxis na narina direita, edema no lábio superior e hematoma na asa direita do nariz da ofendida, que lhe determinaram doença durante 5 (cinco) dias, sendo os dois primeiros com incapacidade laboral; 15. L quis, do modo descrito, ofender a integridade física de N e causar-lhe lesões físicas; ofender a honra e consideração da mesma, causar-lhe medo, inquietação e prejudicar a sua liberdade de determinação e sabia que as palavras que lhe dirigiu, dados os seus significados normais e correntes, que conhecia, eram para tanto objectivamente adequadas; 16. L sabia que, por ser ou por ter sido cônjuge de N. e terem filhos comuns, estava especialmente obrigado a respeitá-la e a prestar-lhe cooperação e assistência e que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei; 17. No dia 11.12.2009, ás 7,55 horas, na sua residência, sita na Rua...., na cidade de Montemor-o-Novo, L. tinha em seu poder 8 ( oito) munições de salva de calibre 5,56 mm; 1 (uma) munição real, do mesmo calibre; e 5 (cinco) cartuchos de calibre 12 mm, 4 (quatro) carregados com chumbos e I (um) carregado com bala; 18. Em dia não apurado da última semana de Novembro do ano de 2009, na cidade de Montemor-o-Novo, L entregou a J a carabina da marca "Voere Voehrenbach", modelo "Floberr Olatt", com o n.º 848368, de calibre 6 mm, que foi propriedade do seu pai e da qual se apossou após o óbito deste, para que o mesmo a entregasse a A, a fim de este a reparar, devendo devolvê-la aL. após reparação; 19. Subsequentemente, em dia e hora não apurados, J. entregou, para tal fim, a descrita carabina A. junto à habitação deste último, sita na Rua ..., em Montemor-o-Novo, o qual a manteve na sua posse até ao dia 11.12.2009, data em que foi apreendida; 20. A carabina descrita em 18. não estava registada em nome de L. nem de J. ou de A. 21. L, J e A. não são titulares de licença de uso e porte de armas de fogo; 22. L não era titular de autorização/licença de detenção das munições de alarme ou de salva descritas em 17; 23. L. J e A. sabiam que a propriedade, a posse e mesmo a simples detenção da arma e das munições referidas era legalmente condicionada à titularidade da respectiva licença de uso e porte de arma e ao registo da arma em seu próprio nome; 24. L sabia que J não era titular de licença de uso e porte nem de simples detenção de armas de fogo, assim como este sabia que A. também não era titular de tal licença; 25. L, J e A agiram sempre voluntária, livre e conscientemente, bem sabendo que as respectivas condutas eram proibidas e puníveis por lei. Mais se provou que L: 26. Confessou parcialmente os factos que lhe foram imputados; 27. Estudou até à 4.a Classe; 28.Tem a profissão de tratador de animais, auferindo mensalmente a quantia de € 550,00 (quinhentos e cinquenta euros); 29. Reside gratuitamente em casa de um familiar; 30. Despende a quantia de € 200,00 (duzentos euros) mensais para combustível e medicação para a hipertensão e diabetes, doenças de que padece; 31. Foi condenado, por sentença proferida em 21.09.2007, no âmbito do processo sumário n.º ---/07.8GTEVR, do 2.° Juízo do Tribunal Judicial de Montemor-o-Novo, transitada em julgado, na pena de 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de € 4,00 (quatro euros), e na inibição de condução por três meses, pela prática, no dia 1.09.2007, de um crime de Condução em estado de embriaguez; Provou-se, ainda, que J: 32. Confessou parcialmente os factos que lhe foram imputados; 33. Estudou até à 4.a Classe; 34.Tem a profissão de vendedor ambulante, auferindo mensalmente a quantia média de € 400,00 (quatrocentos euros); 35. Vive com uma companheira e dois filhos menores, em casa arrendada; 36. Despende a quantia de € 125,00 (cento e vinte e cinco euros) a título de renda, ao que acrescem as demais despesas inerentes à vida familiar e educação dos seus filhos, em montante não apurado; 37. Foi condenado, por sentença proferida em 8.05.2001, no âmbito do processo sumário n.º ---/2001, do 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Montemor-o-Novo, transitada em julgado, na pena de 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de 1.000$00 (mil escudos), pela prática, no dia 8.05.2001, de um crime de Condução sem habilitação legal; 38. Foi condenado, por sentença proferida em 26.04.2006, no âmbito do processo n.º --/2003, do 2.° Juízo Criminal, do Tribunal Judicial de Évora, transitada em julgado, na pena de 50 (cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), pela prática, no dia 14.01.2003, de um crime de Contrafacção, imitação e uso ilegal de marca; 39. Foi condenado, por acórdão proferido no dia 6.06.2011, no âmbito do processo n.º ---/09.2PCEMD, da La Secção do Juízo de Grande Instância Criminal, transitado em julgado, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, pela prática, no ano de 2009, de um crime de Detenção de arma proibida e de um crime de receptação; Mais se provou que A: 40. Encontra-se desempregado, fazendo biscatos com pouca regularidade, que lhe permitem auferir cerca de € 30,00 por dia de trabalho; 41. Vive em casa da sua mãe e a expensas da mesma; 42. Estudou até ao 6.° ano; 43. Não tem antecedentes criminais; Por último, provou-se que: 44. Em consequência directa e necessária do constante de 13. e 14., dos factos provados, N. foi assistida no Centro de Saúde de Montemor-o¬Novo, onde foi observada e objecto de tratamentos médicos no montante de € 36,00 (trinta e seis euros). B) Factos não provados Dos factos constantes na acusação deduzida, com interesse para a decisão da causa, não resultou provado que: - o arguido L tenha dirigido a N. a frase "não prestas para nada"; - no momento da prática dos factos descritos em 5., o arguido tenha desferido socos em N; - no momento da prática dos factos descritos em 7., o arguido L tenha dito a N que se ela persistisse na intenção de se divorciar ele a mataria; - os factos descritos em 8., dos factos provados, tenham ocorrido no dia 20.05.2009; - os factos descritos em 10., dos factos provados, tenham ocorrido no dia 13.06.2009, pelas 20,10 horas; - os factos descritos em 11., dos factos provados, tenham ocorrido no dia 19.06.2009, pelas 12,30 horas; - aquando da prática dos factos descritos em 5, 8, 10, 11, 12 e 13, dos factos provados, o arguido L dirigiu a N as expressões descritos em 3., dos factos provados; - aquando da prática dos factos descritos em 13, o arguido L. desferiu uma palmada na cabeça de N; - o arguido L alienou a carabina descrita em 18., dos factos provados, favor do arguido J. entregando-lha mediante contrapartida não apurada; - o arguido J adquiriu a referida carabina com o propósito de a revender; - o arguido J propôs ao arguido A que lhe comprasse tal carabina pelo preço de € 400,00 e depois propôs-lhe permuta da mesma por algum objecto de valor que ele possuísse, designadamente um telemóvel, o que aquele recusou; - o arguido J doou tal carabina ao arguido A; - o arguido A. tenha recebido a identificada carabina no dia 8.12.2009, pelas 22,30 horas; * Quanto ao mais descrito na acusação, não constante dos factos provados e não provados, tratam-se de expressões jurídico-conclusivas - insusceptíveis, por isso, de prova - ou de factos irrelevantes para a decisão, razão por que se não atendeu aos mesmos. * C) Convicção do tribunal (…) D) Enquadramento Jurídico-penal Ao arguido L. foi imputada a prática, em autoria material e em concurso efectivo real heterogéneo, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art.º 152.°, n.º 1, al. a), e 2, do Código Penal e de dois crimes de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.º 86.°, n.º1, als. c) e d), da Lei n.º 5/2006, de 23.02, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 17/2009, de 6.05; Por seu turno, ao arguido J e ao arguido A. foi imputada a prática, em autoria material, por cada um, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art." 86.°, n.º 1, als. c), da Lei n.º 5/2006, de 23.02, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 17/2009, de 6.05. Vejamos então. 1- Quanto ao crime de violência doméstica (…) 2- Quanto ao crime de detenção de arma proibida: Como se referiu, quer o arguido L quer o arguido A. vêm acusados da prática, em autoria material, do crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.º 86.°, n.º 1, da Lei n.º 5/2006, de 23.02, na redacção que lhe foi dada pela Lei n." 17/2009, de 6.05., sendo que ao arguido L se imputa o preenchimento autónomo das al.s c) e d), e ao arguido A. o preenchimento da al. c), todas do n.º 1, do citado preceito legal, estando, desse domo, o primeiro comprometido com a prática de dois crimes e o segundo arguido, com a prática de um crime. Prevê o artigo 86.°, n.º 1, da Lei n.º 5/2006, de 23.02, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 17/2009, de 6.05., que: «I. Quem, sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, detiver, transportar, importar, transferir, guardar, comprar, adquirir a qualquer título ou por qualquer meio ou obtiver por fabrico, transformação, importação, transferência ou exportação, usar ou trouxer consigo: a) Equipamentos, meios militares e material de guerra, arma biológica, arma química, arma radioactiva ou susceptível de explosão nuclear, arma de fogo automática, explosivo civil, engenho explosivo ou incendiário improvisado é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos; b) Produtos ou substâncias que se destinem ou possam destinar, total ou parcialmente, a serem utilizados para o desenvolvimento, produção, manuseamento, accionamento, manutenção, armazenamento ou proliftração de armas biológicas, armas químicas ou armas radioactivas ou susceptíveis de explosão nuclear, ou para o desenvolvimento, produção, manutenção ou armazenamento de engenhos susceptíveis de transportar essas armas, é punido com pena de prisão de 2 a 5 anos; c) Arma das classes B, B1, C e D, espingarda ou carabina facilmente desmontável em componentes de reduzida dimensão com vista à sua dissimulação, espingarda não modificada de cano de alma lisa inferior a 46 cm, arma de fogo dissimulada sob a forma de outro objecto, ou arma de fogo transformada ou modificada, é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos ou com pena de multa até 600 dias; d) Arma da classe E, arma branca dissimulada sob a forma de outro objecto, faca de abertura automática, estilete, faca de borboleta, faca de arremesso, estrela de lançar, boxers, outras armas brancas ou engenhos ou instrumentos sem aplicação definida que possam ser usados como arma de agressão e o seu portador não justifique a sua posse, aerossóis de defesa não constantes da alínea a) do n. º 7 artigo 3.º, armas lançadoras de gases, bastão, bastão extensível, bastão eléctrico, armas eléctricas não constantes da alínea b) do n. º 7 do artigo 3. º, quaisquer engenhos ou instrumentos construídos exclusivamente com o fim de serem utilizados como arma de agressão, silenciador, partes essenciais da arma de fogo, munições, bem como munições com os respectivos projécteis expansivos, perfurantes, explosivos ou incendiários, é punido com pena de prisão até 4 anos ou com pena de multa até 480 dias. Mais dispõe, o art.º2.°, n.º 1, aI. p), da Lei n." 5/2006, de 23 de Fevereiro, na versão dada pela Lei n.º17/09, de 5.05., que deve ser considerada "arma de fogo" todo o engenho ou mecanismo portátil destinado a provocar a deflagração de uma carga propulsora geradora de uma massa de gases cuja expansão impele um ou mais projécteis. Do mesmo modo, o mesmo preceito legal, na sua al. aq), refere que deve ser considerada "Carabina" a arma de fogo longa com cano de alma estriada. Mais prevê, o mencionado artigo, no seu n.º 3, al. e), que dever-se-á entender por "Cartucho" o recipiente metálico, plástico ou de vários materiais, que se destina a conter o fulminante, a carga propulsora, a bucha e a carga de múltiplos projécteis, ou o projéctil único, para utilização em armas de fogo com cano de alma lisa. Acresce, a al. p), do mesmo preceito legal, que, referindo-se à "Munição de arma de fogo" esclarece que se trata do cartucho ou invólucro ou outro dispositivo contendo o conjunto de componentes que permitem o disparo do projéctil ou de múltiplos projécteis, quando introduzidos numa arma de fogo, esclarecendo, por fim, a al. ae), do n.º 3, referido, que a "Munição de salva ou alarme" se trata da munição sem projéctil, destinada unicamente a produzir um efeito sonoro no momento do disparo. No que se refere à classificação das armas, dispõe o art.º 3.°, do diploma a que vimos aludindo, no seu n.º 1, que as armas e munições são classificadas nas Classe A, B, B1, C, D, E, F, e G, de acordo com o grau da sua perigosidade, o fim a que se destinam e a sua utilização mais referindo, no seu n.º 5, que as armas de fogo longas, semiautomáticas, de repetição ou de tiro a tiro, de cano de alma estriada pertencem à Classe C, ou seja, as "Carabinas". Por outro lado, as munições para armas de alarme ou de salva integram a Classe G, conforme previsto na al. h), do n." 9, do art.? 3.°, do mencionado diploma legal. Além disso, constata-se que a detenção de carabinas e de munições se encontra dependente, além do mais, da titularidade, por parte do seu possuidor, de licença de uso e porte de arma da Classe C ou de autorização especial do Director Nacional da PSP, conforme previsto no art.º 7.°, da aludida Lei, e, bem assim, que a aquisição e detenção de munições de alarme ou de salva depende de prévia autorização da PSP, nos termos previstos no art.º 10.°, n.º 6 e 9, do diploma em análise. Do mesmo modo, a aquisição e detenção de munições para as armas de fogo - sejam balas sejam cartuchos e independentemente do seu calibre -, encontra-se dependente, além do mais, da titularidade de licença de uso e porte da arma a que as mesmas se destinam, conforme previsto nos art.vs 34.°, e 35.°, da aludida Lei. Atento o teor do preceito legal, supra transcrito, verifica-se que, no que ao caso importa, estamos perante um tipo legal de crime que se preenche pela simples detenção do objecto, por se considerar que tal detenção constitui uma conduta perigosa para vários bens jurídicos, sendo, por via disso, punida, sem se cuidar de saber se dessa conduta resulta ou não perigo concreto. Trata-se, pois, de um crime de perigo abstracto, nele se valorando a acção, em si perigosa, não constando da estrutura do tipo a exigência de perigo na situação concreta (v. g. Paulo de Albuquerque, Jornadas de Direito Criminal, CEJ, VoI. II, p. 289) e, bem assim, de um crime de realização permanente, iniciando-se o seu preenchimento com qualquer dos comportamentos descritos e mantendo-se enquanto os mesmos durarem. Quanto ao bem jurídico protegido, o tipo em análise visa a protecção da segurança da comunidade, face aos riscos da livre circulação e detenção de armas. Atenta a factualidade provada nos autos, e no que se refere aos factos imputados ao arguido L, verifica-se que o mesmo tinha em seu poder, no dia 11.12.2009, 8 (oito) munições de salva de calibre 5,56 mm; 1 (uma) munição real, do mesmo calibre; e 5 (cinco) cartuchos de calibre 12 mm, o que se integra nos elementos objectivos do tipo incriminador em análise, concretamente, a al. d), do seu n. ° 1, dado se ter apurado que o arguido L não era detentor de licença de uso e porte de arma de fogo e, bem assim, no que às munições de salva concerne, da necessária autorização da PSP. Além disso, apurou-se que o arguido sabia que não podia deter tais munições naquelas condições, porque a lei o proíbe, e, ainda assim, deteve-as, agindo, por isso, com dolo directo. Nestes termos, mostram-se, igualmente, preenchidos os elementos subjectivos do tipo de ilícito em análise, impondo-se a condenação do arguido L pela sua prática. Acresce ao exposto, e no que concerne à posse da carabina por parte do arguido L, ter resultado provado que o mesmo deteve a carabina da marca "Voere Voehrenbach", modelo "Floberr Olatt", com o n.º 848368, de calibre 6 mm, a qual, com vista à sua reparação e posterior devolução, entregou ao arguido J. Assim, resultando provado que tal arma de fogo pertence à Classe C, que o arguido L não era detentor de licença de uso e porte de arma de fogo desta categoria (nem de outras) e que o mesmo sabia que a posse de tal arma sem a titularidade de tal licença era proibida e punida por lei, e que, ainda assim, a entregou ao arguido J. para que este a entregasse ao arguido A. com vista à sua reparação e posterior devolução, dúvidas não poderão resultar de que o mesmo preencheu os elementos objectivos e subjectivos da al. c), do n." 1, do art.º 86.°, supra transcrito, tendo relativamente à posse e transferência de tal arma de fogo uma resolução criminosa autónoma da simples detenção das munições que lhe foram apreendidas, razão por se impõe condenar o mesmo pela prática do ilícito referido. Relativamente aos arguidos J e A, verifica-se que, igualmente, resultou provado que o primeiro teve em seu poder e que o segundo detinha no dia 11.12.2009, a carabina da marca "Voere Voehrenbach", modelo "Floberr Olatt", com o n.º 848368, de calibre 6 mm, e, bem assim, que os mesmos não eram detentores de licença de uso e porte de arma de fogo que os habilitassem à sua detenção, bem sabendo da obrigatoriedade da mesma e que a sua conduta era proibida e punida por lei, tendo agido de forma livre voluntária e conscientemente, ou seja, com dolo direto. Deste modo, em face dos factos provados, fácil se toma a conclusão de que tais arguidos preencheram, respetivamente, com as suas condutas os elementos objectivos e subjectivos do tipo de ilícito do art.º 86.°, n.º 1, al. c), da Lei n.º 5/2006, de 23.02, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 17/2009, de 6.05., impondo-se a sua condenação. * Da escolha e medida da pena. A moldura abstracta do artigo 152.°, n.º 1, al. a) e 2, do Código Penal, é de pena de prisão de 2 a 5 anos. A moldura abstracta do artigo 86.°, n.º1, al. c), da Lei n." 5/2006, de 23 de Fevereiro, na redacção dada pela Lei n." 17/2009, de 6.05., é de pena de prisão de 1 a 5 anos ou com pena de multa até 600 dias. A moldura abstracta do artigo 86.°, n." 1, aI. d), da Lei n." 5/2006, de 23 de Fevereiro, na redacção dada pela Lei n.º 17/2009, de 6.05., é de pena de prisão até 4 anos ou com pena de multa até 480 dias. Na escolha da pena, deve o julgador ter em atenção o critério constante do artigo 70.°, do Código Penal, o qual dispõe: «Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa de liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição». A escolha da pena depende unicamente de considerações de prevenção geral e especial e não da culpa. Esta última revela para efeitos da medida da pena. Assim, o recurso às penas detentivas só será legítimo quando, dadas as circunstâncias, se não mostrem adequadas as sanções não detentivas. No caso presente, o crime de violência doméstica de que o arguido L vem acusado só permite a aplicação de pena de prisão, pelo que, não há qualquer ponderação a efectuar. Quanto aos crimes de detenção de arma proibida, considera o tribunal que se mostram elevadas as exigências de prevenção geral, atenta a frequência com que sucedem estes tipos legais de crimes e a necessidade de consciencialização social para a ilicitude dos actos que os corporizam. Além disso, no que ao arguido L respeita, as necessidades de prevenção especial são medianas, uma vez que o mesmo não tem antecedentes criminais pela prática do crime de detenção de arma proibida, mostra-se inserido em termos sociais e profissionais e confessou parte dos factos que lhe foram imputados. Assim sendo, considera o Tribunal que as exigências de prevenção especial e geral se mostrarão suficientemente salvaguardadas com a imposição ao arguido L, pela prática dos citados crimes, de uma pena não privativa da liberdade. Quanto ao arguido J as necessidades de prevenção especial afiguram-se elevadas, a par das exigências de prevenção geral, uma vez que o mesmo tem antecedentes criminais por a prática do ilícito apurado nestes autos, tendo revelado indiferencia pela condenação de que foi alvo - prisão suspensa na sua execução. Deste modo, pese embora a admissão parcial dos factos por parte deste arguido, entende p tribunal que só uma pena privativa da liberdade logrará satisfazer as exigências preventivas que no caso se fazem sentir. No que se refere ao arguido A, afiguram-se medianas as exigências de prevenção especial, uma vez que o arguido não tem antecedentes criminais, mostra-se inserido em termos sociais e familiares, razão por que se entende que as finalidades preventivas se encontrarão suficientemente salvaguardadas com a imposição a este arguido de uma pena não privativa da liberdade De acordo com o disposto no artigo 71.°, do Código Penal, a determinação da medida da pena é feita, dentro dos limites fixados na lei, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, tomando-se em conta todas as circunstâncias que, não fazendo parte do respectivo tipo de crime, deponham a favor ou contra aquele. A opção do legislador pela culpa e exigências de prevenção, compreende-se como forma de realizar, por um lado, as finalidades da punição com a exigência de considerações sobre a prevenção e, por outro, ao atender-se à culpa, de respeito pela dignidade da pessoa do agente, funcionando esta vertente pessoal do crime como limite inultrapassável pelas exigências da prevenção (vide Figueiredo Dias, As consequências Jurídicas do Crime, 1993, p. 215). Princípio básico imposto por aquele normativo e reforçado pelo artigo 40.°, n.os 1 e 2, do Código Penal, é o de que toda a pena tem como suporte axiológico uma culpa concreta do agente, não havendo pena sem culpa, determinando esta a medida daquela. Contra o arguido L, relevam as circunstâncias de a conduta lhe ser imputada a título de dolo, da ilicitude ser elevada, atento o seu "modus operandi", o facto de a agressão físicas e as agressões psicológicas se verificarem ao longo do tempo de vida em comum com a sua mulher e filhos, tento estes presenciado parte dos factos. A favor do arguido, pesa a sua integração social e profissional e a admissão parcial dos factos imputados relativos aos crimes de detenção de arma proibida. Contra o arguido J há a considerar o dolo directo, logo intenso, a ilicitude da sua conduta, que reputados de elevada, atenta a elevada perigosidade do objecto que deteve, e os seus antecedentes criminais. A seu favor pesa a sua integração familiar, social e profissional, e a confissão parcial dos factos imputados. Contra o arguido A. pesa a circunstância de ter actuado com dolo directo, logo intenso, e o facto de a ilicitude da sua conduta ser elevada, considerando a elevada perigosidade do objecto que detinha em seu poder no momento da sua apreensão. Atento o exposto, ponderada a moldura abstracta do artigo 152.°, n." 1, aI. a) e 2, do Código Penal, entende o tribunal ser de aplicar ao arguido L a pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão. Contudo, pese embora a gravidade dos factos pelo mesmo praticados, entende¬se, ainda assim, que a simples censura do facto e ameaça da execução da pena de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades punitivas, optando-se, nos termos do n.º 1, do artigo 50.°, do Código Penal, por suspender a execução da pena de prisão aplicada ao arguido pelo período de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses, a qual, porém, por se considerar da maior conveniência para a reintegração do arguido, fica subordinada ao regime de prova, nos termos previstos no artigo 53.°, do Código Penal, mediante plano a elaborar pelos Serviços de Reinserção Social. Ponderada, igualmente, a moldura do artigo 86.°, n." 1, aI. c), da Lei n." 5/2006, de 23 de Fevereiro, na redacção dada pela Lei n." 17/2009, de 6.05., entende o tribunal ser de aplicar ao arguido Luís Jesus a pena de 280 (duzentos e oitenta) dias de multa. Realizada igual ponderação no que concerne ao artigo 86.°, n.º 1, aI. d), da Lei n." 5/2006, de 23 de Fevereiro, na redacção dada pela Lei n.º 17/2009, de 6.05., entende o tribunal por adequado aplicar ao arguido L a pena de 120 (cento e vinte) dias de multa. Nos termos do artigo 77.°, n.? 1, do Código Penal, operando o cúmulo jurídico e efectuando uma ponderação dos factos no seu conjunto, atendendo ao que eles revelam da personalidade do arguido L, entende ser de aplicar ao mesmo, dentro dos limites mínimo e máximo fixados na lei (cfr. art.º 77.°, n." 2, do Código Penal), a pena única de 300 (trezentos) dias de multa. É ponto assente na jurisprudência que «o montante diário da multa deve ser fixado em termos de se constituir um sacrifício real para o condenado sem, no entanto, deixarem de lhe serem asseguradas as disponibilidades indispensáveis ao suporte das suas necessidades e do respectivo agregado familiar» (cfr. Ac. do S.T.J. de 02.10.1997 in C. J., Ano II, 3°, p. 183), sendo que «como ponto de partida de determinação do montante da multa é de considerar o denominado rendimento líquido, ou seja, a diferença entre o rendimento bruto e as despesas que advém do seu ganho» (Ac. do TRL de 27.06.1996, in C.J. Ano XXI, 3.°, p. 56). Por conseguinte, nos termos do n.º 2, do artigo 47.°, do Código Penal, tendo em conta os rendimentos auferidos pelo arguido L e os seus encargos pessoais, fixa-se em € 6,00 (seis euros), o montante correspondente a cada dia, perfazendo a multa total de € 1.800,00 (mil e oitocentos euros), e a que correspondem 200 (duzentos) dias de prisão subsidiária, caso a multa não seja voluntária ou coercivamente paga - cfr. art." 49.°, do Código Penal. No que se refere ao arguido J, feita a ponderação da moldura penal abstracta do artigo 86.°, n.º 1, al, c), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na redacção dada pela Lei n." 17/2009, de 6.05., considera-se adequada a aplicação ao mesmo a pena de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão. Nos termos do art.º 50.°, do C.Penal, deverá o Tribunal suspender a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições de vida, à sua conduta anterior ou posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada as finalidade punitivas. No caso dos autos, o arguido J é ainda um jovem, tendo toda uma vida pela sua frente, e encontra-se inserido em termos sociais, profissionais e familiares, tendo admitido parte dos factos que lhe foram imputados. Assim sendo, pese embora a gravidade dos factos pelo mesmo praticados e os seus antecedentes criminais, entende-se, ainda assim, que a simples censura do facto e ameaça da execução da pena de prisão realizarão de forma adequada e suficiente as finalidades punitivas, optando-se, nos termos do n.º 1 e 5, do artigo 50.°, do Código Penal, por suspender a execução da pena de prisão aplicada a este arguido pelo prazo de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses. No entanto, com vista a imprimir na consciência do arguido J a censurabilidade da sua conduta e a motivá-lo ao futuro cumprimento das normas vigentes, decide-se subordinadar a suspensão da execução da pena de prisão ao regime de prova, nos termos previstos no artigo 53.°, do Código Penal, mediante plano a elaborar pelos Serviços de Reinserção Social. Relativamente ao arguido A, ponderada a moldura abstracta do artigo 86.°, n.º 1, aI. c), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na redacção dada pela Lei n.º 17/2009, de 6.05., entende o tribunal ser de aplicar ao mesmo a pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa, a qual, atento o disposto no n.º 2, do artigo 47.°, do Código Penal, tendo em conta os parcos rendimentos auferidos por este arguido, se fixa à razão diária de € 5,00 (cincos euros), o que perfaz a multa total de € 900,00 (novecentos euros), e a que correspondem 120 (cento e vinte) dias de prisão subsidiária, caso a multa não seja voluntária ou coercivamente paga - cfr. art." 49.°, do Código Penal. *** -IV¬Pedido Cível (…) » II. Fundamentação 1. Delimitação do objeto do recurso. Como é entendimento assente, são as conclusões de recurso que definem o seu objeto sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso. Sem impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto, o arguido considera que nunca possuiu a arma em causa, não tendo sequer sido detido com a mesma, desconhecendo em absoluto que estaria a cometer qualquer delito, concluindo que deve ser absolvido. Se assim não for, considera o arguido que a pena de 2 anos e dez meses, suspensa por igual período e sujeita ao regime de prova é manifestamente excessiva e desproporcional, pelo que, a não ser absolvido, deve ser condenado no mínimo legal previsto. Vejamos então as questões colocadas pelo arguido e recorrente. 2. Decidindo 2.1. O arguido J, ora recorrente, foi condenado pela autoria de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.°, n.º 1, al. c), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na redação dada pela Lei n.º 17/2009, de 6.05., na pena de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão, por ter resultado provado, no plano objetivo, que teve consigo a carabina da marca "Voere Voehrenbach", modelo "Floberr Olatt", com o n." 848368, de calibre 6 mm, referenciada no nº 18 dos factos provados (cujas caraterísticas e indocumentação não são postas em causa pelo recorrente), desde dia não apurado da última semana de novembro de 2009 até ao dia, não apurado, em que a entregou ao arguido A. para que este a reparasse, conforme lhe tinha sido solicitado pelo arguido L, sendo certo que em 11.12.2009 aquela arma foi apreendida na posse de A. Em face deste quadro factual, não tem o recorrente razão quando alega que nunca possuiu a arma em causa, pois para efeitos do art. 86.°da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, tal como para os preceitos similares que o antecederam, pratica a ação típica na modalidade de detenção quem tenha a arma consigo ou quem a tenha na sua esfera de disponibilidade, ainda que de forma esporádica ou transitória. Não só é este o sentido que corresponde ao significado do vocábulo do ponto de vista gramatical, como é o que se ajusta à natureza do crime enquanto crime de perigo de perigo abstrato que tem por bem jurídico protegido a segurança da comunidade face aos riscos derivados da livre circulação e detenção de armas proibidas, engenhos e materiais explosivos[2]. O crime consuma-se com a mera disponibilidade da arma por parte do agente, independentemente da finalidade da detenção e mesmo do tempo em que aquela se mantenha, sem prejuízo da eventual verificação das causas comuns de justificação ou de exclusão da culpa. O caso concreto, porém, convoca, ao nível do preenchimento do tipo de ilícito, a temática das chamadas causas de atipicidade ou de exclusão da tipicidade, ou seja, na definição de Luzón Peña[3] (que seguimos de parte nesta matéria), circunstâncias que, por razões materiais, excluem a tipicidade da conduta apesar de esta aparentar e formalmente encaixar-se na descrição legal, supondo, portanto, a negação do tipo. Partindo da distinção de Luzón Peña entre causas de exclusão do tipo indiciário e causas de exclusão da tipicidade penal ou do ilícito penal, verificam-se estas últimas quando concorrem circunstâncias que operam como causas, tacitamente subentendidas no sentido dos tipos penais, de restrição e portanto de exclusão da tipicidade penal: embora haja uma perturbação ou lesão de bens jurídicos que em princípio é juridicamente relevante, no entanto não é grave o suficiente para considerar-se juridicopenalmente relevante; portanto, a conduta será de algum modo ilícita, mas não é penalmente típica e ilícita[4]. Assim entendidas, as causas de atipicidade penal são uma parte negativa de qualquer tipo penal, podendo considerar-se como tal, sem exaustividade, o princípio da insignificância, a tolerância social, alguns casos de adequação social, certos casos de consentimento não plenamente válido ou a inexigibilidade penal geral – cfr L.Peña, est. cit. p. 120[5]. De entre estas circunstâncias importam-nos no caso concreto o princípio da insignificância, que Luzón Peña diz ter sido concebido por Roxin como causa de atipicidade, e que também se designa como casos de ilícito bagatela, e a tolerância social. Significa o princípio da insignificância que não podem ser penalmente típicas ações que apesar de, em princípio, encaixarem numa descrição típica e de conterem algum desvalor jurídico, ou seja, que não se encontrem justificadas e não sejam plenamente lícitas, apesar disso no caso concreto o seu grau de ilicitude é mínimo, insignificante: porque, de acordo com o seu caráter fragmentário, as condutas penalmente típicas só devem ser constituídas por ações que sejam gravemente antijurídicas, não por factos cuja gravidade seja insignificante. O princípio da insignificância, conclui L.Peña, significa uma restrição tácita dos tipos que, no entanto, só opera quando numa conduta típica que, em princípio, é suficientemente grave, podem encaixar-se casos concretos cujo desvalor seja insignificante, o que pode suceder por ser mínimo o desvalor objetivo do facto ou do resultado ou também por ser mínimo o desvalor subjetivo da ação. A tolerância social[6], que realmente constitui um caso especial ou subespécie do princípio da insignificância, significa que alguns casos concretos de uma conduta em princípio típica, sem chegarem à adequação social, isto é, apesar de não serem considerados corretos, são socialmente tolerados ou considerados como algo tolerável, suportável sem que tenha importância de maior. Ora, tendo em conta este enquadramento sistemático do problema da eventual atipicidade da conduta do arguido recorrente, para que fomos conduzidos pelas particularidades do caso sub judice e pela motivação de recurso, importa ter presente, sobretudo, os seguintes dados. Em primeiro lugar, resulta do descrito sob o nº18 da factualidade provada que a arma encontrava-se inoperacional no curto período de tempo que o ora recorrente a teve consigo, o que na perspetiva do perigo de perturbação da paz social e de lesão de outros bens jurídicos protegidos pela criminalização da mera detenção de armas, leva a concluir ser a sua conduta muito pouco grave. Em segundo lugar, o arguido recorrente limitou-se a entregar a arma ao arguido A. a pedido do arguido L, que a detinha em nome próprio por ter pertencido a seu pai (nºs 18 e 19 dos factos provados), sem que a factualidade provada reflita qualquer outro interesse pessoal do arguido recorrente que não fosse o de ser prestável, do mesmo modo que não reflete que o arguido recorrente tenha posto em contacto os dois outros arguidos ou tenha tido qualquer intervenção no trato implícito entre estes. Por último, a factualidade provada não dá conta de qualquer ligação entre a arma em causa e a conduta criminosa do arguido L relativamente à sua cônjuge, tal como não consta daquela factualidade que uso o arguido L pretendia fazer dela, nem tão pouco que o arguido recorrente dele tivesse conhecimento. Tanto do ponto de vista objetivo como subjetivo, o desvalor da conduta do arguido recorrente é mínimo e, tendo em conta o bem jurídico protegido, não é comparável com a dos restantes arguidos. Afigura-se-nos, pois, que não obstante o curto período de detenção da arma por parte do arguido recorrente corresponder, em princípio, à descrição típica do art. 86º n.º 1, al. c), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, a concreta configuração da detenção e o contexto em que a mesma se verificou impõem a conclusão de que a conduta do arguido recorrente se encontra excluída daquele tipo de ilícito por ser socialmente tolerada, dada a insignificância do respetivo grau de ilicitude. Isto é, ao preenchimento aparente do tipo não corresponde, no caso sub judice, a concretização do juízo de ilicitude material subjacente à sua formulação, pelo que se revela atípica a conduta do arguido recorrente, impondo-se a sua absolvição. III. Dispositivo Nesta conformidade, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em conceder provimento ao recurso interposto pelo arguido, J, revogando o acórdão recorrido na parte em que o condenou pela prática, em autoria material, de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.°, n." 1, al. c), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na redação dada pela Lei n." 17/2009, de 6.05., na pena de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão, suspensa na sua execução, decidindo, em substituição, absolvê-lo da prática daquele mesmo crime, mantendo-se em tudo o mais o acórdão recorrido. Sem custas. Évora, 17 de Setembro de 2013 (Processado em computador. Revisto pelo relator.) (António João Latas) (Carlos Jorge Berguete) _________________________________________________ [1] - Sumariado pelo relator. [2] Cfr Paula Ribeiro de Faria Comentário Conimbricense do C.Penal, II-1999 p. 891, em comentário ao art. 275º do C.Penal na versão de 1995. [3] Diego-Manuel Luzón Peña, Causas de Atipicidade in AAVV, Problemas Fundamentais de Direito Penal. Homenagem a Claus Roxin, Universidade Lusíada Editora-2002, p. 111 e sgs [4] Idem, p. 119. [5] Destaca o autor (ob. e loc. cit) que” … com muita frequência os tribunais aplicam realmente estas causas de atipicidade penal, não iniciando o procedimento penal, sustando ou absolvendo, consoante os casos, embora sem utilizar esta fundamentação sistemática, decidindo de modo mais intuitivo que a conduta não é constitutiva de um delito.”. [6] Cfr L. Peña. est. e loc. cit. p. 124. |